Religião-Filosofia-História
No país das maravilhas: a Gnose burlesca da TFP e dos Arautos do Evangelho (Parte 5/8)
Orlando Fedeli
(Frente - Resumo - Parte 1 - Parte 2 - Parte 3 - Parte 4 - Parte 5 - Parte 6 - Parte 7 - Parte 8)
QUARTA PARTE
Antes de analisarmos os textos de Dr. Plínio, afim de explicar a sua exótica teoria do conhecimento, convém expor, de modo sucinto, a doutrina católica do conhecimento humano, tal qual é ensinada por São Tomás de Aquino, na Suma Teológica.
Conforme São Tomás, nada há no intelecto que não tenha passado através dos sentidos materiais. Sendo o homem um animal racional, os seus cinco sentidos externos têm a função de captar a realidade exterior, transmitindo imagens das coisas exteriores a seus sentidos internos, visando a compreensão intelectiva.
Os sentidos externos do homem, como é bem sabido, são cinco: visão, audição, olfato, paladar e tato. Desses cinco sentidos, os sentidos propriamente cognoscitivos são a visão e a audição, cujos órgãos, como nota Hugo de São Victor, estão colocados mais altos na cabeça do homem. O olfato e o paladar são sentidos exteriores mais voltados a manutenção da vida física através da alimentação, enquanto o tato é o menos cognoscente, e está espalhado por todo o corpo, visando a reprodução da espécie humana.
Estes sentidos captam e transmitem ao interior do homem as suas sensações próprias sob a forma de imagens, que na escolástica eram chamadas de “espécies”.
No homem, ensina São Tomás, há também quatro sentidos interiores que são: o senso comum, a cogitativa, a imaginação e a memória.
Desses quatros sentidos interiores, dois deles são receptivos: o senso comum e a cogitativa; os dois outros não são receptivos. Um deles, a imaginação, é reprodutivo, e o outro, a memória, é retentor das imagens ou “espécies”.
Por senso comum, não se deve entender um só sentido comum a todos os sujeitos humanos. O senso comum não é assim denominado por ser comum a todos, mas porque ele sintetiza numa só unidade as várias impressões recebidas através dos cinco sentidos externos. Há um só conhecimento sensível das coisas reais numa unidade de juízo de todas as imagens captadas pelos cinco sentidos. Essa unidade é produzida pelo senso comum.
O senso comum desempenha um papel de elo de ligação entre os sentidos externos e o interior do homem.
De um lado, o senso comum é como que a raiz, ou o tronco da vida da alma racional, a qual comunica sua ação aos sentidos externos, como a seus instrumentos de atuação, e, depois, deles recebe todas as informações externas, e transmite o que recebeu diversificadamente, de modo unificado, aos demais sentidos internos.
O sentido comum usa os cinco sentidos externos do homem como se fossem seus instrumentos.
O senso comum tem duas funções, segundo São Tomás:
1a Perceber a atividade dos demais sentidos.
2a Distinguir as qualidades sensíveis dos diversos sentidos externos.
A vida da alma chega aos cinco sentidos externos através dessa fonte única, intermédia, que é o senso comum.
O senso comum tem um certo grau de imaterialidade que o torna superior aos sentidos externos materiais, e, por isso mesmo, ele é capaz de uma ação superior à dos sentidos externos materiais.
Os sentidos externos são completamente voltados para a realidade exterior ao homem, percebendo cada um deles um determinado aspecto dessa realidade. Os cinco sentidos captam diferentes aspectos de um objeto e transmitem ao interior do homem essas sensações particulares a cada um dos sentidos. O sentido comum recebe essas impressões, julga a respeito delas, conhecendo sua origem, e as reintegra num todo único.
A função do sentido comum, integrando as impressões, ou espécies, que lhe são aportadas através dos cinco sentidos, é sempre subjetiva. Por essa razão, as impressões pessoais são subjetivas, e não propriamente, e nem perfeitamente transmissíveis.
A imaginação, ou fantasia, tem um significado mais elástico e um tanto variado, em São Tomás. Ela seria a capacidade de receber e de construir imagens de coisas reais, ou até de coisas nunca vistas, por associações do que, de alguma forma, já foi conhecido. Ela só é capaz de atuar perfeitamente nos que têm os cinco sentidos exteriores. A falta de um sentido torna impossível a formação de imagens relacionadas com esse sentido. Assim, um cego é incapaz de imaginar uma coisa azul.
Os estímulos sensíveis afetam os cinco sentidos externos produzindo sensações. Estas são enviadas ao sentido comum, que as integra e unifica, e marca sua imagem na fantasia. A imaginação conserva essa imagem recebida e pode fazê-la reaparecer, pois a imaginação tem um poder evocador das imagens recebidas ou já construídas por ela.
A imaginação, com relação aos sentidos externos, é completiva, sintética e concretiva. Com relação aos sentidos superiores do homem, a imaginação é dispositiva, analítica e abstrativa.
A memória é uma capacidade para armazenar imagens e dados das sensações externas, recebidas e unificadas pelo senso comum, e, ainda, a capacidade de reconhecer o passado.
Estes três sentidos internos servem à cogitativa, que é o sentido mais próximo da capacidade intelectiva da alma humana.
Como visamos apenas fazer entender a teoria do conhecimento tomista, por brevidade, trataremos apenas do que for essencial para a compreensão desse tema.
Daí, passarmos já agora, sem considerar pormenores secundários, a tratar da cogitativa, sentido interno do homem, que nos animais é denominado de estimativa.
Para São Tomás, o objeto próprio da estimativa animal são as intenções insensatas, isto é, discriminações de valor, utilidades concretas, relações particulares percebidas dos objetos relacionados com as necessidades instintivas ou atividades primárias psicomotoras do sujeito. Essas intenções se contrapõem aos conteúdos ou aspectos puramente fenomenais, aparenciais, exteriores captados pelos sentidos externos, e cujas marcas são guardadas pela fantasia.
A cogitativa, de algum modo, já está em contato com a inteligência e tem por objeto algo que é singular, mas já percebido como parte de uma natureza comum. Nos animais, a estimativa apreende um objeto, ou como termo, ou como princípio de uma ação ou paixão, só como indivíduo, e não entendido como compreendido em uma natureza comum. Por exemplo, a ovelha vê o cordeiro como algo para ser alimentado, e vê o capim como alimento. Tudo se passa entre seres concretos.
Assim como um ser animal, nos limites de sua ordem, se aproxima do humano, em seu nível mais elevado, e do vegetal em seu nível mais baixo, assim também um sentido interior como a cogitativa se aproxima de certa forma da inteligência, pois é o sentido interior mais elevado, participando rudimentarmente dos modos próprios das funções superiores, que são as intelectuais. A cogitativa participa de algum modo da racionalidade humana.
A cogitativa tem uma função especulativa, não por seu contato inferior com as sensações, mas enquanto tendo contato com a inteligência. É a ação do intelecto agente que atua na cogitativa elevando-a a potência sensível acima de si mesma no ato de formar o que São Tomás chama de phantasmata.
A cogitativa está ordenada à coordenação com a inteligência, e participa de algum modo de sua racionalidade.
O intelecto está em contato imediato e estreito com a cogitativa, dela recebendo seus determinantes cognoscitivos, e voltando-se para a cogitativa, para verificar sensivelmente seus juízos e para ordenar o império de sua afetividade.
Alguns caem no irracionalismo, ao considerar que a cogitativa conhece diretamente a realidade por meio da afetividade, do sentimento – do feeling – pela ação ou pela vontade de poder, ou pela simpatia. Todas estas opiniões falsas conduzem ao irracionalismo, à negação do intelecto. Substitui-se então a intelecção pela Ação ou pelo Sentimento, caindo-se no irracionalismo romântico e modernista, que vê no sentimento a causa da Fé.
Na elaboração dos phantasmata, imagens sensíveis da realidade, cooperam todos os sentidos interiores, mas especialmente a cogitativa. São Tomás insiste que a inteligência não recebe imediatamente seu objeto dos sentidos externos, mas sim dos internos, e sem dúvida, para São Tomás, é a cogitativa o sentido interno mais elevado e mais próximo da inteligência.
O phantasma deve então ser compreendido aqui como sendo a imagem da fantasia, enquanto conhecida pela cogitativa, beneficiando-se da experiência passada acumulada na memória, em íntima sinergia” (Introdução ao Tratado do Homem, in Suma teológica de São Tomás, editora BAC, Tomo III, 20, p.78).
O modo como o homem conhece as coisas intelectivamente se realiza por abstração. O intelecto agente retira das imagens sensíveis que lhe são apresentadas pelos sentido interiores, especialmente pela cogitativa, as espécies inteligíveis. Pela abstração adquire-se somente a essência universal do ser conhecido, desconsiderando-se o individual concreto. Abstrair é retirar o universal do particular, a espécie inteligível das imagens, considerar a natureza da espécie sem a consideração dos princípios individuais representados pelas imagens.
Conhecer é então uma ação metafísica na qual o objeto conhecido é aprendido imaterialmente. Conhecer é captar o que há de verdadeiro no ser conhecido.
Cremos que ajudará nossos leitores citar o artigo da Suma no qual São Tomás demonstra que o conhecimento humano é da realidade e não das impressões que temos dela, porque Dr. Plínio Corrêa de Oliveira diz exatamente o oposto, isto é, que o conhecimento é das impressões. O texto desse artigo será o da Suma Teológica da BAC. Para tornar mais clara a tradução, colocaremos entre colchetes, e em letra vermelha, alguns vocábulos retirados da tradução do artigo de São Tomás feita por Roberto Coggi, na obra Pagine di Filosofia (Edizioni Studio Domenicano , Bologna, 1992, p.9 a 71)
Alguns pensaram que as nossas potências cognoscitivas só podem conhecer as próprias impressões: que o sentido, por exemplo, não perceberia senão as alterações de seu órgão. E, nesse caso, o entendimento não entenderia senão suas próprias impressões, isto é, as espécies intencionais recebidas por ele. Sendo assim as coisas, tais espécies seriam o objeto próprio do ato intelectivo.
Mas essa opinião é evidentemente falsa, por duas razões.
Primeira, porque os objetos que entendemos são os mesmos que constituem as ciências. Se, pois, entendemos somente as espécies existentes na alma, seguir-se-ia que nenhuma ciência versaria sobre as realidades existentes fora da alma, mas apenas sobre as espécies inteligíveis que há nela; ao modo que os platônicos afirmavam que todas as ciências versam sobre as idéias, as quais supunham eram entendidas em ato.
Segunda razão, porque seguir-se-ia o erro dos antigos que afirmavam que “é verdade tudo o que o aparente ser”; de modo que o contraditório seria simultaneamente verdadeiro. Pois, se uma potência não conhece senão sua própria impressão, julga somente dela. Ora, o que uma coisa aparenta, depende do modo como é modificada a potência cognoscitiva.
Logo, o juízo da potência cognoscitiva teria sempre por objeto aquilo de que julga, isto é, sua própria modificação [sua impressão]. Tal, e como é, e, em conseqüência, todos os seus juízos seriam verdadeiros. Assim, por exemplo, se o paladar não sente senão sua própria impressão, quando alguém tem o paladar sadio, e julga que o mel é doce, formaria um juízo verdadeiro; de igual modo julgaria com verdade aquele que, por ter paladar estragado, afirmasse que o mel é amargo; pois ambos julgam de acordo com a impressão de seu paladar. De onde se deduziria que todas as opiniões são igualmente verdadeiras, e, em geral, toda percepção.
Deve, então, afirmar-se que a espécie inteligível é com respeito ao entendimento como o meio pelo qual entende. E demonstra-se isto.
Posto que, como diz o Filósofo, há duas classes de ações, umas que permanecem no agente, como o ver e o entender, e outras que passam a uma realidade externa, como a do aquecer ou do cortar; umas e outras realizam-se conforme uma determinada forma. E como a forma, em confirmidade com a qual se realiza a ação, que tende a uma realidade exterior, é imagem do objeto desta ação, como o calor da coisa que aquece é imagem do aquecido, assim também a forma em conformidade com a qual se produz a ação imanente ao agente é uma representação do objeto. Daqui que em conformidade com a imagem do objeto visível veja a vista, e representação do objeto entendido, que é a espécie inteligível, seja a forma em conformidade com a qual o entendimento conhece.
Porém, ao voltar o entendimento sobre si mesmo, por um único ato reflexivo conhece tanto seu próprio entender como a espécie pela qual entende, e deste modo secundariamente, a espécie inteligível é objeto da intelecção. Pois o primário é a realidade representada na espécie inteligível.
E isto se compreende com a opinião dos antigos, que afirmavam que “O semelhante se conhece pelo semelhante”. Supunham que a alma conhecesse a terra exterior a ela pela terra nela existente, e do mesmo modo as demais coisas. Se, pois, em lugar da terra colocarmos sua espécie inteligível, de acordo com a doutrina de Aristóteles, para quem “não está na alma a pedra, mas somente a espécie da pedra”, teremos que a alma conhece por meio das espécies inteligíveis a realidade exterior a ela”. (São Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, Q. 85 a. 2).
Citaremos aqui o que Maritain, -- o Maritain de sua primeira fase, ainda tomista-- escreveu sobre o conhecimento por conaturalidade, visando especialmente refutar o modernista Maurice Blondel.
Sabe-se que São Tomás, quando distingue a sabedoria do teólogo da sabedoria do contemplativo, recorreu à célebre distinção estabelecida por Aristóteles entre o julgamento ao modo de conhecimento e o julgamento ao modo de inclinação (I, 1 Q.6 ad 3): por exemplo, o homem que possui em si o habitus ou a virtude da temperança julgará bem das coisas da temperança por inclinação, isto é, consultando sua própria tendência ou disposição interior; e aquele que é instruído na ciência moral, mesmo que ele não seja virtuoso, poderá julgar corretamente dessas coisas ao modo de conhecimento, isto é, considerando as razões inteligíveis, e podendo explicar a razão de seu julgamento. Assim, para as coisas divinas, o teólogo, desenvolvendo racionalmente as conclusões virtualmente contidas nos princípios da Fé, julgará delas por modo de ciência; o contemplativo, vivendo essas coisas em si mesmo, pela caridade, julgará delas por modo de inclinação, graças ao dom da Sabedoria” (Jacques MARITAIN, Réflexions sur l'intelligence et sur sa vie propre, Paris: Desclée, 1938, 4e éd., p. 88).
E ainda, um pouco a seguir:
Em outra passagem (II-II, 45, 2), São Tomás relaciona esse julgamento a modo de inclinação a uma certa simpatia afetiva ou conaturalidade, compassio sive connaturalitas, que, aproximando do indivíduo as coisas divinas a ponto de torná-las como que suas, lhe permite assim ter delas um certo conhecimento não discursivo. (p. 88-89).
Eis o que ensinou São Tomás sobre isso:
Ficou dito (Suma Teológica I Q.1, a. 6) que a sabedoria implica retidão de julgamento segundo divinas razões.
Essa retidão de juízo pode ser de dois modos:
1) conforme o uso perfeito da razão ou
2) por conaturalidade com aquilo que se há de julgar: como com respeito à castidade, retamente julga com inquisição da razão aquele que aprendeu a ciência moral, e por certa conaturalidade com a castidade aquele que a possui como hábito.
Assim, pois, ter reto juízo sobre as coisas divinas por inquisição da razão, pertence à sabedoria, virtude intelectual. Mas, possuí-la por conaturalidade com ela pertence à sabedoria, enquanto dom do Espírito Santo.
E assim diz Dionísio (De Divinis Nominis, II) que Hieroteu é perfeito no divino, “não só aprendendo-o, mas também o experimentando”.
Este compenetrar-se [compassio], ou conaturalidade com as coisas divinas realiza-se pela caridade que nos une a Deus: “Quem se une a Deus é um espírito” (I Cor.VI, 17).
Portanto, a sabedoria, enquanto dom, tem sua causa na vontade: a caridade. Sua essência, porém, está no entendimento, cujo ato é julgar retamente, como se tratou acima (I, Q. 79, a.3).
A seguir, Maritain mostra como o modernista Blondel deturpou essa doutrina tomista, para defender seu neokantismo modernista:
Este conhecimento por conaturalidade amorosa, São Tomás (porque Maurice Blondel finge desconhecê-lo?) o exclui cuidadosamente da perfeição do conhecimento intelectual, enquanto intelectual; mas ele recorre continuamente a ele para explicar o conhecimento místico" etc. (p. 89).
Já Blondel (como, depois dele, os existencialistas) desvaloriza kantianamente (e luteranamente) a inteligência, e julga que o conhecimento nocional, sem o concurso da vontade, não atinge o ser. Isso leva ao fideísmo. Daí, Blondel rejeitar as provas tomistas da existência de Deus, que são puros raciocínios.
A mesma super valorização do conhecimento por conaturalidade—e, ademais, mal entendido, e ainda pior aplicado—é feita por Plínio Corrêa de Oliveira, para menosprezar o conhecimento racional e valorizar uma outra forma de conhecimento não racional.
É o que veremos mais adiante.
“O sistema bergsoniano é essencialmente anti intelectualista”
Albert Farges
Duvidamos que Plínio Corrêa de Oliveira tenha se dado ao estudo da Filosofia de Bergson. Ele preferia a leitura de revistas superficiais, amenas, ou as fofocas da corte de Luis XIV, lidas nas memórias de Saint Simon.
Mas de alguma forma, parece que ele teve notícia de algo do que Bergson expôs sobre o conhecimento humano, pois esse filósofo gnóstico estava muito na moda na juventude de Plínio. Ele ouviu cantar o galo desafinado do bergsonismo. E um galo que coincidia com sua maneira romântica de ver e de mitificar a realidade. Daí, uma grande afinidade e proximidade do que dizia Plínio C. de Oliveira sobre o conhecimento humano, e o que dizia o gnóstico Bergson
“Para Bergson, sendo o conhecimento inefável...“Desde que falamos, mentimos” (Jacques Maritain. Op. cit. p. 69).
“O mundo moderno veio à luz como uma revolta contra a ordem intelectual da Idade Média”.(Simpson, The Gothic Cathedral).
A cosmovisão católica medieval era sábia e se fundamentava no ser e no conhecimento intelectual do ser, por meio da abstração.
A Gnose da Modernidade recusa o ser e, por isso mesmo, recusa o conhecimento intelectivo da realidade. A Modernidade, como a velha Gnose, é antimetafísica e antirracional.
Para Francis Yates a Modernidade significa Magia mais Gnose (Cfr. F. Yates, Giordano Bruno e a Tradição Hermética ed. Cultrix, p. 180).
Essa Gnose do Humanismo renascentista se desenvolveu em Descartes, Kant, Hegel e, depois, penetrou na Igreja com o Modernismo de Blondel e de Bergson, alcançando seu triunfo no Modernismo anti intelectualista do Vaticano II. Foi por ser anti intelectualista que o Vaticano II recusou proclamar dogmas, e se disse pastoral, isto é, visou dar conselhos operativos.
O Modernismo recusa o ser e a verdade estáveis. Recusa a inteligência e abstração que conduzem à verdade objetiva e estável.
Na filosofia de Bergson, assim como a mudança se opõe ao ser, a intuição se opõe paralelamente à inteligência.
Esta seria voltada para a matéria, e, influenciada por ela, tudo geometriza, fixa e divide. A consciência enganaria o homem porque, conceituando, produz uma visão petrificada de cada coisa, fazendo supor que existe fixidez nas coisas. Mais ainda, a inteligência isola cada conceito, fazendo imaginar que a realidade é fixa, e formada por um número infinito de seres isolados uns dos outros. Para Bergson, a inteligência nega a mudança, e nos ilude forjando miragens de seres inexistentes. A lógica e a razão, trabalhando com conceitos ilusórios, completariam o engano do homem.
Então, pode-se bem dizer que a inteligência só conhece o imóvel e o descontínuo, que ela não compreende nada da vida, que ela decompõe artificialmente o real, que ela substitui a realidade por elementos fictícios escolhidos no que é já conhecido, e que assim, buscando a facilidade, não a verdade, e esvaziando todas as coisas da sua realidade própria, ela não pode mais se deter senão nos elementos quantitativos e geométricos aos quais ela quer tudo reduzir. Corruptio optimi péssima. (J. Maritain, op cit., p. 55).
Por esse motivo, Bergson considera que ver tudo fixamente, e como se o todo fosse uma mosaico estilhaçado, constituiria o “pecado do raciocinar” (J. Maritain, op cit., p. 183).
A faculdade humana que corresponde à matéria espacial é a inteligência, e esta se caracteriza por sua exclusiva orientação para a ação. É a ação que comanda, sem mais, a forma da inteligência. Como para a ação necessitamos de coisas exatamente definidas, o objeto principal da inteligência é o fixo corpóreo, inorganizado, fragmentário; a inteligência não concebe claramente senão o imóvel. Seu domínio é a matéria. Ela a capta para transformar os corpos em instrumentos; é o órgão do homo faber e subordinado, essencialmente, à construção de instrumentos. (...) Bergson abandona o fenomenismo de Kant e dos positivistas, e confere à inteligência, no domínio do corpóreo, a capacidade de penetrar na essência das coisas. Segundo ele, a inteligência é também analítica, ou seja, capaz de decompor segundo qualquer lei ou sistema e de recompor de novo. Suas características são a clareza e a capacidade de distinguir.
Mas, ao mesmo tempo, a inteligência caracteriza-se igualmente pelo fato de, por natureza, lhe ser impossível compreender a duração real, a vida. Constituída de acordo com a matéria, ela transfere as formas materiais, extensivas, calculáveis, claras e determinadas, ao mundo da duração; interrompe a corrente vital única e introduz nela a discontinuidade, o espaço e a necessidade. Não pode sequer compreender o simples movimento local, como o provam os paradoxos de Zenão. (J. M. Bochenski, Henri Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
Maritain confirma essa recusa de Bergson dos dados da inteligência com relação ao real:
Precisamente concedendo a Kant seu pressuposto essencial, admitindo com ele que a abstração só permite ver que, de si, o conceito é vazio, inapto a nos comunicar o real—simples fórmula exprimindo não mais as funções a priori kantianas, mas as atitudes práticas de nosso espírito fabricador, e os hábitos da materialidade – sustentando então que, por si mesma, a inteligência, modelada sobre a corporalidade, não pode, desde que ela cessa de manipular matematicamente a matéria, senão nos enclausurar num mundo de ilusões mecanicistas; e pedindo então conseqüentemente os meios para uma evasão, no real, há uma intuição que transcende a inteligência, e que mergulhará como o sentido, e muito mais ainda do que ele, no puro concreto como tal”(J. Maritain, op. cit., p. XXVI).
Para Bergson, “porque a duração contínua da vida escapa a toda lógica, e não poderia se acomodar ao princípio de não-contradição, o método tornado necessário para esta densidade própria às coisas da alma só pode ser inteiramente ‘irracional’,nota Vladimir Jankélevitch”.(Apud J. Maritain, op. cit., p.XLIX)
Para Bergson, o conhecer não poderia ser intelectual, mas vivencial. “Quanto mais se conhecesse intelectualmente menos se compreenderia. A tragédia do espírito consiste em que nosso conhecimento dos objetos como que nos obstrui para a concepção íntima e central”(J. Maritain, op. cit., p. L ).
Daí os seguidores de Bergson desprezarem o estudo intelectual e o conhecimento por abstração. Mais que a erudição, valeria uma captação quase que mágica do real por meio de uma misteriosa intuição não racional.
É a inteligência que nos enganaria, pondo os princípios de identidade e de não-contradição, princípios que deveríamos abandonar para atingir a realidade pelo único meio possível de conhecimento: a intuição mística, não conceitual, mas experimental. “O sistema de Bergson é essencialmente anti intelectualista” (Albert Farges, La Philosophie de M. Bergson, p. 463, apud Padre Diamandino Martins, S.J., Bergson, a Intuição como Método da Metafísica, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p. 59).
É o que afirma também Maritain- “O bergsonismo é, portanto, essencialmente uma filosofia anti intelectualista; ele nega à inteligência seu privilégio de faculdade do verdadeiro” (J. Maritain, op. cit., p. 121).
Despedaçar o real universal em conceitos, raciocinar, seria cometer o pecado de pensar (Cfr. J. Maritain, op. cit., p. 183).
A inteligência seria abstrativa, universalizante, racionalista, e discursiva. Ela só contornaria o objeto do conhecimento.
A intuição, pelo contrário, seria experimental e não teórica ou abstrativa; seria do singular e não o conhecimento de um conceito universal; seria exclusiva, pessoal; unificadora do sujeito com o objeto; inefável, e, por isso mesmo incomunicável.
Querer transmitir os conceitos seria ilusão, pois que o conhecimento verdadeiro – que só a intuição atinge—seria inefável.
Portanto, falar, ou escrever, seria mentir.
E Bergson disse e escreveu isso!
Logo, mentiu.
A intuição daria, então, um conhecimento oposto ao da inteligência, pois que nos proporcionaria um conhecimento absoluto do objeto. Só a intuição teria a capacidade de “apreender a verdade, graças a um processo de conhecimento sui generis, graças a um contato imediato, a uma coincidência absoluta com o real”(Cfr. J. Maritain, op. cit., p. 125).
Conforme Bergson, “a linguagem e a inteligência fixam termos que realmente não existem. Tal conhecimento não é, portanto, um conhecimento metafísico da realidade” (Padre Diamandino Martins, S.J., Bergson, a Intuição como Método da Metafísica, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p. 61).
Em resumo, existem dois domínios: de um lado, o domínio da matéria espacial e rígida, subordinado à inteligência prática; de outro lado, o domínio da vida e da consciência que dura, ao qual corresponde a intuição”. (J. M. Bochenski, Henri Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
Bergson é bem um filósofo moderno já que para a Filosofia Moderna o conhecimento intelectual seria falsificador do real.
Para a Filosofia Moderna haveria um outro recurso último que não a inteligência. Se fosse possível à Filosofia Moderna demonstrar que ao lado do nosso conhecimento ordinário, acima da inteligência, haveria um outro modo de conhecimento, uma faculdade mais intuitiva e mais próxima do absoluto; se lhe fosse possível agarrar essa faculdade, e lhe arrancar o segredo do real, não poderia ela sair, ao mesmo tempo, do absurdo círculo indicado mais acima, e do dilema de que acabamos de falar; de um lado, determinando, graças a este conhecimento superior, a verdadeira relação do sujeito com o objeto, e julgando assim a inteligência e a certeza; de outro lado concedendo que a inteligência conduz invencivelmente ao mecanicismo, mas sustentando que uma faculdade mais alta nos faz “transcender” o mecanicismo e nos introduz no absoluto? Ao mesmo tempo, a Filosofia teria o orgulho de permanecer verdadeiramente moderna, porque ela teria achado um novo fundamento para o pensamento humano, o mínimo indispensável para toda doutrina que se respeita” (J. Maritain, op. cit., p.5).
Ora, esse conhecimento intuitivo pretensamente superior ao intelectual, esse conhecimento que permitiria aceder ao absoluto de modo irracional, não conceitual, é aquilo que sempre se chamou de Gnose. Bergson é um gnóstico moderno.
“A operação pela qual nós nos apoderamos de nós mesmos no vir-a-ser, e pela qual, transportando-nos para o interior das coisas, tomamos contato com a essência das coisas, o Sr. Bergson a chama de intuição. A intuição não raciocina, não discorre, não compõe, e não divide. Pois que ela é a própria consciência se voltando sobre a duração, e porque a duração é o fundo vivo no qual todas as coisas se comunicam, ela nos faz coincidir com o objeto conhecido, ou antes sentido, ou melhor vivido, ela nos assimila, numa experiência transcendente e inexprimível, à sua mais íntima realidade: “esta intuição atinge o absoluto”(J. Maritain, op. , cit., pp. 7-8. Os destaques são nossos).
Não se poderia descrever melhor a experiência mística da Gnose em sua pretensão de reunir o éon divino de cada ser ao todo da Divindade universal, ao Absoluto.
O conhecimento intuitivo bergsoniano é uma forma de Gnose.
Bergson é muito vago sobre o que entende por intuição. E isto é bem compreensível, visto que ele afirma que a intuição é inefável. Daí, as várias formulações brumosas do que seria a intuição.
A intuição, sendo de si mesma evanescente, pode e deve exprimir-se, ou antes, ser sugerida, em representações mais flexíveis e mais fluidas que os conceitos ordinários. (J. Maritain, Op. cit.,p. 67)
Sendo a intuição incomunicável, inefável, ela “não pode ser traduzida em conceitos ou proposições. Somente metáforas sensíveis podem sugerir a outrem o que percebemos, ajudando outros a fazerem o mesmo esforço metafísico”( J. Maritain, op. cit., p. 92).
O bergsonismo prefere metáforas e comparações a conceitos, imagens a idéias.
Por exemplo, segundo Lydie Adolphe:
Intuição filosófica, seria expressão para designar “o conhecimento íntimo do espírito pelo espírito, subsidiariamente o conhecimento, pelo espírito, daquilo que há de essencial na matéria” e que está no fundo”[das coisas] (Bergson, La Pensée et le Mouvant, p. 244, apud Lydie Adolphe, op. cit. p. 139).
Para Bergson, a inteligência procura conhecer o objeto, girando em torno dele, enquanto a intuição penetra no objeto (cfr. Bergson, La Pensée et le Mouvant, p. 202).
Para Bergson, a intuição resulta de uma experiência, pois “não há outra fonte de conhecimento, a não ser a experiência.”(Bergson, Deux Sources, p. 265 apud, Fr. Sébastien Tauzin, O.P., Bergson e São Tomaz, Desclée de Brouwer, Rio de Janeiro, 1943, p. 70).
“Só a intuição é capaz de atingir imediatamente na sua totalidade concreta, o real” (Padre Diamantino Martins, S. J., Bergson, Livraria Tavares Martins, Porto 1946, p.107).
Contra o que ele considera a falsa ciência do intelecto, Bergson opõe o conhecimento intuitivo da duração, do impulso vital causador da mudança perpétua. Só a intuição nos permitiria aceder ao verdadeiro conhecimento, não racional, não conceitual, não intelectual, do perpétuo mudar. Desse modo, Bergson opõe conhecimento intuitivo a conhecimento intelectual.
Julgo que um dos sinais aparentes mais característicos do bergsonismo, encontra-se na oposição entre inteligência e intuição(...). (J. Maritain, op. cit., p. XIX).
Mas, de fato, a noção bergsoniana da duração e a da intuição são estritamente correlativas, elas não podem subsistir uma sem a outra (...) (J. Maritain, op. cit., p. XIX).
A intuição bergsoniana se caracteriza essencialmente por oposição ao conhecimento intelectual.
O conhecimento intelectual é abstrato, universal, e se serve do raciocínio ou do discurso. O conhecimento intuitivo requerido pelo bergsonismo será experimental, singular; excludente do raciocínio e do discurso, ao menos no que propriamente o constitui”. A intuição, nos diz Bergson, transcende a inteligência e a razão, é uma simpatia de todo o nosso ser com o real pela qual nós no comunicamos plena e absolutamente com ele, se bem que de modo fugidio, e por assim dizer evanescente (J. Maritain, op. cit., p.123).
O conhecimento intuitivo seria como que uma iluminação fulgurante, mas, momentânea, que nos uniria ao objeto conhecido, determinando uma como que fusão do sujeito conhecedor com o objeto conhecido. Um flash.
Só a intuição, oposta à inteligência, seria capaz de captar a realidade “graças a um processo sui generis de conhecimento, graças a um contacto imediato, a uma coincidência absoluta com o real, isto é a intuição” (Cfr. J. Maritain, op. cit., p.124).
A “Metafísica” decorrente da idéia de duração e vir a ser exigiria uma “experiência integral” do mudar para produzir o conhecimento do fluxo universal (Cfr. J. Maritain, op. cit., p.123).
“Onde se deve, pois buscar o conhecimento pleno da realidade, da Metafísica verdadeira? Na direção do instinto, na direção da simpatia” (Padre Diamandino Martins, S.J., Bergson, a Intuição como Método da Metafísica, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p. 54).
O conhecimento intuitivo do mudar proposto por Bergson é um conhecimento não intelectivo, mas experimental, místico, que é de fato uma gnose, no sentido literal desta palavra.
Só podemos conhecer a duração graças à intuição; mas com ela conhecemo-la diretamente e como algo íntimo. A intuição distingue-se por características que se contrapõem às características da inteligência. Órgão do homo sapiens, a intuição não está ao serviço da prática; seu objeto é o fluente, o orgânico, o que está em marcha; só ela pode captar a duração. Enquanto a inteligência analisa, decompõe, para preparar a ação, a intuição é uma simples visão, que não decompõe nem compõe, mas vive a realidade da duração. Não se adquire facilmente a intuição; tão habituados estamos ao uso da inteligência que se torna necessária uma viragem íntima violenta, contrária a nossas inclinações naturais, para podermos exercitar a intuição, e só em momentos favoráveis e fugazes somos capazes de o fazer”. (J. M. Bochenski, Henri Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
A intuição daria um conhecimento fulgurante, mas fugaz do real. Seria como que um “flash” de luz, que permitia unir o sujeito conhecedor com o objeto do conhecimento, pela união das “almas”, que, como vimos, estão em tudo e que constituem uma só alma.
