Igreja e Religião
Entrevista do Pe. Aulagnier sobre a Fraternidade Sacerdotal S. Pio X e o Instituto do Bom Pastor
Valérie Houtart
Entrevista por Valérie Houtart – "Um olhar sobre o mundo político e religioso" Nº 102 – 21 de setembro de 2006.
Valérie Houtart – Senhor Abbé, nós gostaríamos de estabelecer aqui, uma pequena ficha para uso dos historiadores do pós-concílio. O senhor é uma das figuras históricas na França, do que se convencionou chamar de tradicionalismo. No dia 8 de setembro último, aconteceu umas das etapas de sua "Longa Marcha", a saber, a ereção, pela Comissão Ecclesia Dei do Instituto do Bom Pastor. Se o senhor permitir, voltemos às origens: sua ação de "resistência" começou pela organização de uma rede de priorados e missas da FSSPX na França.
Abbé Aulagnier – Sim! Graças a Monsenhor Lefebvre e os padres da FSSPX, graças ao apoio de leigos, de suas associações, São Pio X ou São Pio V, graças a velhos sacerdotes fiéis à Missa Tridentina, como o Padre Coache, o Padre Bárbara, o Padre Vinson, o Padre Vicent... --nomes entre os mais conhecidos e muitos outros padres corajosos e discretos --, nós pudemos manter a Missa Treidentina, tão ameaçada, nós pudemos guardar o patrimônio gregoriano, como um tesouro precioso da Igreja e do Ocidente, graças à criação de priorados e escolas. Eis o objetivo de todas essas fundações. Manter a Missa. Guardar a fonte da graça. Guardar a Fé. Guardar o Catecismo. Guardar o patrimônio católico literário e artístico.
Isso é grandioso!
Eu tive, nesse trabalho, quanto à França, um papel mais particular, um papel de líder. Eu me ogulho disso e agradeço a Providência. Foi um trabalho apaixonante durante mais de dezoito anos.
Nessa obra, o papel de Monsenhor Lefebvre foi determinante. Ele nos deu razões claras, ele nos fez compreender a importância da Missa. Sua união com o sacerdócio, seu ideal, no coração da Cristandade, razão da Cristandade...
Ele nos deu o exemplo de humildade, do serviço para a Igreja, no amor a Roma.
Nós não combatíamos "contra" Roma. Nós combatíamos "por" Roma, pelo amor de Roma, do Papado, por seus tesouros que tínhamos aprendido a amar no seminário.
Um dia, voltando do dentista que lhe tinha arrancado um dente, ele me disse – É um simples caso, mas revelador de um estado de espírito, que seria necessário não perder:
"É estranho, ele me arrancou um dente... Entretanto eu não tenho dentes contra ninguém, nem mesmo contra o Papa...".
Face aos destruidores da Igreja, face aos liberais, aos modernistas, nós nos levantamos.
Que há de mais natural?!
Neste combate de "gigantes", eu quereria fazer uma menção toda particular da revisa "Itineraires" e a seu diretor, Jean Madiran. Era nossa leitura preferida.
Todos os meses, nós extraíamos dela nossas razões de combate, nossas convicções, nosso entusiasmo... Nós saboreávamos todos os artigos de seus brilhantes colaboradores. Inicialmente, dele mesmo. O Padre Camel, a senhora Luce Quémette tinham, para mim, um lugar de preferência. Madiran formou uma "geração"... a nossa... a dos Padres Laguérie e de Tanouarn...
Então a senhora pode compreender um pouco a emoção que os jornalistas da revista "La Vie" sentiram com o anúncio de nossa "acolhida" na Igreja.
Se Monsenhor Ricard se mostra cortês e benevolente, Jean Pierre Denis, editoralista em "La Vie" quase não o imita.
No seu editorial de 14 de Setembro, ele exprime seu temor e sua hostilidade... Ele ousa mesmo declarar num espírito pouco ameno:
"Esta Igreja [aquela que nos recebe] a nossa [como se ela não fosse a Igreja de todo batizado] desde de sempre não se deixará minar desde o interior" (La Vie, nº 3185, 14 de Setembro)
Ele teme. Nós não queremos miná-la. Nós queremos dar-lhe todo o nosso ímpeto de discípulo de Cristo...
Valérie Houtart – Outra etapa importante para os historiadores: 1988. O senhor foi bem aquele que aconselhou com mais vigor a Monsenhor Lefebvre a realizar as consagrações episcopais? O senhor considera ainda hoje que esta decisão de Monsenhor Lefebvre foi oportuna e de modo algum "cismática"?
