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Dois padres, duas escolas espirituais, duas religiões
Alberto Zucchi
[caption id="attachment_34731" align="aligncenter" width="405"] Padre Marcelo Rossi e Padre Faber[/caption] Recentemente me foi apresentado o último livro do Padre Marcelo Rossi, cujo título é “Ruah”. Assim como o “Ágape”, que já tive a oportunidade de comentar, o título deste novo livro é encoberto de mistério, uma vez que não há explicação clara do que seja o tal “Ruah”. Na contracapa do livro há algumas informações ou características, mas nunca uma definição: “Ruah é a força criadora que gera saúde, força, beleza e sabedoria”. O “Ruah” seria portanto, segundo esta informação, uma espécie de super Biotônico Fontoura, com grande poder de ação, algo principalmente voltado para vantagens corporais e, neste sentido, parece-nos que sabedoria é confundida com inteligência. Mas logo em seguida vem outra explicação para o “Ruah”: “É o sopro divino que nos alimenta”. E, neste caso, seria algo espiritual, porque sopro divino não sustenta a fome de ninguém. Assim, o “Ruah” é material e espiritual ao mesmo tempo. Algo que lembra os modernistas, que confundem natural e sobrenatural. Tudo, portanto, pouco claro, pouco explicado, como uma doutrina hermética. Tudo muito estranho. E depois tem gente que reclama que nós vemos gnose em todo o lugar... Mas este artigo não tem a finalidade de comentar o “cheiro”, para ser muito complacente, de modernismo e de gnose em “Ruah”. Este novo livro traz a oportunidade para comparar a escola de espiritualidade proposta por Padre Marcelo Rossi, neste livro, com a escola espiritual de outro Padre, Frederico William Faber, ou simplesmente Padre Faber, como ele é conhecido. Padre Faber, que infelizmente é pouco conhecido em nossa época e particularmente no Brasil, nasceu perto de Yorkshire, na Inglaterra, em 28 de junho de 1814. Sua família tinha certo destaque na Igreja Anglicana. Seu pai era “padre” e seu tio, professor em Oxford, foi autor de um trabalho contra o Papa e a Igreja Católica. Após duas viagens a Roma, nas quais ele ficou muito impressionado com tudo o que conheceu, principalmente com o túmulo de São Felipe Néri, que está na Igreja de Santa Maria in Vallicela (Chiesa Nova), ele estabeleceu práticas como a confissão e a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que não estavam de acordo com os Anglicanos. Em setembro de 1845, padre Faber comunicou sua conversão ao catolicismo. Posteriormente ingressou na Congregação dos Oratorianos e acabou por fundar o Oratório em Londres, o qual sempre teve a frequência piedosa de muitos fiéis e manteve até nossos dias a Missa Tridentina. Padre Faber concentrou seu trabalho apostólico na escola para necessitados, e era famoso por seus sermões. Incentivou hinos e procissões ao Santíssimo Sacramento. Ele mesmo compôs um destes hinos e diversas poesias, demonstrando desta forma seus dons poéticos. Escreveu vários livros como “Tudo por Jesus”, “Santo Sacramento”, “Criador e a Criatura”, “Ao pé da cruz”, “O precioso Sangue”, e “Progresso na Vida Espiritual”, do qual trataremos muito brevemente aqui. Assim, o trabalho de formação espiritual de Padre Faber se deu em um ambiente hostil, ou seja, a Inglaterra anglicana. Ele se dedicou à formação espiritual dos leigos, utilizando para isto o ensinamento através de livros, a poesia e cerimônias religiosas, chegando a fundar uma casa religiosa. Padre Marcelo Rossi, ou padre Marcelo, é infelizmente muito conhecido, principalmente no Brasil. Ele nasceu de uma família católica, mas nunca teve interesse pela religião até decidir entrar para o seminário. Formou-se em Educação Física e estudou na Faculdade Salesiana em Lorena, e depois na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção no começo dos anos 90, quando esta era totalmente dominada pela Teologia da Libertação. Em 1994 foi ordenado. Como padre, seguiu a linha da Renovação Carismática – RCC. Assim como Padre Faber, ele tem se dedicado a algo que muitos chamam de evangelização. Escreveu alguns livros e sobretudo gravou muitos CDs. Ele também fundou o Santuário da Mãe de Deus, na Zona Sul de São Paulo. Padre Marcelo surgiu, apoiado pela mídia, em um momento em que as igrejas protestantes pentecostais arregimentavam um grande número de fiéis. Ambos os padres deram prioridade no seu trabalho à formação dos