Essa identificação do sujeito com o objeto constituiria o princípio de imanência, tão querido dos modernistas, e que foi condenado na encíclica Pascendi.
É o que explica o Padre Macdowell:
Reduzida à sua expressão mais simples, a idéia de imanência implica apenas que a realidade só nos é acessível enquanto presente à consciência. Seria evidentemente impossível, para o sujeito sair de si mesmo para considerar-se o ente fora da própria consciência. Daí se segue que a conformidade entre o conteúdo imanente do pensar e o seu objeto não é obtida nem reconhecida através da comparação entre um e outro”(Padre J. A. Macdowell, S.J., A Gênese da Ontologia Fundamental de Martin Heidegger, Editora Herder, São Paulo, Edusp, 1970, p. 51).
Portanto, o princípio de imanência identificaria o sujeito com o objeto, permitindo o verdadeiro conhecimento. Desse modo, Deus e Mundo, como objetos do conhecimento, só nos seriam conhecidos pela identificação do eu com Deus e com o mundo. Deus se tornaria assim imanente ao homem. Daí o Panteísmo ou a Gnose da modernidade e do modernismo.
A intuição daria o conhecimento verdadeiro, superior ao da abstração intelectiva:
Caracteriza-se a intuição como supra intelectual. Para além do conceito, e mesmo virando contra ele a direção do pensamento, além e acima de tudo o que a atividade da inteligência humana comporta inevitavelmente de abstrato e de propriamente racional, um conhecimento imediato, uma intuição do real, que é espírito, é “o instrumento específico” da filosofia. A intuição alcança o espírito”. (Carta de Bergson a M. Chevalier). Em outros termos, uma captação direta e supra conceitual da natureza do espírito; uma percepção imediata e concreta do universo metafísico, por mais evanescente que se a declare, por mais contrária à inclinação natural da inteligência, é o único órgão proporcionado do conhecimento filosófico, enquanto este se eleva acima da matéria”.(J. Maritain, op. cit., pp. XXVI – XVII).
Porém, bem nota Maritain que a intuição bergsoniana, negando que a inteligência seja capaz de, pela abstração captar o real, ela é, de fato, infra intelectual:
De outro lado, não adianta que se nos apresente a intuição bergsoniana como “supra intelectual”, ou como “ultra-intelectual” , é preciso reconhecer que, de fato na realidade, ela só pode ser infraintelectual (J. Maritain, op. cit., p. XVII).
Como bem nota Maritain, Bergson mutila a inteligência.
Sendo a atitude da inteligência exclusivamente prática, a filosofia não pode utilizar senão a intuição. Os conhecimentos, obtidos por este meio, não podem ser expressos em idéias claras e precisas, nem tampouco são possíveis as demonstrações. A única coisa que o filósofo pode fazer é ajudar os outros a experimentarem uma intuição semelhante à dele. Assim se explica a riqueza de imagens sugestivas que as obras de Bergson oferecem”. (J. M. Bochenski, Henri Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
Para se ter a intuição, seria necessário um esforço imenso, a fim de contrariar e de anular o processo normal, intelectual, do conhecer humano.
Frei Tauzin aponta qual seria o método para se obter a experiência da intuição.
Seria preciso:
a) eliminar toda memória (lembranças, recordações) assim como todos os afetos;
b) não fazer distinções e classificações; tentar quebrar os quadros da linguagem; “rejeitar expressões verbais” Padre Diamantino Martins, S. J., Bergson, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p.121)
c) combater a noção de estabilidade das coisas;
d) procurar unir o ver com o querer, isto é procurar conhecer pelo amor;
O conhecimento por intuição assim obtido será momentâneo e evanescente. Seria como um flash, extremamente luminoso, mas passageiro, fugidio, evanescente, inefável, e, por isso mesmo, incomunicável. Na realidade, a intuição bergsoniana é uma verdadeira experiência do tipo místico. (Cfr. Fr. Sébastien Tauzin, O.P., Bergson e São Tomaz, Desclée de Brouwer, Rio de Janeiro, 1943, pp. 71-72).
George Steiner cita, como epígrafe, uma frase do cabalista e marxista Walter Benjamin que diz: “Nos domínios que nos importam, a intuição acontece apenas como um relâmpago. O texto é, muito depois, o ressoar do trovão”(Walter Benjamin, Das Passagen-Werk, N. I. I., in George Steiner, Antígonas, Edit. Relógios d’Água, Lisboa, 2008, p.8).
Isto significa que, para os gnósticos, só se pode ter conhecimento através de iluminações interiores, intuitivas que seriam como fulgurações semelhantes a relâmpagos muito evanescentes e momentâneos, nos quais teríamos visões fugidias de conhecimentos inefáveis. Nossas palavras tentariam traduzir o que entrevemos sem jamais conseguir fazer isso, porque o trovão da palavra não consegue fazer ver a luz do relâmpago.
É exatamente o que Dr. Plínio chama de flash.
O conhecimento por flash seria intuitivo, evanescente e inefável É o conhecimento alógico da Gnose.
Quem tivesse um flash, uma intuição, poderia dizer: “Quem viu, viu. Quem não viu, não viu”,pois o que se capta no tal flash intuitivo seria incomunicável.
Também Lydie Adolphe relaciona a intuição bergsoniana com a mística unificadora do sujeito com o objeto do conhecimento ou do amor, isto é, ao princípio de imanência:
Cremos que é nesse sentido que é preciso compreender a intuição bergsoniana. A intuição deve coincidir em seu ritmo com todos os demais anéis da cadeia [do mudar], com todas as durações respectivas dos seres. Há assim como que uma comunhão, uma “relação”, no sentido místico da palavra, entre o sujeito e o objeto, independentemente do espaço e do tempo. Esta coincidência é comunhão, endosmose, derramamento mutuo, transmutação insuspeitada, de um modo geral, troca. Como definir de outro modo a ação?(Lydie Adolphe , op. cit. p. 178).
Há, sim, uma palavra que define bem esse derramamento mútuo do sujeito no objeto e deste no sujeito: Kenosis.
É na doutrina eslavófila e gnóstica imanentista da Kenosis que se dá essa fusão do conhecedor no conhecido, por intuição, de modo que um se identifique com o outro, esvaziando-se nele. Sendo um no outro.
A intuição bergsoniana é kenótica sem que ele use esse termo. E a Kenosis é um conceito imanentista da Gnose romântica dos místicos eslavófilos.
Que a intuição de Bergson, sob forma de filosofia é uma Gnose que busca fazer conhecer que somos algo que desprendeu do todo original, e que, para salvar-nos, temos que conhecer isso, e buscar retornar à união primeva com o todo em perpetua evolução é fácil de entender nestas palavras de Bergson:
“A filosofia não pode ser senão um esforço para fundir-se de novo no todo. A inteligência, se reabsorvendo em seu princípio, reviverá ao avesso sua própria gênese” (Bergson, L´Évolution Créatrice, p. 209. apud Lydie Adolphe, op. cit. p. 182).
E isso é claramente Gnose e imanentismo.
Se a intuição produz uma união do sujeito com o objeto, então um caminho para alcançar a intuição seria a simpatia, que já é uma certa forma de união no sentir com o outro. “Simpatia é, portanto, caminho da intuição do exterior” (Fr. Sébastien Tauzin, O.P., Bergson e São Tomaz, Desclée de Brouwer, Rio de Janeiro, 1943, p. 82).
“A intuição” seria “a coincidência vivida, sentida do sujeito e do objeto” (J. Maritain, op. cit., p. 13).
A intuição do sr. Bergson é uma identificação vivida do espírito e da coisa em seu ser real (e não em seu ser intencional, que o sr. Bergson não poderia admitir). Bem que supra–intelectual na intenção do sr. Bergson, ela se reduz na realidade à ordem sensível pois que ela é uma experiência da própria materialidade da coisa (...) Com uma tal intuição nós não damos luz às coisas, nós vamos buscar nas coisas um contato que nos transforme nelas. Nós não possuímos as coisas, somos possuídos por elas, nós não intelectualizamos a matéria, mas materializamos o espírito. (J. Maritain, op. cit., p. 64)
Seria, de fato, uma intuição cega.
Desse modo a intuição seria uma imersão nossa nas coisas, um “mergulho” nas coisas para que nos identificássemos com elas e, por elas, ao todo universal, ao absoluto.
O próprio Maritain alude à similitude que tem a intuição simpática bergsoniana com as experiências místicas da Gnose e das seitas teosóficas: “(...) enfim, a uma parte do misticismo natural que aparentaria esta intuição ao êxtase de Plotino, e com as diversas imitações que as seitas gnósticas ou teosóficas tentaram da verdadeira contemplação” (J. Maritain, op. cit., p. 65).
Seria a simpatia que abriria caminho para a intuição, a qual seria um como que mergulho no objeto intuído:“Donde se segue que um absoluto só pode ser atingido numa intuição, isto é, na ‘simpatia pela qual nos transportamos ao interior dum objeto, para coincidir com aquilo que ele tem de único, e conseqüentemente de inexprimível” (Bergson, Introduction à la Métaphysique, p. 205 , apud Padre Diamantino Martins, S. J., Bergson, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p.107).
Essa idéia da identificação plena do sujeito com o objeto através do “mergulho” da intuição levou Maritain a fazer os seguintes comentários:
A doutrina de Bergson,
"opõe então sua intuição à idéia, ao conceito, ao conhecimento abstrato; e à razão e ao conhecimento discursivo. Ela não vê que, suprimindo do conhecimento a idéia, isto é, a similitude subjetiva do objeto, formada no sujeito conforme o modo de ser do sujeito, ela se condena a fazer de seu conhecimento intuitivo uma identificação do objeto e do sujeito, conforme o modo de ser do objeto; de modo que para ter, nesse sentido, a intuição da vida vegetativa ou da matéria, seria preciso que de um certo modo o filósofo se tornasse, ele mesmo, materialmente, vegetal ou mineral. A intuição bergsoniana, deste ponto de vista, só pode nos aparecer como uma tentativa de fazer violência ao espírito para absorvê-lo na materialidade das coisas” (Jacques Maritain, La Philosophie Bergsonienne,Librarie P. Téqui, Paris, 1948, p. 133).
E ainda :
Deixemos agora de lado a lógica e o raciocínio, e tentemos captar o real, não mais por uma idéia, e graças ao conhecimento intelectual, mas diretamente em si mesmo, graças a uma espécie de simpatia vivida que nos faz coincidir com ele, ou antes, para chamar as coisas por seu nome, por uma dilatação de percepção, e graças a um esforço de nossa alma toda para nos transformar no objeto, para enganá-lo, [pour le jouer], para entrar nele.( J. Maritain, op. cit., p. 91)
Intuindo um rubi, o homem unindo-se a ele se “rubinizaria”; intuindo uma safira, ele se safirizaria, intuindo o mar, ele se identificaria com ele etc... Intuindo Deus...
A intuição não é uma visão de algo, mas contato, é bem uma simpatia ‘ pela qual se daria um transporte ao interior de um objeto para coincidir com aquilo que ele tem de único, e, por conseqüência de inexprimível” (Bergson, La Pensée et le Mouvant, p. 205, apud Lydie Adolphe, op. cit. p. 163).
Alguns pretendem que este modo de conhecimento intuitivo, pelo qual se daria um “mergulho” no outro, é relacionado como conhecimento por conaturalidade de que falam Aristóteles e São Tomás. Ora, o conhecimento por conaturalidade dar-se-ia, segundo Aristóteles e São Tomás quando alguém, possuindo uma certa virtude, embora sem ter a ciência dela, teria um certo conhecimento de quem atua de acordo com essa mesma virtude.
Bergson não diz isto.
Bergson julga que, por meio da intuição haveria uma coincidência do intuidor com o intuído, que se tornariam um só e o mesmo absoluto.
Daí, escrever Frei Tauzin: “Se conhecer é ser, conhecer o outro é ser o outro” (Frei Sébastien Tauzin, O.P., Bergson e São Tomaz, Desclée de Brouwer, Rio de Janeiro, 1943, p. 272).
Conhecer o outro seria ser o outro. Essa fórmula seria plenamente aceita por PCO.
Outro meio auxiliar para alcançar a intuição seria a imaginação:
Se falamos dum movimento absoluto, é, diz Bergson, porque atribuímos ao móvel ‘um interior e como que estados de alma ”e neles nos inserimos“ por um esforço de imaginação” (Bergson, Introduction à la Métaphysique. La Pensée et le Mouvant, p. 202, apud Padre Diamantino Martins, S. J., Bergson, Livraria Tavares Martins, Porto, 1946, p.105).
É interessante notar como a intuição bergsoniana influiu na Arte Moderna, especialmente no Surrealismo, pois disse Bergson que ela exige ação violenta que rasgue o véu da figuração simbólica que recobre a realidade. Ela exigiria um olhar ‘naif’ [ingênuo] para alcançar uma outra realidade superior àquela que vemos (Cfr.Lydie Adolphe, op. cit., p. 165).
A filosofia do devir de Bergson deu origem a uma nova Moral.
Segundo Bergson, há duas espécies de moral, a moral fechada e a moral aberta. A moral fechada deriva dos fenômenos mais gerais da vida; consiste numa pressão exercida pela sociedade, e as ações que lhe correspondem são levadas a cabo de modo automático, instintivamente. Só em casos excepcionais se trava luta entre o eu individual e o social. A moral fechada é impessoal e triplamente fechada: visa a conservação dos costumes sociais, faz coincidir quase inteiramente o individual com o social, de sorte que a alma se move constantemente dentro do mesmo círculo, e, por último, é sempre função de um grupo limitado e nunca pode ser válida para a humanidade inteira, porque a coesão social, da qual é função, repousa em grande parte na necessidade de autodefesa.
A par desta moral fechada, que obriga absolutamente, existe a moral aberta. Esta aparece encarnada em personalidades. eminentes, em santos e heróis, e não é moral social, mas humana e pessoal. Não consiste numa pressão, mas num apelo; não é fixa, mas essencialmente progressiva e criadora. É aberta no sentido que abarca a vida inteira no amor, proporciona até o sentimento da liberdade e coincide com o próprio princípio da vida. Procede de uma emoção profunda que, do mesmo modo que o sentimento provocado pela música, carece de objeto”. (J. M. Bochenski, Henri Bergson, Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. in A Filosofia Contemporânea Ocidental, Herder, São Paulo, 1968).
Por fim, seria conveniente mostrar que o bergsonismo, afirmando que o único conhecimento possível é o intuitivo –que seria inefável e incomunicável—se condena a não poder ser transmitido. Bergson näo podia ter discípulos, mas só repetidores. É o que nota Maritain:
Uma filosofia anti intelectualista não poderia formar discípulos em sentido próprio, porque discípulo é aquele cuja inteligência, posta em ato por uma doutrina recebida, a pensa de novo por sua própria conta; somente as idéias se comunicam, as impressões, sensações e simpatias intuitivas só podem ser individuais. O bergsonismo, portanto, só pode ter propagadores mais ou menos fiéis à “corrente de pensamento” de seu mestre, e que repetem, mais ou menos bem, as metáforas que aprenderam” (Jacques Maritain, La Philosophie Bergsonienne,Librarie P. Téqui, Paris, 1948, p. 300).
As características da teoria do conhecimento do gnóstico Bergson são:
a) O Conhecimento é Inefável.
b) A Inteligência é contrária à Intuição
c) A Inteligência é Enganadora
d) A Intuição não engana
e) Intuição é Flash Iluminante, Evanescente e Inefável
f) A Intuição, identificando sujeito e objeto, causa a Imanência.
g) Intuição, “Mergulho” e Simpatia.
h) Supervalorização da Imaginação
I ) Nova Moral “Aberta” contra a Moral “Fechada”
j ) Fanáticos Propagadores de Metáforas.
Esta teoria do conhecimento herética, imanentista e gnóstica é muito afim com a teoria do conhecimento de Plínio Corrêa de Oliveira, tal qual ela foi exposta em seus artigos e estudos. E é o que veremos a seguir. Isso, porém, não significa que Plínio leu Bergson e que adotou sua teoria gnoseológica. Essa doutrina era exposta de mil formas no tempo da Belle Époque em que Plínio foi educado [?]. Tal doutrina estava no “ar” da Belle Époque. Era a teoria do conhecimento do Romantismo que Bergson sistematizou. Foi essa mentalidade romântica que gerou, em Bergson, a sua filosofia, e em Plínio, seus devaneios a-sistemáticos.
Gnosticizantes.
Vimos na Primeira Parte deste nosso trabalho, que Dr. Plínio afirmava que todos os homens nascem com a Inocência Primeva, e que ela lhes proporcionaria um conhecimento inato das coisas. Já ao nascer o homem teria em sua inteligência as matrizes ou padrões dos seres criados, isto é os universais.
Eis as palavras de PCO, que repetimos para facilitar a verificação a nossos leitores:
Todos os homens têm no fundo do espírito, o padrão, os modelos ideais de todas as coisas. E—se não cometeram infidelidades revolucionárias, contra a ordem estabelecida por Deus na Criação – são capazes de encontrar em si esses modelos ideais. Feito isso, não é tão difícil alcançar a harmonia interna da alma que caracteriza a inocência” (Plínio Corrêa de Oliveira, A Inocência…, p. 45).
Ela –[a criança] – procura ver no que as coisas concretas conferem com a matriz que está na alma dela, a qual para ela é perfeita” (Plínio Corrêa de Oliveira, A Inocência…,p. 31).
Os homens teriam, então, inatas as idéias universais. Ora, o universal no homem é abstraído dos seres reais concretos. Esse é o modo de conhecer do homem, por abstração. Em Deus se dá o oposto. Deus tem idéia de um ser (universal) e desse universal cria os seres concretos. Assim o conhecimento divino é inverso ao do homem. É no Verbo divino que foram concebidas as idéias universais que PCO denomina de arquétipos. Ao afirmar que todo homem recebe a Inocência Primeva e, com ela, recebe inatas as idéias matrizes de todas as criaturas, PCO iguala a mente humana ao Verbo divino.
Vimos ainda (pp. 40 e 41 deste obra) que, segundo Fra Cavalcoli O.P., também o modernista Karl Rahner, o perito mais responsável pelas doutrinas revolucionárias e heterodoxas do Vaticano II, tinha essa mesma doutrina. Portanto, o modernista Rahner e o tradicionalista Plínio Corrêa de Oliveira tinham a mesma concepção sobre o conhecimento inato do homem.
Tal como no Verbo Divino, logicamente, as idéias “precedem”, a criação, também na inteligência humana as idéias universais seriam inatas. Para Plínio, conhecer a realidade, o homem compararia os seres individuais concretos existentes no universo com as matrizes de ser existentes inatas na alma humana, sem necessidade de abstrair.
Deus, conhecendo-Se a si mesmo, cria seres análogos a Si. O conhecimento em Deus parte do ser Dele. Para Plínio, o conhecimento humano partiria igualmente de si mesmo e não da realidade externa. O conhecimento humano seria então idêntico ao conhecimento divino.
Tendo em vista essa doutrina absurda, como se pode então qualificar PCO como o ”Cruzado do Século XX”?
Melhor teria sido chamá-lo de um dos maiores enganadores do século XX.
Possuindo o homem inocente— Plínio Corrêa de Oliveira —um conhecimento inato dos universais, julgava ele que era desnecessário estudar. Ele explicitava apenas o que ele tinha em seu interior. Isto é, ele inventava e dizia o que lhe passava pela imaginação. E essa era a sabedoria inerrante do profeta de Higienópolis.
Certo era a primeira impressão que uma coisa lhe causara.
Errado era o que o desagradara, numa primeira impressão. Plínio vivia de suas impressões. E depois, contraditoriamente, escreveu que quem se guia pelas impressões é relativista.
Mais ainda. Ele ensinava ora uma coisa , ora o oposto, conforme o auditório a quem falava. Ia preparando as pessoas lentamente, com frases sutis, e pouco a pouco acabava por ensinar o oposto do que dissera antes.
Veja-se que se secretamente ele ensinava que no homem havia idéias inatas e que seria preciso apenas explicitar o que existia na alma, e que o homem devia ser fiel às suas primeira impressões, de outro lado, dizia serenamente o oposto.
Veja-se como ele defendia a necessidade de abstração, numa conferência reservada, em 1967:
c - Logo, a chacunnière é o oposto da Sabedoria
Ora, o espírito bem formado deveria:
- querer o abstrato.
- neste, o arquitetônico, isto é, as verdades que formam um todo, e não apenas umas notas abstratas soltas no ar.
- no arquitetônico, deveria procurar o metafísico.
- além do metafísico, o sobrenatural.
- e no sobrenatural, arquitetonicamente visto, ele deveria se deleitar.
Esta é a ordem da Sabedoria, é a Sabedoria .
d - assim a chacunnière encontra sua expressão mais eminente no espírito "americanista"
O oposto disto é exatamente a chacunnière, que encontra sua expressão mais eminente no espírito "americanista". Pois, para o norte-americano (segundo é apresentado e difundido por Hollywood), o que vale é o fato que passa, a impressão que chama a atenção, a pura sensação física, o horror ao pensamento que conduz ao abstrato, o horror ao arquitetônico”.( Plínio Corrêa de Oliveira, Quem somos nós, TEXTO introdutório de Fevereiro de 1966, ORIGINAL DO site salvemaria, pp.7-8. http://salvemaria.info/images/fbfiles/files/QSN.doc).
Anos depois, no texto do Simpoósio “Quem somos nós”, dado para os tefepistas argentinos em 1973, Plínio vai dizer o oposto:
E os flashes, explicitados e reduzidos a raciocínio.
Isto dará então o lado raciocinado do simpósio. Primeiro, porque só as impressões profundas são grandes flashes. Depois, porque estando estando explicitada e reduzia a um raciocínio, ainda que nas horas de grande tentação, de grande dificuldade, de grande crise, os flashes desapareçam, a coisa que fica é o que foi reduzido a raciocínio, a princípio.
Não é sem razão que depois de Nossa Senhora ver as maiores maravilhas se passarem em torno d'Ela a propósito da Anunciação, do Nascimento do Menino Jesus e dos primeiros fatos de Sua Infância, o Evangelho nos diz que Ela conferia todas essas coisas e as meditava no seu Coração. O que é que era esse meditar?
“Era tomar todas as coisas que a Ela tinham causado grande impressão - impressão já toda ela razoável, porque Nossa Senhora era concebida sem pecado original e tinha, na ordem da graça e da natureza, qualidades verdadeiramente insondáveis - era tomar essas impressões, já razoáveis, e fazer delas um pensamento definido, articulado, metódico que A elevasse ainda mais no amor a Deus” ( Plínio Corrêa de Oliveira,Quem somos nós, TEXTO introdutório de Fevereiro de 1966, ORIGINAL DO site salvemaria,p. 13. Os destaques são nossos. http://salvemaria.info/images/fbfiles/files/QSN.doc).
Plínio afirmava que havia no homem uma faculdade subconsciente, superior e anterior à inteligência e à vontade, que dariam ao intelecto consciente uma compreensão inerrante, e à vontade uma decisão clara inata e superior à racional para escolher o que certamente seria mais conveniente para a pessoa, tendo em vista a sua divinização por transformação no Absoluto
Tal capacidade Plínio a chamava de “seletivo” e considerava que ela existia e atuava, mesmo antes do uso da razão. Com ele, afirma–o Plínio, aconteceu isso: ele já usava o seletivo aos seis meses de idade, quando evidentemente não tinha o uso da razão.
Tanto quanto possa lembrar-me de mim mesmo, já observava as coisas em pequeno e pensava sobre elas, perguntando-me se eram moralmente boas ou más; ontologicamente apetecíveis ou não. Por exemplo, há uma fotografia em que estou nos braços de mamãe, tendo alguns meses de idade e, portanto, sem o uso da razão. Ela relativamente moça, muito forte e bem constituída, sorrindo enlevada e satisfeita. Ao pé da letra, ela está “derretida”...
“Alguém teve a idéia de fazer uma ampliação dessa fotografia. Observando minha micro-fisonomia, percebi alguma coisa de meu modo de ser e de meu temperamento que já estava ali presente. A inocência transparece de modo saliente, junto com a debilidade. Estou acordado olhando para alguma coisa. Largado nos braços maternos – com delícias! –sentindo muito seu carinho e confiando nela com a maior tranquilidade. Entretanto, causou-me certa surpresa ver como uma criança daquela idade com ares e olhar de quem está raciocinando... É um olhar seletivo e dubitativo; feito para distinguir as coisas, não permitindo que elas se apresentassem emaranhadas, mas coordenadas. Com uma grande tendência para a análise, disposta para depois saborear ou recusar, aprovar ou rejeitar. Havia ali uma obra–prima para um homem muito analitico”( Plínio Corrêa de Oliveira, Notas Autobiograficas,vol. I, p. 63. Os destaques são nossos).
Será preciso comentar o absurdo dessas afirmações cheias de um imenso orgulho, e saturadas de contradições? Como uma criança, sem o uso da razão, pode falar em problemas morais, do que é lícito e do que é ilícito? Do que é ontologicamente apetecível?
Haveria coisas ontolgicamente não dese jáveis sob algum aspecto? Todo ser, enquanto ser , é bom, portanto apetecível. Dizer que haveria seres não apetecíveis parece indicar a ideia de que poderia haver seres ontologicamente maus. O que é uma ideia gnóstica.
Isso é um desvario de alguém transtornado que perdeu a noção de autocensura. Mas que pretendia usar o “seletivo”, potência superior à razão, já aos seis meses de idade. (Pena que parece tenha perdido qualquer seletivo e autocensura posteriormente).
Pelo seletivo é que o homem teria o verdadeiro conhecimento do ser. E ser, aí, seria o Ser Absoluto.
Por quê?
Porque Plínio definiu o seletivo, dizendo que ele é o próprio ser: “Descrevemos desta sorte um inocente concebido sem pecado original cujo seletivo é o próprio ser”(Plínio Corrêa e Oliveira, Seletivo e Harmonia da Alma Inocente, in revista “Dr. Plínio”, Ano VIII, Junho de 2006, N0 87, p. 22. O destaque é nosso).
Por isso, também PCO dizia que esse “seletivo” era “o senso do ser”, inato no homem.
Já vimos que o seletivo e o senso do ser, segundo a doutrina pliniana, estariam intimamente ligados com a idéia de que no homem existe inata a idéia de ser Absoluto.
Expliquemos mais claramente o que seria esse “seletivo”— ser, e senso do ser — existente inato numa misteriosa Câmara Obscura, que existiria por trás da inteligência e da vontade.
O seletivo seria um conhecimento inato, “instintivo e elementar de si próprio” (PCO, artigo na revista “Dr Plínio”, N0 85, p. 25).
Por meio dele, teríamos o senso do divino em nós pela conscientização de tendemos ao Absoluto, à Divindade:
1-Por exemplo, temos uma série de percepções do divino em nós, em várias ocasiões de nossa vida. Quando às vezes, nós comungamos, temos uma certa percepção, onde está o Santíssimo, percebemos que Ele está lá. Ou quando visitamos a Sainte Chapelle” (PCO, artigo na revista “Dr.Plínio”, N0 58, p. 17. Os destaques são nossos).
E os exemplos dados não nos dão a percepção do divino em nós. Por outro lado, Plínio sabia que ele correspondia a um arqui alter ego dele, que seria o próprio Cristo. E vimos também que, em outro artigo, Dr. Plínio afirmou que
A inocência está sempre à procura de algo, de algo que é cheio de luz, cheio de paz, cheio de ordenação, concatenação e força, mas cheio de tranqüilidade.
Este algo tem a capacidade de tudo mover sem mover-se a si próprio.
Tem algo de inefável, de divino, de interior e de secreto” (Plínio Corrêa de Oliveira,Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo, ed. cit. p. 49. O destaque é nosso).
E o que tem capacidade de tudo mover sem mover-se—o motor imóvel-, é Deus.
E vimos que PCO considerava que o homem se identificaria, no final do processo humano, com a Divindade – um conhecimento de todas as coisas, remetendo a impressão que elas nos causam, pelo uso da imaginação, ao Absoluto puramente ideal, que conteria todos os valores absolutos encarcerados no mundo material.
Portanto, o seletivo, o senso do ser, permitiria que conhecêssemos o divino em nós e em todas as coisas. Assim como se deveria buscar o nosso alter ego absoluto, assim também se deveria buscar o super “ser” absoluto (o super verde da gelatina, o super chopp, a super limonada) aprisionado nas coisas concretas. Até reunirmos tudo isso no mundo da Trans-esfera, que seria o pléroma do Absoluto.
E já vimos que isso é Gnose claríssima.
Do fundo inconsciente de nossa alma, numa zona obscura, que PCO chamava de Câmara Obscura --[quase que o Id de Freud]–, o seletivo dava à inteligência consciente as matrizes de todos os seres, os universais, e para a vontade apresentaria as decisões mais profundas e melhores para o indivíduo, mas que o livre arbítrio poderia recusar. Daí, Plínio falar em “maldade do livre arbítrio”
Plínio dirá que, na alma humana, havia então uma misteriosa Câmara Obscura, na qual se dariam todos os conhecimentos inatos que o homem deveria sempre comparar com o que a realidade exterior lhe apresentasse. O que seria conveniente ao homem lhe causaria uma impressão favorável a qual lhe permitiria, através da imaginação, relacionar essa impressão com a matriz do ser inata nele, e a seguir, e sempre usando a imaginação, relacionar essa primeira impressão com outros seres análogos superiores até chegar a um análogo absolutamente transcendente à realidade concreta, num mundo irreal e imaterial, onde haveria a fonte Absoluta da impressão sentida inicialmente. Esse exercício imaginativo fazia passar, dizia PCO, do concreto exterior à verdadeira realidade do Absoluto ideal, numa esfera superior que PCO chamava de Transesfera.
E repare-se que, nesse processo, não entraria a abstração intelectiva. O que importa é o seletivo, a impressão sensível e a imaginação como meios de chegar ao Absoluto ideal.
O livre arbítrio, porém, por sua maldade, poderia recusar esse absoluto sugerido pelo ser concreto apresentado pelo seletivo como convite para alçar um vôo imaginativo até o Absoluto ideal na Transesfera. Havendo essa recusa pela preferência do ser concreto e desprezo do Absoluto, dar-se–ia na alma uma desarmonia de suas potências e o homem perderia o fulgor da inocência primeva. Esse seria o pecado de Revolução que faria do homem um revolucionário.
Caso o homem fosse fiel ao que o seu seletivo lhe apresentasse de modo inato e inerrante, ele venceria, como dizia Plínio, a maldade do livre arbítrio, mantendo a inocência primeva e a harmonia das potências conscientes de sua alma, tornando o homem um contra revolucionário. Não havendo o pecado de revolução — a recusa de buscar o Absoluto por meio da imaginação e do sonho – a inocência permaneceria na alma mesmo sob um mar de pecados contra a lei de Deus. O mal seria o pecado de revolução, a recusa da busca do Absoluto.
A inteligência e a vontade conscientes seriam meras ramificações do seletivo da Câmara Obscura. Elas teriam suas raízes no seletivo residente na câmara obscura.
Plínio considerava que a inteligência e a vontade, em sua dependência radical do seletivo, foram postas como inerrantes no homem.
Plínio diz mais: diz que a inteligência é inerrante em seu nascedouro, isto é, no seletivo jazente na Câmara Obscura. E que, se uma pessoa fosse fiel a esse estado original, que o Batismo reforçaria, ela se manteria inocente, mesmo se cometesse um mar de pecados, pois esse estado seria ontológico, seria imanente ao ser do homem, e, por isso também ele se tornaria inerrante. Se a pessoa atuasse sempre de acordo com sua inocência, então ela seria inerrante.
Isso foi contado por João Scognamiglio por volta de 1992, portanto, Plínio estando ainda vivo (Cfr.João Scognamiglio Clá Dias, Jour–Le–Jour, 19 de Abril de 1992, citado já, na I Parte deste livro, cap. II, p. 51).
E Plínio diz que, dessa inocência e inerrância originais, algo restou em nós, após o pecado de Adão.
O que é, mais que uma “batatada” contraditória, é erro grave de doutrina, pois considera que a natureza humana, de fato, não teria perdido o estado adâmico original.
Plínio constata que o pecado original deixou em nós muitas desordens, mas que “Essas desordens e contradições devem ser vencidas e domesticadas pela inocência que restou em nós com a ajuda da graça de Deus, pois sem este socorro nada se consegue” (PCO, artigo, “Seletivo e Harmonia na Alma Inocente”, in revista Dr. Plínio, Ano VIII, Junho de 2.005, N0 87, p.24, O destaque é nosso).
