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A pilhagem do tesouro espanhol
Victor Peregrino
No final da guerra civil espanhola desertou para o Ocidente o diplomata e general da NKVD (serviço secreto soviético) Alexander Orlov. Posteriormente publicou ele um livro intitulado A História Secreta dos Crimes de Stalin, no qual narra o que possivelmente tenha sido o maior estelionato da história.
O general Orlov chegara à Espanha em setembro de 1936, logo após a eclosão da guerra civil, nominalmente como consultor do governo republicano, mas na verdade como agente espião soviético.
Menos de um mês depois recebeu ele uma mensagem secreta ordenando-lhe providenciar, de comum acordo com o Primeiro Ministro Largo Caballero, a remoção das reservas de ouro da Espanha para a União Soviética. A mensagem vinha firmada por Ivan Vasilyevich, codinome do próprio Stalin.
O governo republicano, temeroso de que as reservas nacionais de ouro pudessem cair nas mãos dos rebeldes nacionalistas do General Franco, que assediavam Madrid, resolvera proteger o tesouro espanhol confiando-o à "salvaguarda" de Josef Stalin, ditador da Rússia, na época incensado como "guia genial dos povos" pela esquerda bolchevista.
A transferência do ouro e da prata dos cofres do Banco de Espanha foi ordenada por um decreto secreto de 13 de setembro de 1936, firmado pelo Presidente Manuel Azaña e pelo Ministro da Fazenda Juan Negrín.
Stalin não se fez de rogado, e imediatamente acionou o serviço secreto comunista para providenciar a transferência, antevendo a chance de engordar o tesouro moscovita com 725 toneladas de ouro espanhol.
Orlov, com a colaboração do governo republicano, desencadeou a operação. O ouro achava-se guardado em Cartagena, porto mediterrâneo, em paióis de munição subterrâneos da Marinha, acondicionado em mais de 10.000 caixas, cada qual contendo 65 quilos do precioso metal. Por isso foi necessária a participação de outra autoridade espanhola, o Ministro da Marinha e da Aeronáutica, Indalécio Prieto.
Decidiu-se que a preciosa mercadoria seria despachada em cargueiros russos, que seriam escoltados por navios de guerra espanhóis, até o porto soviético de Odessa, no Mar Negro. O tempo urgia, pois se a notícia transpirasse o comboio seria fatalmente interceptado pela Alemanha ou Itália fascistas, aliadas de Franco.
Orlov requisitou todos os navios russos que chegavam a Cartagena trazendo material bélico para os republicanos, bem como a equipagem de uma brigada de tanques soviéticos, desembarcada duas semanas antes, comandada pelo Coronel S. Krivoshein. Este providenciou vinte caminhões militares, dirigidos por tanquistas russos disfarçados de soldados espanhóis, que passaram a efetuar o traslado das caixas durante a noite, entre o depósito e o porto, num trajeto de duas horas. O carregamento dos caminhões era efetuado por sessenta marinheiros espanhóis.
A operação durou três noites, do ocaso ao amanhecer, fazendo-se inteiramente no escuro, devido ao blecaute imposto pelos bombardeios alemães. Malgrado estes, que chegaram a atingir um navio espanhol atracado ao lado dos cargueiros russos, o carregamento do ouro foi completado com sucesso, e quatro embarcações soviéticas zarparam para Odessa, levando nos porões o tesouro acumulado, durante séculos, pela nação espanhola.
Pouco antes da partida, um dirigente do Tesouro espanhol exigiu de Orlov o recibo de 7.800 caixas de ouro que este declarava haver embarcado, mas o agente russo, obedecendo às matreiras ordens de Stalin, disse não estar autorizado a fornecê-lo, sugerindo-lhe que mandasse um representante do Tesouro acompanhar a carga, a bordo de cada um dos quatro navios. E assim foi feito.
Quando chegou a Odessa, o ouro foi desembarcado por um exército de agentes da NKVD, disfarçados de estivadores, e imediatamente despachado por trem para Moscou. Tanto o porto quanto a ferrovia foram isolados por tropas especiais.
Assim que viu o tesouro trancado nos cofres russos, Stalin ofereceu uma grande festa aos chefes do partido e aos dirigentes da NKVD, para comemorar o êxito do golpe. O ditador estava exultante com a façanha, que certamente lhe despertou lembranças dos tempos em que assaltava bancos para angariar fundos para a causa comunista. Nikolai Yejov, chefe da NKVD, ouviu-o declarar: "Nunca mais verão esse ouro, como não vêem as próprias orelhas".
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E como eram grandes essas orelhas! Será possível que políticos experimentados - socialistas e comunistas militantes - acreditassem realmente que o revolucionário-mor, que expropriara os bens do povo russo, que fuzilara em sangrentos expurgos os próprios companheiros, fosse guardar a norma de moral "burguesa" de respeito à propriedade alheia? Por incrível que pareça, tudo indica que sim.
O fato é que o ouro, à época no valor de 600 milhões de dólares (hoje valeria mais de cinco bilhões) jamais retornou. Os funcionários espanhóis que o acompanharam à Rússia lá ficaram presos até o fim da guerra civil. Anos depois o Pravda, órgão oficial do PC soviético, admitiu que, de fato, cerca de 500 toneladas de ouro tinham sido recebidas em 1936, mas em pagamento dos fornecimentos russos ao governo republicano, pelos quais a Espanha ainda deveria à União Soviética mais de US$ 50.000.000...
Para citar este texto:
"A pilhagem do tesouro espanhol"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/historia/pilhagem/
Online, 26/12/2024 às 09:56:03h