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Um pouco de história da Montfort
Alberto Zucchi
Muitos de nossos amigos, especialmente os que não moram na cidade de São Paulo, com certa insistência me pedem para seja escrita uma história da Montfort e uma biografia do Professor Orlando. Quem sabe um dia isto seja feito! Será interessante e trará proveito aos nossos leitores, sobretudo se pudermos escrevê-la no contexto de uma história do movimento litúrgico no Brasil e se tratarmos também de algo que chamei, em uma recente palestra, a “Contra Reforma Litúrgica de Bento XVI”.
Sem dúvida este será um grande trabalho que, por enquanto, deixo nas mãos da Providência, esperando que ocorram as situações concretas que tornem possível a sua realização. Entretanto, nesta véspera de feriado, recebendo informações sobre a situação da política eclesiástica, lembrei-me de um fato marcante da história da Montfort e, com isto, aproveito para atender um pouco do desejo de nossos leitores.
O fato que vou relatar ocorreu há exatamente dezenove anos. Mas, como em toda história, é necessário voltar um pouco mais no tempo.
Comecemos então lembrando um retiro. Estávamos no final do ano de 1992. O na época Padre Fernando Rifan pregou um retiro para os rapazes da Montfort. A finalidade era identificar vocações para o seminário que a Administração Apostólica São João Maria Vianney estava reiniciando. Eles estavam descontentes com o seminário de La Reja da FSSPX, na Argentina. Padre Rifan sempre teve livre acesso para conversar com quem desejasse, na Montfort, sem previa autorização ou qualquer forma de vigilância. Nós depositávamos grande confiança no Padre Rifan. E foi assim que ele organizou e conduziu o retiro. Ao final, seis dos rapazes foram convidados para ingressarem no seminário. Creio que estávamos no início de 1993. Dentre estes, estava um rapaz de nome Aguinaldo da Silva.
O Professor Orlando havia feito apostolado com ele no Colégio Alexandre de Gusmão onde, como em muitos outros colégios, formou um grupo de alunos que passaram a praticar mais a religião católica. No seminário, Aguinaldo se aproximou do Padre Possidente, que era o Reitor. - Infelizmente Padre Possidente não se tornou o líder dos padres de Campos. Se isto tivesse acontecido, acredito que a história desses padres teria tido outro rumo. - Nas palavras do Padre Possidente, Aguinaldo se destacava pela seriedade em sua vida espiritual e pela firmeza de seus princípios.
Em Julho de 1994, ocorreram as primeiras eleições para escolha do Superior Geral da FSSPX após a morte de Dom Lefebvre. Este havia escolhido como seu sucessor o Padre Schmidberger. Para a surpresa daqueles que, como nós, acompanhávamos estes fatos de longe, o Padre Scmidberger não foi reeleito e o novo Superior da FSSPX passou o a ser o Bispo Dom Fellay. O Padre Rifan, que havia pregado o retiro preparatório para a eleição, voltou de Écône verdadeiramente encantado com a FSSPX, e passou a exigir de nós uma submissão e uma adesão a essa Fraternidade que de forma alguma eram o desejo do Professor. Por este tempo, começaram a surgir rumores de uma tendência sedevacantista na FSSPX. Havia alguns sintomas de contaminação desta tendência em Campos.
Começavam a chegar as primeiras informações sobre os tribunais da FSSPX, com indícios de que algo similar poderia estar sendo feito em Campos. Padre Rifan começava a criticar a Montfort pelo Brasil... Foi neste clima que fomos para a ordenação sacerdotal do Padre José de Matos Barbosa. Era o dia 14 de agosto de 1994.
Algumas das moças da Montfort haviam entrado em uma congregação de freiras, orientada pelo Padre José Paulo Vieira, e que cuidava de um asilo e de uma escola na cidade de Bom Jesus do Itabapoana, também no Rio de Janeiro. Aproveitamos a ocasião para conhecer esta obra. O então seminarista Aguinaldo foi designado para nos acompanhar entre São Fidelis, onde foi realizada a ordenação, e Bom Jesus e viajou em nosso carro. No caminho, falamos um pouco de nossa preocupação com as novas tendências que surgiam na FSSPX. Creio até que mencionei algo sobre os tribunais. Aguinaldo nos respondeu que não havia ouvido nada a respeito, porque as informações que chegavam ao seminário eram poucas e os seminaristas eram preservados de novidades. Para ele, certamente esta não era a posição do Padre Possidente mas, de qualquer forma, ele mesmo jamais aceitaria uma posição sedevacantista e por isso ficaria de “olho aberto”.