Abbé Aulagnier – Eu penso que jamais mudei de opinião sobre este assunto. Desde que o problema das sagrações começou a ser levantado, fui favorável a elas.
Oh! Sobre isto eu me remetia pessoalmente à sabedoria de Monsenhor Lefebvre. Eu o sabia homem da Igreja. Sabia que ele amava a Igreja, que ele queria servir a Igreja. Ele fez isso durante toda sua vida. Em suma! Eu lhe dava minha confiança. O que ele decidisse nesse assunto, muito difícil, estaria bem decidido. Mas, além disso, eu mesmo era favorável à Sagração. Eu não via como a Tradição Católica, o sacerdócio católico, a Missa Católica, poderiam sobreviver sem a sucessão episcopal garantida. É o Bispo que faz o Padre. É o Padre que oferece o Sacrifício da Missa, que renova o Sacrifício da Cruz. E este Sacrifício da Cruz está no coração da Igreja, como está no coração do pensamento de Nosso Senhor, no coração do plano divino da salvação.
A Missa é desde então, essencial para a Igreja, para o mundo, para toda a sociedade. A Missa, a "verdadeira Missa", abolida, seria o fim da Igreja, o fim da salvação eterna, isto não pode, isto não podia acontecer.
Portanto, o episcopado é essencial à Igreja, ao padre, ao sacrifício da Missa, perpetuando o Sacrifício da Cruz. Isto é assim.
Historicamente a FSSPX nasceu no momento da subversão litúrgica. A Providência lhe confiou a guarda da Missa Tridentina, a Missa de Sempre.
Partindo Monsenhor Lefebvre, nenhum Bispo teria tido a coragem de sustentar sua obra criada para a manutenção da Missa Tridentina. Roma não o teria permitido. É preciso nunca esquecer disto.
O Cardeal Villot, nessa época, em 1976, tinha intervido para que nenhum Bispo desse a Monsenhor Lefebvre as cartas "dimissoriais” para as ordenações.
Roma, tendo fracassado, em dobrar nosso Bispo, só esperava sua morte. Talvez seja duro dizer isto, mas é verdade.
Nessa época – que não se esqueça disso jamais! – o Vaticano queria mesmo o desaparecimento da Missa Tradicional, mesmo ainda em 1988.
Nenhum indício nos permitia dizer o contrário.
Se a FSSP e os "outros" encontraram alguns Bispos depois de 1988 eles o devem e muito, à perenidade da FSSPX e a seu crescimento. Dom Gérard, o Padre Visig, o Padre de Blignières, Monsenhor Wladimir... tiveram todos os favorecimentos de Roma, certamente com base em suas qualidades, mas também porque era absolutamente necessário reduzir a influência de Monsenhor Lefebvre, senão destruí-la, e que inundá-los de privilégios era um meio para atrair o mundo tradicional para eles, e de desestabilizar a FSSPX.
Porque, então, não lhes deu todos esses privilégios, que eles receberam depois, antes das Sagrações? Eles não tinham antes menos qualidades que depois das Sagrações. Assim, se Monsenhor Lefebvre não tivesse feito em 1988, afinal, sua obra sacerdotal estaria acabada.
Como se poderia manter um seminário, se não se pudesse ordenar os seminaristas? Como perpetuar o Sacrifício da Missa se não houvesse mais padres?
Eis ai as razões simples que me faziam sustentar as perpesctivas das sagrações por Monsenhor Lefebvre. Essencialmente, para a Missa e para o sacerdócio, postos terrivelmente em perigo na situação atual da Igreja.
Do ponto de vista canônico, a distinção que ele fazia, parecia-me suficiente para a sua legitimidade canônica: um episcopado sem jurisdição – o contrário teria sido cismático – mas capaz de cumprir aquilo que ontologicamente depende do episcopado: ordenar padres. Tal seria o seu papel.
Valérie Houtart – Em seguida, o senhor pensou que a evolução dos acontecimentos na Igreja, principalmente a ação em Roma do Cardeal Ratzinger, tornava possível uma espécie de “concordata” entre a FSSPX e a Santa Sé. O senhor portanto aprovou, em suas grandes linhas, o acordo de Campos, e o senhor defendeu, junto aos superiores da FSSPX, que esta seguisse uma via análoga?
