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A Coruja e o Rouxinol
Pierre de Craon
Coruja? rouxinol? Se fosse para escolher, à primeira vista, sem hesitar, todos escolheriam o rouxinol, porque ele é a beleza, a graça, o sol, a vida.
A coruja é feia. Ela é a noite, é a morte. Ela é o ódio a luz, ela representa o mal. Quem poderia, nesse sentido, preferir a coruja?
Contudo, há também um significado legítimo e bom na coruja. Ela vê no escuro, por isso, sempre simbolizou a filosofia, que permite ver nas questões obscuras. Onde o homem comum nada percebe, o filósofo vê e compreende. A coruja representa assim o saber filosófico, a teoria pura, a ciência abstrata e, nesse sentido, é símbolo de um bem.
O rouxinol é a poesia. Até em seu nome parece haver um trinado sonoro. Ele é um raio de sol cantando. A coruja é a luz intelectual. Não há escuridão para seus olhos argutos.
Entre a coruja e o rouxinol, qual escolher?
A sabedoria é desejável e a beleza é amável. A filosofia ilumina. A poesia encanta. Preferir o saber, excluindo a beleza? Escravizar-se a beleza e repelir a sabedoria?
Entre a coruja e o rouxinol, qual escolher?
Santa Teresinha dizia: "Eu escolho tudo".
Assim também nós. Nós escolhemos a coruja e o rouxinol. Queremos a sabedoria e a beleza, a ciência e a poesia, a luz e a música. Porque sabedoria e beleza são inseparáveis. Escolhemos tudo porque sabemos que a sabedoria é formosa e que toda beleza possui o brilho da verdade. Coruja e rouxinol se completam.
Uma das características do pensamento moderno é opor dialeticamente doutrina e realidade, teoria e prática.
Nas escolas freqüentemente essa oposição atinge o desvario. Uns só valorizam a experiência. Outros se perdem em elucubrações cerebrinas.
A maioria dos alunos vai engrossar as turbas dos pragmáticos adoradores do concreto e tendem ao materialismo.
O modo de pensar católico é exatamente oposto. A doutrina da Igreja, que ensina que tudo o que Deus fez é bom e harmonioso, afirma que nunca se deve separar o teórico do prático, nem o abstracto do real. O pensamento católico se opõe, quer ao abstracionismo brumoso, quer ao ateísmo e materialismo práticos. Jamais ele separa um princípio do exemplo concreto. Doutrina e vida nos são apresentadas pela Igreja unidas e harmónicas. Todo princípio é vivido. Toda doutrina é exemplificada. É esse concreto no teórico, é essa filosofia do que há de mais prático, é essa harmonia entre doutrina e vida que fazem, do ponto de vista natural, o encanto da civilização cristã.
Como é fria e estéril a coruja sem o rouxinol! Como é vazio e superficial o rouxinol sem a coruja!
De que vale a teoria sem a realidade?
De que vale a poesia sem a verdade?
O ideal é unir os dois, pois o real é a luz intelectual na música da matéria. O real é a harmonia entre o teórico e o prático, a doutrina e a vida, o abstracto e o concreto, a coruja e o rouxinol.
Sendo o homem composto de elementos diferentes mas harmônicos, agrada-lhe o que lhe é semelhante. Amamos contemplar a concórdia de elementos aparentemente opostos. Nem o puramente abstracto, nem o puramente experimental satisfazem plenamente o homem.
São Tomás explica que, dado o homem ser corpo e alma unidos substancialmente, a razão não encontra nas criações poéticas toda a verdade de que necessita, pois a luz da verdade, na poesia, é por demais difusa. Por sua vez, as coisas de Deus superam nossa capacidade de intelecção. Sua luz, para nós, é ofuscante demais. Por isto, a razão humana só encontra uma luz que lhe é proporcionada quando contempla as verdades mais sublimes sob o véu das figuras sensíveis (Suma Teológica I-II, 101, 2).
Assim também, sendo Nossa Senhora a medianeira entre Deus e os homens. Ela é o vitral esplendoroso que nos torna possível ver a luz de Deus em todas as suas cores, brilhos e virtudes. Passando por Ela, ao encarnar-se o Verbo de Deus, a Verdade Divina, tornou-se acessível à nossa visão.
Para citar este texto:
"A Coruja e o Rouxinol"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/cronicas/corujarouxinol/
Online, 26/12/2024 às 14:01:56h