Após um ano e meio, Aguinaldo não havia mudado em nada: firmeza de princípios e vida espiritual exemplar. Após a ordenação, voltamos para São Paulo: foi a última vez em que alguém da Montfort conversou com Aguinaldo. Exatamente três meses depois, no dia 15 de novembro de 1994, uma terça feira, feriado da proclamação da República, promoveu-se um passeio do Seminário a uma praia deserta próxima de Campos. Alguns dos seminaristas se aventuraram no mar. Dentre eles um Padre. Aguinaldo preferiu ficar sentado na praia, conversando com o Padre Possidente. De repente ouviu-se uma gritaria. O Padre, que entrara no mar e estava de batina, havia sido arrastado pela correnteza. Uma praia deserta em um feriado no Rio de Janeiro só poderia ser sinônimo de um grande perigo. Era evidente para todos que estavam na praia que a situação do Padre era dramática. Claramente ele não conseguiria voltar para terra, e a correnteza o levava cada vez mais para alto mar. Um clima de terror se apoderava dos padres e seminaristas ali presentes. Aguinaldo era do interior de Minas. Vivia em uma pequena cidade e desde pequeno nadava em um rio da região, tornando-se excelente nadador. Quando viu a situação, sem entrar no clima de pavor, que fazia com que todos permanecessem somente gritando sem ação, e sem titubear por um segundo, tirou o calçado e correu em direção ao mar, lançando-se às ondas e nadando até alcançar o Padre. Puxando o padre pelo pescoço, começou então a leva-lo de volta à terra firme. Quando já estavam próximos da praia, Aguinaldo estava completamente esgotado. Mas, ao invés de soltar o padre e voltar com suas últimas forças para a segurança disse: “Padre, em vou empurrar o senhor com muita força, o senhor continue nadando com o máximo de forças que puder, em poucos segundos o senhor estará em terra firme”. E assim aconteceu.
Aguinaldo empurrou o padre, ele nadou e pouco depois colocava seus pés na areia. A correnteza, entretanto, levava Aguinaldo novamente para o alto mar. Agora não havia mais ninguém que pudesse socorrê-lo. Ele havia consumido todas as suas forças para salvar o Padre, que agora estava em terra firme. De pé na areia, Padre Possidente assistia a tudo estarrecido. Não havia mais nada o que fazer senão um grande sinal da cruz com a absolvição para Aguinaldo. Alguns segundos depois, ele não era mais avistado...
Dias depois o corpo de Aguinaldo foi encontrado. Depois de tudo o que acontecera, ele ainda portava o Escapulário. Aqueles que pensaram que Aguinaldo estava sozinho em alto mar haviam se enganado. Nossa Senhora jamais o abandonara. Assim, Aguinaldo deixava a vida na terra para entrar no céu onde, certamente, agora reza por nós. Na véspera do sacrifício de Aguinaldo, um senhor de muita idade foi batizado de forma surpreendente. A família de Aguinaldo, diante de seu heroísmo, passou a praticar a religião. Aguinaldo levou ao extremo aquilo que é o ideal da Montfort. Sair da comodidade, para se arriscar no apostolado. Deixar a terra firme e se aventurar no mar, sobretudo em se tratando de ajudar um sacerdote. Como isto é necessário hoje em dia! Quanta gente se encontra apenas gritando apavorada nas praias seguras da Internet...
Durante anos, o Padre salvo visitou a família de Aguinaldo em São Paulo. Na Montfort e na casa do Professor Orlando, ele esteve uma única vez. Infelizmente, o sacrifício do Aguinaldo não foi suficiente para deter em Campos a calúnia de que éramos anticlericais. Três meses depois, os padres de Campos davam sinais claros de que parariam sua assistência em São Paulo. Mas esta é outra história...
Para citar este texto:
"Um pouco de história da Montfort"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/cronicas/um-pouco-de-historia-da-montfort/
Online, 26/12/2024 às 20:39:56h