Abbé Aulagnier – Sim ! Mas por que é preciso tender em direção daquilo que a senhora chama uma “concordata”?...O que começamos a realizar com a criação do Instituto do Bom Pastor. Tenho várias razões para isso.
a) porque muitos Romanos diante da situação muito difícil em que se acha a Igreja, mudam, estão em vias de mudar. Mudam, em particular, sobre o problema da Missa tradicional.
A senhora se lembra da celebração em Roma da Missa de 24 de Maio de 2.003. Ela não foi um simples fogo de palha. Creia-me. Este ato foi fruto de uma longa evolução que começou, parece-me, por volta de 1992, talvez mesmo antes, até mesmo em 1988, com a publicação de uma série de livros do Cardeal Ratzinger e uma série de conferências, homilias, entrevistas do Cardeal Stickler.
Em Santa Maria Maior, o Cardeal Castrillón quis ser a voz da Igreja ao relembrando o “direito de cidadania” da Missa chamada de São Pio V, esta Missa , que, para ser salva, justificou as sagrações de 1988...
Além disso, a encíclica do Papa “Ecclesia de Eucharistia vivit”, também é importante. Da proibição sistemática, que data da resolução de Paulo VI e de seu famoso consistório que se realizou, ele também em um 24 de Maio de 1976 ( 24 de Maio! Decididamente, esta data é importante), eis nos chegados à aceitação—em princípio – da Missa tridentina. Ela nunca foi abolida. Certamente. Mas, eis que cada vez maior número de autoridades religiosas o reconhecem, hoje, ousam dizer isso agora publicamente...
Ainda não há muito tempo, o Cardeal Ratzinger, ainda como Prefeito da Congregação da Fé, escrevia que era preciso deter esse conflito das Missas, esta oposição contra a Missa chamada de São Pio V. Ele escrevia até que, verdadeiramente ele não compreendia porque muitos de seus confrades no Episcopado mantinham essa luta. Isso igualmente era novo. Isso mudava a situação!
Sim, as coisas mudaram em Roma a respeito da Missa tridentina. Agora aquele que dizia tudo isso tornou-se o Papa Bento XVI. Então aqueles que eram contra, se tornam mais reservados. Aqueles que estavam temerosos se tornam mais fortes... Isso é humano... É também a força da autoridade... É seu papel... Promover a unidade.
b) Por outro lado, eu sou um dos que pensam que há, de fato, um perigo para nós em ver esse conflito eternizar-se e ver afastar-se uma solução de entendimento com Roma. Eis porque sustentei fortemente a solução escolhida pelos “Padres de Campos”, e hoje, a criação do Instituto do Bom Pastor. As circunstâncias o permitiram.
É preciso não esquecer que a Igreja é uma sociedade visível e hierárquica. Se se vive tempo demais em autarquia, se arrisca, enfim, a perder o sentido do que é hierarquia. A Igreja, todavia, é de constituição divina. Estamos, pois, ameaçados, o tempo passando e permanecendo a oposição, a “esquecer” de Roma, a organizar-nos cada vez mais fora de Roma, a tornar-nos um grupo autocéfalo.
Não digo que a FSSPX caiu nisso. Mas o perigo existe. É preciso levá-lo em conta. O melhor piloto é aquele que conhece os perigos de um itinerário e que prevê, tanto quanto for possível, as dificuldades que podem sobrevir. Não aquele que fecha sistematicamente os olhos, que não quer ouvir. Ele avança ou freia mortalmente, enquanto que seria conveniente dar flexibilidade para retomar um Cruzeiro normal.
As jovens gerações, entre nós, jamais conheceram uma situação eclesiástica normal. É ai que existe o perigo de escorregar, afinal, para autocefalia. Esta pelo menos é minha opinião. E eu a disse.
Que a direção da Fraternidade tenha pensado que eu exagerava, ela tem liberdade para pensar assim. É ela que manda, que dirige. Ela recusa ainda hoje um "acordo" com Roma. Ela tem suas razões. Eu julgo que ela não leva todos os elementos em consideração, mas, é ela que dirige. Não eu.
Mas nada me impede de manter minha opinião e de justificá-la. Eu o fiz. Eu fui exilado no Canadá... Injustamente... Até mesmo eu fui afastado da FSSPX.
A senhora me coloca também a pergunta sobre minha posição com relação aos Padres de Campos...
O medo do espírito de cisma, que eu acabo de exprimir, a amizade que eu tenho e tinha com relação a esses padres "heróicos", cujas paróquias eu conhecia, assim como suas numerosas obras, por tê-las visitado três vezes, fizeram com que eu seguisse com interesse esse assunto. Nele eu vi, lá também, o problema da Missa. A atitude de Roma era nova. Roma dava a Missa a nossos amigos, os Padres de Campos, e isto, livremente, sem condição.