católicos. Ambos trabalharam em ambientes hostis, ambos construíram igrejas para atender seus fiéis, e ambos agiram utilizando seu talento natural poético-artístico, bem como escreveram diversos livros. Eis os dois padres. Apesar das semelhanças mencionadas, existe uma profunda diferença entre Padre Faber e Padre Marcelo, naquilo foi ensinado por ambos: as suas escolas espirituais. Essa enorme distância pode ser facilmente constatada através de uma rápida comparação entre “Ruah” e “Progresso na Vida Espiritual”. À primeira vista, “Ruah” é mais um livro de receitas do tipo "Dona Benta" do que um livro de vida espiritual. Mas se foi um padre o autor do livro é de se esperar que exista algo mais que um simples receituário, uma vez que um padre não é um gastrônomo. Parece que ele quer ensinar algo escondido atrás de um outro ensinamento. Algo como a Divina Comédia de Dante que, por trás de uma história aparentemente católica, trazia todo um ensinamento contrário à Igreja. É claro que aqui não se compara a qualidade poética da Divina Comédia com “Ruah”, apenas o método. “Progresso na Vida Espiritual” é o primeiro livro sobre este tema escrito por Padre Faber. É o que se pode chamar de um livro clássico de vida espiritual. Padre Faber, na introdução, diz que se trata de um livro de Teologia Espiritual, e acrescenta que procurou harmonizar a espiritualidade antiga e nova da Igreja, dando preferência à primeira. Nas citações a seguir apresentadas consta a página das seguintes edições dos livros: Progresso na Vida Espiritual, 2ª. Edição, Editora Vozes, Petrópolis Ruah, 1ª. Edição, 2015, Editora Globo, São Paulo. A comparação pode ser iniciada com a preocupação apresentada por cada um dos padres.
Padre Marcelo – Ruah |
Padre Faber – Progresso na vida espiritual |
Meu grande erro, quando eu mesmo me vi no limite da obesidade, foi não lembrar da importância do acompanhamento de um nutricionista na hora de iniciar um regime alimentar (p.11) | Continuei o estudo da teologia ascética com toda diligência e constância. Esforcei-me para que esse acréscimo de experiência e de estudo redundasse em proveito da presente edição, e, com este fim em mira, submeti todo o trabalho a uma revisão cabal e minuciosa. (p.9) |
Padre Marcelo – Ruah |
Padre Faber – Progresso na vida espiritual |
“Não é de hoje que chamo a atenção dos meus amados para o quanto a fé, o pensamento positivo e o bom humor contribuem com a nossa saúde mental e física. Em meu último livro Philia, dediquei um capítulo inteiro sobre os malefícios do pessimismo, mas volto a reforçar aqui o quanto um estado de espírito otimista e a confiança em Jesus mantém nosso corpo trancado para as enfermidades”. (p. 73) | “Se estamos bem com Deus, tudo está bem conosco, ainda que as mais negras adversidades nos cerquem. Se não estamos bem com ele, nada está bem conosco, esteja embora aos nossos pés o que o mundo possui de melhor e de mais brilhante” (p.11) |
Padre Marcelo – Ruah |
Padre Faber – Progresso na vida espiritual |
“Não tenho nenhuma dúvida de que a oração me ajudou a superar o processo de depressão no qual mergulhei e que esse poder curativo que ela tem pode ajudar também na recuperação de outras enfermidades” (p. 74) “um estudo feito com idosos [qual estudo? De onde ele tirou isto?] mostrou que o aumento da espiritualidade [não é da vida espiritual ou da prática da virtude: espiritualidade até um espírita diz que tem], algo comum de acontecer com o avanço da idade, pode contribuir para a saúde e o bem-estar na velhice.” (p. 74)[observações nossas] | “É isto que significa rezar sempre. Vejamos agora os resultados dessa oração contínua e a força com que eleva o homem a um estado sobrenatural! Ele vive num mundo diferente. Aqueles que o cercam, os seus íntimos, não são deste mundo: Deus Jesus, Maria, os anjos e os santos formam o móvel secreto do seu espírito e muitas vezes presidem à expressão dos seus pensamentos” (p. 243) “Demais, a tendência para o repouso, que a oração desenvolve, é desfavorável ao êxito e ao progresso no sentido em que o mundo entende estas palavras, porque impede que as desejemos com ardor e as procuremos com impaciência” (p. 244) |
Para citar este texto:
"Dois padres, duas escolas espirituais, duas religiões"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/religiao/dois-padres-duas-escolas-espirituais-duas-religioes/
Online, 24/11/2024 às 00:20:38h