A Inocência teria permanecido em nós – pelo menos em uma forma de resto—depois do pecado original?
Isso é herético.
Somos concebidos no pecado original, e nada da inocência primeva restou em nós. Isso que disse Plínio é uma negação da doutrina católica sobre o pecado original. Isso é contra a fé.
Plínio afirma que é possível manter em nós a harmonia destruída pelo pecado original, extirpando a contradição que ele deixou em nossa natureza, através do bom uso de nosso seletivo:
Entretanto trata-se de uma contradição que precisamos extirpar de nosso interior, para que em nós tudo seja lógica, coerência, harmonia.”
Tal nos é possível, fazendo com que nosso seletivo funcione em ordem, não procurando coisas que não nos convém, e tendo idéia exata de como deveríamos ser, isto é, inocentes. E desejar atingir essa meta, pois o homem, quando fiel à sua inocência batismal, conhece, quase por instinto aquilo que lhe será ou não benéfico” (PCO, artigo, “Seletivo e Harmonia na Alma Inocente”, in revista Dr. Plínio, Ano VIII, Junho de 2.005, N0 87, p.25, Os destaques são nossos).
Isso é tem sabor, cheiro e jeito de heresia.
Se isso fosse verdadeiro, o seletivo seria mais importante que o Batismo, pois que teria efeitos que o Batismo não tem, anulando as contradições trazidas pelo pecado original, e restabelecendo o homem na inocência primeva, coisa que nem o Batismo faz.
É verdade que Plínio fala aí em inocência batismal. Porém, muitas vezes, ele falava de inocência primeva.
Não somos capazes de restabelecer a inocência original primeva em nós. E mesmo a inocência batismal, isto é, passar toda a vida sem cometer um pecado mortal sequer, é bem raro acontecer. E mesmo nos santos que jamais cometeram um pecado mortal, a inocência batismal que eles conservaram não eliminava neles a tendência ao erro e ao pecado. O Batismo perdoa a culpa original, mas não apaga as conseqüências do pecado original em nossa natureza.
Além disso, - que é gravíssimo – Plínio diz outra batatada ao afirmar que temos conhecimento do que é benéfico ou não à alma, quase que por instinto.
Quem conhece por instinto é o animal.
O conhecimento do que é bem ou mal é racional e não instintivo.
Vejamos algumas citações originais dessa doutrina de PCO, comprovando o que agora explicamos.
Na apostila sem assinatura divulgada na TFP ainda quando lá estávamos, e que se sabia ter sido escrita por Átila Sinke Guimarães, resumindo algumas teses que Dr. Plínio expunha no MNF –pode-se ler algo que permite vislumbrar qual era, de fato, a teoria do conhecimento de Plínio.
Lá, se lê:“A visão primeira corresponde à minha velha idéia – [de Plínio Corrêa de Oliveira]—de que o conhecimento é algo que brota do fundo da cabeça do homem à maneira de algo impreciso, que depois se torna desenho, depois relevo, depois estátua e por fim fala” (Apostila da TFP escrita por um eremita, e atribuída Átila Sinke Guimarães , “MNF -- O Processo Humano”(Resumo), mimeografada pela Editora Vera Cruz Ltda São Paulo, Dezembro de 1972, II Parte, Capítulo I “Teoria da Visão Primeira” , N 0 5 – O Verdadeiro Conhecimento e a Verdadeira Inteligência, p. 64. O destaque é nosso).
Portanto, o conhecimento viria do interior do homem, e seria inato nele.
E noutra passagem se lê:“Necessariamente tem que haver um conhecimento anterior e subconsciente nele –[no homem] –que é o conhecimento de algo por onde todas essas coisas são unas” (Apostila da TFP, “MNF -- O Processo Humano”(Resumo), mimeografada pela Editora Vera Cruz Ltda São Paulo, Dezembro de 1972, II Parte, Capítulo I “Teoria da Visão Primeira” , N 0 1 – Visão primeira a Alma Enxerga o Ser na sua Totalidade, p. 61. O destaque é nosso).
E onde o homem teria esse conhecimento anterior?
Ele teria esse conhecimento inato numa coisa misteriosa da qual a Igreja jamais falou: a Câmara Obscura”...
Que seria isso?
Plínio Corrêa de Oliveira, nas reuniões super discretas do MNF se abria, manifestando sua verdadeira doutrina, que parecia muito uma síntese de freudismo, bergsonismo e kantismo.
Veja-se lá:“O processo humano não se esgota simplesmente na inteligência ou na vontade, mas ele se esgota em algo que está por detrás da inteligência e da vontade” (Apostila da TFP, “MNF -- O Processo Humano” (Resumo), mimeografada pela Editora Vera Cruz Ltda São Paulo, Dezembro de 1972, II Parte, Capítulo III, “O que é a Câmara Obscura”,N 0 1 –Constatação de uma Zona por detrás da Inteligência e da Vontade, p. 71).
E o que existiria por trás da inteligência e da vontade, segundo Plínio?
O que é a câmara obscura?
Existe dentro do homem uma certa região misteriosa que poderia ser comparada com uma câmara obscura na qual se dá o mais profundo elaborar dos atos da inteligência e da volição do homem, e dos quais o que comumente se chama inteligência e vontade não são senão prolongamentos.
Então, essa câmara obscura é chamada obscura porque ela imerge na obscuridade do subconsciente, das operações que o homem produz sem que ele mesmo perceba muito claramente que ele está produzindo” (Apostila da TFP, “MNF -- O Processo Humano” (Resumo), mimeografada pela Editora Vera Cruz Ltda São Paulo, Dezembro de 1972, II Parte, Capítulo III, “O que é a Câmara Obscura”, N 0 2 –“O que é a Câmara Obscura?”, p. 71).
Ora, essa estranha doutrina parece a do cabalista Freud com o seu id. E a Cabala era a Gnose do judaísmo.
Dessa zona mais profunda e superior de alma é que proviriam o intelecto e a vontade. E nela é que as operações do homem se fazem sem que ele perceba bem o que ele está produzindo. O que anularia o livre arbítrio humano e a responsabilidade de nossos atos.
E outro gnóstico que expôs doutrina muito semelhante a essa foi Mestre Eckhart:
"...há na alma não se sabe o quê de misterioso e escondido bem mais elevada, lugar de onde se difundem as potências que são o intelecto e a vontade. Santo Agostinho exprime-se assim : Do mesmo modo que é impossível dizer onde o Filho saiu do Pai na primeira difusão, há na alma humana um não sei quê de tudo - fato secreto acima da primeira difusão de onde saíram o intelecto e a vontade ".(Mestre Eckhart, Sermons, ed. cit. Sermão nº 7 "Populi eius in te est, misere Deus", pág. 91).
E Plínio chega a chamar essa câmara obscura de “tabernáculo da alma”!
Portanto, a câmara obscura não pode ser considerada como um depósito de lixo no qual necessariamente entra poeira por mais que se limpe. Mas há uma espécie de obscuridade sagrada como de um tabernáculo, e não mais do que tudo isso.
Aliás, ela é tão elevada e tão nobre que poderia ser chamada o tabernáculo da alma”. (Apostila da TFP, “MNF -- O Processo Humano” (Resumo), mimeografada pela Editora Vera Cruz Ltda São Paulo, Dezembro de 1972, II Parte, Capítulo III, “O que é a Câmara Obscura”, N 0 3 –“Pode ser conscientizado o que há na câmara obscura?”, p. 72).
Estranho... Muito estranho... Pois, em termos católicos, o que há no tabernáculo é Deus sacramentado. Essa formulação misteriosa insinua que haveria algo de divino no homem?
Seria então por isso que PCO afirmou que o seletivo nos daria conhecimento do que há de divino em nós?
E isso é o mesmo que dizia o gnóstico Mestre Eckhart.
Nesse sacrário ou tabernáculo da alma estaria a Divindade sob a forma de inocência primeva com o senso do ser...
A concepção da câmara obscura de Plínio não é católica. Ela contraria tudo o que a Igreja e a Filosofia ensinam sobre a natureza do homem, e tornaria o homem irresponsável por seus atos.
Essa concepção é gnóstica.
Para Dr. Plínio,“a vontade e a inteligência estão na câmara obscura. Quanto à sensibilidade, é muito difícil dizer”(Apostila da TFP, “MNF -- O Processo Humano” (Resumo), mimeografada pela Editora Vera Cruz Ltda São Paulo, Dezembro de 1972, II Parte, Capítulo III, “O que è a Câmara Obscura”, N 0 3 –Pode ser conscientizado o que há na câmara obscura?, p. 75).
E Plínio confirma essa inversão do processo do conhecimento fazendo-o vir do interior do homem para o exterior, dizendo:“Mais do que tudo, temos o desejo de ver a Deus com os olhos da carne, depois de o ter percebido através dos olhos da alma” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo “Símbolos, Fantasia e Realidade”, in revista Dr. Plínio, N0 42, ano IV, Setembro de 2.001, p. 31. O destaque é nosso).
Isso é falso.
Não podemos ver a Deus com os olhos da carne. E também é falso que o vemos antes com os olhos da alma, e só depois temos vontade de “vê-Lo” através dos olhos da carne. Chegamos ao conhecimento da existência de Deus por meio das coisas visíveis criadas, que vemos com os olhos da carne. É o que ensinou São Paulo, na Epístola aos Romanos. Plínio diz o oposto do que afirma São Paulo.
Para Plínio, “o papel da inteligência é formular as riquezas da câmara obscura”.
A câmara obscura é a detentora dos maiores recursos e tesouros da inteligência e do conhecimento. E é, ao mesmo tempo, a grande muda. Então a inteligência toma essas coisas, as formula conscientiza, etc. E esse é um fato que os partidários da filosofia tradicional não colocaram em evidência e que os esotéricos procuram trabalhar de modo malévolo” (Apostila da TFP, “MNF -- O Processo Humano” (Resumo), mimeografada pela Editora Vera Cruz Ltda São Paulo, Dezembro de 1972, II Parte, Capítulo III, “O que é a Câmara Obscura”, N 0 3 –Pode ser conscientizado o que há na câmara obscura?, p. 75).
Ah!.. Plínio reconhece que esse tema tem algo a ver com o esoterismo!...
Está aí, Plínio namorando temas esotéricos, brumas e os mistérios da noite...
E a Câmara Obscura seria o depósito do saber inato do homem, de onde o homem retiraria os seus conhecimentos nela depositados.
Por causa dessa doutrina é que PCO dava extrema importância às primeiras impressões que ele tivera na infância, que ele usava como exemplos comprovantes de sua teoria do conhecimento..
Na revista Dr. Plínio, foram publicados três artigos do Profeta de Higienópolis versando sobre o modo como nasceriam os conhecimentos no homem. O primeiro desses artigos intitula-se “Inocência e as Noções Primárias do Ser”(Revista Dr. Plínio, N0 85, Ano VIII, Abril de 2.005, pp. 22- 25).
Nesse artigo, Plínio começa imaginando um bebê, a quem apresentam um objeto qualquer. Plínio nota que o bebê pode ter três reações: de desejo, de indiferença ou de repulsa pelo objeto apresentado. Ele conclui que, se a criança reage, é porque o bebê “já conhece algo, se não conhecesse não reagiria” (PCO, artigo “Inocência e as Noções Primárias do Ser”, in revista Dr. Plínio, Ano VIII, Abril de 2.005, N0 85, p. 22).
Já nesse primeiro passo, Plínio erra ao empregar o verbo conhecer, não distinguindo movimentos instintivos de intelecção.
O bebê tem inicialmente apenas movimentos instintivos, puramente animais, de auto conservação. É por isso que a criança leva as coisas à boca. Os primeiros sentidos que nela atuam são os necessários à manutenção da vida física (paladar, olfato, tato)
A criança é atraída quando algo apetece a ela, quando pode comer algo.
Plínio afirma que a criança tem já, desde os seus primeiros instantes uma faculdade seletiva da qual não fala São Tomás:
Nota-se que a criança possui um seletivo. Selecionar é uma operação que supõe aceitação de umas coisas e recusa de outras. E esta última, por sua vez, apresenta duas modalidades: rejeição na sua totalidade(...) e a segunda por indiferença. (PCO, artigo “Inocência e as Noções Primárias do Ser”, in revista Dr. Plínio, Ano VIII, Abril de 2.005, N0 85, pp. 22 - 24).
Plínio se esquecia de que essa capacidade seletiva—tal qual ele a descreve -- é puramente instintiva, e não intelectiva, pois existe também num bezerro ou num pintinho que sai do ovo. Um bezerro, logo que nasce, não vai mamar o pau da cerca, e sim na vaca que o gerou. Logo que sai da casca do ovo, o pintinho cisca, selecionando o que pode alimentá-lo. Pega um vermezinho e o come, e rejeita um parafuso. Sem isca, peixe não engole anzol.
Plínio não percebe que o bebê reage inicialmente só como animal, instintivamente, e não racionalmente. A criança tem instinto e não “seletivo”. Pinto não consulta cardápio para escolher o que vai comer.
Esse “seletivo” instintivo é animal, e existe no homem enquanto animal. Isso não é uma faculdade intelectiva do homem. Qualquer bicho age do mesmo modo, engolindo o que o alimenta, e rejeitando o que o prejudica. Nisso, não há conhecimento racional.
E Plínio, esquecendo-se de bezerros e vacas, de pintos e patos, afirma, falando do bebê:
Este seletivo possui certos critérios de escolha antes mesmo de a inteligência ter elaborado raciocínios. Essa faculdade trabalha ainda de um modo incompleto, enquanto o seletivo já inicia seu operar.
Tal tabela de valores, de preferências, recusas e indiferenças é desenvolvida pela criança ao longo de sua vida, sofrendo algumas modificações, de vez quando perdendo algum atributo, adquirindo outros, etc. mas em suas linhas gerais ela o conserva até o fim de sua existência” (PCO, artigo “Inocência e as Noções Primárias do Ser”, in revista Dr. Plínio, Ano VIII, Abril de 2.005, N0 85, p. 24. O destaque é nosso).
Plínio afirma rotundamente, aí, nesse texto, que existem critérios de julgamento no homem, anteriores ao uso da razão. No homem haveria critérios de julgamento inatos. Haveria até uma tabela inata de valores e que, em linhas gerais, se manteria no homem até o fim da vida. O que vai contra a doutrina católica e fazem de Plínio ou um platônico, ou um romântico kantiano. De todo modo, um “filósofo não abstrato”.
E como ser um filósofo não-abstrato?
Como fazer filosofia sem abstrair?
Bergson é que defendeu essa posição de que a verdadeira filosofia não podia ser abstrativa, e sim intuitiva.
E Bergson era um filósofo gnóstico.
Como Plínio também foi um gnóstico. Embora não tenha sido um filósofo... Nem de meia pataca.
Comecei a fazer associação entre os temas de pensamento e a vida concreta, e a fazer a análise do concreto em função do que eu tinha pensado. Tornou-se, então, para mim muito mais fácil pensar. Sim, porque, como o concreto vem muito à mente, e eu sentia que era asneira não analisá-lo em função do que eu havia pensado, notei que esse era um outro progresso pelo qual comecei a pensar muito mais. Não mais sobre o puro abstrato, mas sobre o abstrato misturado com o concreto, e sobre o puro concreto”(...) Depois eu vim a perceber que isso forma um ciclo incessante e que é a isso que se chama pensamento. Quer dizer, a toda a hora estamos observando as coisas e sentindo-as com rumo à doutrina”. (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo “Um Adolescente Analisa o seu Modo de Pensar” , in revistaDr. Plínio Ano VI N0 60, Março de 2.003. p.29. Os destaques são nossos).
Tudo em Plínio tinha base no sentir.
E note-se que ele explicitamente diz que fazia “a análise do concreto em função do que eu tinha pensado”, isto é, comparava o os seres concretos que via com a matriz de ser que ele imaginava ter dentro de si. O haver pensado precedia ao que o ser concreto lhe comunicava.
Falando do seletivo, Plínio exprime, por vezes, idéias bem estranhas: “Verifica-se aqui o processo mental humano de se desprender da noite do não-criado para o criado, do não-ser para o ser” (PCO, artigo “Inocência e as Noções Primárias do Ser”, in revista Dr. Plínio, Ano VIII, Abril de 2.005, N0 85, p. 24).
O não-criado é Deus. Deus não é a treva. O não-ser não existe.
E o processo mental humano não parte do não-ser para o ser. Parte da constatação de que os seres existem. A criança não parte de uma noção de não-ser.
Essa formulação de Plínio tem forte sabor gnóstico.
E prossegue nosso“filósofo não abstrato”: ao estilo de Bergson.
A criança tem, então, a impressão de que algumas coisas a completam e outras não. Ela quer as primeiras e afasta as últimas, pois as julga malfazejas. Assim, juntamente com o conhecimento de que ela é, aparece a idéia confusa, instintiva, tendente a ser quase um circuito de sensações, pela qual percebe no que é completa, e, por outro lado, os pontos em que não o é” (PCO, artigo “Inocência e as Noções Primárias do Ser”, in revista Dr. Plínio, Ano VIII, Abril de 2.005, N0 85, pp. 24. Os destaques são nossos.).
Note-se nessa citação, como o autor faz confusão: ele afirma que há uma ideia... instintiva.
O instinto não tem ideias.
Mas para Bergson era o instinto que estava na base das intuições.
Ora, essa filosofia sui generis, contrária à abstração, e aceitando o instinto como fonte de idéias e de conhecimento é típica do gnóstico romântico e modernista Bergson. Era esse filósofo, muito em voga na Belle Époque, que afirmava ser a intuição superior ao pensar abstratamente, e que considerava a intuição como uma forma de conhecimento instintiva, superior ao conhecimento racional que ele – como Plínio—qualificava de geométrico ou quadrado. Teria Plínio lido ou estudado Bergson?
Duvidamos disso. Plínio detestava ler ou estudar, especialmente problemas abstratos e metafísicos. O mais provável, é que lhe deram em algum restaurante,-- ou loja--, algumas informações sobre a doutrina do conhecimento de Bergson, da qual ele gostou, e começou a repetir o que captara. Daí, ele pretender ter se tornado um filósofo do concreto e não-abstrato.
A que confusões leva recusar ser filósofo simplesmente abstrato. O seletivo de Plínio, em Filosofia, funcionou mal: fez com que ele escolhesse o pau de cerca para amamentar seu pensamento muito concreto.
Dessa confusão de “filósofo não-abstrato” é que vai nascer o problema do seletivo de bebê de Plínio. Relembremos, porém, que Plínio não suspeitou que esse maravilhoso “seletivo” permitia também a um bezerro não confundir pau de cerca com úbere de vaca.
A seguir, Plínio dá um passo – Ou um tropeço? -- adiante, concluindo que o bebê “tem, portanto, um seletivo originário de um conhecimento instintivo e elementar de si próprio, de suas atrações, fobias, bem como do que lhe é conveniente ou inconveniente” (PCO, artigo “Inocência e as Noções Primárias do Ser”, in revista Dr. Plínio, Ano VIII, Abril de 2.005, N0 85, pp. 25. O destaque é nosso).
Note-se a confusão patente e explícita entre conhecimento e instinto, entre os quais Plínio não faz a distinção devida. O conhecimento próprio do homem é o intelectual e não o instintivo, que é comum ao homem e aos animais.
Plínio diz mais ainda, que os critérios pré-racionais da criança são os que lhe permitem perceber um gracejo insincero e a recusá-lo. Portanto, o bebê teria conhecimentos não intelectivos, coisa que Plínio já asseverara anteriormente:
Mais adiante, a mesma senhora --[que leva consigo seu bebê] – é abordada por uma moça da cidade, toda enfeitada e maquiada. Esta se voltou para o bebê e lhe dirigiu um sorriso afetado, mas encantador, dizendo: “Gracinha, como vai?”. Para o padre – [Padre que teria observado esse fato e o contado a Plínio] – era notório que a moça se achava de mau humor e fazia aquilo artificialmente.
Ora, a criança, de modo instintivo, percebeu a insinceridade do agrado e, com um choro amuado, virou a cabeça para o lado oposto. De tal maneira a alma inocente é sensível e, por esse seletivo, dá-se conta da autêntica realidade à sua volta” (PCO, artigo, “Seletivo e Harmonia na Alma Inocente” in revista Dr. Plínio, Ano VIII, Junho de 2.005, N0 87, p. 25. Os destaques são nossos).
Um bebê perceber instintivamente a insinceridade de um gracejo amável é realmente impossível. A sinceridade e a insinceridade só podem ser percebidas intelectivamente, nunca instintivamente. Plínio sonhou a existência do tal “seletivo” inato pré-racional, que permitiria à criança perceber a insinceridade de um gracejo.
Para exemplificar o uso do seletivo pré-racional, Plínio imagina – sonha – como seria a vida do inocente Abel, no paraíso terrestre, caso não tivesse ocorrido o pecado original.
E não devemos esquecer que Plínio, desde muito tempo, se fazia chamar pelo codinome de Abel... E que Plínio também se dizia “O inocente”. O homem que havia conservado a “Inocência primeva”. Plínio seria o inocente Abel...
Note-se, porém, que o Abel imaginado por Plínio, ao usar o que Plínio chama de seletivo, fazia juízos intelectivos.
Plínio afirma que “a pergunta interessante que se põe é como seria esse seletivo no homem antes do pecado original” (PCO, artigo “Inocência e as Noções Primárias do Ser”, in revista Dr. Plínio, Ano VIII, Abril de 2.005, N0 85, p. 25).
Para isso, normal seria indagar como esse seletivo teria existido em Adão. Mas, não. Plínio não trata de Adão antes do pecado original. Ele coloca o problema de como se daria o funcionamento do tal imaginário seletivo em Abel, caso ele não tivesse tido pecado original.
Por que essa troca da análise da inocência primeva em Adão, que realmente a teve, por Abel que não a teve, pois nasceu com o pecado original?
Provavelmente porque Plínio queria sugerir como isso se passava nele, quando criança, pois ele se supunha possuidor da inocência primeva. Pois não se alcunhou ele a si mesmo de “o inocente Abel”?
Esse hipotético e inocente Abel, -- tão sugestivamente similar ao que Plínio julgava ser ele mesmo—teria um seletivo perfeito que lhe daria uma capacidade de intelecção que nem Aristóteles ou São Tomas tiveram. E sem estudar em livro nenhum. Apenas examinando suas matrizes inatas. Pois é o que PCO afirma:“Esse Abel poderia ser mais filósofo do que São Tomás, sem os esforços heróicos realizados pelo Doutor Angélico para raciocinar”(Plínio Corrêa de Oliveira, Seletivo e Harmonia na Alma Inocente, artigo in Revista “Dr. Plínio”, Ano VIII, Junho de 2006, N0 87, p.22).
Como Plínio se supunha possuidor da inocência primeva, o que está dito ai é que ele era mais filósofo que São Tomás. Daí, seu discípulo perfeito Monsenhor Scognamiglio, ao se doutorar no Angelicum, afirmar que tinha “uma firmeza única em São Tomás”. Sem nunca ter estudado Filosofia.
Claro! Monsenhor Scognamiglio conhece bem o seu seletivo...
(...) Uma criança sem pecado original – o nosso hipotético Abel perfeito--, em seu primeiro passeio pelo Paraíso, ao ver as plantas, por exemplo, teria a noção da natureza e das propriedades de cada uma, como também de sua própria realidade física, de suas apetências, conveniências e seu feitio de alma. E escolheria as frutas para a sua primeira refeição”. [O breakfast paradisíaco do inocente Abel, imaginado pelo inocente Plínio, que se apelidara de Abel. O “justo Abel”, de que fala a Liturgia, seria um Plínio disfarçado].
E parece que era homeopata e vegetariano, visto ter tanto interesse pelas plantas e não por churrasco.
Suponhamos uma árvore em estado de frutificação permanente, da qual o homem pudesse facilmente colher frutas ao alcance de sua mão, ou porque tinha um tal império sobre a natureza que por um ato de vontade, poderia obrigar a planta a se dobrar e do alto descer um galho, reverente, apresentando-lhe uma penca delas à sua escolha. Isso sucedia, aliás, com o primeiro homem [Adão], em virtude de seu domínio sobre as demais criaturas. Quando passeava pelo Paraíso, todas as coisas se voltavam para ele, a fim de servi-lo, em atitude de corte, como se fosse um rei. E à medida que as observava, em sua alma despertavam-se reações semelhantes às da criança com a bola: é, não é; quero, não quero; mas sem a falta de critério do menino que, por exemplo, deseja comer uma bola de vidro” (PCO, artigo “Inocência Paradisíaca”, in revista Dr. Plínio, Ano VIII, Maio de 2.005, N0 86, p p. 17-18. Destaques nossos.).
Plínio imagina o seu inocente Abel, assim como seu pai Adão como um misto de Luis XIV e de mago, fazendo as coisas se moverem com um simples ato de vontade dele. Isso é magia. Que fazia as árvores se inclinarem e oferecerem seus frutos, como se fossem lacaios de Versailles, no século XVIII.
Ou será que o inocente Abel teria feito um curso de Parapsicologia com o Padre Quevedo?
De que “visão” pseudo mística Plínio tirou esse delírio mágico sonhador? Isso é esoterismo romântico puro.
Ou é a visão de PCO no país da “Cucagna”?
Plínio sempre foi comilão. Era Dona Lucília que dizia essa desrespeitosa, ou até “blasfema” frase de lesa-profetismo.
Voltemos a Abel. Ele ia conhecendo as coisas lentamente. Com exatidão, escolhendo o que lhe convinha; almejando tanto quanto razoável, não se empanturrando com elas nem esbanjando. Em determinado momento, quando se alimentava de algo, com naturalidade de quem toma um copo de água, diria: “Agora basta, estou satisfeito” (PCO, artigo “Inocência Paradisíaca”, in revista Dr. Plínio, Ano VIII, Maio de 2.005, N0 86, p.18).
Sintomático é que Plínio, ao em vez de imaginar Abel conversando com Deus que lhe falaria, como a Adão, na brisa da tarde, tenha preferido imaginar o breakfast do inocente Abel que, apesar de sábio, com ciência infusa, e com um “seletivo inocente” --zero quilômetro--, “ia conhecendo as coisas... lentamente”.
Coitado de Abel!...Aprendia devagar.
Não dava para filósofo peripatético.
Ademais, seu seletivo funcionava continuamente, quer ele percebesse ou não. Ao observar duas coisas, pensaria: “Desta gosto mais, e daquela, menos. Como Deus é grandioso! A segunda convém a meu irmão, e a primeira para mim. Como o Criador é esplêndido em tudo o que faz! Meu Senhor, obrigado pelo que destes a meu irmão e por aquilo que me ofertastes. Como sois maravilhoso e bom!” (PCO, artigo Inocência Paradisíaca, in revista “Dr. Plínio”, Ano VIII, Maio de 2.005, N0 86, p.18).
O inocente Abel tinha algo de Tarzan e algo de Plínio. Era mais cortês que Tarzan, mas tão comilão como Plínio.
Vamos ver, agora, como, a partir do seletivo, Abel começava a pensar, para conhecermos mais claramente, então, a estranha teoria do conhecimento de Plínio e da TFP.
Lá vai então o inocente Abel a começar a pensar.
Lentamente.
Que ninguém é de ferro.
Logo depois das sensações concretas, surgiram em seu espírito –[No do inocente Abel, usando o seletivo] – as idéias abstratas. Imaginemos que ele encontrasse junto a um magnífico lago, uma árvore estupenda a qual em todos os milímetros de sua superfície, estivesse florescendo e se projetasse sobre a água de um modo maravilhoso. Planta, do seu gênero, sem igual no Paraíso. Sua primeira impressão, puramente sensível, assim se exprimiria: “Que maravilha!” (PCO, artigo Inocência Paradisíaca, in revista “Dr. Plínio”, Ano VIII, Maio de 2.005, N0 86, p.18. Os destaques são nossos).
Atenção! Abel vai começar a pensar!
Seletivamente.
Em seguida, começaria uma reflexão: Como é bom para essa árvore dar muitas flores” Que excelente qualidade ela possui!” E, numa terceira etapa, ele se perguntaria? “Como conceituar esse predicado da árvore, pelo qual dá tantas flores?” (PCO, artigo Inocência Paradisíaca, in revista “Dr. Plínio”, Ano VIII, Maio de 2.005, N0 86, p.18. Os destaques são nossos).
Que fracasso! Abel, apesar de pensar lentamente, se esqueceu de fazer o conceito de árvore! Passou direto a se perguntar “Como conceituar esse predicado da árvore”.
O que Plínio exprime nesse conjunto de exclamações não é a formação de um conceito abstrato que ele anunciou. O que ele faz é imaginar uma série de frases que contém muitos conceitos relacionando-os, para terminar com uma pergunta a si mesmo.
Abel e qualquer ser humano antes de fazer tantas exclamações teria tido o conceito de árvore, o conceito de flor. O conceito de florescer. A idéia de bem. O conceito de maravilha. A ação de comparar várias árvores. As idéias de sujeito e a de predicado. Numa palavra, Abel deveria ter feito abstrações e não exclamações.
O Abel de Plínio nada compreendeu abstratamente. Apenas sentiu. Comeu. E fez exclamações.
Digeriu a fruta que comera e explodiu em exclamações.
Plínio prossegue, dizendo:
Não tendo nenhuma limitação mental, ele – [O inocente Abel, ou seja Dr. Plínio sonhando]—comporia imediatamente a palavra perfeita. Cunhada como uma moeda: fecundidade. Esta árvore é fecunda em flor. Então ele compreenderia melhor o que é flor, sua grande utilidade para encantar a alma e, por isso, superior sob certo aspecto à fruta. A árvore tem fecundidade, e a flor beleza” (PCO, artigo Inocência Paradisíaca, in revista “Dr. Plínio”, Ano VIII, Maio de 2.005, N0 86, p.18. Os destaques são nossos).
De novo, Plínio não explica o que é abstração. Ele só faz comparações e emite exclamações. E não é verdade que cunhada a palavra fecundidade a pessoa compreenderia melhor o que é a flor. Flor e fecundidade são coisas distintas com dois conceitos distintos.
E prossegue o imaginativo e sensitivo Plínio, imaginando, comparando e iludindo-se – e iludindo seus fanáticos sequazes--, de que ele está realmente explicando como nasce o pensamento humano:
Voltando-se para outro lado, [O inocente Abel] vê uma flor que é única, brotada na ponta de uma pequena planta, e em torno dela não se acha nenhuma igual. É maravilhosa! Ele cogita:” Curioso, Há pouco me agradou a fecundidade. Dir-se-ia que estou agora apreciando a infecundidade! Não pode ser. Ah! Esta última flor tem outro predicado: raridade!” (PCO, artigo Inocência Paradisíaca, in revista “Dr. Plínio”, Ano VIII, Maio de 2.005, N0 86, p.18. Os destaques são nossos).
E o inocente e hipotético Abel pliniano, apesar de seu seletivo zero quilômetro, disse besteira. O fato de uma árvore ter muitas flores, e que outra planta tenha uma só flor não indica infecundidade, mas apenas uma diferente maneira de florescer. Fecundidade não depende da quantidade de flores produzidas. E fecundidade e raridade não são termos que se opõe. São apenas qualidades distintas, que o inocente Abel aplicou erradamente. E o iludido Plínio as imaginou como conceitos, sem fazer abstração nenhuma do que é ser árvore, sem, de fato, explicar como o homem pensa.
É o que dá pretender ser filósofo não-abstrato.
O que Plínio demonstrou é que de flores podem nascer...batatadas!
Apesar do seletivo pliniano funcionar continuamente.
Logo após o conhecimento concreto, viria o conceito abstrato e a palavra. “Ah” é rara. Tudo o que é raro é precioso. As coisas fecundas, de si, produzem muitos efeitos”. Mas há outra forma de fecundidade, como a dessa plantinha da qual nasceu uma flor que equivale a todas daquela outra árvore. Isso se chama categoria, classe!” (PCO, artigo “Inocência Paradisíaca”, in revista “Dr. Plínio”, Ano VIII, Maio de 2.005, N0 86, p.19. Os destaques são nossos).
“Rara” não é o conceito de flor. É apenas um predicado acidental de um ser. E um acidente não dá o conceito de um ser substancial. A idéia de brasileiro não faz compreender o conceito de homem. Ao notarmos que uma garrafa é verde, não concebemos a idéia de garrafa.
Outro erro próprio de um “filósofo não abstrato”, como Plínio se julgava ser, é o de cair na confusão de que raro significa precioso. Plínio escreveu que “Tudo o que é raro é precioso”. E isso é falso.