Roma reconhecia, a esta Administração Apostólica Pessoal "São João Maria Vianney", o direito, a "facultas" de celebrar em todas as Igrejas de sua Administração Apostólica, a Missa Tradicional. Eu estudei seus estatutos com cuidado. Assim, para mim, as coisas iam ao bom sentido, em favor da Missa.
A situação deles era radicalmente diferente da situação dos padres das comunidades "Ecclesia Dei Aflicta". Com eles, nós estávamos sempre ainda essencialmente na legislação de 1984, da chamava Missa do Indulto. Roma lhes dava uma simples "permissão", uma simples tolerância, com restrições odiosas, imperativas e sobretudo com a obrigação de reconhecer a nova Missa como "legítima e ortodoxa”. Esses são os dois adjetivos da carta "Quattuor Abhinc Annos".
Seria preciso admitir essa legislação e esses dois adjetivos para se beneficiar do indulto de 1984. Eu nem falo da ruptura conosco que lhes era imposta a todos... O que era odioso... Concorde!
Com Campos, nada disso. Um franco reconhecimento de direito da Missa Tridentina, sem ter que reconhecer a nova Missa é "legítima e ortodoxa".
Foi-lhes pedido, um simples reconhecimento da "validade", em si, da Nova Missa.". O que sempre foi ensinado por Monsenhor Lefebvre.
Há uma grande diferença entre "validade", "legitimidade" e "ortodoxia". Estas não são palavras sinônimas.
Veja bem! Uma coisa pode ser válida, sem ser legítima, nem ortodoxa. É preciso também distinguir entre legitimidade e ortodoxia. Também essas suas palavras não conhecidem.
Legítimo é aquilo que está fundamentado no "direito", mas também na “equidade”.
O "direito" e a “equidade” também não são a mesma coisa. É preciso distinguir.
Eu poderia lhe demonstrar que a Nova Missa certamente não é legítima nem quanto o Direito, nem quanto a equidade.
Quanto ao direito, precisamente porque a Nova Missa foi imposta à Igreja em seqüência de muitas irregularidades canônicas, e mesmo com falsificação de escritura. O que lança uma legítima suspeita sobre essa legislação.
"Talvez", me diga a senhora. "Mas ela se beneficia hoje da prescrição de trinta anos".
Isso não é certo. Porque para isso seria preciso que ela se beneficiasse de um "gozo pacífico". O que não é o caso.
Esta Nova Missa também pode ser dito não legítima no plano da equidade, da justiça.
Foi feita violência à santidade da Igreja o ter-lhe imposta à força, um rito que nas palavras de seus próprios protagonistas termina por desacralizar tudo.
"Ortodoxa" quer dizer conforme aos dogmas, à doutrina. Ora, precisamente, esta questão da ortodoxia ou não do Novus Ordo Missae foi levantada, de fato, pelas mais altas autoridades da Igreja: O próprio Papa João Paulo II, esta questão está na lógica da sua última Encíclica Eucarística.
Mas também esta questão da ortodoxia foi levantada logo no início da questão da Missa pelo Cardeal Ottaviani e pelo Cardeal Bacci, que, em sua carta ao Papa Paulo VI, escreviam que esta nova Missa, tanto no conjunto quanto no detalhe, se afastava da teologia católica definida na XXII secção do Concílio de Trento.
O Papa João Paulo II reconhecia querer corrigir, reformar a Nova Missa no plano teológico. As "sombras" como ele disse... Mas não são também as preocupações que animavam o Cardeal Ratzinger quando ele falava das "reforma da reforma"?
Eis ai algumas razões que me levavam a considerar com muita simpatia a questão de Campos, que fez ganhar terreno para a Missa Tradicional. Eu não os renego...
Assim a senhora pode ver claramente que eu não mudei no problema da Nova Missa. Minha posição continua a ser sempre a de Monsenhor Lefebvre, a do “Breve Exame Crítico", a do Cardeal Ottaviani, a da Cardeal Bacci, a de Monsenhor de Castro Mayer... E eu desejo que Monsenhor Rifan, o novo Bispo da Administração Apostólica São João Maria Vianney permaneça bem firme sobre esse problema da Missa.
