Brasil
Mulheres protestantes, agredidas em nome de Deus, pedem ajuda
Marinês Campos
Quem vê Antonio na rua, Bíblia debaixo do braço, roupa social, jeito de gente boa, já imagina: "O sujeito é crente." Na igreja, então, o homem é um exemplo de bondade. É calmo, freqüenta o curso para se tornar obreiro (quando se formar, dará aula na escola dominical), vira anjo ao cruzar a porta do templo. "Faz pregações maravilhosas", diz a mulher, Joana, 39 anos, casada há 15 com Antonio. "Ele fala sobre a paz e como todos devem amar seus inimigos."
Só que Antonio, manso como uma ovelha do rebanho do Senhor ao lado de seus "irmãozinhos", se transforma em bicho bravo quando está sozinho com a família. Dentro de casa, diz palavrões, agride a mulher. "Ele já me agarrou pelo cabelo e me jogou em cima da cama", conta Joana. "Também atirou um frasco de xampu na minha cabeça. Não sei por que age assim."
Como Joana, outras evangélicas, com saias longas, cabelos e mágoa pesando sobre os ombros, também não entendem a mudança de seus homens quando eles põem os pés fora da igreja e brandem as mãos dentro de casa. E, cansadas de não achar refúgio na paz de seus templos - elas preferem não divulgar o nome das igrejas que freqüentam -, encontraram abrigo na Casa de Isabel, uma ONG da Zona Leste que, em parceria com a Prefeitura e o Estado, oferece assistência psicológica e jurídica a mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violência.
A romaria de evangélicas à Casa de Isabel está assustando a pesquisadora da área da violência e presidente da entidade Sônia Regina Maurelli. A ONG atende 3 mil mulheres por mês. "Posso afirmar que 90% são freqüentadoras assíduas de igrejas evangélicas", diz a pesquisadora. "Me surpreende é ver as mulheres submetidas à doutrina das igrejas. Ser submissa não é tolerar espancamento."
Analisando suas estatísticas, Sônia observa que grande parte das igrejas não oferece aos fiéis um trabalho de aconselhamento. "Se existisse, esta casa não estaria tão cheia. Acredito que essas mulheres estão nos procurando porque estão lendo e se informando mais." Joana, a mulher de Antonio, admite que as portas da Casa de Isabel foram as únicas que se abriram para socorrê-la: "Procurei a pastora da minha igreja e ela me falou que problema como o meu tinha de ser resolvido entre marido e mulher."
A palavra-chave citada pelas evangélicas ouvidas pelo JT foi "submissão" - além de Joana, Lurdes, 33 anos, e Ana, 54, concordaram em falar sobre o que acontece dentro de suas casas. Joana diz: "Quando reclamo com o Antonio, ele fala de um versículo bíblico: 'Mulheres, sujeitai-vos aos vossos maridos'. Só que a Bíblia não fala para a gente ser escrava deles."
Ana, 33 anos de casada, convive com o marido que esqueceu os ensinamentos sobre respeito e harmonia: "Não tenho nenhum carinho. Só palavrões. A agressão verbal às vezes é pior que tapa. Um tapa você revida, mas a mágoa nada pode tirar." Muitas vezes, Ana pensou em separação, mas desistiu: "Ele me xinga. Depois fica mansinho e lava a louça para mim."
Joana também fica dividida entre deixar Antonio, por causa das agressões, e a culpa que sente por não se considerar uma boa dona de casa. "Não sei arrumar um guarda-roupa tão impecável como minha mãe", conta. "Detesto passar roupa e ele só usa camisa social."
Casada há 9 anos, Lurdes, até pouco tempo atrás, ia com o marido à igreja. Hoje, depois de uma decepção, ele parou de freqüentar o templo: " Viu uns 'irmãos' da igreja bebendo num bar e ficou revoltado. Não me bate, mas me humilha e diz todo tipo de palavrões."
Para citar este texto:
"Mulheres protestantes, agredidas em nome de Deus, pedem ajuda"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/imprensa/brasil/20060308p/
Online, 21/12/2024 às 16:56:55h