Plínio caiu num erro anfibológico. Nem tudo o que é raro é precioso. Um cisco de papel como o que tenho, agora, diante de mim, sobre minha mesa, é bem raro, e possívelmente único no mundo com esse formato e tamanho. Entretanto, ele não é nada precioso.
Nem tudo o que é raro é precioso. É bem raro um homem se dizer profeta, inocente, inerrante e imortal. Mas isso não é uma preciosidade. É só uma presunção...um tanto, digamos, exótica...
Sem dúvida, isso é raro na vida corrente.
Mas não nas...”Casas de Saúde”...
Finalmente, o inocente Abel de Plínio emprega umas palavras exclamativas para exteriorizar sua admiração, palavras que lhe seriam bem impróprias. Não tem cabimento imaginar Abel falando em “categoria”, em “classe”, conceitos que certamente Abel não tinha. Abel não era um granfininho da Belle Époque, sonhando ser marquês de Versailles.
Concluindo esta série de “pensamentos” absurdos frutos da ”rara” teoria do conhecimento através do seletivo pliniano, Dr. Plínio escreveu:“Esse Abel—[O próprio Dr. Plínio] -- poderia ser mais filósofo do que São Tomás de Aquino, sem os esforços heróicos realizados pelo Doutor Angélico para raciocinar” (PCO, artigo, Seletivo e Harmonia na Alma Inocente, in revista “Dr. Plínio”, Ano VIII, Junho de 2.005, N0 87, p.22).
Sim! O inocente Abel imaginado por Plínio raciocinava pouco. E erradamente.
E São Tomás, que jamais se julgou possuidor da inocência primeva, fazia “esforços heróicos para raciocinar”.
Plínio não fazia inúteis esforços para raciocinar.
Plínio explicitava.
Pois recordemos que Dr. Plínio, que se tinha como “o inocente”, tal qual o Abel comilão que ele imaginou, desprezava o raciocinar para alcançar a verdade. Bastavam-lhe as impressões das quais ele retirava as explicitações do que ele já possuía em seu interior.
E sobre o misterioso seletivo imaginado por Plínio, ele conclui dizendo uma imensa “batatada”pliniana: “Descrevemos dessa sorte um inocente concebido sem pecado original, cujo seletivo é o próprio ser. Ele se conhecia não como nós conhecemos a nós mesmos” (PCO, artigo, Seletivo e Harmonia na Alma Inocente, in revista “Dr. Plínio”, Ano VIII, Junho de 2.005, N0 87, p.22, O destaque é nosso).
Pelo menos no hipotético Abel, Plínio admitia Inocência Primeva era causada pela ausência do pecado original...
Esse termo “hipotético” era para a doutrina externa da TFP. Que significaria, na doutrina interna da TFP, o termo “hipotético” aplicado a Abel?
Mas está dito ainda que o Inocente Abel, sem pecado original, “se conhecia não como nós conhecemos a nós mesmos”.
Logo, nós teríamos um conhecimento que o pecado original afetou.
Mas então, que seria o seletivo em nós? Como teríamos a Inocência Primeva?
Contradições de quem tem uma doutrina esotérica e outra exotérica.
Ademais há uma revelação que escapou a PCO:
O seletivo de Abel seria o próprio ser de Abel!?
Como?
Isso sim é que é ser raro e fecundo em... batatadas.
A menos que se entenda a palavra “ser” nesta última citação como “Ser” Absoluto, isto é, Deus. O seletivo usado corretamente levaria o homem inocente a se divinizar.
E essa interpretação se harmoniza com o que disse Plínio sobre o processo humano, e ainda inteiramente com uma suposta apoteose de Abel e de todo inocente, de que fala Plínio, pois apoteose significa divinização.
Com seu seletivo inocente Abel alcançaria a apoteose:
Sobretudo, [Abel] compreenderia que, pelo funcionamento desse seletivo, quando alcançasse a plenitude de si próprio, teria a magna recompensa: a apoteose, o céu se abriria, os Anjos desceriam para levá-lo, sem passar pela morte, para a glória eterna” (Plínio Corrêa de Oliveira, Inocência Paradisíaca, artigo in Revista “Dr. Plínio”, AnoVIII, Maio de 2005, N0 86 , p. 18).
Finalmente, Plínio afirma que algumas pessoas – certamente ele, mas também a mãe dele – conservaram o modo de usar inocentemente o seletivo. Portanto, que eles extirparam de seus seres as contradições do pecado original que não tiveram?
Daí, Plínio poder dizer-se o inocente, possuidor da inocência primeva?
Eis então o que ele afirma da capacidade do seletivo de certas mães exemplificando com o caso da mãe dele, Dona Lucília.
Cito o exemplo de Dona Lucília que procurava me prevenir sobre amizades não sinceras.
Às vezes ela me dizia: ‘Fulano não é tão amigo seu quanto ele tende mostrar. Sicrano é seu inimigo, tome cuidado, porque ele vai tramar contra você’. E apresentava razões, na aparência, surpreendentes.
Lembro-me de um colega que veio tomar refeição em nossa casa e, depois de se retirar, mamãe me alertou: ‘Esse senhor tem uma mãozinha ruim, segura o garfo de certo jeito que demonstra um egoísmo debandado. Algum dia ele mete um garfo em você’. Vinte anos depois, de fato, ele praticou um ato contra mim, que me foi uma verdadeira punhalada (PCO, artigo, Seletivo e Harmonia na Alma Inocente, in revista “Dr. Plínio”, Ano VIII, Junho de 2.005, N0 87, p.25).
Isso é usar o seletivo de um modo um tanto obsessivo. Um tanto paranoicamente. É desconfiar demais. É fazer juízo temerário, sem base na realidade. E Deus nos livre de ter tal seletivo, que não desejamos para ninguém, pois torna a vida normal impossível.
E a caridade nos faz calar o julgamento dessa desconfiança temerária.
***
Por causa dessas teorias, PCO definia a inocência primeva como o estado em que a pessoa humana tem conhecimento do que ela é: uma pessoa humana concebida com sabedoria inata, isto é , sem pecado original.
O que é, então, a inocência?
É o estado de alma pelo qual uma pessoa, desde os primeiros movimentos de sua existência, tem noção de que ela é (PCO, artigo, Seletivo e Harmonia na Alma Inocente, in revista “Dr. Plínio”, Ano VIII, Junho de 2.005, N0 87, p.23, O destaque é nosso).
Note-se: Inocência é um estado da alma “desde os primeiros movimentos de sua existência” . Desde a sua concepção.
Portanto, mesmo sem ter sido ainda batizada.
Plínio proclama aí a imaculada conceição universal, já que ele afirmou que todos os homens recebem o estado de inocência que o Batismo reforçará.
E isso não é só batatada.
É batatal heresia.
E mesmo sendo batatal, é heresia.
Imagine-se: o seletivo de um homem seria o próprio ser dele. Essa é que é uma batatada metafísica de classe. Que categoria!
Como se tem coragem de publicar uma coisa dessas sem rubor?
Será que os fanáticos de Plínio perderam todo o... “seletivo”?
Os editores da revista “Dr. Plínio”-- todos amigos muito ligados aos Arautos do Evangelho, e ex membros da TFP, e que sustentaram João Scognamiglio na cisão dessa entidade – comentando o que eles chamam de “pensamento pliniano”, escreveram:
Como se enriquece o conhecimento na escola de pensamento de Dr. Plínio? – Privilegiando-se uma reflexão baseada no bom senso e na explicitação e avaliação das primeiras impressões” (Revista “Dr. Plínio”, artigo Como Adquirir Certezas, N0 36, p. 25. O destaque é nosso).
Ora, que é uma impressão?
Uma impressão não é uma idéia abstrata.
Uma impressão jamais dá uma certeza como o dá o conhecimento racional. Os animais também têm impressões, entretanto eles não têm conhecimento racional. Nos homens, no máximo, a impressão orienta o pensamento numa direção de julgamento, mas não o garante. A impressão leva a emitir uma opinião, mas não permite um juízo seguro.
Por isso, dizemos que temos impressão de que vai chover, ou de que poderá eclodir uma guerra. Ou então dizemos que tal pessoa nos causou, à primeira vista, uma boa impressão. Mas isto é só uma opinião sobre essa pessoa, não um juízo certo e definitivo. Ou ainda dizemos que um fato real ou artístico nos impressionou muito, isto é, que ele marcou nossa alma até sensivelmente.
Portanto, as impressões, especialmente as primeiras, não nos dão um conhecimento real, seguro e objetivo. Quem se deixasse levar por suas primeiras impressões cometeria muitos juízos temerários, e cairia em muitos erros. Daí, o ditado de que as pessoas não se medem com o metro, mas com o tempo, que vai corrigindo as primeiras impressões com juízos seguros. Primeiras impressões são palpites e não juízos.
Segundo confessam os seguidores de Plínio, ele seguia as primeiras impressões e recomendava segui-las, como conhecimento real.
Portanto, Plínio Corrêa de Oliveira foi um palpiteiro, que recomendava dar palpites, e seguir palpites.
Convém ainda salientar que as impressões são subjetivas e, de si mesmas são incomunicáveis, enquanto o conhecimento é objetivo e transmissível. Como explicou São Tomás, o conhecimento não é das impressões, mas obtido através da abstração retirada dos phantasmata, que são a redução das impressões sensoriais feita pelos sentidos exteriores. O conhecimento nos advém por abstração intelectual e não de impressões (Cfr.Quarta Parte, cap. I N0 2).
Repetimos: a impressão é simplesmente material. Os homens fazem abstrações derivadas das sensações, obtidas pelos sentidos externos, sintetizadas no sentido comum interior remetido à cogitativa, e daí, por via de abstração, se chega ao conhecimento intelectual racional, que é sempre uma idéia abstrata, e nunca uma simples impressão ou sensação.
No artigo acima citado – “Como Adquirir Certezas”, N0 36, p. 25 da revista Dr. Plínio— Plínio defende que, pela explicitação e avaliação das primeiras impressões chegar-se-ia ao conhecimento, mais do que pelos livros e pelo estudo. E o artigo é ilustrado por uma foto de uma estante cheia de livros em cuja epígrafe se lê: “Para a escola de pensamento de Dr. Plínio, as impressões e observações que povoam a mente de cada homem contém mais elementos preciosos para o raciocínio e a formação das certezas do que uma biblioteca repleta de livros” (Revista “Dr. Plínio”,Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Como Adquirir Certezas, Ano IV, Março de 2.001, N0 36, p. 24. O destaque é nosso).
Note—se que, embora se diga que nas impressões haja “elementos preciosos para o raciocínio e a formação das certezas”, não se fala de abstração.
Isso é o triunfo do palpitismo cornificiano.
O mais interessante é que o mesmo Dr. Plínio afirmou que seguir as impressões era próprio do homem relativista: “O relativista só tem impressões. Ele chama essas impressões de convicção, quando são muito velhas, quando vêm de algumas gerações e ninguém as pôs em dúvida diante dele” (Plínio Corrêa de Oliveira, A Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo, p. 137).
Contradição mais patente não poderia haver.
Dr. Plínio se apresentava como anti-cartesiano, pois que Descartes era racionalista, e Plínio tinha reservas contra a razão.
Contudo, ele entendia mal o que era o cartesianismo, pois afirmava que Descartes privilegiava antes de tudo os livros:
Descartes—famoso filósofo francês do século XVII—afirmava o seguinte: Antes de alguém estudar um assunto, deve duvidar de tudo o que já aprendeu a respeito dele, e começar a raciocinar de novo.
Por exemplo, se quero estudar a natureza das velas acesas diante de uma imagem de Nossa Senhora, preciso cancelar tudo o que já está na minha cabeça a respeito da vela, pois não tem valor algum. Devo começar as minhas deduções prescindindo disso.
Ora, ignorar todo o conhecimento anterior gera uma conseqüência psicológica, da qual Descartes não tratou, mas que é um dos resultados do seu sistema.
Que conseqüência é essa? Como é impossível que alguém consiga estudar todas as coisas que deve conhecer utilizando o método por ele preconizado – ignorando o que já aprendeu, por meio das impressões etc. – a solução é buscar esse conhecimento nos livros Se alguém não pode coordenar tudo o que sabe, começa por ler. E o conhecer uma ampla bibliografia sobre o assunto é, então, o primeiro passo de um estudo. Assim, o pensamento começa pela leitura”(Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Como Adquirir Certezas, in revista “Dr. Plínio”, Ano IV, Março de 2001, no 36, p.26).
Ora, Descartes era um revoltado contra a “auctoritas”. Ele negava exatamente que se devesse aceitar o que os sábios haviam entendido no passado, que se devesse partir dos livros.
Plínio dizia: “O livro não pode ser a pista de meu pensamento (...) Mas vou refletir segundo minhas coordenadas, meus antecedentes, meus modos de ver etc.” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo “Como Adquirir Certezas”, in revista Dr. Plínio, Ano IV, Março de 2.001, N0 36, p. 26).
Mas, dizendo isso, Plínio expunha exatamente uma idéia de Descartes:
E resolvendo não procurar outra ciência senão a que poderia encontrar em mim mesmo, ou então no grande livro do mundo, empreguei o resto de minha mocidade a viajar, em ver cortes e exércitos...”.
Mas, após haver empregado alguns anos a assim estudar o livro do mundo e a procurar adquirir alguma experiência, tomei um dia a resolução de me estudar também a mim mesmo e de aplicar todas as forças do meu espírito em escolher os caminhos que deveria seguir. O que deu muito melhor resultado, parece, do que se não me tivesse afastado nunca do meu país e dos meus livros. (René Descates. Discurso do Método. Rio de Janeiro: Ediouro, pp. 49-51).
E Plínio não dizia diferente. Plínio, crendo mais no seu senso inato do ser, sem saber disso, por nada estudar, era cartesiano.
Descartes detestava a escolástica, e desconfiava dos livros preferindo consultar uma verdade interior a ele mesmo.
É o que confirma Coplestone: “Descartes, na verdade, dava pequeno valor ao aprendizado histórico ou ao aprendizado por meio de livros em geral” (Padre Frederick Coplestone, S.J., A History of Philosophy, Modern Philosophy, Image Books, Doubleday , New York, London etc, 1960, Vol. IV, p.68).
Plínio era tão anti-livresco quanto Descartes e quanto Franz Von Baader.
E o curioso é que Plínio considerava que muitas pessoas seguiam Descartes sem o saber: “É a tese de Descartes, que hoje é adotada subconscientemente por milhões de pessoas” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Como Adquirir Certezas, in revista “Dr. Plínio”, Ano IV, Março de 2.001, N0 36, p. 26).
Por milhões de pessoas, inclusive por Plínio, no seu subjetivismo anti intelectual e contrário aos livros.
Plínio chegou a proclamar numa conferência inaugural da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho:
“Nada mais perigoso do que ler muito” (Plínio Corrêa de Oliveira, Conferência na Faculdade De Ciências e Letras de Jacarezinho, em 2 de Abril de 1960, publicada na revista “Dr. Plínio”, Ano V, Março de 2.002, N0 48, p. 25).
E, como Descartes, ele partia de uma certeza inata, interior, que Plínio chamava de “bom senso”, pelos “sensos inerentes a uma reta inteligência”:
Um espírito equilibrado possui não apenas os três sensos já mencionados (o senso do bem e do mal, o bom senso e o senso católico) mas ainda o senso do metafísico, o do orgânico, enfim, todos os sensos inerentes a uma reta inteligência” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo O Senso Católico e o Desabrochar das Certezas, In Revista “Dr. Plínio”, Ano IV, Abril de 2.001, N0 37, p. 29. Destaque nosso).
Repare-se que Plínio enumera sentidos internos que São Tomás não mencionou: “senso do orgânico”, “senso do metafísico”, o “bom senso” e ele não cita, aí, dessa vez, o senso comum tomista.
E conforme Plínio, o que ele chama de “bom senso” seria algo inerente ao ser humano, antecedente ao Batismo, mas que o Batismo nutriria.
Temos também um bom senso nutrido pelo Batismo, com o qual a religião católica se harmoniza inteiramente(...) Pode-se dizer que, de algum modo, é a religião do homem! (Cfr. Plínio Corrêa de Oliveira, O Senso Católico e o Desabrochar das Certezas, in Revista “Dr. Plínio”, Ano IV, N0 37, Julho de 2001, p. 26e 27. Os destaques são nossos).
Portanto, se o que Plínio chama de “bom senso”é“inerente à reta inteligência”,ele é anterior ao Batismo, e, por isso,passa a ser “nutrido pelo Batismo”. E esse bom senso, então não seria próprio aos católicos apenas, mas seria inerente a todo homem de reta inteligência, qualquer religião tivesse ele, pois seria algo da natureza humana normal, reta.
Bom senso seria o sentido do ser, isto é, o seletivo dado com a inocência primeva a todos os homens em sua concepção
Por isso Plínio diz ainda nesse artigo:
Devo dizer que nunca me interessei por provar que a Religião Católica é autêntica. Trata-se de uma preocupação que jamais me passou pela mente. (Plínio Corrêa de Oliveira, in Revista “Dr. Plínio”, Ano IV, Abril de 2.001, N0 37, p. 27).
Não condeno que se façam pesquisas estudos aprofundados sobre a questão. Pelo contrário, louvo que assim procedam, mas considero que o objetivo não deve ser provar a veracidade da Religião Católica, e sim acrescentar novos testemunhos de que ela o é. Esta convicção parte de minha certeza nativa, do meu bom senso calmo, planturoso, embrionário, do meu gosto pelas coisas como elas devem ser, e também da minha rejeição a tudo quanto seja atitude ou doutrina que não se coaduna com a natureza humana, e assim faz pressão sobre os meus nervos
Com efeito, todas as verdades têm de ser coerentes com os nervos do homem. Aquilo que os abala é errado. (Plínio Corrêa de Oliveira, in Revista “Dr. Plínio”, N0 37, p. 27-28. Os destaques são nossos).
Plínio considerava a religião Católica como “autêntica” com base por sua“certeza nativa”, por seu “bom senso calmo, planturoso, embrionário”, não pela fé nas palavras e na autoridade de Jesus Cristo. Portanto, Plínio não tinha Fé sobrenatural.
Ele aceitava como verdade o que não contrariasse os nervos dele.
E isso é puro subjetivismo.
Qual seria então o método pliniano para alcançar a verdade?
Qual é, então, o sistema da conquista da verdade? Esta começa por uma lenta explicitação do que já se sabe. É uma ordenação das coisas novas que se vai sabendo, mas em função do bom senso desses dados primeiros. (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Como Adquirir Certezas, in Revista “Dr. Plínio”, Ano IV, Março de 2.001, N0 36, p. 27. O destaque é nosso).
Para adquirir o conhecimento da verdade, dever-se-ia então partir do que já se sabe de modo inato –e esse é outro princípio cartesiano que Plínio repetia sem saber que era de Descartes –e, dessa certeza interior, por comparação com as impressões recebidas, se iriam explicitando novas certezas e novos conhecimentos.
Tal qual ensinara Descartes, e tal qual ensinaram outros filósofos como Sócrates e Platão.
Essa doutrina não é então originalmente “pliniana”. É a doutrina de Sócrates de que o homem tem um conhecimento inato. E essa é uma doutrina não católica que conduz diretamente à Gnose.
Plínio admitia que o conhecimento primeiro não seria intelectual:
Chamava-me a atenção o fato de os homens da geração anterior à minha realçarem muito o valor da inteligência e do raciocínio. Se, de um lado, essa atitude me entusiasmava (pois me encantava raciocinar) , de outro, percebia que nem tudo podia se reduzir às excogitações, posto ser dado ao homem adquirir muitos conhecimentos não proveniente de uma faculdade intelectiva. (Plínio Corrêa de Oliveira,artigo “Solidões em bonde...”, in revista “Dr. Plínio”, Ano VII, Fevereiro de 2.004, N0 71, p.14. O destaque é nosso.).
Portanto, haveria meios de obter conhecimentos não por meio da inteligência.
Que meios seriam esses?
Isso contraria diametralmente o princípio escolástico tomista de que nada pode existir no intelecto que não tenha passado pelos sentidos. Plínio era anti tomista.
Começa-se a entender porque, Plínio mandou por na Ladainha de sua mãe, que ela era a “Mãe do Princípio Axiológico”.
Portanto, Plínio é que seria O Princípio Axiológico, a fonte de todo valor.
Será que isso não revela algum traço paranóico?
E Plínio, como todo romântico, --e como o gnóstico Bergson--desconfiava da razão e do raciocínio, apesar de se vangloriar de sua lógica imbatível, e perguntava ventrilocamente, como um cético, a um hipotético objetante:
Mas que certeza o senhor tem de que o raciocínio humano conduz à verdade? Se o senhor afirmar isto sem provar, estará formando um preconceito(...) O senhor vai provar por meio de raciocínio que o raciocínio conduz à verdade. Ora, existe aí uma petição de princípio, porque o senhor vai usar o raciocínio para justificar a si próprio. Para provar que o raciocínio conduz á verdade, é preciso haver um elemento anterior a ele. O senhor quer me dizer em que sua certeza se funda? Qual é o início? (Cfr. Plínio Corrêa de Oliveira, O Senso Católico e o Desabrochar das Certezas, in Revista “Dr. Plínio”, Ano IV, N0 37, Julho de 2001, p. 30).
Esse modo de pensar condenava todo raciocínio e condena o intelecto humano
Daí, Plínio passava a por em dúvida cartesiana quer a validade de verdades as mais comezinhas, quer a lógica e o raciocínio:
Mas se o conhecimento vem do raciocínio, como posso saber que todo homem é mortal? Em segundo lugar, como posso saber que Pedro é homem? É, sobretudo, a questão mais delicada: como sei que Pedro é mortal também? Só pelo raciocínio? Ó razão! Se for para te apanhar com tuas próprias mãos com tuas próprias garras, onde estás? Qual é o ponto de partida? (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Solidões em Bonde..., in revista “Dr. Plínio”, N0 71, p.14. O destaque é nosso).
O nominalista Ockham não falaria de modo diferente.
Essas frases, pretensamente filosóficas, são de um pseudo filosofar gagá.
E Plínio não diz que parte do ser, e nem diz que as certezas são adquiridas pelas informações captadas pelos sentidos e compreendidas por abstração pela inteligência.
Ele afirma que parte do “senso do ser”, --ele não parte do ser--, e não define o que se deve entender por esse misterioso “senso do ser” que seria inato no homem.
Diz que, folheando São Tomás, soube que “existem os transcendentais e os primeiros princípios do ser, caso contrário ninguém poderia construir a base na qual se assenta o raciocínio. Entre esses conceitos fundamentais está, exatamente, o senso do ser, por meio do qual sabemos que existimos, nós e nossos semelhantes, e que somos distintos uns dos outros. A partir dessas noções iniciais é possível fazer um ato de confiança na verdade que nos é dita de fora para dentro” (PCO, artigo Solidões em Bonde..., in revista “Dr. Plínio”, N0 71, p.14. O destaque é nosso).
Plínio fazia ato de confiança na verdade que lhe viesse de fora por que partia antes do que conhecia com certeza de algo inato no homem!
Ora, àquilo que vem de fora, pelos sentidos não fazemos um ato de confiança, um ato de fé. Simplesmente captamos e compreendemos o que as coisas exteriores são.
Fazer um ato de confiança no que captamos racionalmente cheira a fideísmo, pois só fazemos confiança em algo que de que não temos certeza. Plínio parece negar então a capacidade natural do homem de alcançar a verdade natural, exterior a ele, pelo uso dos sentidos e pela inteligência.
Tratando desse problema escreveu o padre Garrigou-Lagrange:
A inteligência tem assim, em seu primeiro contato com as coisas, uma primeira noção confusa do ser e do verdadeiro; tem igualmente uma intuição confusa dos primeiros princípios universais e necessários como leis funcionais do real”.
É impossível que algo, ao mesmo tempo, exista e não exista, seja e não seja de tal natureza; é impossível que aconteça uma coisa sem nenhuma causa, etc.(Padre Reginald Garrigou-Lagrange, El Sentido Comum. La Filosofia Del ser y las Fórmulas Signata, Desclée de Brouwer, Buenos Aires, 1944, p. 330).
E na apresentação do artigo Solidões em Bonde, que trata do modo de pensar de Dr. Plínio, se diz que Dr.Plínio não era “um filósofo abstrato” (Plínio Corrêa de Oliveira, Solidões em Bonde..., in revista “Dr. Plínio”, N0 71, p.14).
É sintomática a nota anti abstrativa de Plínio nessa afirmação.
Como pode haver Filosofia sem abstração?
E, de fato, Dr. Plínio “filosofando” solitariamente num bonde, não usava a palavra abstração, para explicar como o homem pensa e chega a conhecer a verdade das coisas.
Formado fanaticamente nesses delírios João Scognamiglio os aplica quando pode, isto é, quando não sabe o que dizer (O que é freqüente). Eis como se saiu Scognamiglio em uma exposição que devia fazer em uma Universidade:
(...) o senhor João [Scognamiglio] Clá não recorreu aos expedientes em voga em muitos meios intelectuais de hoje, como árduos raciocínios filosóficos, demonstrações fátuas de erudição ou loas a uma suposta primazia da ciência” (Revista “Dr. Plínio”, artigo Em Conferência para os Catedráticos da Universidade Católica da Colômbia João Clá Dias Afirma, Ano I, Dezembro de 1998, N0 9, p. 24).
Esse discípulo de Plínio agora se doutorou em Direito Canônico no Angelicum. Em sua biografia astuta, ele diz que cursou Direito na Faculdade de São Francisco. Não diz que nela se diplomou. Porque, de fato, abandonou o curso no quarto ano, sem ter se diplomado lá. Mas quem lê a biografia dele julga que ele cursou a Faculdade até se diplomar. O que é falso. Mesmo assim agora ficou Doutor, proeza que PCO jamais conseguiu fazer. O discípulo superou o mestre... Proezas de um Monsenhor que, se não sabe nada de nada, sabe como no mundo de hoje se podem conseguir medalhas e títulos. Com tese de três capítulos. Explicitando – veladamente – o que se esconde na alma. O que se esconde espertamente mesmo das mais altas autoridades do Vaticano.
Quais seriam então as etapas da formação de conhecimentos certos segundo o profeta de Higienópolis?
a) - Primeira coisa seria partir de certezas nativas, do bom senso embrionário inerente ao intelecto humano, bom senso, porém, não intelectivo.
b) - Dever-se-ia explicitar o que já se sabe;
Qual é então o sistema de conquista da verdade? Esta começa por uma lenta explicitação do que já se sabe. E uma ordenação das coisas novas que se vai sabendo, mas em função do bom senso fundamental, desses dados primeiros” (...)” Chega-se à verdade mais ou menos numa marcha de proche en proche” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Como Adquirir Certezas, in Revista “Dr. Plínio”, Ano IV, Março de 2.001, N0 36, p. 27. O destaque é do original).
Existindo no homem um conhecimento proveniente de modo não intelectual, as impressões provenientes do exterior, chegando ao homem através dos sentidos, -- Plínio diz: através das sensações -- elas deveriam ir se harmonizando com o conhecimento interior inerente ao homem, constituindo dessa forma novos conhecimentos. Não seria necessário e nem importante recorrer a estudos e a livros. A explicitação do conhecimento inerente e não proveniente da Inteligência, seria o mais importante, ou o quase único meio necessário, para depois harmonizar a esse conhecimento existente no homem, aquilo que as impressões enviam ao homem desde o exterior dele. Daí Plínio afirmar que o melhor livro a consultar é o próprio imo do homem, a fim de explicitar o que existe já lá dentro, de modo inerente, e não intelectivo.
A esse respeito sustento que o nosso melhor livro somos nós mesmos. Não somos só um livro; cada um de nós é uma biblioteca que contém imensamente mais do que as bibliotecas em que estão os livros. Jamais alguém escreveu tudo o que possa haver na mente de um homem. (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Como Adquirir Certezas, in Revista “Dr. Plínio”, Ano IV, Março de 2.001, N0 36, p. 28).
Essa imensidade de saber que Plínio possuía implicitamente, superior a bibliotecas inteiras, e que ele só precisava explicitar quando o quisesse, ou lhe fosse necessário, não impediu que ele, quando moço,para poder passar de ano, fosse fazer exame bem longe de São Paulo, em Ribeirão Preto, onde um tio dele dirigia um órgão da Secretaria da Educação...
O que facilitaria o seu exame... Quer dizer, facilitaria a sua “explicitação”, que, sem o tio, corria o risco de tomar bomba:
Naqueles tempos, para se obter o diploma do secundário, os alunos de colégios particulares tinham que fazer exame num Colégio estadual.
Plínio conta: “Embora em toda a minha vida tivesse facilidade para estudos, entretanto não conseguia tomar gosto para me debruçar seriamente sobre determinadas matérias. Aprender, por exemplo, qualidades de ervas, de plantas, é para mim de uma dificuldade insuperável’ [E a famosa explicitação não ajudava?].
Em Ribeirão Preto, a mais alta autoridade escolar tinha um estreito vínculo de família comigo, o que me dava esperança de um apoio nas provas. Confiante nesse auxílio, fui fazer o exame oral de Biologia“ (Plínio Corrêa de Oliveira, Gesta Marial de um Varão Católico—Longe de Casa ,in Revista “Dr.Plínio”, Ano III, Janeiro de 2.000, N0 22, p.8. O destaque é nosso).
No exame, Plínio conta que disse uma ou outra batatada, mas...
Apesar de uma ou outra resposta assim, graças a Deus, acabei passando no exame” (Plínio Corrêa de Oliveira, Gesta Marial de um Varão Católico—Longe de Casa,in Revista “Dr.Plínio”, Ano III, Janeiro de 2000, N0 22, p.8).
Graças a Deus, não.
Graças a titio.
Nada como ter um parente íntimo para ajudar a “explicitar” – ainda que sejam batatadas -- o que não se sabe, para conseguir tirar nota -- apesar das batatadas-- e obter diploma.
Viva o titio explicitador !!!
E isso é o que Scognamiglio e seus Arautos consideram um ato da Gesta Marial de um Varão Católico!
Scognamiglio sabe arranjar titios e títulios.
Plínio tratou do problema do processo do conhecimento humano em vários artigos, e de modo contraditório, ora afirmando uma coisa, ora outra.
Por exemplo, no artigo “O Senso Comum e a Procura do Absoluto” (In Revista “Dr. Plínio”, N0 71, Fevereiro de 2.004, p. 27 -30) ele afirma que o primeiro passo para “saborear os bens espirituais “ consiste em sentir:
“Não se trata apenas, ou sempre, de fazer a explicitação das coisas percebidas pelos sentidos. O passo inicial indispensável é uma espécie de sentir do qual nascerá mais tarde a explicitação. Esta seria o segundo estágio, menos imprescindível, enquanto o primeiro é o mais precioso, porque dele depende o resto do processo” (Plínio Corrêa de Oliveira, O Senso Comum e a Procura do Absoluto”, in Revista “Dr. Plínio”, ano VII, N0 71, Fevereiro de 2.004, p. 27. Os destaques são nossos).
Portanto, o fundamental e o mais precioso seria o sentir
E ele insiste nesse ponto como fundamental:
Insisto na importância desse primeiro sentir: sem uma espécie de vivência(palavra perigosa, mas adequada às nossas reflexões) muito rica do objeto ou situação apreendidos pelos sentidos as etapas posteriores serão nulas” (Plínio Corrêa de Oliveira, O Senso Comum e a Procura do Absoluto”, in Revista “Dr. Plínio”, ano VII, N0 71, Fevereiro de 2.004, p. 27, O destaque é nosso).
É verdade que todo o processo do conhecimento principia pela captação de imagens da realidade através dos sentidos. O princípio escolástico confirma isso ao dizer que nada há no intelecto que não tenha passado pelos sentidos.
Porém, os sentidos exteriores captam apenas o ser individual. Se os dados obtidos pelos sentidos, de fato, são o passo inicial, o sentir não é o mais “precioso”, nem o mais “importante”, conforme assevera Plínio. E Plínio insiste no “sentir”, sem tratar das “especies” que os sentidos exteriores remetem a nosso sentidos interiores. Ele ressalta mais a mera sensação, como ato fundamental necessário, o mais “precioso”, e o mais “importante”.
É verdade que, depois, nesse mesmo artigo, ele fala do senso comum, que ele corretamente sublinha não se deve confundir – especialmente no caso dele-- com o bom senso.
Plínio, nesse ponto, repete a noção tomista de senso comum. O senso comum seria a captação da realidade conquistada pelos cinco sentidos ao mesmo tempo, mas de modo distinto por cada sentido, e de novo reintegrados em uma só unidade, pelo sentido comum. E como ele não é um “filósofo abstrato”, ele vai tentar explicar o que seria o senso comum através de um exemplo concreto.