Julgo que a criação do Instituto Bom Pastor vai sustentá-lo nesse sentido. É bom que aqueles que têm o mesmo amor da Missa Tridentina se sustentem. A "correção fraterna" pode também servir para isto...".
Valérie Houtart – Excluído da FSSPX em razão do seu apoio ao clero de Campos, o senhor lançou as bases, junto com o Cardeal Castrillón e com os Padres Laguérie e de Tanouarn, do Instituto que acaba de nascer?
Padre Aulagnier – Façamos inicialmente, se permitir, um pouco da história da criação do Instituto: excluído da FSSPX eu me retirei na casa de amigos em Vichy... Eu os agradeço... Isolada, a gente fica bem contente por receber algumas acolhidas.
Estamos no fim de 2003. As dificuldades dos Padres Laguérie e Hérry com as autoridades da FSSPX vão começar em meados do ano de 2004, em Maio e Junho de 2004.
Achei que Monsenhor Fellay, também nesse caso, agiu de modo injusto. Eu lhe disse isso. Eu fui vê-lo em Mentzingen. Eu o disse ao Padre Casquerai, Eu tomei posição, tanto no meu íntimo quando publicamente, em favor dos padres "rebeldes" de Bordeaux. A situação também lá, foi até a ruptura... O que não era necessário...
Postos fora da FSSPX, ambos nossos padres se encontravam como "vagus".
Mesmo se este problema canônico não os perturbasse exageradamente, eles sabiam que eles não poderiam permanecer eternamente nessa situação.
Nos primeiros meses eles se consagraram sobre tudo a seu apostolado e à restauração, hoje concluída, da bela Igreja de Santo Elói, em Bordeaux.
De sua parte, o Padre de Tanouarn instalou seu brilhante "Centro São Paulo" em Paris. Ele me pediu um apoio sacerdotal. Eu o aceitei de boa vontade, porque estava sem ministério. Eu não estava mais sozinho. Nós podíamos nos organizar...
O Padre Forrestier se viu igualmente excluído da FSSPX. Não podendo renovar seus compromissos na sociedade que ele amava...
Eis ai então cinco padres reunidos, bem diversos uns dos outros, mas amigos... E desejosos de trabalhar pela Igreja. Uma obra podia nascer. As idéias nascem lentamente. As circunstancias lhes permitem tomar corpo.
Monsenhor Rifan veio nos visitar com explícita licença de Roma. Essa visita durou uma semana, do dia 15 ao dia 22 de fevereiro de 2005. Ele foi bem acolhido pelos padres e pelos fiéis. Ele deve ter dito isso ao Cardeal Castrillón Hoyos...
O Padre Laguéire, sob pressão, e apoio de seus amigos, escreveu os estatutos permitindo erigir um "Instituto".
Tomaram-se vários nomes. Fixou-se no nome Bom Bastor. Estávamos prontos para ir a Roma.
Conhecendo o Cardeal Castrillón Hoyos e seu pequeno mundo secretários, eu lhe pedi audiência. O Cardeal nos acolheu. Estava bem disposto. Ele nos recebeu no dia 26 de Abril de 2006, em seus escritórios da Congregação com toda a solenidade romana.
Fomos introduzidos no primeiro escritório pelo guarda, depois fomos conduzidos a um segundo escritório, pelo secretário do Cardeal; depois, fomos levados para uma grande sala de trabalho com uma mesa oval, com escritório por um outro secretário...
Entrando, notamos todos, na parece, um quadro do "Bom Pastor". Não podíamos deixar de notar. Ele acabava de ser pintado. Notamos a data marcada nele: 2006. Explicam-nos que, nessa sala, se resolvem os casos dolorosos de padres.
Quatro ou cinco colaboradores do Cardeal vêm nos cumprimentar, entre eles o Padre Guimares, Monsenhor Viviez e Monsenhor Perl. Eles nos dizem que o Cardeal vai chegar.
São 11:30h... O Cardeal chega, muito digno, solene, de batina com filetes vermelhos. Sua colhida é muito calorosa.
Imediatamente ele aborda a razão de nossa presença. Sem desvios. Até mesmo fortemente, ou melhor, energicamente.
Ele faz o Padre Laguérie ler os estatutos do Instituto Bom Pastor, proposto à sua aprovação. Ele assiste a toda leitura. Percebe-se que está muito interessado.
No final da leitura, ele está pronto a assinar o decreto de ereção. Para isso ele tem autorização do Papa. É um homem rápido. Meus confrades têm que regulamentar previamente seu problema canônico pessoal. Isto impõe algum atraso... São 14:00h...
