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Conclave: o Cardeal Burke, convertido à irrelevância pelo Papa, hoje pode ressurgir. Bastidores com Bisignani
Luigi Bisignani
Conclave Burke - Montfort

 

Na história da Igreja, os planos dos homens acabam muitas vezes ridicularizados pelos caprichos do destino. Poucos dias depois da morte de Francisco, o nome que regressa aos corredores sombrios do Sacro Colégio é aquele que muitos julgavam ter sido escanteado para sempre: Raymond Leo Burke. O homem que o Papa quis confinar à irrelevância ressurge agora, invocado nos sussurros dos cardeais, certamente entre os kingmaker do próximo conclave, mas para alguns até mesmo um possível Papa. Setenta e cinco anos, físico imponente, maxilares bem talhados, sorriso irônico e cortante, Burke é um filho da América profunda, com sangue irlandês nas veias e a luta pela tradição no coração.

Fundador do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe em La Crosse, EUA, foi sempre o baluarte de uma Igreja ancorada na liturgia antiga, na defesa da vida desde a concepção até à morte natural, na família como mistério sacro entre homem e mulher. Convicto no-vax, com Covid que quase o levava para o outro mundo, profundo conhecedor do direito canônico, previu antes de muitos o terremoto que se preparava sob o pontificado de Francisco. E quando Bento XVI, nos anos do seu reinado terno e dramático, quis que ele dirigisse o Supremo Tribunal da Signatura Apostólica e a Corte di cassazione do Vaticano, Burke tornou-se um dos guardiões da antiga ordem.

Foi justamente a sua formação jurídica que o tornou um dos mais duros críticos do motu proprio com que Francisco reformou o sistema judiciário da Santa Sé, abolindo antigos privilégios e submetendo cardeais e bispos a um julgamento em primeiro grau. Para Burke, tratou-se de uma ruptura da tradição, um passo em direção a uma justiça politizada, como é evidente nos desenvolvimentos clamorosos do julgamento de Becciu.

Vivendo em Roma, cardeal-presbítero de Sant'Agata de' Goti, uma pequena igreja fundada por Flavio Ricimero no coração da cidade eterna, entre o Banco de Itália e o Viminale. Nenhum cargo oficial, nenhuma posição visível de poder. No entanto, o seu apartamento continua a ser um silencioso ponto de convergência: cardeais, bispos, monsenhores transpõem a soleira com passos discretos. Procuram conselhos, conforto, talvez uma palavra que dê sentido aos tempos incertos.

Ali, entre paredes sem adereços e livros gastos sobre Nossa Senhora de Fátima – de quem Burke é devoto mesmo à comoção – reza-se, ouve-se, cala-se. Foi nesse silêncio que o cardeal forjou a sua lenta renascença. O momento da reviravolta foi em 2016, quando, juntamente com Carlo Caffarra, Walter Brandmüller e Joachim Meisner, assinou os Dubia, Amoris laetitia. A primeira pergunta, a mais preocupante, questionava se os divorciados recasados poderiam receber a Eucaristia sem conversão de vida. A resposta nunca chegou. Nem sequer ao pedido de audiência, respeitosamente apresentado em abril de 2017. Nenhuma polêmica, nenhum diversionismo público: somente o silêncio, acolhido como um convite à meditação sobre a ação misteriosa da Providência.

Nos corredores abafadiços das Congregações, as suas palavras ecoam ainda hoje: a sua denúncia da “cultura anti-família, anti-vida, anti-religião”, a sua condenação dos sonhos globalistas que desejam “eliminar as nações para submeter o mundo a uma única autoridade totalitária, esquecendo que é Deus quem governa”. Mesmo em matéria de imigração, nunca hesitou: “Os que são acolhidos devem respeitar com gratidão o patrimônio espiritual e material do país que lhes recebe, obedecer às suas leis, assumir os seus deveres civis”.

No velho jogo das habitações cardinalícias, a revanche dele não precisa ser proclamada. O americano que ontem foi posto às margens, reúne hoje o consenso dos que, cansados de revoluções frustradas, sonham com uma Igreja mais sólida, mais segura, mais romana. E, como acontece frequentemente nos labirintos do Vaticano, o verdadeiro poder cresce na sombra. Burke não propõe a si próprio, não pede, não manobra. O seu nome circula não como o de um vencedor escolhido, mas como a agulha capaz de fazer pender a balança, de refundar os planos, de mostrar o caminho. É ele, sussurram, que lidera a frente silenciosa dos americanos, dos africanos, dos europeus do norte que vêem em Francisco mais ruínas do que conquistas. A ironia do destino paira sobre tudo isto: o mesmo homem que Francisco quis silenciar periga agora tornar-se um dos arquitetos do futuro. “É assim que funciona o Vaticano”, sussurra alguém nos palácios sagrados. “Ninguém acabou de fato até que esteja enterrado. E, muitas vezes, nem sequer aí”.

Burke, entretanto, mantém-se imperturbável. Frequenta poucos, fala ainda menos. Talvez nesse mesmo exílio, Raymond Burke tenha encontrado a sua maior força: livre de prebendas, livre de jogos de poder, tornou-se naquilo que Francisco temia que se tornasse – Um símbolo vivente da Tradição.

Luigi Bisignani

28 de abril de 2025

 

 


    Para citar este texto:
"Conclave: o Cardeal Burke, convertido à irrelevância pelo Papa, hoje pode ressurgir. Bastidores com Bisignani"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/imprensa/ultimas/conclaveburke/
Online, 29/04/2025 às 08:32:46h