E o exemplo é, filosoficamente, um desastre:
Para explicá-lo, exemplifico. Digamos que alguém esteja assistindo a uma peça de teatro. Enquanto ela tem notícia da música através dos sons que lhe chegam aos ouvidos, seus olhos discernem o que acontece no palco, a movimentação dos atores, o desenrolar das cenas, etc. portanto, audição e visão estão engajadas. Suponhamos, ademais, tratar-se de um teatro freqüentado por pessoas extremamente finas, e que aspire na sala o suave aroma dos ótimos perfumes que usam; é a participação do olfato. E suponhamos, ainda, que o nosso expectador se ache muito bem instalado numa confortável poltrona, deliciando-se com um saboroso bombom francês—tato e paladar. Essa pessoa estaria, assim cercada pela realidade exterior de todas as formas, através dos seus cinco sentidos
Há então, um senso – o senso comum – por onde a pessoa estabelece uma correlação de todas essas sensações experimentadas por ela, que lhe dá uma idéia conjunta do ambiente e da cena ali interpretada. Digamos a representação do banquete oferecido por Luis XV no Palácio de Versailles a Maria Antonieta, vinda para se casar com o futuro Luis XVI.
A impressão que esse banquete nos causaria é uma combinação de todas essas sensações que nos entraram pelos vários sentidos, as quais, antes de mesmo de serem analisadas e explicitadas pela inteligência, encontram uma espécie de harmonia interior, de imbricação que redunda num bem estar elevado e nobre.
Essa percepção geral favorecida pelo senso comum é sumamente ordenada e, sobretudo, uma. Eis o mais precioso alcançado pelo senso comum: essaunidade no entendimento, proveniente das impressões dos cinco sentidos” (Plínio Corrêa de Oliveira, O Senso Comum e a Procura do Absoluto”, in Revista “Dr. Plínio”, ano VII, N0 71, Fevereiro de 2.004, pp. 27-28.Os destaques são nossos).
Essa descrição seria mais própria de um repórter do que um filósofo. Plínio exemplifica com as várias sensações captadas pelos cinco sentidos, naquele ambiente do teatro, e disso ele tira uma síntese que seria a sensação que teve essa pessoa naquele ambiente. Ora, o senso comum aí, propriamente não entrou. Plínio focalizou mais qual a sensação geral do expectador do que a conceituação de um determinado ser concreto.
O senso comum unifica as imagens que os diversos sentido têm de um só objeto. No exemplo dado por PCO, dão-se imagens de diversos objetos diferentes.
E ele fala mais das sensações, quase como se fosse um sibarita gozador da vida mais do que um pensador.
Como disse o mesmo PCO, um sibarita é um homem que tem a “tendência a apalpar os limites do próprio conforto, para perceber se todas as exigências possíveis do corpo estavam sendo atendidas. É como se se interrogasse:” – Não haverá em mim um desejo qualquer de delicia que não esteja atendido?” (PCO. artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio”, Ano VI, n0 67, Outubro de 2.003, p. 22- 23).
No exemplo dado da peça de teatro, PCO não explicou corretamente como funciona o sentido comum, sentido interior, que, como vimos, é capaz de unificar, de sintetizar num todo uno, as várias impressões recebidas de um só objeto através dos nossos sentidos exteriores.
Qual o objeto conhecido no exemplo citado por Plínio? A peça de teatro? Mas o sabor do bombom nada tem a ver com o conhecimento da peça teatral.
Seria o ambiente? Plínio tem em foco não tanto o ambiente do teatro, e nem a peça, mas ele mesmo, enquanto fruindo prazeres por seus cinco sentidos.
Quão gozador da vida concreta devia ser o filósofo “não -abstrato” que imaginou — que sonhou-- esses prazeres dos sentidos e julgou que isso era a função criteriológica do sentido comum! Que sibarita devia ser esse imaginado expectador!
Um homem nesse estado não pensa nada.
Goza!
Nem Aristóteles, nem São Bernardo, nem São Tomás seriam grandes filósofos,-- abstratos, é claro -- pois nunca saborearam tais delicias. Por isso é que eles se tornaram filósofos de segundo nível: filósofos só abstratos. Plínio foi “filósofo” sempre muito concreto.
Vivam o leitão à pururuca e o bombom francês! Junto com o suave aroma dos perfumes de pessoas “finas”.
Plínio analisa, depois, no artigo em foco, como se passaria do “sentir para o compreender”:
Analisemos, agora, como o indivíduo passa desse sentir aquela cena [da peça assistida num teatro] para a operação intelectiva.
Ele o faz através de um esforço de atenção, ao mesmo tempo fora e dentro de si. Fora, porque capta impressões. Dentro, porque começa a observar a atuação do senso comum, e a experimentar no seu íntimo a harmonia resultante da conjugação de todos aqueles dados dos sentidos. (Plínio Corrêa de Oliveira, O Senso Comum e a Procura do Absoluto”, in Revista “Dr. Plínio”, ano VII, N0 71, Fevereiro de 2.004, pp. 28-29. O destaque é nosso).
Repare-se que o segundo passo é, de novo, um “experimentar”. Seria tão só um eco, uma transferência da sensação experimentada pelos sentidos, unificada no senso comum, e agora, no segundo passo, “experimentada” interiormente no homem. Plínio não fala da unificação das imagens de um objeto feita pelo senso comum.
Prossegue Plínio:
Ele aprecia e degusta essa harmonia, quase que contemplativamente, como alguém pode inalar o perfume que se evola de um frasco para se impregnar dele. Assim também fazemos com o senso comum interior “sorvemos” a conjugação desses valores harmoniosos, saboreando aquilo que sentimos. (Plínio Corrêa de Oliveira, O Senso Comum e a Procura do Absoluto”, in Revista “Dr. Plínio”, ano VII, N0 71, Fevereiro de 2.004, p. 29 O destaque é do original).
Vejam-se os verbos utilizados. Todos indicam sensações puramente sensitivas: degustar, inalar, impregnar, sorver, saborear, e saborear o que se sentiu.
Ele fala em apreciar e degustar a harmonia, mas não em compreender intelectualmente a harmonia.
A harmonia deve ser propriamente compreendida e não apenas sentida pelo homem. Entende-se a harmonia como sendo a resultante da unidade proporcional, numa variedade de seres diferentes entre si, em um certo conjunto. Ora, essa compreensão da unidade na diversidade, fruto da proporcionalidade existente entre coisas diversas, é uma operação principalmente abstrata, embora ela possa ser apenas sentida. Enquanto apenas se sente a harmonia—porque a harmonia pode ser sentida, é verdade – não se compreendeu o que é a harmonia. Intelectivamente ela é compreendida, e não sentida.
E o senso comum nada tem a ver com degustações de harmonias.
E conclui Plínio:
Em seguida, vem a explicitação. Pois em determinado momento essa degustação é tão clara, tão definida que a pessoa encontra a palavra, o termo, o vocábulo para explicar o que percebeu. Então da sensação se passa para algo que, uma vez apreendido, transformou-se em valor de espírito. Caminhou-se do sentir para o compreender. A inteligência e a alma funcionaram; proferiu-se uma análise, fez-se uma crítica intelectiva. (Plínio Corrêa de Oliveira, O Senso Comum e a Procura do Absoluto”, in Revista “Dr. Plínio”, ano VII, N0 71, Fevereiro de 2.004, p. 29).
Plínio não fala nem da cogitativa, e nem do intelecto agente em sua função de abstrair o inteligível.
É certo que todo pensamento provém das informações dados pelos cinco sentidos. É certo que o sentido comum sintetiza todas as imagens provenientes dos cinco sentidos. Porém, o processo intelectivo não termina aí. Depois disso se dá a conversão ad phantasmata, na cogitativa e, a seguir, a abstração das espécies sensíveis recebidas, gerando-se um conceito ou idéia verdadeira do objeto conhecido pelos sentidos exteriores. Só aí se dá o entendimento do objeto conhecido. Plínio foi recebendo imagens de diversas coisas e não de uma só, como é exigido a ser unificado pelo sentido comum.
Plínio erra completamente ao dizer que, pelo sentido comum, se dá uma integração das sensações, que degustadas internamente, produzem o vocábulo que seria um valor do espírito.
Plínio não trata da abstração. E quem fica mergulhado nas sensações faz algo bem diverso do que abstrair e adquirir certezas objetivas. Quem fica nas sensações realmente só conhece o singular. Isso é o que fazem os animais pela estimativa. O homem conhece o universal pela abstração e, por meio do conceito universal, que não nasce das sensações, mas da abstração. O homem conhece o ser concreto como ser individual realizador de um universal, na sua singularidade.
E por que Plínio não continua sua exposição, falando da abstração?
Porque, se ele falasse da abstração, ele iria contradizer sua crença fundamental de que os conceitos universais abstratos são inatos no homem.
Para ele, a operação do conhecimento elimina a abstração e a substitui pela explicitação.
Entretanto, na realidade, não explicitamos um conhecimento inato, que não existe, mas é dos seres concretos, que conhecemos pelos sentidos, que abstraímos as idéias deles, correspondentes às formas substanciais desses seres. E as sensações especialmente muito fortes antes dificultam a abstração do que a favorecem.
Portanto, os erros fundamentais de Plínio nessa questão são:
1- as idéias matrizes inatas;
2- a supervalorização das sensações;
3- julgar que das sensações nascem os vocábulos, expressão de conceitos;
4- a substituição da abstração pela explicitação.
O intelecto humano não contém idéias inatas, mas está em potencialidade para a recepção de conceitos” (Padre Frederick Coplestone, S.J .A History of Philosophy, vol. II, Medieval Philosophy, Parte II, Image Books, New York, 1962, p.110).
De acordo com São Tomás, então, a mente humana está originalmente em potencialidade para conhecer, mas não tem idéias inatas” (...) a mente é originalmente uma tabula rasa”. (Padre Frederick Coplestone, S.J.a History of Philosophy , vol. II, Medieval Philosophy, Parte II, Image Books, New York, 1962, p.112 O sublinhado é do original).
Insistimos em salientar que, nesses textos de Plínio, faltou o essencial para explicar o conhecimento: a abstração que é a maneira de conhecer própria do ser humano.
Ele fala, sim, de proferir o vocábulo exato para exprimir a harmonia sentida, mas não diz que esse verbo prolato é fruto do verbo pensado, através do intelecto passivo. Não há proferição de verbo oralmente sem ter existido antes o verbo interior, pensado, após a abstração. Plínio nem trata disso. Para ele, o que vale é degustar, saborear, inalar, sentir etc.
Sentir, para Plínio, seria pensar.
E isso é puro Romantismo.
***
Noutro artigo ainda, também dedicado à teoria do conhecimento, fica confirmada a ausência da abstração, nas doutrinas plinianas, como meio do conhecimento humano, e a insistência do conhecimento através das impressões.
O artigo se intitula “O Sibarita e o Herói” (Cfr. Plínio Corrêa de Oliveira artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio, Ano VI , N0 67, Outubro de 2003, pp 22 a 25, com continuação no artigo O Sibarita, o Herói e o Mártir do Gólgota, in revista “Dr. Plínio, Ano VI , N0 68, Outubro de 2003, pp 14 a 17).
Já na apresentação do primeiro artigo, a redação da revista Dr. Plínio se afirma que numa palestra, “Dr. Plínio discorre a respeito do processo cognoscitivo no homem, da legitimidade das impressões sensíveis, como também da necessidade da lógica e do raciocínio para se chegar a galgar os píncaros da santidade”(Plínio Corrêa de Oliveira artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio, Ano VI, N0 67, Outubro de 2003, pp. 22).
Entretanto, quando se lê o artigo, de novo, nada se encontra referente à abstração como meio necessário para o conhecimento humano. A palavra abstração sequer aparece nesse artigo, que insiste nos sentimentos.
Doutra feita, depois de um sketch apresentado na TFP, mostrando a diferença entre um sibarita e um herói alpinista, Plínio começa a expor a sua teoria do conhecimento, falando dos sentidos animais:
Diz a Filosofia de São Tomás que os animais têm sentidos como nós. Eles ouvem, cheiram, vêem, tateiam, têm os cinco sentidos do homem, mas falta-lhes compreensão. Eles têm o que se chama muito adequadamente, na filosofia escolástica, notícias das coisas.
Os animais notam a realidade que os cerca e, pelo instinto, fogem, avançam, comem ou têm medo de ser comidos. Os instintos lhes ensinam tudo, sem que eles compreendam nada” (Plínio Corrêa de Oliveira artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio, Ano VI , N0 67, Outubro de 2003, p. 23).
Falando então do sketch O Sibarita e o Herói alpinista diz Plínio:
Isto posto, notamos que, diante dessa peça teatral, fizemos muito mais do que uma formiga. Não tivemos simplesmente notícia, mas impressões acerca de situações morais. Por exemplo. Da condição do homem que escolheu o gozo da vida como finalidade de sua existência, e com isso se deformou. Como levamos no espírito uma idéia mais ou menos explícita de como um homem deve ser, pudemos conferi-la com a mentalidade do sibarita e percebemos o ridículo da atitude dele. (Plínio Corrêa de Oliveira artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio, Ano VI , N0 67, Outubro de 2003, p. 23. Os destaques são do original).
Note-se:
1- Como ele reafirma que “levamos no espírito uma idéia mais ou menos explícita de como um homem deve ser”.
Isto é, temos dentro de nós o modelo como o homem deve ser.
2- Como Plínio salienta o papel das impressões, mas não fala da ação da cogitativa, e nem, muito menos, da atuação do intelecto agente e do intelecto passivo, na abstração.
Das impressões, ele salta diretamente para a comparação entre o sibarita e o alpinista fazendo um julgamento moral, e não explicando como se abstraem as idéias.
Ora, como já vimos, São Tomás nega que o conhecimento seja das impressões, e sim que ele é de idéias abstraídas das coisas concretas.
Plínio confunde comparações de atitudes, do ponto de vista moral, com teoria do conhecimento humano.
Um sibarita, colocado diante de um palco onde se representa uma cena qualquer, que posição toma? Ele também olha? Ele também sente? Ele se entrega a essas comparações de que falamos? (Plínio Corrêa de Oliveira artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio, Ano VI , N0 67, Outubro de 2003, p. 24).
Repare-se como Plínio desliza, sem se dar conta, da descrição das impressões, para comparações entre ações, e não para a formação da idéia abstrata de um determinado ser, coisa de que trata a teoria do conhecimento. Ele não está tratando do tema a que se propôs: a teoria do conhecimento humano, mas faz apenas um juízo comparativo de duas atitudes morais, sem tratar do que é a intelecção.
E prossegue ele:
Os senhores não fizeram esforço nenhum para compreender o que estava se passando. Pelo contrário, se distraíram, exercitaram seus sentidos, sua inteligência, e concluíram que algo que lhes pareceu agradável! Portanto, o que fizeram foi reto, direito, mas foi o que um sibarita gosta também de fazer, pois até este é capaz de realizar o que tem propósito. Ora, essa operação intelectiva tem propósito, foi bem feita. (Plínio Corrêa de Oliveira artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio, Ano VI, N0 67, Outubro de 2003, p. 24).
Plínio escamoteou o fundamental para se compreender a intelecção: a abstração, a formação dos conceitos.
Plínio passa então a expor o que ele julga ser o conhecimento por conaturalidade:
Diferente é a condição do alpinista, do qual conhecemos uma série de aspectos. Ele estava sobre aquele pico, rodeado pelos ventos, diante das vertigens de vários abismos que se abriam a seus pés, como uma espécie de rei dos precipícios. E não só destes, mas rei também das altitudes. Ele realmente calcava aos pés os abismos, porque tinha calcado aos pés as montanhas.
Vendo o homem naquelas altitudes, dominando todos os abismos, somos levado a exclamar: Que interessante! Que beleza! (Plínio Corrêa de Oliveira artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio, Ano VI , N0 67, Outubro de 2003, p. 24).
Isso é literatice, e jamais Teoria do Conhecimento. Isso nada tem a ver com o conhecimento por conaturalidade.
Entre o abismo, ou o pico, e a natureza humana não há conaturalidade nenhuma.
Plínio não entendeu em que consiste a conaturalidade, segundo Aristóteles e São Tomás.
E exclamações não são abstrações!
Perdoem-nos, os nossos leitores, citações tão longas, mas são necessárias para que não se diga que cortamos o famoso “contexto”, caminho de fuga de todos os que são pegos em erro.
E continua Plínio a explicar o que seria — segundo ele — o conhecimento por conaturalidade:“Aquela natureza fria, que exige coragem para ser suportada, a alvura branca –[Sic! Poderia haver uma alvura preta?]-- e casta daquelas neves, que esplendor! É a formosura forte e rígida da pureza” (Plínio Corrêa de Oliveira artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio, Ano VI, N0 67, Outubro de 2003, p. 24).
Não há conaturalidade entre a brancura das neves e o homem.
Um ser humano que tivesse a virtude da pureza compreenderia por conaturalidade a pureza de um outro ser humano, ou a pureza de um anjo. Mas, na brancura da neve, há apenas um símbolo da ausência de mancha da alma pura. E o símbolo é compreendido pela razão através da analogia de proporção, e essa compreensão é racional, e não por conaturalidade. Um homem impuro compreende esse símbolo racionalmente, como um homem puro.
Isso é “poesia” de baixo quilate. É demagogia moral barata, obcecada por uma castidade que imagina “alvuras brancas”
Que tem a ver todas essas exclamações com a exposição da Teoria do Conhecimento tomista?
Nada.
Absolutamente nada.
E prossegue Plínio em seu artigo expositivo da teoria do conhecimento segundo a por demais sensitiva “escolástica pliniana”.
Como pudemos conhecer tanta coisa, vendo uma peça? São Tomás fala de um conhecimento por conaturalidade, pelo qual sem ser preciso fazer uma série de raciocínios expressos, pode-se chegar a entender muitas coisas. Por algo que está ao mesmo tempo em nossa natureza e nas coisas que vimos—por umas conaturalidade-- -- olhando para aqueles abismos –[Destaque nosso]--sentimos o esforço que representa galgá-los [Sic!]. Num primeiro olhar, a nossa natureza, em contato com aquela realidade, produziu o conhecimento”.
“Foi também por conaturalidade que os senhores sentiram –[Destaque nosso]– o que havia de gostoso e o que havia de mentiroso nos prazeres do sibarita” (Plínio Corrêa de Oliveira artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio, Ano VI , N0 67, Outubro de 2003, p. 24).
Não se sentiu o esforço do alpinista para subir aquela montanha. Compreendeu-se que esforço a subida da montanha exigiu do alpinista.
Como o homem pode sentir conaturalidade com os abismos?
E como se pode galgar abismos?
É tão difícil galgar abismos, quanto mergulhar em picos.
Na ânsia de só impressionar, Plínio diz coisas sem sentido.
E o conhecimento por conaturalidade não é um sentimento, mas um conhecimento.
Que há de comum entre a natureza humana e a natureza do abismo?
E vai Plínio adiante: “Conaturalidade: a natureza de um posta em presença da de outro, produz um reflexo; desse reflexo jorra uma cognição: o sibarita é um pústula; aquele outro, não, é um campeão!” (Plínio Corrêa de Oliveira artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio, Ano VI , N0 67, Outubro de 2003, p. 24).
E conclui Plínio triunfalmente colocando o sentir acima do compreender.
Na verdade, se os senhores tivessem que fazer um trajeto com um companheiro que fosse o tempo inteiro explicitando essas coisas, os senhores diriam: “-- Fique quieto! Eu não quero conhecer por raciocínio, quero sentir, degustar o sabor da realidade. O seu perpétuo raciocinar me cansa. Deixe disso! Quando nós voltarmos, você raciocina para mim. Agora eu quero sentir a altura, quero sentir o abismo, quero sentir o gelo, eu quero sentir as besteiras do sibarita, quero sentir tudo. Depois vamos conversar, mas me deixe antes sentir!”. (Plínio Corrêa de Oliveira artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio, Ano VI , N0 67, Outubro de 2003, p. 24).
O que Plínio condena é pensar, raciocinar – mas não fala em abstrair -- e o que ele recomenda fazer antes de tudo é sentir e só sentir.
Absurdos de um filósofo que recusa a abstração.
Sentir, sentir, sentir! Tal é a teoria do “conhecimento por conaturalidade” de Plínio: puro sentir romântico.
Conclusão disso tudo: como os românticos, Plínio vai atacar o intelectualismo:
É a conaturalidade, um modo legítimo de conhecimento.
Mais ainda: quem não quiser conhecer por esta forma, vira um racionalista, um intelectual que só se interessa por teorias e doutrinas, desligado da realidade, hirto e frio. Em suma, um homem incompleto. (Plínio Corrêa de Oliveira artigo O Sibarita e o Herói, in revista “Dr. Plínio, Ano VI, N0 67, Outubro de 2003, p. 24. Os destaques são nossos).
Por isso ele afirma que o argumento tem que ser sentido:
A argumentação tem que ser o mais possível agradável. Para sê-lo, não adianta só usar palavras bonitas. De vez em quando, uma ou outra metáfora bonita serve. Mas o mais apropriado é fazer sentir como o argumento, enquanto argumento, é belo. O pensamento sem enfeite, mostrado na sua simplicidade e na sua luz, tem uma beleza própria, que é, por exemplo, a do raio. É preciso fazê-lo sentir”. (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo O “Legionário”, um Jornal Vivo para Atrair e Persuadir, in revista “Dr. Plínio”, Ano VI, N0 62, Maio de 2.003, p. 27 . O destaque é nosso).
Assim fica patente a adesão de Plínio ao conhecimento romântico, um conhecimento que recusa a abstração e o raciocínio, que recusa a razão colocando acima de tudo, como fonte do conhecimento, as impressões e os sentimentos.
Toda a teoria do conhecimento de Plínio é um desabrochar de algo já existente no homem. As impressões provenientes do mundo exterior seriam úteis como catalisadoras, para despertarem novas explicitações do que já existia inato no interior do homem, e não para fornecerem diretamente novos conhecimentos. As impressões e sensações, segundo Plínio, funcionariam, mais ou menos, como o processo da maiêutica socrática: fariam vir à tona, vindo do interior do homem, algo que já existiria no fundo de seu ser.
Mais do que na intelecção e do que nos livros, seria preciso buscar a verdade na sensação do “maravilhoso”, quer natural, quer produzido pelo homem. Era a tese do teósofo do Romantismo Franz Von Baader:
“Pode-se dizer que o espírito só está preocupado com o “admirável” e com o “maravilhoso” e que ele tende sempre para ele. Ele só cessa de se preocupar quando ele atinge o “admirável” perfeito, o único ser digno de admiração” (Franz Von Baader, apud E. Susini, op. cit., vol. II, p. 18).
Também para Louis Claude de Saint Martin, um dos mestres de Joseph de Maistre (admirado por Dr. Plínio), assim como para os românticos, TFP-Arautos, o conhecimento e admiração estão profundamente interligados.
Se não citássemos os autores românticos das frases que vamos dar, muitos da TFP pensariam que eram frases de Dr. Plínio, tanto as idéias dos românticos e do profeta de Higienópolis são parecidas.
Por exemplo: “A alma do homem só pode viver de admiração”.
De quem é essa frase?
É de Dr. Plínio ou de Saint Martin?
É do teósofo Saint Martin (Fragments d’un traité sur l’Admiration, Oeuvres Posthumes, vol II, p. 361, apud E. Susini, op.cit., vol II, p. 8).
“Admiração e conhecimento são inseparáveis. Não há conhecimento sem admiração [veneração ou amor], e não há admiração [veneração, amor] sem conhecimento. O sentimento de verdadeira admiração favorece o poder do conhecimento...” (Franz Von Baader, apud E. Susini, op. cit., vol. II, p. 10).
Essa frase do conhecido teósofo gnóstico é puramente pliniana.
“Só se ama com adoração o que se admira e se admira o que se contempla e que aparece como superior, como inacessível (...) o que está, por conseqüência, acima de nós nos dá sua força e sua luz, contanto que nos abramos para ele, isto é Deus”. (F. Von Baader, apud E. Susini, op. cit., vol. II, p. 12).
E ainda este trecho que já citamos, mas que vem a pelo citar, aqui, de novo:
“A necessidade de admirar é aquela que a inteligência tem de ajudar o que é admirado a se refletir a si mesmo e por conseqüência a se elevar e a se libertar. Admirar é submeter-se, reconhecer uma autoridade, receber, ser alimentado, receber um fundamento, ser em sua plenitude, ser fecundado. Enquanto admiro, eu me acho penetrado e satisfeito. Pelo fato que eu admiro, eu contemplo; não penetro, mas sou penetrado. A admiração é uma adoração que conduz à união. Enquanto eu admiro e enquanto eu me rebaixo diante do que eu admiro, eu me distingo do ser admirado; da mesma forma, pelo fato que sou elevado por ele, eu estou unido a ele”
De quem é esse texto?
De Plínio?
Do teósofo romântico Franz von Baader?
É de Franz von Baader(Franz Von Baader, apud E. Susini, op. cit., vol. II, p. 12 – o sublinhado é nosso).
Basta comparar essas idéias com as que são expressas no livro “Elias, o Profeta da Aliança”, do prof. Martini, atualmente um Arauto, para constatar a semelhança do que se pensa na TFP e o que defendia o teósofo romântico Franz Von Baader.
O máximo dessa degustação sensível interior nem se daria, para Plínio, através das coisas claramente captadas pelos sentidos exteriores. O indefinido, o vago, o brumoso, teriam uma capacidade de levar o homem a conhecer realidades que os olhos não vêem, de ouvir harmonias que não existem neste mundo material, de inalar perfumes que não se destacam da matéria, de degustar sabores irreais, e de contemplar paisagens de sonho. A bruma falaria mais do que a luz, e iluminaria mais do que o verbo claro.
A bruma elevaria o homem da razão, --sempre presa ao concreto--, ao sonho, fazendo-o voar pela imaginação para muito além do horizonte azul, onde o céu encontra a terra.
E isso é puro romantismo.
Plínio era um romântico.
E a TFP, toda ela, é romântica, e não católica.
E se a bruma evoca mais do que a luz, dir-se-á com Novalis e com os românticos que a Noite ilumina mais do que o dia.Metafisicamente, se diria então que o Não- ser seria superior ao Ser, e do Nada viria o Tudo.
E, se fosse assim, os seres concretos de nosso mundo seriam participantes do Vazio. Ora, todas essas formulações são típicas da Gnose. E veremos que PCO vai expressar exatamente esses princípios anti metafísicos em várias ocasiões, algumas vezes de modo explícito, o mais das vezes de modo insinuante e velado.E isso culminará na afirmação de que:
“Tudo o que existe é uma participação nisso que não existe” (PCO, A Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo, Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, ed. Artpress, São Paulo, 2008, p. 230. O destaque é nosso).
Já tivemos a oportunidade de ver (cap. VII da Segunda Parte deste livro) as estapafúrdias confusões de Plínio a respeito do que são os símbolos.
Nem é preciso dizer que a doutrina pliniana dos símbolos é oposta ao que ensina a doutrina católica. São Paulo nos ensinou que “Depois da criação, as qualidades invisíveis de Deus tornaram-se visíveis através das coisas criadas” (Rom. I, 20).
Já vimos também a definição de símbolo elaborada pelo autor neo platônico conhecido como o Pseudo Dionísio, um monge do século V, que escreveu livros pseudo epigráficos, querendo se fazer passar por Dionísio Areopagita, o famoso São Dionísio, discípulo de São Paulo.
Disse o pseudo Dionísio que “símbolo é o inteligível no sensível”.
E essa é uma definição magistral.
O símbolo é sempre um ser material, contendo uma idéia.
É através dos símbolos, postos por Deus na natureza, que compreendemos muitas das qualidades divinas. Nosso Senhor Jesus Cristo, em suas parábolas, utilizou largamente a linguagem dos símbolos.
Portanto, segundo a doutrina católica o símbolo é uma criatura material da qual extraímos uma idéia sobre as qualidades invisíveis de Deus, ou sobre realidades espirituais, angélicas ou humanas.
Ensinou São Paulo que as perfeições visíveis do mundo espelham as perfeições invisíveis de Deus (Cfr. Epíst. aos Romanos , I, 20).
Dr. Plínio vai ensinar exatamente o oposto: o mundo espelharia o “possível”, o que está em potência, o não existente. O nada.
Falando dos símbolos, Plínio imagina uma república aristocrática – portanto sem rei –na qual alguém é incumbido de fazer os brasões dos nobres dessa república, todos eles tendo que se fundamentar num brasão imaginário do rei inexistente dessa república aristocrática. Realizando essa tarefa, o artista fez os brasões dos nobres participarem de um brasão imaginário de um rei inexistente. E daí, PCO escreve:
“Tudo o que existe é uma participação nisso que não existe” (PCO, A Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo,p. 230).
O paralelo é patente.
Assim como esses brasões participavam de um brasão imaginado de um rei inexistente, assim também, as criaturas de nosso mundo participariam analogicamente de seres possíveis inexistentes. E então tudo o que existe participaria do que não existe.
Mas o brasão do Rei imaginado e pintado já não é um ente possível. O brasão imaginado foi pintado, e assim recebeu existência. Plínio confunde ser imaginário com ser possível em Deus.
E conclui proclamando um “princípio” absurdo: “Tudo que existe é uma participação nisso que não existe”.
Aplicada ao universo real, essa é uma afirmação gnóstica, que contraria o que São Paulo ensinou na epístola aos romanos.
Para Plínio, no princípio, haveria o vazio. O inexistente.
Os símbolos somente confirmariam verdades das quais já teríamos conhecimento anterior, um conhecimento inato em nós, e que o símbolo permitiria explicitar. E, para Plínio, as qualidades que Deus colocou no mundo seriam meios para alcançar a Trans-Esfera dos seres possíveis e não para conhecer Deus, ser real em Ato, e Ato puro, enquanto a Trans Esfera teria apenas seres em potência, e não reais em Ato.
Plínio, então, faz da Trans-estera a Divindade, oposta ao Deus criador do mundo, e mostra que essa divindade é o nada. E isso é tipicamente Gnose.
Plínio afirmando o contrário do que ensina São Paulo tem doutrina herética.
Vejamos algumas citações de artigos de Plínio sobre esse tema:
“Sendo constituído de corpo e alma, o homem não se sente plenamente satisfeito enquanto seus sentidos não puderem captar aquilo que seu espírito concebeu” (Plínio Corrêa de Oliveira , artigo Símbolos, Fantasia e Realidade, in revista “Dr. Plínio”, N0 42, ano IV, Setembro de 2.001, p. 31. O destaque é nosso).
Nessa formulação, o espírito primeiro conceberia algo, que, depois, os sentidos procurariam captar, depois, na realidade material.
Isso confirma o erro da teoria do conhecimento inato no homem.
E isso é o contrário do que a Igreja ensina, e ao que se constata na realidade, pois, segundo Plínio, primeiro haveria uma concepção interior, e só depois haveria a captação pelos sentidos corporais do que já fora entendido pelo espírito humano. Haveria então um conhecimento no homem que não teria passado antes pelos sentidos corporais.
Ora, São Tomás ensina o oposto: nada há no intelecto que não tenha passado antes pelos sentidos.
E pergunta Plínio:
“O que é pois o símbolo? É aquilo que nos faz conhecer, as perfeições do Criador, as realidades sobrenaturais ou as meramente espirituais, de maneira tal que nos tocam no corpo, dão movimento à nossa sensibilidade e satisfazem os nossos anseios de distinguir fisicamente o que compreendemos pelo intelecto” (Apostila da TFP, MNF -- O Processo Humano (Resumo), mimeografada pela Editora Vera Cruz Ltda São Paulo, Dezembro de 1972, II Parte, Capítulo III, O que è a Câmara Obscura, N 0 3 –Pode ser conscientizado o que há na câmara obscura?, p. 75).
A definição de símbolo ia muito bem até vir o erro final que sublinhamos, e que, mais uma vez, inverte o processo do conhecimento através dos símbolos: os símbolos concretos nos fazem distinguir coisas de que já tínhamos conhecimento no intelecto.
Isso seria possível apenas se houvesse idéias inatas no homem, como Plínio admitia.
E os exemplos que estamos citando, exata e fielmente, comprovam o erro de Plínio sobre o modo como o homem conhece.
Veja-se mais um exemplo:
“O que se disse do leão, pode-se aplicar a uma águia. Contemplando esta ave que começa a levantar vôo, teremos idéia do que é a ousadia soberana que não duvida, que não toma precauções pequenas e mesquinhas. O alçar da águia rumo ao sol é semelhante a determinadas atitudes da alma também audaciosa, e tal analogia faz com que entendamos pelos sentidos aquilo que compreendemos pela inteligência” (Plínio Corrêa de Oliveira , artigo Símbolos, Fantasia e Realidade, in revista “Dr. Plínio”, N0 42, ano IV, Setembro de 2.001, p. 33. O destaque é nosso).
De novo, a explicação ia bem até a parte sublinhada por nós, quando Plínio, mais uma vez, inverte o sentido do processo de compreensão: seria o já entendido pelo intelecto que faria compreender, posteriormente, o símbolo natural percebido através dos sentidos.