Nós vamos almoçar... Felizes.
Monsenhor Viviez se junta a nós num pequeno restaurante no qual a dona tem a língua solta. Voltamos a Paris no dia 29 de Abril.
Em seguida, as coisas se fizeram bastante depressa com trocas de e-mail e telefonemas. E eis-nos de novo em Roma, da Quarta-Feira, 6 de Setembro, até o Sábado, 9 de Setembro.
Fomos recebidos no seminário francês, com muita benevolência, pelo Padre Superior e pelo Padre Ecônomo.
Nosso primeiro encontro foi com os secretários da Congregação do Clero, na Quarta-Feira, no final da manhã. Também esse encontro foi até as 14:00h. Foram feitas ainda algumas precisões aos estatutos, um mínimo e não substanciais. O Cardeal já tinha dado sua aprovação com a concordância do Papa.
Ele nos recebeu rapidamente no final do trabalho. O Cardeal tinha previsto a ereção oficial em 8 de Setembro, na Festa da Natividade de Nossa Senhora à 10:00h.
Nos estávamos lá na hora marcada, é claro...
Conhecemos, de novo, o mesmo protocolo. O Cardeal chegou um tanto atrasado e se desculpou. Imediatamente, ele fez ler por Monsenhor Perl a carta de ereção do Instituto, em latim. Depois, nós todos fomos à capela prestar juramente de fidelidade à Fé, à Igreja, ao seu Magistério eterno, jurando sobre o Evangelho. Nós quarto, fundadores, assinamos o texto de nossa profissão de Fé. Depois, voltamos a grande sala de acolhida, para comer alguns quitutes. O Cardeal ficou durante todo o tempo. Nós tínhamos trazido duas boas garrafas de Champanhe. Um Padre amigo nosso tirou belas fotos.
Cheios de alegria nos retiramos.
"O barco chegou a bom porto", disse-me o Cardeal, na saída da capela.
Vamos dar agora, alguns elementos substanciais do Instituto:
É preciso notar que o Instituto permanece ligado, como a menina dos seus olhos, à liturgia Romana de 1962. Isto está expressamente dito nos estatutos, e em dois lugares: No Capítulo I, versículo 2: "O rito próprio do Instituto, em todos os seus atos litúrgicos é o rito Romano Tradicional, contido no quatro livros litúrgicos em vigor em 1962".
Repete-se está idéia no Capítulo II, versículo 2, onde está escrito: "O exercício completo do sacerdócio supõe uma fidelidade inteira ao Magistério Infalível da Igreja, no uso exclusivo da Liturgia Gregoriana, na digna celebração dos Santos Mistério".
Este direito é, portanto, estatutário.
É bem assim que a "coisa" é recebida pela hierarquia da Igreja e interpretada por ela, visto que, no decreto de ereção, o Cardeal Castrillón Hoyos escreveu explicitamente:
"aos membros deste Instituto ela [a Igreja] confere o direito de celebrar a liturgia sagrada utilizando e verdadeiramente como seu rito próprio, os livros litúrgicos em vigor em 1962, a saber, o Missal Romano, o Ritual Romano e o Pontifical Romano, para conferir às ordens e também o direito de recitar o Ofício Divino, conforme o Breviário Romano editado no mesmo ano".
O que exclui até mesmo a simples possibilidade de concelebrar segundo o novo Rito, pois que os membros do Instituto não têm nem mesmo a possibilidade disto.
E isto foi aprovado por Roma.
Isto foi reconhecido pelo Cardeal Ricard em sua recente entrevista para o jornal La Croix. Ele o reconheceu expressamente.
Ao jornalista que lhe fez a seguinte pergunta:
- "Qual é o alcance muito concreto deste acordo?"
- Cardeal Jean-Pierre Ricard: “O que foi concedido foi o uso exclusivo do rito da Missa em vigor em 1962. Isto concerne também tanto o Missal quanto o Ritual ou o Breviário".
- "Exclusivo”, significa que esses padres podem recusar celebrar no rito de Paulo VI
- Sim, pois que o uso do seu Rito é exclusivo.
Isto quer dizer que eles podem recusar em se unir, por exemplo, a Missa do Crisma, que reúne todos os padres de uma Diocese em torno do seu Bispo, durante a Semana Santa?
--Isto, efetivamente, permite a eles de responder "não" à pedidos de concelebrações. Mas eles arriscam, ai, de não estar sozinhos...
