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Fé e Razão: Distinguir para unir
“Benedicite omnia opera Domini Domino,laudate et super exaltate eum in saecula”[1](Dan 3, 57).
O Espírito Santo nos lembra, pela boca dos três jovens na fornalha, do livro do profeta Daniel, duas verdades elementares: nós somos obra do Senhor e devemos louvá-lo para sempre. Na linguagem filosófica, se diz que Deus é nossa causa eficiente, ou causa primeira, e nossa causa final. Deus é nosso criador e é também nosso fim, nosso sumo bem. Já os filósofos antigos o tinham dito, e a maior parte das civilizações o tinha por certo, ainda que suas crenças fossem cheias de erros.
Que Deus seja nosso Criador, sabendo que Ele nos transcende infinitamente, não é algo difícil de compreender. Um problema aparece, entretanto, considerando esta mesma transcendência, para compreender como Deus possa ser nosso fim último. Nós temos uma inteligência e uma vontade. O fim da inteligência é conhecer e o fim da vontade é amar. Sabendo que só pode ser amado aquilo que é conhecido, se o homem não pudesse conhecer a Deus, ele seria totalmente privado do seu fim.
Existem duas maneiras pela qual nós podemos conhecer a Deus: pela razão ou pela Fé. Nossa razão conhece todas as coisas a partir de um conhecimento sensível[2]. Ora, Deus sendo um ser puramente espiritual, apenas os seus efeitos podem ser atingidos pelos nossos sentidos. Logo, o conhecimento que temos de Deus pela razão é limitado. Nós podemos conhecer pela razão, por exemplo, que Deus existe, mas o conhecimento de Deus que nós temos pelos seus efeitos, não é suficiente para nos fazer conhecer a essência divina. Existem, então, verdades sobre Deus que são inacessíveis a nossa razão.
Mas, visto que o homem precisa conhecer a Deus infinito, que é o seu fim, para que ele possa ordenar a Deus suas intenções e suas ações, convinha que estas verdades fossem propostas para a aceitação da nossa fé, já que elas excedem os limites da razão. Pela fé, então, nós podemos conhecer aquilo que é inacessível à razão, porque nós cremos naquilo que Deus nos ensinou, mesmo se o nosso raciocínio não consegue prová-lo.
Ora, na Revelação, além das verdades que excedem os limites da nossa razão, também são propostas à aceitação da nossa fé verdades acessíveis à nossa razão. Isso parece absurdo à primeira vista porque nada pode ser conhecido pela razão e aceito pela fé ao mesmo tempo[3]. No entanto, não só é possível que as verdades acessíveis à razão sejam propostas à aceitação de nossa fé, mas é mesmo salutar, porque algumas verdades podem ser conhecidas pelos sábios, mas cridas pelos ignorantes. Além do que, muitas vezes por causa da fraqueza do nosso entendimento e das falhas da nossa imaginação, o erro se introduz no nosso conhecimento. Por isso era salutar que a Providência impusesse como verdade de fé algumas verdades acessíveis à razão, afim de que todos participassem tranquilamente do conhecimento de Deus sem medo de dúvida nem de erro[4].
Assim, a fé não é uma violência imposta à nossa razão, mas, ao contrário, ela confere ao conhecimento racional a sua perfeição e o seu acabamento. Não pode, igualmente, existir contradição entre fé e razão porque, sendo Deus o autor da natureza, é dele que vêm o conhecimento natural que nós temos dos princípios e entre uma razão dada por Deus e uma Revelação que vem de Deus não pode haver contradição[5].
Enfim, unidas fé e razão, não se deve confundi-las. Se a fé anima a razão, a razão que apoia a fé não deixa por isso de fazer operações puramente racionais e de afirmar conclusões fundadas sobre a única evidência dos primeiros princípios, comuns a toda inteligência humana (ex.: principio de não contradição) [6]. Se, ao contrário, a fé for posta como única garantia da razão, não só a razão se torna inútil porque ele não nos traz nenhuma certeza, mas também a fé perde toda a sua força, porque ela perde o seu suporte que é a razão[7].
Para citar este texto:
"Fé e Razão: Distinguir para unir"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/religiao/fe-e-razao-distinguir-para-unir/
Online, 22/12/2024 às 05:20:32h