Plínio concebe o conhecimento interior humano como não proveniente do exterior através dos sentidos e da abstração, quando só entendemos depois de ter imagens sensíveis. E essa inversão confirma a idéia fundamental de Plínio de que o homem já tem, em si, idéias inatas, e que ele deve ler o seu próprio interior, não analisar a realidade concreta, e nem estudar livros.
As sensações despertariam no homem o que ele já sabia inatamente. O que é platonismo gnóstico.
Daí, dessa inversão sutil, Plínio passa a defender a tese de que os símbolos não levam apenas a compreender valores espirituais, mas também a fazer o homem penetrar num mundo irreal da fantasia.
Falando do leão alado e da águia bicéfala, Plínio diz:
“Com efeito, o universo dos símbolos embora exprima uma realidade, é até certo ponto o mundo da fantasia. Ele se situa entre a fantasia e a realidade: não podendo ser inteiramente fantasia, não será -- senão mais raramente – uma mera realidade. De fato, o símbolo será tanto mais artístico quanto mais expressa o fundo da realidade, distanciando-se ao mesmo tempo das aparências desta”.
“Qual o papel do leão alado ou da águia bicéfala? É, novamente, fazer repercutir na nossa sensibilidade algo que a mente já compreendeu, tornando essa compreensão ainda mais completa” (Plínio Corrêa de Oliveira , artigo Símbolos, Fantasia e Realidade, in revista “Dr. Plínio”, N0 42, ano IV, Setembro de 2.001, p. 34. Os destaques são nossos).
Está aí escarrapachada – em negrito -- a inversão da noção católica de símbolo, e do conhecimento humano, feita por Plínio. (E já vimos noutra parte deste livro que Plínio fazia confusão enorme sobre o que é símbolo, e o que é sinal).
O romantismo fideísta de Plínio e da TFP exalta então a fantasia. Proclama um conhecimento interior inato que é na verdade aquilo que a Gnose chama de conhecimento salvador. Para ele, o exato, o nítido, o que é claramente entendido pelo intelecto seria inferior ao sugerido, ao brumoso, ao intuído pela fantasia nas brumas e no mistério.
E um conhecimento inato, obtido por vias não intelectuais, precederia o conhecimento do concreto.
Veja-se mais uma prova disto, nesse mesmo artigo dele, que estamos citando:
“Havia uma escola de pintura do século XIX que costumava apresentar a realidade sempre envolta numa espécie de névoa. Na verdade, esta missão da arte tinha em vista apresentar um certo caráter simbólico que a névoa confere aos ambientes e aos objetos por ela abarcados”.
“Imagine-se, por exemplo, um castelo gótico no alto de um monte, ou na encosta de uma colina, meio agasalhado na bruma. Assim, ele diz mais o que deseja expressar do que se estivesse sem a bruma. Por quê? Porque esta apresenta o lado irreal que é preciso a fantasia juntar ao real, para a sensibilidade ser inteiramente tocada. Numa palavra, o símbolo ajuda a sensibilidade a se elevar às alturas, onde o intelecto do homem foi conduzido pela razão, e sobretudo pela fé” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Símbolos, Fantasia e Realidade, in revista “Dr. Plínio”, N0 42, ano IV, Setembro de 2.001, p. 34. Os destaques são nossos).
Nessa citação, está claríssimo o Romantismo de Plínio e de sua TFP, assim como o Romantismo dos Arautos do Evangelho, aos quais agradecemos terem publicado estes textos delirantes de Plínio a que jamais tivemos acesso em trinta anos de TFP.
Nessa citação, Plínio faz o elogio do Romantismo simbolista, que era uma escola de arte explicitamente gnóstica. Especialmente a pintura simbolista estava túrgida de doutrinas esotéricas, gnósticas, e isso pode ser comprovado por qualquer obra especializada na Escola simbolista. (cfr. Dan Sperber, O Simbolismo em Geral , editora Cultrix, São Paulo, 1978).
E, mais ainda, Plínio afirma explicitamente que a fantasia e a sensibilidade elevam o homem acima do nível que ele pode atingir intelectualmente, onde só a Fé o levou. O que é puro Romantismo. E contrário à doutrina católica.
Ora, é a Gnose que pretende ser um conhecimento que substitui a Fé.
Disso tudo, se conclui, que, para Plínio Corrêa de Oliveira, a verdade não é alcançada pelo homem através dos sentidos e da abstração intelectual. Haveria, no homem, um conhecimento inato que o homem deveria explicitar, conhecimento que seria confirmado pelo exame da realidade concreta, mas que não nasce dela.
Esse conhecimento não intelectual, mas intuitivo, teria algo de místico, pois nasceria da “câmara obscura” do homem, misteriosa realidade escondida atrás da inteligência e da vontade, no “tabernáculo da alma”.
Para atingir o conhecimento da verdade existente nesse tabernáculo do homem, este deveria guardar a sua inocência primeva. Só quem mantivesse a inocência primeva teria real e completo acesso à verdade interior nesse tabernáculo da presença divina no homem, tal qual ensinava a Gnose de todos os tempos.
Só quem estivesse em estado de inocência original teria a verdade. Esse homem, possuindo a verdade de forma inata, e mantendo-se fiel à sua inocência, se tornaria inerrante. Claro que, como a quase totalidade dos homens não aderem hoje à harmonia as potências da alma, pouquíssimos seriam os homens inocentes e inerrantes Raríssimos seriam os homens que teriam a verdade. A verdade seria possuída por uma minoria, por uma elite de eleitos . A verdade seria eminentemente aristocrática, reservada a uma elite. Plínio e Scognamglo seriam membros dessa elite de santos inocentes.
É o que vimos que foi explicitado escandalosamente por Scognamiglio ao afirmar que a verdade não é para todos. É só para uma elite. Que a verdade seria aristocrática. Como pretendia toda a Gnose: a verdade seria só para alguns eleitos.
Iniciados.
As impressões, sensações, sentimentos, admiração, símbolos, poderiam causar no homem – diz PCO- intuições fulgurantes que iluminariam o intelecto, ou dariam incentivo à vontade.
Seriam, pois, graças atuais, que tocariam a inteligência e / ou a vontade.
Enquanto graças iluminantes das inteligências, elas seriam intuições fulgurantes, evanecentes e inefáveis, tais quais Bergson as descreveu. E é bem possível que PCO tivesse ouvido falar dessa doutrina de Bergson, e a tivesse aproveitado para “explicitar” sua teoria do conhecimento.
Plínio falava, discursava, perorava, dissertava, regurgitava continuamente sua doutrina dos “flashes”. Provavelmente inspirando-se em Bergson.
Que eram os famosos flashes para Plínio?.
Na apresentação do artigo intitulado “O “flash” a redação da revista “Dr. Plínio” afirma que o “flash”, na concepção de Dr. Plínio, seria “uma realidade sobrenatural” (cfr. Revista “Dr. Plínio” Ano V, Outubro de 2002, N0 55, p. 16).
Portanto, o flash seria uma graça sobrenatural.
Mas graça da qual a Igreja nunca falou. Mas da qual falaram Bergson, Walter Benjamin e outros gnósticos bem conhecidos.
Relembramos o que deles disse Walter Benjamin: que um flash é como um relâmpago, enquanto a poesia é o trovão, que tenta expressar o inefável do relâmpago.
Nesse artigo citado acima, Plínio diz que partirá de uma observação: por vezes “experimentamos consolações espirituais”, quando “tratamos com as coisas da Igreja” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo “ O “flash”, in revista“Dr. Plínio” Ano V, Outubro de 2002, N0 55, p. 16. O destaque é nosso).
Dessa observação de uma experiência, diz Plínio, vai restar uma “impressão”.
Plínio vai usar a palavra impressão cinco vezes, em três páginas apenas, e utilizará seis vezes a palavra sentir e seus derivados, nesse artigo, e daí vai deduzir uma doutrina espiritual.
Noutro artigo, Plínio diz que o que ele chama de “flash” daria “como que visões de Deus” (PCO, artigo Cintilações das Excelências Divinas, in revista “Dr. Plínio”, ano VI, N0 58, Janeiro de 2.003, p.34).
Portanto, o flash seria uma graça sobrenatural que proporcionaria revelações, visões de Deus.
De um certo modo, então, o flash, sendo uma “visão” de algo, seria também uma forma de conhecimento não racional, imediato, que se diria propriamente intuitivo.
Estamos progredindo na compreensão do que é o “flash”, para Plínio. Como para Bergson.
Na apresentação de outro artigo de Plínio, na revista “Dr. Plínio” seus sequazes afirmam:
“Evocando marcantes momentos de sua infância, Dr. Plínio prossegue na descrição das graças especiais que, como verdadeiros flashes, foram-lhe concedidas para discernir e amar as perfeições de Deus, de Maria Santíssima e da Igreja. Esses dons divinos insistirá Plínio, longe de serem um privilégio estão ao alcance [de] todos nós: basta que tenhamos o espírito atento para as belezas celestiais e seguirmos a radiosa trajetória que elas nos traçam” (Apresentação do artigo de PCO, O Luminoso Caminho dos “flashes” in Revista “Dr. Plínio” Ano VII , N0 81, Dezembro de 2004, p. 14. Os destaques são nossos).
Portanto, flashes seriam “graças sobrenaturais” que “dariam visões de Deus”, “dons divinos”, “graças atuais sensíveis”, “experiências” que causariam “consolações espirituais”, “impressões e sentimentos” que a pessoa deveria depois explicitar.
Vamos caminhando.
Sublinhamos a palavra “depois”, para chamar atenção de que uma coisa só nos causa impressão, porque através dela compreendemos algo. Uma impressão é sempre a repercussão, em nossa sensibilidade, de um conhecimento obtido pelo intelecto. É certo que tudo o que temos no intelecto passa antes pelos sentidos. Mas Plínio, como Bergson, dá sempre primazia ao intuir sobre o entendimento abstrato. Como se o conhecimento fosse não intelectivo, mas intuitivo. Colocando o sentir sobre o inteligir, como se o conhecimento fosse a impressão, como se o sentimento gerasse a compreensão.
O que é falso.
Ora o Flash é apresentado como meio de conhecimento, como uma intuição, ora ele é apresentado como uma graça atual.
Na realidade, o flash para PCO seria um efeito do “seletivo” que PCO inventou, causando a intuição cognoscitiva. O misterioso conhecimento interior --Gnosis—que permitiria ao homem conhecer seu ser mais íntimo, que seria a própria divindade, da qual, agora, neste mundo, ele está exilado. O flash permitiria ao homem intuir que ele é um Deus encarcerado no sepulcro da materialidade.
Scognamiglio, em certos relatos que fez do que ouviu de seu Profeta imortal, foi mais explícito, pois falava a um círculo interno, secretamente. Soubemos que ele, certa vez, teria assim explicado o que é o flash:
“Teologicamente que é o flash?“É uma graça operante. Quando estamos diante do senhor Dr. Plínio, a graça nos atinge e causa uma tal transformação em nós, que praticamente nos divinizamos. Com “d” minúsculo, claro, mas verdadeiramente. Então, se dá em nós uma reação que vem do próprio Deus. Essa reação, que é do próprio Deus, nos dá uma perfeição, uma plenitude, que se a cultivássemos, não precisaríamos rezar a Oração da Restauração, pois nós já viveríamos a Restauração” .
“Flash” seria então uma graça divinizante obtida, por exemplo, pela contemplação do que era Plínio Corrêa de Oliveira, contemplação que realizaria a graça da restauração da Inocência primeva da pessoa que a recebesse.
E isso é idolatria e loucura.
E que seria essa restauração?
Evidentemente, a restauração na inocência original, anterior ao pecado original. O “Flash” então teria um efeito que nem o Batismo alcança. O “flash”, pela contemplação do que era Plínio, seria superior ao Batismo, que apenas apaga a culpa original, sem restaurar o homem na inocência primeva.
Plínio escreveu ainda:
“Agora, os flashes devem se desdobrar em princípios, os quais cumprem ser, não analisados como coisas geométricas, mas amados. Quer dizer compreendendo uma verdade a partir do flash, é necessário amá-la e detestar o erro oposto” (PCO, artigo O Luminoso Caminho dos “flashes” in Revista “Dr. Plínio” Ano VII, N0 81, Dezembro de 2004, p. 16. Os destaques são do original).
É preciso analisar essa frase com cuidado, pois nela há confusões importantes a destacar.
Aí está dito que “flashes devem se desdobrar em princípios”.
Ora, princípios são idéias fundamentais sobre as quais se constrói um sistema.
De novo, o flash é apresentado como relacionado à obtenção do conhecimento. O flash seria uma forma de revelação. Os princípios fundamentais do ser e do pensamento que regem todo o pensamento humano - Princípios e Identidade e de Não-contradição – não derivam de impressões, sensações ou sentimentos, e muito menos de imaginários “flashes”. Plínio, como Bergson, não fala de abstração, não fala de um conhecimento intelectual. Daí, ele dizer, em seguida que: “os quais [princípios] cumprem ser, não analisados como coisas geométricas, mas amados”.
Percebe-se que Plínio, como Bergson, deixa em segundo plano a análise – ato do intelecto—para colocar antes o amar, e recusa, como Bergson, que se possam analisar os flashes, “como coisas geométricas”.
Só que não é possível existir amor, sem que antes não se conheça a coisa que vai ser amada. Só podemos amar o que antes conhecemos.
Vimos que o romantismo de Plínio levava-o, e a sua TFP, a substituírem as causas segundas pela ação preternatural, diabólica ou angélica.
Como já salientamos, se as causas segundas são praticamente esquecidas ou obscurecidas, tudo se reduzindo apenas a uma luta entre Deus e o demônio. Então não teria cabimento ler, estudar, elaborar pesquisas científicas, já que as ciências buscam compreender o atuar das causas segundas. Teologia e demonologia seriam suficientes para satisfazer toda curiosidade ou interesse intelectual.
Se fosse assim, o próprio conhecimento humano estaria, ele também, sujeito ou à ação divina ou diabólica. No primeiro caso, o conhecimento seria por revelação profética; no segundo, seria mágico.
Assim como para o Romantismo e para Bergson, a razão seria enganadora, assim também, para Plínio, livros e ciências seriam desnecessários, quando não prejudiciais.
Na TFP, praticamente só se estudava o que Dr. Plínio explicitava, falando ou escrevendo.
Digno de estudo seria apenas a pessoa do Profeta de Higienópolis, Plínio.
Todo conhecimento dos sectários viria através do que dizia o profeta, por meio de quem a própria Sabedoria de Deus falaria. Não se disse e não se acreditava, lá dentro, que o Espírito Santo, depois do Concílio Vaticano II, abandonara a Igreja e se refugiara em Plínio?
Até mesmo os livros escritos pelos santos eram vistos com desprezo ou suspeição. Não se lia mais nem o Tratado da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora de S. Luis de Montfort, e sim o comentário que Dr. Plínio fez desse Tratado.
Desprezavam-se as informações, até mesmo as jornalísticas, pois elas só atrapalhariam as previsões “aerológicas” de Plínio, porque, lendo “O Estado de São Paulo”, se estaria preferindo ler o “Jour-le-Jour” dos Mesquitas, ao “Jour-le-Jour” do Profeta.
Na TFP, Dr. Plínio sempre preveniu contra o espírito livresco, mas isto, com o tempo, acabou se transformando em uma posição anti intelectualista sistemática. Via-se com desprazer que algum militante lesse ou estudasse. Pretendia-se combater a mentalidade “positivista-racionalista”, como diz a “Idônea” [Livro de Átila Sinke Guimarães, Refutação a Uma Investida Frustra, tentando legitimar o culto a Dr. Plínio e Dona Lucília, culto que Plínio antes negara que existisse], e Dr. Plínio apelidava os que estudavam de “plock-plocks” e “canecas-amassadas”. Por isso, nos últimos tempos em que estivemos na TFP, se dava mais importância ao que lá se chamavam “símbolos” do que à doutrina, como meio de fazer o apostolado. Procurava-se despertar mais “explicitações” do que implantar convicções.
Não se pode negar que estas impostações são muito parecidas com o anti intelectualismo de Bergson.
Veja-se esta citação:
“O livro pode ser, em muitos casos, um instrumento nocivo. Não é com um aparelho exterior e por meio de uma demonstração em regra que se estabelecem verdades e, sobretudo, que se as faz passar para o espírito dos outros. O único critério da verdade é a consciência íntima de tudo o que nós sentimos. O germe do conhecimento, de todo bem e de todo o mal, se acha em mim, tudo o que é exterior pode apenas desenvolver esse germe; os livros realizam apenas uma obra de maiêutica”.
Claro que um tefepista pensará que esse texto é de Dr. Plínio. Nós mesmos que o coletamos, ao rever o texto desse nosso trabalho, pensamos que era de Dr. Plínio. Só depois é que nos demos conta que ela era do teósofo gnóstico e romântico Franz Von Baader: (Franz Von Baader apud E. Susini ob. cit vol I p. 151).
Como isto se parece com o que se dizia na TFP!.
Lá, se dizia que o livro é útil, quando ele permite “explicitar” o que temos em nós. É o que fazia Dr. Plínio, à la Sócrates: dizia que “explicitava” o que já havia nele.
“Sem dúvida nós não somos feitos aqui na terra para especulação”, “nós não precisamos nem de livros, nem de especulações”.“Meu saber é verdade viva e atuante”. “Meu saber deve se tornar ação, conhecimento vivo” (Franz Von Baader apud E. Susini ob. cit p. 135).
Quando lemos esses textos de Franz Von Baader, espantou-nos como era o mesmo que dizia Plínio, e que era acreditado pelos eremitas da TFP.
Lembramo-nos de um caso ocorrido nos Estados Unidos. Um americano perguntou, um dia, ao eremita P.M., quais eram os livros de História estudados e recomendados pela TFP. O eremita P.M. – que provavelmente fizera voto de pobreza absoluta em erudição – respondeu, soberbamente:
“Nós não estudamos História. Nós fazemos a História”.
Oh! Gritaria a claque da TFP, se estivesse presente, incapaz de ver o soberbo sofisma do esperto, mas ignorantíssimo eremita.
O saber se torna ação dizia o teósofo gnóstico Franz Von Baader... Tal qual Bergson pedia que o conhecimento viesse da união do querer com o conhecer, da ação com a intelecção. Tal qual acreditava e ensinava o modernista Maurice Blondel.
Mais do que nos livros, Plínio considerava que era preciso buscar a verdade no “maravilhoso”, quer natural, quer no produzido pelo homem.
“Pode-se dizer que o espírito só está preocupado com o “admirável” e com o “maravilhoso”, e que ele tende sempre para ele. Ele só cessa de se preocupar, quando ele atinge o “admirável” perfeito, o único ser digno de admiração” (Franz Von Baader apud E. Susini ob. Cit., vol. II, p. 18).
Assim como a Gnose, o Catarismo, o Romantismo e Bergson eram contra a razão, dando prevalência ao sentimento, às impressões, à imaginação, manifestando ojeriza para com o intelecto, assim também fazia Dr. Plínio.
Lendo as mais de 3.000 páginas editadas na revista “Dr. Plínio”, constata-se a repetição obsessiva do verbo sentir, da palavra impressão, e do recurso contínuo à imaginação e ao verbo imaginar.
Em contrapartida, a palavra abstrair praticamente não aparece.
Plínio vivia imaginando. Imaginar, sentir, ter impressões eram, para ele, praticamente sinônimos, e mesmo, ações superiores ao pensar.
Era típico de Plínio recorrer a uma espécie de ventriloquia literária, imaginando que coisas materiais pensassem, desejassem ou sentissem, colocando pensamentos dele em outras pessoas, imaginárias ou reais, ou mesmo em seres irracionais.
Num artigo intitulado Santidade, o Ideal de Todo Homem, Plínio faz a água falar o que ele julgava ser o ideal de todo homem: ser tudo.
“A água (...) se ela pudesse pensar, se ela pudesse cantar, ela cantaria depois de ter pensado, e diria: “Chegou a minha vez de ser flor, de ser bebida pelos homens e pelos animais, chegou a minha vez de ser nuvem, chegou a minha vez de ser tudo! Afinal, realizarei aquilo que está na minha natureza ser!”
(Plínio Corrêa de Oliveira, Santidade, o Ideal de Todo Homem, in Revista “Dr. Plínio”, Ano IV, Novembro de 2.001, N0 44, p. 8. O destaque é nosso).
Se a água “pensasse”, ela pensaria identificando-se com o objeto de seu “pensamento”. Exatamente como dizia Bergson que o homem deveria fazer, para conhecer por intuição.
É impossível não ver que esse ventriloquismo de Plínio, aplicado à água, é, de fato, o seu desejo mil vezes expresso de ser outra coisa do que ele era: querer ser urubu, alabastro, azul absoluto, marquês, rio, mar, etc. Plínio, como todo romântico—e todo gnóstico—não se conformava em ser o que ele era. Queria ser tudo. Não se conformava em ser criatura contingente. Plínio queria sempre se identificar com o objeto do conhecimento. No fundo, e afinal, Plínio, como os românticos, queria se identificar com o Absoluto. Plínio queria ser Deus. Por isso ele disse que nos identificaríamos com Cristo que seria nosso sósia absoluto, o nosso Eu divino mais eu do que sou eu mesmo. Não seríamos julgados por Cristo através de uma “tabela de dez mandamentos” , mas pela assunção da semelhança com Deus. de modo tal que o eu dele seria o nosso eu.
Em Plínio, havia ou admiração por um maravilhoso imaginado, paradisíaco, ou revolta contra a contingência e desprezo pelas misérias existentes no mundo concreto. E essa tendência a ver tudo ou como maravilhoso ou como desprezível leva à Gnose, e à recusa da materialidade, e da razão
Daí a preferência de Plínio pela fuga do real através da imaginação, através do sonho. Plínio foi um romântico. E o Romantismo é gnóstico.
De toda essa teoria do conhecimento fundada num saber inato, que se explicitaria pelos sentimentos causados pelas primeiras impressões, as quais “tocam” a alma humana, decorreria, então, uma idéia de Cultura muito particular a Plínio
Que é Cultura, segundo Plínio?
Ele trata desse tema em vários artigos.
Num deles, intitulado Verdadeira Cultura e Tipo humano (Cfr. revista “Dr. Plínio”, N0 58, ano VI, Janeiro de 2.003, pp.14 a 19) encontramos preciosos e muito originais conceitos de Cultura emitidos por ele.
Ele começa dizendo que o conhecimento do conjunto das criaturas é superior ao conhecimento de cada uma delas em particular.
Óbvio.
Daí, diz ele:
“Do conhecimento de todas as criaturas, para cada homem, ficam as impressões e os conceitos. Mas fica uma impressão global do conjunto, que por sua vez dá um certo conhecimento, uma certa noção, leva a um certo conceito, que é mais alto do que o conceito dos seres tomados individualmente” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Verdadeira Cultura e Tipo Humano, in revista “ Dr. Plínio”, N0 58, ano VI, Janeiro de 2.003, p.15 ).
Que texto torcicolosamente confuso!
Então: “Do conhecimento de todas as criaturas”--- ( “ficam as impressões e os conceitos”.
Daí: “uma impressão global do conjunto” - “dá um certo conhecimento”, “uma certa noção”, “um certo conceito” “mais alto do que o conceito dos seres tomados individualmente”.
É confuso e repetitivo. E de tanto indefinido “certo” resultou algo bem incerto
Mas vá lá.
Só não se pode engolir que das meras impressões venha o conhecimento, excluindo qualquer menção à abstração intelectiva.
Desse aranzel inicial, Plínio prossegue para a sua idéia – idéia ou impressão? – do que é Cultura.
“Uma palavra cujo sentido é muito discutido hoje em dia é “cultura”. Na verdade, para quem tenha elevação de pensamento religioso, cultura é precisamente o conhecimento global que os homens têm do universo, acompanhado de um conceito e de uma sensação (sic!!!) a respeito do universo que não é igual para todos, mas que tem uma certa acomodação dentro da objetividade (sic !!!), conforme cada pessoa (sic !), família, região, nação. Segundo cada qual isso vai se matizando e tendo uma espécie de visão própria—sempre objetiva, embora diversa (sic!!!) – do que é o universo, do que é Deus (SIC !!!), do que são os elementos componentes do universo e de que maneira refletem a Deus” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Verdadeira Cultura e Tipo Humano, in revista “ Dr. Plínio”, N0 58, ano VI, Janeiro de 2.003, p.15. O destaques são nossos).
Que caos!
Cultura então seria um conhecimento global do universo...
Poderia um conhecimento do universo não ser global?
Isso é uma redundância própria de um “filósofo não-abstrato”, tal como Plínio pretendia ser.
Dessa redundância se passa para uma gagueira:
Cultura seria um “conhecimento global do universo”... “acompanhado de um conceito e de uma sensação”
Da gagueira se vai, então, para a contradição de afirmar a possibilidade de um subjetivismo objetivista, pois que a tal sensação e conceito global do universo, embora não sendo “igual para todos”, “acomodar-se-ia” “a cada pessoa”. “família, região , nação”, dentro de uma “visão própria—sempre objetiva, embora diversa”, “do que é o universo, do que é Deus”.
Um conceito verdadeiro é sempre objetivo, igual, e o mesmo para todos os homens.
Então haveria um conceito de cada pessoa do que é Deus, e isto seria, mesmo assim, um conceito objetivo!
Mas isso é o ecumenismo do Vaticano II, na boca do pseudo tradicionalista e contra revolucionário Plínio Corrêa de Oliveira!
O “Crociato do Século XX” era ecumênico. Plínio, a Contra revolução personificada, era um revolucionário, ecumênico relativista.
E mais não é preciso dizer, porque já é confusão demais.
É essa mentalidade romântica que levava Plínio a usar continuamente, milhares de vezes, obsessivamente, o verbo sentir e seus derivados.
Para ele, sentir e conhecer seriam quase sinônimos. Do que decorria, como na Alquimia e no Romantismo, uma íntima correlação entre espírito e matéria. Porque materialmente sentimos e conhecemos intelectualmente em nossa alma espiritual.
Para o gnóstico seguidor de Jacob Boheme, Oetinger, um dos precursores do Romantismo, espírito era matéria sublimada, e matéria era espírito cristalizado (Cfr. Ernst Benz, Les Sources Mystiques du Romantisme Allemand).
Foi por quase identificar sentir com conhecer que PCO, afirmou que a visão de Deus, a idéia que se transmite normalmente do céu, como contemplação eterna de um Deus imutável, eternamente imóvel, não o satisfazia:no céu, ele queria ter sensações físicas.
“Minha alma anseia por sensações de caráter físico” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Minhas Primeiras Impressões sobre o Céu, in revista “Dr. Plínio”, N0 49, ano V, Abril de 2.002, p. 29. O destaque é nosso).
Como? A casta alma do inocente Plínio ansiava por sensações físicas?!
Por isso PCO afirmava que, no céu, haveria “delícias castas” e “gáudios, santos e intensos que nossos corpos provarão no céu empíreo” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Minhas Primeiras Impressões sobre o Céu, in revista “Dr. Plínio”, N0 49, ano V, Abril de 2.002, pp. 28- 29).
Plínio diz que retirou essa idéia de Cornélio a Lapide:
“Parece-me, entretanto, que essa região onde São João Bosco esteve corresponde ao que nos ensina o grande teólogo Cornélio a Lapide a respeito do céu empíreo. Com efeito, baseado na opinião de vários santos e doutores da Teologia [Quais?], professa ele a idéia de que, ao lado do Céu dos Céus onde veremos Deus face a face e a nossa transbordante alegria será inexprimível – há um céu material de magnificência igualmente indizível, no qual nossos corpos poderão desfrutar, eles também, o prêmio de uma eternidade feliz”.
“Essa sentença é inteiramente lógica e compreensível. Sendo o homem composto de corpo e alma, e se a doutrina católica nos ensina que, condenado, ele sofrerá no inferno penas corporais e espirituais, por que não haverá no céu, em contrapartida, uma recompensa para o corpo assim como tem a alma? E por que não existirá, portanto, no celeste Paraíso um lugar onde o corpo humano, glorificado, expurgado de todas as misérias desta vida e já na imortalidade, possa fruir de todas as delícias castas que lhe são próprias, ao mesmo tempo em que sua alma se acha perdida nos gáudios da visão direta de Deus? Não será esta uma necessidade decorrente da eterna união entre alma e corpo ressurrecto?”
“Essas celebridades teológicas [Quais?] opinam que sim. Não se trata, convém frisar, de um dogma da Igreja, mas de uma doutrina a que se pode aderir sem receios de incorrer em heresia. Alguns estudiosos [Quais?] que aprofundaram essa tese chegam mesmo a sustentar que, nesse céu empíreo-- [Uái?! Não era um outro céu material ao lado do céu empíreo?] – os corpos terão suas funções fisiológicas comuns, sem contudo – e de uma forma misteriosa – produzir qualquer espécie de podridão. [Que absurda e grosseira imaginação!] Mas, uma vez que o estômago tem prazer em comer [O estômago não come, quem come é a boca!] o homem se alimentará de manjares inigualáveis: uma vez que os pulmões tem gáudio em respirar, eles respirarão os ares mais límpidos que jamais sorveram. E assim por diante, nosso corpo terá alegrias imensas, afins com os júbilos da alma imersa na visão beatífica”. [Chiii...]
“Os teólogos [Quais? Maomé?...] vão mais longe em suas excogitações. Para eles, os próprios Anjos, que são puros espíritos, far-se-ão notórios de alguma modo ao homem ressurrecto. Ocasionando determinados movimentos no ar, modelando certas formas ou produzindo cores e sons paradisíacos, eles nos darão uma idéia de como são. À maneira do músico que usa de um instrumento para transmitir ao ouvinte uma impressão, eles, Anjos, se servirão daqueles elementos para nos deleitar. E nada impede que imaginemos brisas ou ventos com frescores ou tepidezes diversos, pousando sobre nossas peles como cetins, como sedas, como veludos”. (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo E Seremos Repletos de Grandeza..., in revista “Dr. Plínio”, N0 49, ano V, Abril de 2.002, pp.14-16-17. Os destaques e os comentários entre colchetes são nossos ).
Que texto absurdo de alguém que se diz católico!
Se fosse um maometano o autor dessas imaginações, se compreenderia essa concepção epicurista do céu! Mas de um católico!
E que baixeza imaginar as funções fisiológicas do céu, ainda que sem podridão.
Imaginem? Os banheiros celestiais de Plínio!
Só faltou o harém.
Aliás, se Plínio concebe o céu, digerindo leitões paradisíacos, por que não haveria lá também o harém com as odaliscas muçulmanas?
Nosso Senhor, respondendo ao erro dos saduceus, lhes disse que no céu não haveria mais relação conjugal. E lá os santos seriam como os anjos de Deus, não se reproduzindo mais.
E também não precisaremos mais comer, pois os corpos gloriosos não perderão sua energia e não precisarão repô-las, comendo.
A felicidade celestial só pode ser de ordem cognoscitiva, porque o homem é dotado de intelecto e vontade. O homem tem por fim conhecer, amar e servir a Deus, e sua felicidade plena consiste em ver a Deus na visão beatífica, amando-O e servindo-O perfeitamente. A felicidade plena consiste na posse perfeita da verdade e no amor completo dela. Por isso, Dante – que tinha idéias más – soube definir o céu como:
“Luce intellectual, piena d´amore;
Amor di vero ben, pien di letizia;
Letizia che trascende ogni dolzore”.
“Luz intelectual, cheia de amor;
Amor do verdadeiro bem, cheio de alegria;
Alegria que transcende toda doçura.”
(Dante, Divina Commedia, Paradiso, XXX, 40 -42).
O que diz Plínio, que, se no inferno há castigos físicos, no céu deveria haver prazeres físicos, é um sofisma grosseiro. No inferno, haverá castigos para os corpos dos precitos, porque os maus buscaram felicidade física na terra. Então é justo que eles sofram castigos também corporais, e sejam como que animalizados, já que eles renunciaram ao bem do intelecto: a verdade.
Os precitos “sonno quelli che hanno perso il bem del intelletto”.
Malditos são aqueles que perderam o bem do intelecto: a Verdade.
No céu, a felicidade eterna consistirá na visão de Deus. Lá os viventes eternamente verão. Assim como Isaac ia meditar no deserto, ao cair o dia, junto ao poço do “Viventis e videntis”, assim depois do ocaso da vida terrena, os bons estarão eternamente vivos e vendo a Deus. Pois a perfeição da vida humana não consiste em engolir o verde absoluto de uma gelatina, mas no ver intelectivamente Deus Verdade, Bem e Beleza Absolutas.
E isso não precisa ser sensacional.
E quem iria para o inferno, segundo Plínio?