Depois das recentes eleições da FSSPX São Pedro, parece-me que a possibilidade de concelebrar a Missa do Crisma corre também o risco de não ser obrigatória para esses padres por ordem do seu Superior.
--Sim, verdadeiramente, a Missa "antiga" é o direito próprio do Instituto, este direito nada tem de comunitário, como deixa de entender Monsenhor Fellay. Este direito é um direito de qualquer Padre. Hoje, basta apenas pedir e manifestar uma legítima benevolência para com a autoridade.
Valérie Houtart – Os senhores foram recriminados em certos meios da FSSPX de fazer um "ralliemant”. [Nota da Montfort: Um acordo capitulante]
O pensamento dos senhores sobre o Concílio Vaticano II, permanece o de Monsenhor Lefebvre?
Mais precisamente, os senhores continuam a pensar como Monsenhor Lefebvre, que certas passagens do Concílio, tal como a definição da Liberdade Religiosa ou os princípios do Ecumenismo, prout sonant, como dizem os teólogos, tais como se pode compreender à sua leitura, são heterodoxas?
Padre Aulagnier – Se me permitir vou lhe dar conhecimento da carta que eu escrevi, em 2004 ao Cardeal Castrillón Hoyos, quando, tendo sido eu indevidamente expulsos, injusta e ilegalmente da FSSPX por Monsenhor Fellay, eu procurava normalizar minha situação canônica e obter uma paróquia pessoal de Monsenhor H. Simon, Arcebispo de Clermont. Eu tive, também eu, que me pronunciar sobre o Vaticano II. Eis aquilo que eu lhe escrevi. Eu não assumi nenhum compromisso... A menos que, se pudesse já dizer, que Monsenhor Lefebvre tinha já "traído", se tinha já comprometido em 05 de Maio de 1988.
"Eminência, visto que vossa eminência deseja dar um quadro jurídico a meu ministério, e conhecendo as incompreensões acumuladas, de ambas as partes, entre os católicos 'tradicionais' e os católicos 'concilares', parece-me necessário: que eu deixe claro que Vossa Eminência recebe, em minha pessoa um desses padres cuja força ou fraqueza, conforme os pontos de vista consiste em ter reagido aos abalos da Igreja devotando-se fiel à Tradição no espírito do "comunnitorium" de Lérins.
De modo que eu peço a Vossa Eminência que não duvide que eu reconheço, se ouso dizer, mais do que ninguém, o encargo que o Papa João Paulo II recebeu por mandato do Soberano Pastor, de apascentar todas as ovelhas e todos os pastores. E que eu lhe devo, desde então, respeito e a garantia de minha oração.".[Destaque da Montfort]
Quando eu discuto um certo número de opções teológicas, sejam elas tomadas pelo Concílio Vaticano II, faço isso em razão de um super respeito, se Vossa Eminência me permite a expressão, da autoridade legitimamente engajada".
Isto satisfez o Cardeal, que me informava isto por escrito, por intermédio do Arcebispo de Clermont.
É assim que eu continuo sempre discutindo certas posições do Concílio Vaticano II sobre a liberdade religiosa, sobre o documento conciliar Nostra Aetate. O que diz o Concílio a esse respeito é nitidamente insuficiente. Nós temos a prova disto hoje todos os dias com o Islã.
De resto, com o Papa Bento XVI as coisas mudam. Veja seu discurso de 22 de dezembro de 2005 no Consistório e sua interpretação do Concílio... Quanto ao diálogo inter-religioso, não há dúvida que a problemática com Bento XVI é diferente. Ele vê o perigo do relativismo, assim ele quer abordar esse problema sob o aspecto do simples diálogo inter-cultural. Ele ligou o diálogo inter-religioso à Comissão para Cultura presidida pelo Cardeal Poupard. Isto não é sem motivo... Ele exprimiu esse ponto de vista em seu discurso acadêmico de Ratisbona. É preciso notar essas evoluções...
Valérie Houtart – o senhor lembrou o fato que este Instituto [Bom Pastor] tinha vocação para se integrar numa espécie de vasta "Confederação São Pio V" que comportaria bispos próprios deste rito. Sempre com o objetivo de precisar nossa ficha histórica a "linha Aulagnier" é bem essa: trabalhar para o surgimento de um episcopado próprio do rito de São Pio V?
Padre Aulagnier – A senhora coloca ai uma questão fundamental. Essa não é a "linha Aulagnier", mesmo que eu a tenha defendido sozinho durante longo tempo. Eu diria de boa vontade que é a “linha Lefebvre".