Não iam para lá os que tinham a inocência primeva, mesmo que cometessem um mar de pecados.
Devesse concluir, então, pelo que vimos do que ele acreditava secretamente, que para o inferno iriam somente os que recusassem aderir à inocência primeva. De aderir a Plínio. Iriam para o inferno os que renunciassem a se unir ao seu sósia transcendente, tornando-se um com Cristo, não importando a desobediência ou a obediência à “tabela dos dez mandamentos”.
Não se pode deduzir da doutrina católica, de forma alguma, o que pensava Plínio sobre prazeres celestiais sibaríticos. O céu para Plínio seria um Grande Hotel parisiense – ou das Arábias -- de cinco estrelas.
Da doutrina católica não se deduz que os bons, que na terra colocaram em primeiro lugar a glória de Deus e os bens da alma, sejam premiados no céu com prazeres físicos. Se já na terra os santos preferiram a verdade aos suculentos leitões e aos delicados perfumes plinianos, no céu, muito mais ainda, eles terão como prêmio a Verdade, e não brisas angélicas acariciando docemente suas epidermes. Fazendo “fru-fru” com suas vestes de seda. Plínio gostava de fru-fru. Era aristocrático.
No céu, os corpos dos santos ressurrectos serão gloriosos, impassíveis, brilhantes, ágeis e imortais, não precisando nem comer, nem se reproduzir. Por isso, os sentidos que visam à manutenção da vida física, ou a reprodução da espécie, não terão mais as funções que tinham na terra.
Os sentidos mais cognoscitivos do homem são a vista e o ouvido, instalados na parte mais elevada da cabeça.
No céu, esse dois sentidos é que serão não só mantidos, mas ainda mais elevados. Por isso, São Paulo disse: “Nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem entrou no coração do homem, o que Deus preparou para aqueles que o amam” (I Cor. II, 9) E Isaías disse:
“Nunca ninguém ouviu, nenhum ouvido percebeu, nem nenhum olho viu, exceto Tu, Ó Deus, o que tens preparado para os que te esperam”, (Is. LXIV, 4).
Nem Isaías, nem São Paulo falaram de prazeres do paladar, do olfato, ou do tacto, no céu.
Só Plínio falou disso.
Plínio, Scognamiglio e Maomé.
Que trinca!
« Qui fait Lange, fait la bête » diz o ditado.
O homem que se imagina anjo, cai na animalidade. Assim também, os Românticos sempre oscilaram do repúdio completo da matéria, no Romantismo lírico, para os prazeres bem materiais do Realismo e do Naturalismo. E os tefepistas dialeticamente oscilam do repúdio do mundo real, de um espiritualismo radical, até a busca de sensações físicas, mesmo no céu empíreo, onde imaginam que terão prazeres de comer e de beber, em paradisíacos restaurantes, perfumados e musicais, enquanto terão a pele suavemente tocada por carícias angélicas de veludo e seda.
Delícias castas, evidentemente.
Com funções fisiológicas mantidas.
Sem podridão.
Claro.
Garantia de Plínio, que à mesa, no céu, de faca e garfo na mão, aguarda que um anjinho lhe traga, em bandeja de ouro, um celestial leitão à pururuca.
Isso não é o céu empíreo.
É o País da Cocanha.
É o paraíso dos iludidos pelo demônio, que ofereceu:
“Tudo isso te darei, se prostrado me adorares”.
A doutrina do conhecimento adotada por Plínio privilegiava as sensações mais que o intelecto. Ora, a graça atual é uma iluminação da inteligência, fazendo-a compreender mais claramente uma verdade, e impulsionando a vontade a praticar o bem.
Mas, se o homem conhece predominantemente por meio de um sentimento, de uma impressão sensível, se a verdade é das sensações, consequentemente a graça atual teria que ser fundamentalmente sensível. A graça deveria se manifestar sentimentalmente. Deveria afetar então aos sentimentos. E é essa noção falsa sobre a graça que Plínio vai adotar e difundir.
Aliás, entre os românticos esse era um posicionamento comum.
Por isso, PCO frequentemente afirmava que sentia a graça. Por exemplo, veja-se este texto no qual PCO, lá pelos oito anos, modestamente fala de suas virtudes e de como ele sentia a vida divina nele:
“É que meu horizonte de bem estar terreno tinha como centro, no fundo, a felicidade de ter fé, de ser um menino puro, de sentir, sem sabê-lo, a vida divina palpitar em mim e o contato com Deus pelas graças místicas. Eu me regozijava com tudo isso. A ordenação rumo a Deus era a fonte da minha alegria” (Plínio Corrêa de Oliveira, Notas Autobiográficas, Vol. I, p. 471. O negrito é nosso).
Dessa concepção de que a graça se sente decorrerá, como veremos, que a Fé deixará de ser uma virtude intelectual. Como para a heresia modernista, o sentimento será uma das causas da fé. Veremos que Plínio vai adotar explicitamente uma formulação modernista de Fé.
Ora, a sensibilidade é afetada pelas coisas materiais. Por isso Plínio vai dar primazia à atuação da graça através da sensibilidade, chegando mesmo a confundir a graça sobrenatural com a natureza sensível.
Esse é um erro fundamental de Plínio e da TFP em matéria tão importante.
Mas há outros mais.
Considerando a graça como algo sensível, era normal que os plinianos passassem a confundir graça e natureza. É o que se vê nesta explanação de Scognamiglio:
“O senhor olha para o Sr. Doutor Plínio, o que é a natureza e que é a graça?
“O senhor pode até distinguir com o objetivo didático, mas na realidade, na prática, essa distinção entre natureza e graça quase não se dá, porque é uma mistura tão grande, que o senhor não vê o que é natureza e o que é graça” (J le J,João Scognamiglio, Jantar em 3 de Maio de 1998, Domingo, p. 3).
E, logo a seguir, Scognamiglio afirma, com todas as letras, que as graças que recebem os membros da Sempre Viva são graças “plinianas”:
“Assim como o sol se esconde atrás de um vitral e o que aparece é o que são suas belas cores, também acontece o mesmo: é tudo feito pela graça que passa por um vitral chamado Plínio”.(...) “Conosco passa-se a mesma coisa. É que tudo é feito pela graça, mas é uma graça que já passa por um vitral chamado Plínio, e chega sobre nós com as características de Plínio” (...) “Quer dizer, o que aparece são as características pessoais de cada um iluminadas por luz, que é uma luz da graça e que é uma luz pliniana” (...)” Essas características pessoais que brilham, brilham por vontade do Sr. Dr. Plínio, é ele quem está agindo, mas ele esconde a mão, ele não deixa transparecer” (Jour le Jour, João Scognamiglio, Jantar em 3 de Maio de 1998, Domingo, p. 3).
Não é preciso mostrar que essa noção de uma graça pliniana que agiria nos devotos de Plínio é completamente heterodoxa.
Em seus textos difusos e confusos, Dr. Plínio apresenta uma grande ignorância da doutrina da graça, chegando a defender erros explícitos, como a doutrina americanista que distinguia virtudes ativas e virtudes passivas, e, talvez por confusão, a defender a tese absurda de que a graça suficiente seria insuficiente, para vencer “a maldade do livre arbítrio”.
Citemos, agora, os textos comprovantes desses erros de Plínio sobre a graça e o livre arbítrio.
“Todos os homens recebem graças suficientes para se salvar. Também isto é de Fé. Mas, de fato, muito poucos se salvariam só com a graça suficiente. É preciso que a graça seja abundante para vencer a maldade do livre arbítrio humano” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Vítima Expiatória, in revista “Dr. Plínio”, N0 19, Ano II, Outubro de 1999, p.26. O destaque é nosso).
Além da consideração absurda de que o livre arbítrio seria mau, e que ele teria que ser vencido –evidentemente com a cooperação livre da vontade humana, o que é uma contradição flagrante---, há, nesse texto, uma exposição mal feita sobre o que é a graça suficiente, a qual se tornaria insuficiente para vencer “a maldade do livre arbítrio”.
O assunto, no mínimo, está muito mal explicado. Como? !
Plínio conduz o leitor a erro, pois afirma que o livre arbítrio teria maldade. E isso cheira demais a jansenismo, senão a maniqueísmo.
O livre arbítrio é a faculdade da vontade que caracteriza a sua liberdade (Cfr. São Tomás, Suma Teológica, I, LXXXIII, aa. 2-4).
O livre arbítrio é ordenado apenas ao bem. Por isso, mesmo quando o homem quer algo que é pecaminoso, ele busca isso sob razão de bem. O ladrão rouba buscando a riqueza, porque a riqueza é um bem. (São Tomás, Suma Teológica, Q.LXIII, a.1 ad 4).
É o livre arbítrio que nos faz capazes de mérito e de culpa. Sem ele seríamos autômatos, ou agiríamos somente como os animais.
Estes não têm livre arbítrio, pois se movem necessariamente pelos instintos (Cfr. S. Tomás, Suma Teológica, I, Q. LIX, a.3). Mas, onde quer que haja entendimento, ensina São Tomás, há livre arbítrio. Portanto, os anjos têm livre arbítrio (Cfr. S. Tomás, Suma Teológica, I, Q. LIX, a.3).
E Deus, sendo infinitamente bom e sábio, não querendo por necessidade imposta por outrem, nem por instinto, tem livre arbítrio (Cfr. S. Tomás, Suma Teológica, I, Q. XIX, a. 10).
É grosseiramente errado, então, falar em “maldade do livre arbítrio”, como o faz Plínio, pois o livre arbítrio é um bem, que nos faz à imagem e semelhança de Deus.
Por esse texto acima citado de Plínio, não dá também para compreender o que a Igreja ensina sobre graça suficiente e graça eficaz.
Para fazer compreender esse ponto pouco conhecido pelo público em geral, daremos duas citações que o exponham clara e sucintamente.
Diz o grande teólogo Padre Garrigou-Lagrange:
“É certo que, segundo a Revelação, que muitas graças atuais concedidas por Deus não produzem o efeito – (pelo menos todo o efeito)—ao qual elas são ordenadas, enquanto que outras o produzem. As primeiras graças são chamadas de suficientes, e puramente suficientes, elas dão o poder de agir bem, sem levar eficacidade à própria ação; o homem resiste à sua atração; sua existência é absolutamente certa, que quer que digam os jansenistas: sem elas, Deus ordenaria o impossível, o que seria contrário à sua misericórdia e à sua justiça; mais ainda, sem elas, o pecado seria inevitável; ele não seria mais, desde então, verdadeiramente um pecado e não poderia conseqüentemente ser justamente punido por Deus. Nesse sentido nós dizemos que Judas, antes de pecar, podia realmente hic et nunc evitar a falta que ele cometeu, do mesmo modo que o mau ladrão, antes de expirar, perto de Nosso Senhor. As outras graças atuais, chamadas eficazes não fazem apenas com que possamos realmente observar os preceitos, mas elas no- los fazem observar de fato, como aconteceu com o bom ladrão em oposição ao outro. A existência da graça atual é afirmada em numerosas passagens da Escritura” (Garrigou-Lagrange, O.P., POURQUOI LA GRACE EFFICACE EST-ELLE DISTINCTE DE LA SUFFISANTE?, La Synthèse Thomiste, HYPERLINK http://www.salve-regina.com/Theologie/grace_efficace.htm;
Na Enciclopédia Católica, esse tema é tratado da seguinte maneira:
"Estas [controvérsias sobre a graça] dizem respeito principalmente à relação entre a graça e o livre arbítrio. Como pode a suma persuasividade da graça, que exerce uma influência tão poderosa sobre a vontade humana e a move a tão boas obras, conviver harmoniosamente no mesmo sujeito com o simultâneo consentimento do livre arbítrio? Visto que a graça meramente suficiente (gratia mere sufficiens) contém, no seu próprio conceito, a idéia de uma recusa de consentimento da parte do livre arbítrio, e está portanto desde o início destinada à ineficiência (gratia inefficax), a questão em última análise reduz-se à relação entre livre arbítrio e graça eficaz (gratia efficax), a qual contém em si a idéia de que por ela e com ela o livre arbítrio faz precisamente aquilo que essa graça deseja que seja feito." (J. Pohle, Controversies on Grace, The Catholic Encyclopedia, volume VI, 1909,
http://www.newadvent.org/cathen/06710a.htm)
Como se vê, embora fazendo a distinção entre graça suficiente e graça eficaz, não se fala, em nenhum desses textos de Garrigou-Lagrange ou da Enciclopédia Católica, em maldade do livre arbítrio.
De onde tirou Plínio essa idéia absurda?
De seu seletivo, ou de sua imaginação seletivamente romântica?
Como se explicaria, no sistema doutrinário de Dr. Plínio essa tese da maldade do livre arbítrio?
Aventemos uma explicação, sem termos textos de PCO para confirmá-la. É pois apenas uma hipótese de explicação.
Se o homem tem no tabernáculo de sua alma algo do Ser Absoluto, se é o seletivo inerrante que permite, na câmara obscura, escolher infalivelmente o que completa o ser humano, então o livre arbítrio da vontade teria o poder de dizer não ao que o seletivo escolhera. Logo, haveria maldade no livre arbítrio.
De qualquer modo, ele adotou a tese da maldade do livre arbítrio, por ter livre arbítrio.
E abusando dele.
Eis o texto:
“Alguém poderia procurar destruir a nossa teoria dos vetores mostrando que há sempre uma proporcionalidade entre a graça e o vetor dominante. Porque a tentação nunca seria maior do a graça. E, portanto, a teoria dos vetores não tem a força que nós dizemos ter. Porque, se é verdade que o empuxe das forças materiais é muito grande, é verdade também que o empuxe da garça é muito grande. Assim, há sempre um equilíbrio, e nós estamos exagerando a importância da teoria dos vetores.
“Isso é falso. É falso porque o homem tem as graças na proproção em que ele reza. Se ele não reza para ter as graças, as graças não vêm na proporção da tendência má. Não lhe vem porque ele não rezou. Isso não é absoluto, mas ao menos as graças podem não vir. De maneira que muitas vezes o homem cai por falta de graça, não porque a graça lhe tenha sido negada, mas porque ele não rezou. E então todo o problema da oração, e do livre arbítrio, porque a oração é um ato pôsto pelo livre arbítrio, fica, colocado aqui”
(Plínio Corrêa de Oliveira, apud Átila Sinke Guimarães, O Processo Humano – Resumo do MNF, apostila, p. 58. Pusemos em negrito a tese jansenista de Dr. Plínio).
Nesse texto, PCO nega rotundamente o dogma da graça suficiente, adotando a posição do Jansenismo.
Quanto à classificação das virtudes como ativas ou passivas, defendeu Dr. Plínio “impropriamente” o erro dos americanistas. Isso foi num artigo dele publicado, em 1941, no jornal O Legionário.
Sabe-se que, em seus anos iniciais, Plínio demonstrava uma certa influência modernista, pois que confessadamente dizia inspirar-se na revista Sept, dos modernistas franceses, chegando, por isso, a repetir a defesa de idéias claramente liberais. A distinção entre virtudes ativas e passivas, típica dos modernistas americanistas, é uma delas.
Para a doutrina católica, não há virtudes passivas. Todas as virtudes são ativas.
Eis o que escreveu Plínio sobre isso:
“Durante muito tempo, os órgãos da propaganda liberal timbraram em inculcar nos católicos uma visão incompleta – e portanto errônea – de seus deveres. A ignorância religiosa, aliada ao pouco acatamento à voz dos Papas e dos Episcopados, permitiu que essa propaganda se infiltrasse insidiosamente no espírito de muitos católicos, até mesmo dos mais preparados e fervorosos. E assim, uma flexão geral se fez sentir, que teve como conseqüência o cultivo das virtudes que poderíamos chamar (embora impropriamente), passivas, enquanto as virtudes ativas eram postas sob silêncio, ou injustamente denegridas”. (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Virtudes Ativas Postas no Silêncio, publicado in O Legionário em 10 do VIII de 1941, e republicado na revista “Dr. Plínio”, N0 56, Ano V, Outubro de 1999, p.8. Os destaques são nossos).
Embora colocando—entre parênteses – uma restrição ao uso da expressão virtudes passivas, dizendo que isso não é próprio, Plínio não condena de modo absoluto a distinção feita pelos americanistas entre virtudes ativas e passivas. Cita, e mesmo adota, essa distinção, ainda que com leve restrição.
Ora, essa distinção entre virtudes ativas e virtudes passivas foi condenada por Leão XIII na encíclica Testem Benevolentiae, como um erro dos americanistas:
“Com esta sentença sobre as virtudes naturais está estreitamente unida outra, pela qual todas as virtudes cristãs se dividem como em dois gêneros, em passivas e ativas, e acrescentam que aquelas convêm melhor às épocas passadas, e que estas, se adaptam mais à época presente..”(Leão XIII,Carta Testem Benevolentiae ao Cardeal Gibbons, em 23 de Janeiro de 1999. Denzinger, 1971-1972).
Há outra passagem, na qual Plínio procura explicar de modo leniente a posição jansenista sobre a Primeira Comunhão feita só em idade madura, e a posição oposta tomada por São Pio X:
“Entre os inestimáveis benefícios que a Religião católica lucrou no governo de São Pio X, destaca-se o de ele ter estabelecido a Primeira Comunhão para as crianças. Até então, a tendência corrente era de que uma pessoa só a fizesse quando inteiramente adulta, não sendo raro o caso de homens que comungavam pela primeira vez nas vésperas de seus casamento”.
[Caso que aconteceu com Dona Lucília, mãe de Dr. Plínio, apresentada como modelo de católica, e até como santa, por Dr. Plínio e por Scognamiglio, e que só comungou quando ia se casar, aos 30 anos de idade. Dr. Plínio, nesse texto, procura justificar a vida pouco piedosa de sua mãe durante tantos anos].
Eis a desculpa esfarrapada e meio jansenista que ele dá:
“Essa atitude era determinada pela compreensível idéia de que a Comunhão era algo por demais sagrado para que as crianças se aproximassem dela, pois não teriam critério para comungar com o respeito e a devoção necessárias”.
“São Pio X, entretanto, entendia de modo diferente, e colocou a questão em outros termos. Dizia ele: Não se trata de saber o que a criança é capaz de pensar, e sim que grau de inocência ela tem. Porque se fôssemos raciocinar em função de sua capacidade intelectual, então não deveríamos batizá-la nos primeiros dias após o seu nascimento” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo São Pio X, Modelo de Varão Católico, in revista “Dr. Plínio”, Ano V, Agosto de 2.002, N0 53, pp. 28-29. Os destaques são nossos).
Repare-se que ele coloca palavras na boca de São Pio X, mas não dá o documento dessa citação. E a citação é estranha, porque é errada.
São Pio X disse que se deveria dar a comunhão às crianças desde que, tendo atingido o uso da razão, elas soubessem diferenciar pão de pão, isto é, o pão da mesa e o pão consagrado na Missa. A condição única para a idade da Primeira Comunhão das crianças era o uso da razão. Portanto, algo ligado à capacidade intelectual. (Cfr. São Pio X, Decreto Quam Singulari - Sobre a Idade da Primeira Comunhão - 15 de Agosto de 1910).
Portanto, para comungar, é necessário saber o que se vai receber, enquanto que, no Batismo, isso não é necessário para os bebês, que ainda não têm o uso da razão. Pode-se, e deve-se, batizar uma criança sem que ela tenha o uso da razão. Plínio erra ao comparar as condições da primeira comunhão às do Batismo.
De passagem, note-se a contradição de Plínio ao tentar explicar porque sua mãe comungou apenas antes de se casar, aos 30 anos.
No livro Dona Lucília, assinado por Scognamiglio, mas muito provavelmente—ou melhor, obviamente -- ditado pelo próprio Dr. Plínio, se lê outra desculpa para essa tão tardia primeira comunhão: um anti clericalismo de caráter maçônico:
“Até o pontificado de São pio X, no início do século, a graça da Primeira Comunhão ainda não se estendera a crianças e adolescentes. Não foi este, todavia, o único motivo que manteve Lucília longe desse Sacramento até a proximidade de seu matrimônio” (João Scognamiglio Clá Dias, Dona Lucília, Vol I, p. 110. O destaque é meu).
A contradição é patente com o que foi dito antes.
Então, por que a primeira comunhão dela foi tão tardia?
Dr. Plínio dizia que o pai dela era maçom. E a Maçonaria era anti clerical.
Conta o livro assinado por Scognamiglio um diálogo que nem Scognamiglio nem Dr. Plínio nunca poderiam ter assistido, pois aconteceu antes do nascimento deles.
Como souberam eles das palavras desse diálogo?
Vejamos esse diálogo imaginado -- típico de romance -- entre o pai de Dona Lucília e o noivo dela, dr. João Paulo Corrêa de Oliveira, diálogo que teria ocorrido em 1906.
Ei-lo:
“Dr. João Paulo, por causa da situação do clero, eu até agora não permiti que Lucília se confessasse e, portanto, também que comungasse, embora ela o quisesse deveras. Como essa situação vai melhorando, eu sou tendente a permiti-lo. Mas, de fato, quem vai resolver o caso é o senhor; se quiser, ela se confessará e comungará agora para o casamento” (João Scognamiglio Clá Dias, Dona Lucília, Vol. I, p. 110).
Por essas palavras, evidentemente imaginadas, -- pois nem Plínio e nem Scognamiglio as ouviram -- se fica sabendo que o maçom Dr. Antônio Ribeiro dos Santos só deu seu placet para a Primeira Comunhão da filha, quando ela fez 30 anos, e que ela devotamente obedeceu ao anti clericalismo do papai maçom até quando ia se casar.
“Le devoir d´une fille est dans l´obéissance ... À papa”.
Não ao Papa.
Plínio se contradisse ao dar a razão da bem tardia Primeira Comunhão de sua mamãe já balzaquiana.
Finalmente, queremos frisar como as palavras acima citadas de Plínio acabavam por justificar, até certo ponto, a posição jansenista de retardar a idade da Primeira Comunhão:
“Essa atitude era determinada pela compreensível idéia de que a Comunhão era algo por demais sagrado”.
Para justificar ou desculpar a comunhão absurdamente tardia de “santa” Lucília, Plínio chega então até a compreender o argumento jansenista.
O problema da graça – um dos mais difíceis da doutrina católica – é tratado por Plínio, sem cuidado e muito superficialmente, embora a graça tenha um papel muito grande em sua doutrina.
Embora, por vezes, ele expusesse-- menos mal -- a distinção entre graça santificante e graça atual, noutras vezes, não fazia o mesmo, deixando uma certa confusão entre as duas.
Num artigo intitulado “Flash”, escreveu Plínio:
“Trata-se da graça atual distinta da graça habitual. Esta última, também chamada de graça santificante, é um dom habitual, uma disposição estável e sobrenatural para aperfeiçoar a alma e torná-la capaz de viver com Deus, agir por seu amor. È infundida pelo Batismo, perdida quando se comete um pecado mortal e recuperada no Sacramento da confissão”.
“Já a graça atual é um dom transitório, um auxílio momentâneo que Deus nos concede. Consiste em iluminações da inteligência e inclinação para o bem, atuando na vontade e na sensibilidade, de modo às vezes acentuado. Fazem-nos crer mais profundamente e, por assim dizer, vermos o sobrenatural. Dão-nos um discernimento pelo qual percebemos melhor o caráter sobrenatural das coisas da Igreja”.(Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Flash, in revista “Dr. Plínio”, Ano V, N0 55, Outubro de 2.002, p. 18).
Nessa exposição, não há erro maior. Apenas o “vermos o sobrenatural” é um tanto estranho, embora o ver possa ser interpretado analogicamente como conhecer. Mas, a distinção entre graça santificante e graça atual está correta.
Entretanto, em muitas outras passagens, Plínio fala de uma e outra graça, da graça santificante e de graça atual, sem a distinção devida, causando confusão. Ou ainda expõe mal a ação da graça atual.
Veja-se, como exemplo disto, esta citação:
“Penso que a palavra luz poderia se aplicar aqui em dois sentidos. Um é o sentido da luz natural a lumen rationis, pela qual o homem crê em Deus (Sic!), crê na unidade de Deus, crê numa porção de dados da religião que lhe vêm da razão. Para dar adesão a esses dados naturais o homem não precisa da graça, embora esta possa ajudá-lo e esclarecê-lo”.
“Para crer naquilo que é revelado é preciso a fé. Aí se faz necessário o dom específico da graça, um recurso sobrenatural pelo qual o homem se torna capaz de entender e de dar adesão ao que é revelado” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Verdadeira Cultura e Tipo Humano, in revista “Dr. Plínio”, N0 58, Ano VI, Janeiro de 2.003, p. 17. Os destaques são nossos).
Quanta confusão e erros nesse texto, onde tudo está mal explicado.
Em primeiro lugar, pela luz da razão, naturalmente, o homem pode chegar ao conhecimento da existência de Deus e de algumas de suas qualidades.
A existência de Deus pertence aos preâmbulos da Fé. A existência de Deus é provada pela razão, e, por isso mesmo, propriamente não se crê na existência de Deus. Conhecemos e provamos sua existência, através das coisas criadas, por meio natural, racionalmente. Por isso, não se diz no Credo: Creio que Deus existe, e sim “Creio em Deus”.
Porém, mesmo para isto, há uma certa graça atual dada por Deus, já que Cristo Deus nos disse: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo., XV, 5).
Por outro lado, embora o autor diga corretamente que para ter Fé no que Deus nos revelou é preciso necessariamente o auxílio de uma graça atual, é errado dizer que esta torna o homem capaz de entender o que foi revelado. A crença básica da revelação é na Unidade e Trindade de Deus, e isso é um mistério que está acima da razão, e que não podemos entender.
E Plínio vai dizer e acentuar que a graça atual age na sensibilidade, sem distinguir que a graça atual age, própria e diretamente, na inteligência e na vontade, enquanto que, na sensibilidade, ela atua indireta e impropriamente, através da inteligência e da vontade.
Uma graça atual pode ter indiretamente efeitos sensíveis, mas propriamente ela os tem por ter agido na inteligência e na vontade do homem, faculdades que tocam, então, a sensibilidade.
Portanto, a graça atual não age direta e propriamente sobre a sensibilidade, embora isso acidentalmente possa acontecer.
Mesmo naturalmente, a sensibilidade só reage depois que conhecemos intelectivamente algo que agrada ou desagrada o nosso querer, a nossa vontade, provocando então, consequentemente, contentamento ou descontentamento, alegria ou tristeza, na sensibilidade.
A Igreja e os santos sempre preveniram que os fiéis não se deixassem levar pelos efeitos das graças, na sensibilidade. Se uma graça produz em nós efeitos sensíveis, podemos aproveitar desse sentimento, mas não devemos buscar tais sentimentos, porque eles podem nos enganar. E se não temos sentimentos, se vivemos em aridez espiritual, isso não tem importância para a vida espiritual, que deve se fundamentar na virtude intelectual da Fé, no compreender e no querer, na verdade e no bem,e não na sensibilidade.
Plínio ensinava o oposto. Ele fala tanto em graças sensíveis, e acaba dando um caráter material e natural à graça atual, por exemplo, ao usar expressões em que a graça, como se fosse um líquido, impregnaria as coisas materiais, as paisagens, os edifícios, etc.
Os erros maiores de Plínio em matéria de graça são consequentes de seu entranhado Romantismo, que o fazia colocar o sentimento acima da intelecção, o sonho acima da realidade
O Romantismo era gnóstico, cabalista, e, por isso mesmo ele foi alquímico e dialético. Em autores pietistas, pais do Romantismo como Bengel, Oetinger, assim como no teósofo Franz Von Baader se encontra a igualdade dialética entre espírito e matéria, que já citamos: espírito seria matéria sublimada; matéria seria espírito cristalizado. Boehme plantou essa semente dialética. Em Hegel, ela produziu seu fruto mais conhecido. Consequentemente, o Romantismo acabava com a distinção entre graça e natureza, entre natural e sobrenatural.
No romântico Plínio, vamos encontrar essa mesma colocação identificadora do natural e do sobrenatural, da graça e da natureza.
São inúmeros os textos de Plínio pretendendo materializar a graça ou, ao contrário, sobre naturalizando a natureza. O que vai contra a doutrina católica.
Comprova-o o texto de Scognamiglio, que já citamos, explicando a confusão de graça e natureza, em Dr. Plínio.
Comprova essa confusão entre graça e natureza a doutrina pliniana dos flashes.
Vimos que, segundo Dr. Plínio, a inocência primeva não se perde nem que se cometam muitos pecados. Previne Plínio que:
“A inocência primeva não é algo que o demônio possa arrancar inteiramente de dentro de nossa alma, mas permanece como uma catedral engloutie, uma catedral imersa nas águas do pecado, que ainda existe em nós” (Plínio Corrêa de Oliveira, A Inocência…, p. 53).
A inocência primeva permaneceria no homem ainda que submersa – “engloutie”—num mar de pecados.
E ela não se recuperaria pela confissão, sacramento necessário para a salvação, que a doutrina pliniana -- da TFP, de Padre Scognamiglio e dos Arautos--, dispensa. E Plínio, e Padre Scognamiglio ensinam secretamente a doutrina que os homens não serão julgados por Deus “por uma tabela de dez mandamentos”.
Esses princípios levam necessariamente ao indiferentismo moral e a um anomismo completo. Daí, uma série de práticas escandalosas na Sempre Viva, na TFP e nos Arautos. Por exemplo a completa ausência de veracidade. Mentir seria absolutamente legítimo. Daí, a restrição mental ser praticada por eles por princípio, de modo tão generalizado e tão cinicamente, que nunca se sabe em que acreditam os seguidores de Plínio e de Monsenhor Scognamiglio. Na TFP, se dizia que quando, por acaso ou por acidente, João Scognamiglio dizia uma verdade, ele ficava vermelho de vergonha.
É essa falta de veracidade que permite a Monsenhor Scognamiglio surrupiar cinicamente quarenta anos de sua auto biografia, pois nela ele salta do ano de 1956, quando um “insegnante” o teria levado a ser Congregado, a 1996. E ninguém na Itália ou no Brasil pergunta que fez ele, e por onde ele andou, entre 1956 e 1996.
Na disputa jurídica com a TFP dos provectos, em tribunais brasileiros, os seguidores de Padre João Scognamiglio diziam cinicamente inverdades.
João Clá, muito de repente, ficou riquíssimo... E ele não explica como. Como conseguiu em tão poucos anos edificar tantos prédios, escolas, igreja, seminário, e, -- disse-nos um sacerdote, –até um “palácio luxuoso” e secreto, com “todas as comodidades”, para “descanso”, na localidade de Extrema, no sul de Minas Gerais.
“Dextera eorum repleta est muneribus”...
E os ricos têm muitos amigos.
Pobres não têm nem conhecidos.
Ricos tem até helicópteros. Para evitar os semáforos trans esféricos de São Paulo, com suas cores ab etérnicas, tão amadas por PCO.
Até ameaças de assassinato João Scognamiglio fez, por terem proibido
“a meninos de tomarem atitudes de veneração em relação ao Sr. João Clá Dias que pudessem ser malevolamente interpretadas por terceiros como manifestações de excessiva familiaridade”.(...)
(...)“Eu até já tenho plano na cabeça : eu pego um avião e lhe deixo uma bala no peito, e irei para a cadeia. Pelo menos, eu faço reunião para os presos. Ele que tenha o direito de discordar de mim que eu tenho o direito de meter uma bala no peito dele. [...] Eu queria nadar no sangue dele, isto sim !" (documento nos arquivos). (Cfr. Documento III, Carta de Plínio Xaver Vidigal da Silveira ao Núncio Apostólico, em nome da TFP, a Dom Lorenzo Baldissieri, acusando João Scognamiglio Clá Dias, em 2004,p. 532 e seguintes deste livro).
É de se duvidar então de que haja, entre os Arautos, cerimônias bem ambíguas, nas quais adoradores e adoradoras de Padre Scognamiglio o osculam, porque “com ele pode, visto que ele é santo”. “Um santaço”.
E porque queremos manter este trabalho em nível doutrinário, mais não dizemos. “E più non dico”...
Plínio exaltava a Belle Époque, na qual haviam imperado a Filosofia de Bergson e a heresia do Modernismo. Era natural que nele repercutissem as idéias que estavam no ar naqueles tempos da Belle Époque que melhor deveria ter sido chamada “La Laide Époque” (A época feia), ou “A Porca Época”, tanto nela a luxúria imperou. Vimos já, como a intuição, que Bergson colocava acima da Inteligência, repercutiu profundamente na mentalidade de Plínio. Veremos agora como as idéias heréticas do Modernismo ecoaram na doutrina e nos escritos de Plínio.
Para o Modernismo, a religião e a fé provinham de um sentimento, de uma experiência interior inefável.
“Por conseguinte, como o objeto da religião é Deus, devemos concluir que a fé, princípio e base de toda a religião, se deve fundar em um sentimento, nascido da necessidade da divindade” (São Pio X, Pascendi,n0 1)
“Até agora, porém, Veneráveis Irmãos, não lhes vimos dar nenhum lugar à ação da inteligência. Contudo, segundo as doutrinas dos modernistas, tem ela também a sua parte no ato de fé. Vejamos como.
“Naquele sentimento, dizem, de que tantas vezes já se tem falado, precisamente porque é sentimento e não é conhecimento, Deus de fato se apresenta ao homem, mas de modo tão confuso que em nada ou mal se distingue desse mesmo crente. Faz-se, pois, mister lançar algum raio de luz sobre aquele sentimento, de maneira que Deus se apresente fora e distinto do crente. Ora, isto é obra da inteligência, à qual somente cabe o pensar e o analisar, e por meio da qual o homem a princípio traduz em representações mentais os fenômenos de vida, que nele aparecem, e depois os manifesta com expressões verbais” (São Pio X, Pascendi,n0 1)
Agora, passando a considerá-lo como crente, se quisermos conhecer de que modo, no modernismo, o crente difere do filósofo, convém observar que, embora o filósofo reconheça por objeto da fé a realidade divina, contudo esta realidade não se acha noutra parte senão na alma do crente, como objeto de sentimento e afirmação; porém, se ela em si mesma existe ou não fora daquele sentimento e daquela afirmação, isto não importa ao filósofo. Se, porém, procurarmos saber que fundamento tem esta asserção do crente, respondem os modernistas: é a experiência individual. — Com esta afirmação, enquanto na verdade discordam dos racionalistas, caem na opinião dos protestantes e dos pseudo-místicos.
Eis como eles o declaram: no sentimento religioso deve reconhecer-se uma espécie de intuição do coração, que pôs o homem em contato imediato com a própria realidade de Deus e lhe infunde tal persuasão da existência dele e da sua ação, tanto dentro como fora do homem, que excede a força de qualquer persuasão, que a ciência possa adquirir. Afirmam, portanto, uma verdadeira experiência, capaz de vencer qualquer experiência racional; e se esta for negada por alguém, como pelos racionalistas, dizem que isto sucede porque estes não querem pôr-se nas condições morais, que são necessárias para consegui-la. Ora, tal experiência é a que faz própria e verdadeiramente crente a todo aquele que a conseguir. — Quanto vai dessa à doutrina católica! Já vimos essas idéias condenadas pelo Concílio Vaticano I” (São Pio X, Pascendi, n0 2).
Portanto, para o Modernismo a fé nascia de um sentimento, de uma experiência interior inefável, que dava uma convicção pessoal, de fundamentação mística, porém não racional. O modernismo era anti intelectual, e, por isso mesmo recusava que a Fé era uma virtude intelectual. Daí, os modernistas recusarem a apologética tradicional que utiliza a razão para a defesa da Fé.
Ora, Plínio vai defender exatamente esses princípios.
Vejamos inicialmente a questão do sentimento como raiz do conhecimento.
Já citamos várias frases de Plínio, comprovantes de sua exaltação da intuição e do sentimento acima da intelecção. Agora, examinaremos mais de perto, algumas dessas afirmações.
Eis um primeiro texto:
“Há, pois, um sentir das coisas afim com o pensamento, que enriquece a conceituação e é por ela enriquecido.
“Não se trata de algo meramente conceitual e doutrinário, como está no livro Revolução e Contra Revolução, mas também de algo de sensível, que completa” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Verdadeira Cultura e Tipo Humano, in Revista “Dr. Plínio”, Ano VI, n0 58, p.16).
Note-se, nessas frases, como Plínio realça o sentir, e como ele o coloca acima do conceitual e do doutrinário. E isso é coerente com a teoria do conhecimento que ele defendia, na qual ele omite a abstração, e exalta o sentimento e a intuição não racional.
Nesse mesmo artigo, diz Plínio:
“Devemos ainda levar em consideração que, quando Deus nos concede uma graça, estas se fazem conhecer por uma espécie de contato. Por uma sensibilidade proveniente da ação do sobrenatural em nós, sentimos algo que nos toca e nos eleva rumo às coisas divinas” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Verdadeira Cultura e Tipo Humano, in Revista “Dr. Plínio”, Ano VI, n0 58, p.17. O sublinhado é nosso).
Conheceríamos que a graça nos é dada por um contato sensível. As graças tocariam nossa sensibilidade e teríamos então um sentimento que nos elevaria rumo às coisas divinas...
Em que difere isso do Modernismo?
E, dando um exemplo disso com a “Sainte Chapelle”, diz então Plínio:
“Claro que a sensação do belo que está mesclada com isso pode ser estudada do ponto de vista natural e se podem encontrar aí as regras da estética. Mas, por cima há outra coisa que toca, e que a meu ver é uma das razões mais profundas da fé que tem o católico: é uma experiência mística, que é essa sensação do sobrenatural e que completa – na linha de conhecer a criação feita por Deus – a visão dessa criação, porque o ápice da criação é a graça” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Verdadeira Cultura e Tipo Humano, in Revista “Dr. Plínio”, Ano VI, n0 58, p.17. Os destaques são nossos).
Chapadamente, Plínio defende aí a tese modernista de que “a experiência mística é uma das razões mais profundas da Fé” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Verdadeira Cultura e Tipo Humano, in Revista “Dr. Plínio”, Ano VI, n0 58, sub título do artigo citado, na p.17).
Para Plínio, sentir seria conhecer, e a experiência mística seria a causa mais profunda da Fé. Exatamente como diziam os modernistas.
Isso é doutrina Modernista. E o Modernismo era gnóstico. Isso foi condenado pelo Papa São Pio X na encíclica Pascendi
Na Pascendi, São Pio X condenou a doutrina que a fé viria de um sentimento. E Plínio Corrêa de Oliveira, repetidas vezes, afirma que é pelo sentir que se chega ao conhecimento, e principalmente ao conhecimento do sobrenatural. Daí, uma confusão entre natural e sobrenatural na doutrina de Plínio, como se vê no texto seguinte:
“Isso faz com que o católico, nessa matéria, tenha um “acabamento” cultural—no sentido da palavra cultural que expus atrás, de conhecimento do universo –em que ele percebe a presença da graça em coisas que às vezes nem são diretamente religiosas, mas nas quais ele percebe a raiz religiosa. E sentindo a raiz religiosa ele com a fé do carvoeiro brada: “Eu creio!” (Plínio Corrêa de Oliveira, Verdadeira Cultura e Tipo Humano, in Revista “Dr. Plínio”, Ano VI, Janeiro de 2003, N0 58, p. 18. Os destaques são meus).
É “sentindo a raiz religiosa” nas coisas que “a fé do carvoeiro brada: “Eu creio!”
É “sentindo a raiz religiosa” nas coisas que “a fé do carvoeiro brada: “Eu creio!”
O sentimento da raiz religiosa em certas coisas causaria a Fé.
Isso é puro Modernismo
Neste último texto citado logo acima, há grande confusão com o termo graça.
A graça santificante só pode existir em seres dotados de inteligência e vontade, isto é, nos anjos e nos homens. As demais criaturas não podem, em si mesmas, terem a graça santificante. Elas podem ser usadas por Deus como instrumentos para nos comunicar uma graça atual. Isso ocorre particularmente com as coisas bentas, que Deus usa habitualmente para que obtenhamos graças atuais, quando as utilizamos bem. Contudo, Deus pode utilizar qualquer coisa ou fato para nos dar uma graça atual, que ilumine nossa inteligência com a compreensão mais clara ou mais funda de uma verdade, e que mova nossa vontade para o bem. Mas, tanto a graça santificante quanto a graça atual, de si, não são sensíveis, porque atuam na inteligência e na vontade, embora possam ter repercussão na sensibilidade.
Plínio não faz nenhuma dessas distinções. Ele apenas afirma: “Sentindo... ele com a fé do carvoeiro brada: “Eu creio”. Plínio liga diretamente a crença a um sentimento. E isso é romantismo.Isso é Modernismo.
Obter um conhecimento religioso por meio de um sentimento ou de uma experiência é uma nota essencial da Gnose. É uma nota claramente modernista. É uma tese nitidamente bergsoniana. E também Bergson foi um pensador anti intelectual e gnóstico.
De qualquer modo, dar primazia à experiência como fonte de um conhecimento é evidentemente contra a Fé, que é uma virtude intelectual.
A aceitação da Fé como fruto de um sentimento, ou de uma espécie de experiência mística, levava os modernistas a recusarem a Fé como virtude intelectual. Consequentemente, eles eram contrários à Apologética tradicional, que, por meio de argumentos racionais visa converter os hereges e afervorar os católicos. E já vimos como Plínio, no jornal Legionário, declarou que não queria nem converter hereges, nem afervorar católicos, mas apenas difundir uma mentalidade: a mentalidade romântica, que exaltava o sentimento acima da inteligência.
Para Plínio, como para os modernistas, esse modo de conhecer repele a apologética tradicional de caráter intelectual, e não sentimental.
Vejamos, inicialmente então, como Plínio repudiava a Apologética tradicional.
“A apologética será útil para outros. Para mim, a prova dessa divindade [da Igreja Católica] está dada” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo “Flashes” com a Santidade da Igreja, in revista “Dr. Plínio”, Ano VII, Novembro de 2.004, N0 80, p. 21).
Por isso, Plínio disse várias vezes:
“Devo dizer que nunca me interessei por provar que a Religião Católica é autêntica. Trata-se de uma preocupação que jamais me passou pela mente” (Plínio Corrêa de Oliveira, in Revista “Dr. Plínio”, Ano IV, Abril de 2.001, N0 37, p. 27).
“Não condeno que se façam pesquisas estudos aprofundados sobre a questão. Pelo contrário, louvo que assim procedam, mas considero que o objetivo não deve ser provar a veracidade da Religião Católica, e sim acrescentar novos testemunhos de que ela o é. Esta convicção parte de minha certeza nativa, do meu bom senso calmo, planturoso, embrionário, do meu gosto pelas coisas como elas devem ser, e também da minha rejeição a tudo quanto seja atitude ou doutrina que não se coaduna com a natureza humana, e assim faz pressão sobre os meus nervos”
“Com efeito, todas as verdades têm de ser coerentes com os nervos do homem. Aquilo que os abala é errado” (Plínio Corrêa de Oliveira, in Revista “Dr. Plínio”, N0 37, p. 27-28. Os destaques são meus).
Plínio considerava a religião Católica como “autêntica” com base em sua “certeza nativa”, em seu “bom senso calmo, planturoso, embrionário”, não pela fé nas palavras e na autoridade de Jesus Cristo. Portanto, Plínio não tinha Fé sobrenatural.
Ele aceitava como verdade o que não contrariasse os nervos dele.
E isso é puro subjetivismo.
Ademais, para ele não interessava dar provas da veracidade da Igreja. Mais do que provas racionais, era preciso dar testemunho.
Ora, essa linguagem é típica dos modernistas.
Plínio confirma essa sua tendência contrária à apologética intelectual, racional—condenada pelo Modernismo – dizendo:
“A apologética pode ser útil a outros. Para mim, a prova dessa divindade --[da Igreja Católica] –está dada” (Plínio Corrêa de Oliveira, Flashes” com a Santidade da Igreja, in Revista “Dr. Plínio”, Ano VII, N0 80, Novembro de 2.004, p. 21).
Todas essas citações, de um anti intelectualismo e de um subjetivismo exacerbados, provam uma depreciação por parte de Plínio da Apologética e da demonstração lógica da verdade da Igreja. Para ele, valeria mais aquilo que ele chama de sua “certeza nativa”. Certo seria o que não faria pressão sobre os nervos dele.
E é incrível que um homem que afirma com tanta ênfase seu gosto pelo imaginário, pelo que não é real, ouse afirmar de seu “gosto pelas coisas como elas devem ser”. Isso só seria coerente, se ele estivesse pensando que as coisas como devem ser, eram como ele as imaginava, e não como as coisas são.
Os modernistas defendiam que a Fé era um sentimento e não uma virtude intelectual, e, por isso mesmo, seguindo Maurice Blondel, condenavam a apologética tradicional porque ela se fundamentava em argumentos racionais, intelectuais. Para os modernistas, em vez de se usarem argumentos filosóficos racionais para defender a fé, a Apologética deveria mudar, utilizando mais a História e as experiências interiores psicológicas do que argumentos intelectuais.
“Daí o preceito difundido na escola dos modernistas sobre que a nova apologética tem que dirimir as controvérsias sobre a religião por meio de investigações históricas e psicológicas” (São Pio X, Pascendi, Denzinger, 2.101).
Por essas mesmas razões, Plínio elogiou a nova apologética naturalista e modernista de Huysmans, “um dos escritores cuja obra encantou Dr Plínio” ( Apresentação editorial para o artigo Huysmans. Retorno ao Seio da Igreja, inRevista “Dr. Plínio”, Ano IV, Julho de 2.001, N0 40, p. 22).
“Aliás, constitui a obra de Huysmans uma aplicação interessantíssima do naturalismo -- [SIC] -- a assuntos religiosos, aspecto este que a enche de originalidade”.
“Sob o ponto de vista estritamente religioso, interessava principalmente o gênero novo de apologética que Huysmans tentou instituir. Não o preocupam os argumentos filosóficos, as contendas científicas, em que os silogismos se digladiam por e contra a Fé. Já dizia o poeta francês que `à force de raisonner, on perd la raison” (“à força de raciocinar, perde-se a razão”)” (Plínio Corrêa de Oliveira, Huysmans- Retorno ao Seio da Igreja, in Revista “Dr. Plínio”, Ano IV, N0 40, Julho de 2.001, p. 23).
Como um homem que elogia o naturalismo religioso pode ser tido como um pensador católico?
É inacreditável!
E esse novo gênero de apologética era o da heresia modernista.
Outro ponto de contato do pensamento de Plínio com a doutrina modernista é aquele que trata do fundamento da Fé.
Conforme a doutrina Católica ensina que a Fé é a crença no que Deus revelou e que aceitamos, em primeiro lugar, pela autoridade de Deus revelador, infinitamente veraz, e depois pela autoridade da Igreja infalível, que confirma a revelação. Cremos, porque Deus disse, e porque a Igreja confirma o que foi revelado.
Por isso ensinou infalivelmente o Concílio Vaticano I:
“Dependendo o homem totalmente de Deus como de seu Criador e Senhor, e estando a razão humana inteiramente sujeita à Verdade incriada; quando Deus revela, estamos obrigados a prestar-Lhe, pela Fé, plena obediência de entendimento e de vontade. Ora, pois, esta Fé que “é o princípio da humana salvação”, a Igreja Católica professa que é uma virtude sobrenatural pela qual, com a inspiração e a ajuda da graça de Deus, acreditamos ser verdadeiro o que por Ele foi revelado, não pela intrínseca verdade das coisas percebidas pela luz natural da razão, mas pela autoridade do mesmo Deus que revela, o qual não pode nem enganar-se e nem nos enganar” (Concílio Vaticano I, Cap.III, Da Fé, Denzinger, 1789).
Ora, Plínio C de Oliveira não acreditava em verdades de Fé, porque Deus as revelara e a Santa Igreja as confirmara por seu Magistério infalível. Ele acreditava com base em seu bom senso. Em seus nervos.
Portanto, Plínio afirma que não acreditava na veracidade da Igreja por causa de Deus, mas por uma “certeza nativa do seu bom senso calmo”. O que é contra a Fé.
Essa “certeza nativa do seu bom senso calmo” sobre a Fé na Igreja Católica não tem como causa Deus, mas um princípio imanente ao homem, --imanente a Plínio -- o que vicia o ato de Fé, e cheira fortemente a modernismo.
A posição de Plínio coloca a causa da Fé em algo interior ao homem, imanente à sua natureza, na mesma linha que o modernista Blondel. Por isso, cabe bem a Plínio a crítica que o Padre Schwalm fez a Maurice Blondel, tal como ela é resumida nestas linhas da Revue Thomiste:
“Colocar assim, de modo unilateral, o acento sobre o aspecto interior da Fé leva a negligenciar sua especificidade com relação à Ciência. A Fé não é fundamentada sobre uma evidência intrínseca, mas sobre um motivo extrínseco: a autoridade de Deus que revela fides ex auditu. Desde então, um tal método arrisca levar ao subjetivismo da crença por tirar “toda a comunicação certa da razão especulativa do crente com a Igreja docente que é a regra exterior, visível e certa, de sua fé íntima”. Se se segue um tal método, prisioneiro das contradições de seus princípios, o indivíduo “se torna sua própria regra de fé e seu próprio papa”. Da mesma forma, os princípios de Blondel conduzem-no a recusar ver nos milagres esses “sinais evidentes e necessários da presença do sobrenatural na Igreja”(M.B. Schwalm; “As Ilusões do Idealismo e seus perigos para a Fé”, in Revue Thomiste, 4, - 1896 – pp 429-433).
Também o Padre Miguel Nicolau, S.J. condenou esse princípio psicológico interior como critério para admitir a veracidade de algo ligado à Fé como seja a origem divina da Igreja Católica, dizendo:
“Tão pouco este método ensina o que é capital na Apologética, os fundamentos da fé divina. Porque a fé divina é aceita pela autoridade de Deus que revela; isto pede que se demonstre com certeza o fato histórico e externo da revelação e o do testemunho divinos, e isto não se pode provar diretamente com critérios meramente subjetivos, com esses critérios somente se provaria que temos que afirmar os dogmas por sua coerência com a natureza humana, não porque Deus os tenha revelado.
O fato de que a revelação divina não se poderia demonstrar nem sequer indiretamente por uma conclusão: porque das tendências da natureza não poderíamos deduzir nada em favor da revelação sobrenatural, e, muito menos para afirmar a revelação dos mistérios”. (Rev. P. Miguel Nicolau, S.J., Suma de la Sagrada Teología Escolástica por Padres de la Compañía de Jesús, Tratado II: Sobre la Revelación Cristiana o la Verdadera Religión, Capítulo II, Artigo VI, Itens 138-140,
HYPERLINK"http://www.mercaba.org/TEOLOGIA/STE/V1_T2_L1_Cap2-Art6.htm"
A crença de Plínio em razão de sua “certeza nativa” e de seu “bom senso calmo”, “embrionário” é condenada também pelo juramento anti modernista de São Pio X que diz:
“Sustento com toda a certeza e sinceramente professo que a Fé não é um sentimento cego da religião que brota dos esconderijos da subconsciência sob a pressão do coração e a inclinação da vontade formada moralmente, mas que é um verdadeiro assentimento do entendimento à verdade recebida de fora pelo ouvido pelo qual cremos serem verdadeiras as coisas que nos foram ditas, atestadas e reveladas pelo Deus pessoal, Criador e Senhor nosso,e o cremos por autoridade de Deus, sumamente veraz” (São Pio X, Juramento anti Modernista, Denzinger, 2145. Os destaques são do original)
Dr. Plínio, portanto, acreditava na Igreja não por causa de Deus, por causa da palavra de Cristo, mas por uma “certeza nativa”, “por seu bom senso calmo!”, “embrionário”.
À primeira vista se entende que o homem já nasceria com uma “certeza nativa”.
Que significa isso?
Vimos que, segundo Plínio, o homem teria conhecimentos inatos. Nasceríamos com as matrizes do ser, em nós.
Haveria imanente na natureza humana algo que a levaria á verdade e à Fé?
Ora, noutro texto disse Dr. Plínio:
“Ora, nós temos uma idéia, ainda que sumária, das várias religiões. Temos, também, um bom senso nutrido pelo Batismo, com o qual a Religião Católica se harmoniza inteiramente” (Plínio Corrêa de Oliveira, O Senso Católico e o Desabrochar das Certezas, in Revista “Dr. Plínio”, Ano IV, N0 37, Julho de 2001, p. 26. O destaque é meu).
Plínio acreditava na Igreja porque ela se harmonizava como seu bom senso, e não por causa da palavra de Cristo Deus. Plínio não tinha Fé católica.
Note-se ainda que esse “bom senso nutrido pelo Batismo” existiria naturalmente já antes do Batismo, -- por isso ele seria natural, e assim ele é dito nativo, embrionário – e ele é que seria o causador da Fé.
Desse modo, teríamos imanente na natureza do homem “uma certeza nativa” causa da Fé sobrenatural. O natural causaria o sobrenatural. O que é um absurdo. A menos que se considere que esse “bom senso embrionário” e a “certeza nativa”” sejam, de fato, algo de divino no homem, como ensinam a Gnose, o Romantismo e o Modernismo. Dr. Plínio tinha uma concepção imanentista do homem inteiramente afim com a Gnose, o Romantismo e o Modernismo.
Explica-se assim porque ele jamais permitiu que a TFP atacasse o Modernismo e a Missa Nova. Explica-se assim sua aliança prática com o comunista Dom Arns, a quem Plínio jamais atacou, e que jamais atacou a TFP. Explica-se assim, o elogio do modernista Monsenhor Montini—futuro Paulo VI – a um livro de Plínio.
Claro que os fanáticos adoradores de Plínio, que se movem não pela razão mas pelo sentimento, dirão que é um absurdo levantar a suspeição de erro contra a Fé, por causa dessas estranhas doutrinas cognoscitivas de Plínio.
Mas, os protestos dos fanáticos não podem mudar as afirmações do fanatizador, o que Plínio escreveu e o que seus fanáticos, eles mesmos publicaram.
É o que dá acreditar na inerrância de um homem: não se pode fazer revisão ou correção nos textos de um homem que se crê inerrante. Daí, Scognamiglio ter mandado publicar todos esses textos de seu profeta inerrante na revista que ele criou sob a responsabilidade nominal de discípulos e amigos seus e dos Arautos do Evangelho.
E agora, em sua tese de doutorado, Monsenhor Scognamiglio voltou a confirmar publicamente que a doutrina dos Arautos vem do modernista Plínio Corrêa de Oliveira.
Um dos pontos mais venenosos da heresia Modernista foi o novo método exegético histórico-crítico, que o Padre Alfred Loisy herdou da exegese liberal e protestante.
Foi a publicação dos famosos dois pequenos livros vermelhos – O Evangelho e a Igreja, e Em torno de um Pequeno Livro - que desencadearam a crise modernista condenada por São Pio X,
Para Loisy, Cristo era um homem que, pouco a pouco foi desenvolvendo em si a consciência de ter uma missão messiânica até se julgar Deus. Cristo foi, aos poucos, tomando consciência de seu espírito divino.
Claro que isso era completamente herético, pois negava a realidade objetiva de Cristo, Deus e homem, ao mesmo tempo, tendo duas naturezas numa só Pessoa, a Pessoa do Verbo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Filho de Deus feito homem. O mistério da Encarnação—dogma contrário à Gnose—esse era o mistério da Fé que o Modernismo, essa cloaca de todas as heresias, de toda a Gnose, não podia suportar.
Era típico da gnose modernista afirmar um dogma numa página, e negá-lo, logo depois, na página seguinte. É o que destaca São Pio X na Pascendi.
Dr. Plínio era bem hábil, e tinha o cuidado de falar e de escrever de modo sutil, afirmando em frases tortuosas e com termos camaleônticos, teses nas quais se sente o cheiro da heresia. E logo depois, afirmava claramente o dogma católico, mascarando o que insinuara.
Veja-se , por exemplo, o que ele diz tortuosamnete num artigo, numa página, e o que ele afirma logo depois em sentido oposto.
Scognamiglio – verdadeiro dono e inspirador da Revista “Dr Plínio”, editado pela Editora “Retornarei” nome que aponta diretamente para João Clá—fez sair um artigo com textos de Dr. Plínio, artigo intitulado Cristo Rei, Sacerdote e Profeta, em Novembro de 2003. Nesse artigo, se pode ler o seguinte trecho tortuoso e camaleôntico, no qual se afirma que Cristo foi tendo, pouco a pouco “revelações de sua própria Divindade”:
“Por outro lado, tem-se a impressão de que a bela sentença do Evangelho segundo a qual o Menino Jesus crescia em graça, formosura e santidade perante Deus e os homens, sugere que Ele tinha a inteligência, a vontade e a sensibilidade na sua humanidade santíssima condicionadas às várias idades pelas quais passava. E que ia aos poucos meditando e cogitando, tendo em vista a situação do mundo e a história da Salvação que Ele viera realizar. Creio que a oração no Horto foi o ápice de sua cogitação.
“É deveras difícil não se sentir deslumbrado com esse crescimento da natureza humana de Nosso Senhor, recebendo revelações da sua própria divindade, num regime interno de relações insondáveis” (Revista”Dr. Plínio”, Ano VI, N0 68, Novembro de 2003, pp. 18 a 26, o texto acima citado está nas páginas 18 e 20. Os destaques são de nossa responsabilidade).
Cristo não recebeu revelações de que era Deus, Rei, Profeta e Sacerdote. Ele era Deus e homem, ao mesmo tempo, em uma só Pessoa. O que diz Plínio coloca uma dicotomia pessoal em Cristo. E isso tem, pelo menos sabor e cheiro de tese herética, malandramente insinuada.
Notem-se ainda as palavras serpentinamente fugidias que sublinhamos e colocamos em negrito: “impressão”, “sugere”, “sentir,” postas para dizer que nada se afirmou categoricamente. Que se teve apenas a impressão, a sugestão, o sentimento, e não a convicção.
Na verdade, essas frases que citamos do artigo de PCO deixam a impressão, a sugestão, o sentimento – o sentimento não – a desconfiança de que havia algo oculto atrás desses termos dúbios e evasivos.
Na realidade, as frases de Plínio, se não são chapadamente heréticas, têm pelo menos sabor e cheiro de heresia, pois fazem uma tal separação entre a natureza divina de Cristo de sua natureza humana, que se insinua no pensamento do leitor a tese modernista de que Cristo era um simples homem, que, à medida que crescia, foi tendo a impressão, cada vez mais forte, de que era Deus. E essa era tese herética do modernista Loisy. Deus foi revelando aos poucos a Jesus que Ele era Deus.
Essa desconfiança do que diz Plínio cresce, quando se nota a insistência dele em chamar Cristo, de modo quase exclusivo, de “o Homem-Deus”. Em todos os mais de 120 números da Revista “Dr. Plínio” que possuímos, a expressão “Homem-Deus” para designar Cristo é praticamente exclusiva. Poucas vezes nos deparamos com a designação de Cristo como “Deus-Homem”. Em Plínio, a encarnação do Verbo é mistério obnubilado pela obssessiva expressão usada por PCO chamando Cristo de o “Homem-Deus”.
E não adianta os fanáticos de Plínio se apressarem em dizer que, na página seguinte do texto que citamos, Plínio afirmar:
“Com efeito, desde o primeiro instante do seu ser, Jesus se sabia Homem-Deus, investido (sic) pelo Padre Eterno dos atributos da tríplice vocação de ser Rei, Profeta e Pontífice” (Plínio Corrêa de Oliveira, artigo Cristo Rei, Profeta e Sacerdote, in Revista”Dr. Plínio”, Ano VI. N0 68, Novembro de 2003, p. 20, Os destaques são de nossa responsabilidade).
Negou Plínio nessa página o que insinuara na página anterior?
Aparentemente, sim.
Na realidade, ele reafirmou de modo mais insinuante ainda, e de modo mais claro, a heresia modernista porque diz que Cristo foi investido da vocação de Rei, Sacerdote e Profeta.
Ora, só um homem pode receber uma vocação de Deus. Aquilo de que alguém é investido é algo que lhe é acrescentado acidentalmente, e que Ele não tem essencialmente. Ora, Cristo, sendo o Verbo de Deus encarnado, era Rei, Sacerdote e Profeta por sua natureza divina.
Em sua Pessoa Divina é que Cristo era Rei Sacerdote e Profeta. Se estivermos errados, que a Igreja nos corrija, que aceitaremos o que a Igreja decidir. Mas se estamos certos, que Plínio e Monsenhor Scognamiglio sejam condenados pelo que ensinaram e ensinam.
Para os Modernistas, A Igreja seria espiritual. Elas eram contra toda estrutura hierárquica da Igreja. A Igreja espiritual dos românticos seguidores de Jacob Boehme, englobaria todas as religiões. Daí, o ecumenismo e o famoso “subsistit” do Vaticano II.
Ora, é interessantíssimo verificar que também nesse ponto, o romântico Plínio revelava um contato doutrinário com a heresia modernista nascida do Romantismo.
“Vendo todas essas coisas da Igreja me vinha às vezes uma impressão curiosa. E eu dizia:
”A Igreja não parece uma instituição, mas parece uma alma imensa, que se exprime através de mil coisas e que tem movimentos, grandezas, santidades e perfeições, como se fosse uma só alma que se exprime através de todas as igrejas católicas do mundo. E se exprimiu através de todas as imagens de todas as liturgias, de todos os toques de órgão, de todos os dobrares de sino, de todas as coisas” .
“Essa alma chorou nos réquiens, ela se alegrou com os bimbalhares dos sábados de Aleluia e das noites de Natal. Ela chora comigo, alegra-se comigo. Coisa curiosa: parece uma só alma imensa. Eu mais vejo na Igreja uma alma do que uma instituição. Como eu gosto dessa alma. Como eu tenho a impressão em relação a essa alma, que minha própria alma se põe de tal modo, que é uma pequena ressonância dela. Que é uma pequena repetição dela; algo no qual esta “alma” vive inteira, como se estivesse num templo material. Sinto-me nela como uma gota d água na qual o sol se espelha inteiro.À maneira de miniatura e de reflexo, eu contenho essa alma” (Plínio Corrêa de Oliveira, Notas Autobiográficas, Vol. I, pp. 529-530).
Isso explica porque Plínio e João Clá Dias chamavam com tanto desprezo e raiva a Igreja de “estrutura’”:
O próprio Dr. Plínio, respondendo ao Rapport Joyeux, em 1979, reconheceu que, de fato, na TFP se costumava designar a Igreja com o termo “estrutura”.
Dissemos Dr. Plínio, porque, embora a resposta ao Relatório Joyeux tenha sido assinada oficialmente pela TFP francesa, seu autor, de fato, foi o próprio Dr. Plínio. Todos sabiam disso no grupo, em São Paulo.
Vejamos então a confissão só assinada pela TFP francesa:
“Entretanto, não nos parece supérfluo explicar aqui qual foi a origem do hábito, na TFP, de designar a Igreja, em certas circunstâncias, simplesmente pela palavra “estrutura”, e qual seria o alcance dessa designação” (Assotiation Française pour la Défense de la Tradition, de la Famille, et de La Propriété, Imbroglio, Déctraction, Délire, Paris, 8 de XII de1979, p,81).
Portanto, foi reconhecido que, na TFP, havia o hábito de chamar a Igreja de “estrutura”.
Na página seguinte desse livro, se explica que, após o Concílio Vaticano II, “autoridades eclesiásticas, mesmo entre as mais altas – [o Papa e a Cúria Romana]—começaram a dispensar ensinamentos contrários à Tradição da Igreja”( idem p, 82).
Mas Dr. Plínio que é o verdadeiro autor do Imbroglio, omitiu dizer que, desde então, ele mesmo começou a chamar o Papa Paulo VI de Ponto 6, e depois o Papa João Paulo II de JP 2...
E já vimos que os Provectos na década de 90 confessaram que, internamente, na TFP se tinha dúvida da legitimidade dos Papas pós Conciliares, isto é, que muitas das “mais altas autoridades” da TFP eram sede vacantistas...
Mas, havendo ainda Bispos fiéis – no Imbroglio se diz isso, mas na TFP, internamente, se ria disso – seria preciso distinguir os membros da Hierarquia que haviam caído nos erros do Vaticano II, da Igreja. Daí, disse Plínio no Imbroglio que por estrutura se entendia o conjunto dos Bispos que haviam aderido aos erros do Vaticano II, e não a Igreja enquanto tal (Cfr. Imbroglio, p. 85).
E é claro que há sempre os ingênuos e os tolos que acreditam nas mentiras que uma seita espalha para fora, jamais acreditando que haja outra doutrina escondida do público
“Et flatteurs –[et sots]--- d’applaudir...”
E o número dos tolos é infinito.
Essa foi a grande descoberta de Monsenhor Scognamiglio.
Sem ter lido Voltaire e sem ter lido Goebbles, ele compreendeu que mentindo —perdão, Scognamiglio como Plínio não mente, faz “restrições mentais”-- descaradamente sempre haverá muitos que acreditarão. Prova disto é que ele ficou riquíssimo com o imenso número dos “crentes” que dão dinheiro para os Arautos.
Sobre a designação dos Bispos – e até de Dom Mayer, Dom Lefebvre e Dom Sigaud – como membros da “Estrutura”, ver mais adiante a Descrição de um Delírio.
Para citar este texto:
"No país das maravilhas: a Gnose burlesca da TFP e dos Arautos do Evangelho (Parte 5/8)"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/cadernos/religiao/pco-v/
Online, 21/11/2024 às 18:02:58h