Monsenhor Lefebvre exprimiu-se muitas vezes sobre este assunto e, muito particularmente, em 1987, quando ele remetia um envelope ao Cardeal Gagnon, ao término de sua visita pontifícia, que eu tive a honra de organizar na França. Comentei muitas vezes essa carta no ITEM e em Nouvelles de Chétienté.
Muitas vezes lembrei as grandes linhas do pensamento de Monsenhor Lefebvre sobre este assunto. Ele desejava que Roma nos recebesse "tais quais somos" com nosso apego à Missa Tridentina, como nosso apego à Tradição Católica de sempre. Ele deseja que Roma organizasse como que um "Dicastério" no Vaticano, para ajudar o desenvolvimento de numerosas e ativas comunidades do tradicionalistas, e regulamentar seus problemas, "comissão composta de uma maioria de membros favoráveis à Roma e a Tradição". Ele propunha então que fosse criada uma como que Administração Apostólica Pessoal, na qual os bispos que a dirigissem, gozariam de uma jurisdição "cumulativa" com os ordinários locais. Em sua carta e em seu projeto ele propunha que Roma se inspirasse naquilo que João Paulo II acabava de fazer para a reorganização do "Ordinariato Militar". Essa "jurisdição cumulativa", para ele, era um modelo que permitiria resolver muito bom os problemas e que assim podia ser imitado.
Esta Administração Apostólica englobaria todas as diversas comunidades tradicionalistas com sua especificidade, e suas originalidades próprias, suas liberdades. Numa palavra, ele propunha a Roma legislar ou "canonizar" aquilo que concretamente nós vivíamos com a FSSPX e suas obras amigas. Nada teria mudado. Mas tudo estaria legalizado. Com respeito de nossa especificidade. Como não estar de acordo?
E é o que Roma fez com os Padres de Campos. E Monsenhor Rangel e Monsenhor Rifan fizeram bem de prosseguir suas negociações com Roma. O que eu constato é que Roma inspirou-se ai nas posições de Monsenhor Lefebvre.
Então, eu não compreendi porque as autoridades da FSSPX recusaram as propostas romanas. Elas erraram. Sem querer, eu penso, elas foram infiéis ao pensamento de Monsenhor Lefebvre. Eu quero continuar a trabalhar nesse sentido. É preciso chegar a esta situação. Então, se a senhora quiser, sobre este aspecto, esta é a "linha Aulagnier".
Valérie Houtart – Pequena precisão canônica: doravante o senhor tem uma dupla incardinação, uma na diocese de Clermont e outra no Instituto do Bom Pastor. Portanto, o senhor está super-legal! O mais legal dos padres franceses!
Padre Aulagnier – É preciso que eu vá ver Monsenhor Hippolyte Simon para regulamentar esse problema. Tudo deve ser feito com ordem e com o tempo. Eu sou membro do Instituto do Bom Pastor. Lá, enfim, eu vou receber o celebret que me dará o direito de celebrar a Missa "non privatim", em nossas obras e em nossas paróquias.
Mas eu devo primeiro lhe dizer que permaneço membro da FSSPX. Eu não posso deixá-la. Eu fiz uma completa demonstração canônica para provar que minha exclusão foi ilegal. Não foram respeitados cânones do direito canônico. Cânones que tocam à validade da decisão da autoridade, "ad valitatem" como se diz. Eu fui vítima do capricho do príncipe. Isto jamais o aceitarei. Monsenhor Fellay e seu conselho devem considerar isto. Um dia, a providência, tenho certeza disto, vai me permitir reencontrar meus irmãos no sacerdócio, aqueles com os quais batalhei durante anos.
Valérie Houtart – É verdade que o senhor se prepara para lutar em favor da abertura do processo de beatificação de Monsenhor Lefebvre?
Padre Aulagnier – Não sei se foi aberto um processo de beatificação de Monsenhor Lefebvre. Se isto for verdade, de boa vontade darei meu testemunho. De resto, eu entreguei, a seu tempo, nas mãos do Cardeal Ratzinger, uma defesa: "Defesa de Monsenhor Lefebvre". Foi no dia 24 de Outubro de 1999. Eu a publiquei em Nouvelles de Chrétianté.
Obrigado.
Para citar este texto:
"Entrevista do Pe. Aulagnier sobre a Fraternidade Sacerdotal S. Pio X e o Instituto do Bom Pastor"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/imprensa/igreja/20060921/
Online, 30/10/2024 às 04:32:19h