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Milagres Eucarísticos
A Eucaristia em si é o maior milagre, diz o doutor Angélico – milaculorum a Deo factorum hoc est maximum – e segundo a expressão dos gregos, o milagre dos milagres: porque ela supõe uma série de prodígios como a conversão de uma substancia em outra, a existência de acidentes sem a substância da qual, entretanto, eles guardam as características, a presença de Jesus Cristo em vários lugares ao mesmo tempo, no céu, na terra, sobre todos os pontos do globo, em todas as partes das espécies sacramentais.
A teologia católica estuda cada uma destas maravilhas contidas na transubstanciação, e que fazem de fato da hóstia consagrada um adorável atelier onde Deus trabalha multiplicando os milagres da sua potencia, officina miraculorum, segundo as palavras de São João Damasceno.
Mas na consagração tudo acontece em segredo, e só a fé nos revela as obras prodigiosas que ultrapassam todo poder criado, angélico e humano.
Aprouve a Deus manifestar por outras maravilhas que vêm confirmar o que se faz sobre o altar. A história é cheia dessas manifestações maravilhosas que têm por finalidade inflamar a fé dos povos, confundir a impiedade, punir a audácia dos sacrílegos ou recompensar a confiança e o fervor dos fiéis.
Que importância deve-se atribuir a esses milagres? A de um argumento que, sem ser o principal, traz uma ajuda apreciável para a demonstração do dogma eucarístico.
Com efeito, se bem que a verdade da presença real repouse sobre as provas invencíveis da revelação e do ensinamento da Igreja, Deus quis acrescentar a esta luz feita para o espirito, provas sensíveis que atingem mais as massas. E os teólogos católicos, em brigas com os inimigos da presença real, não deixaram de recorrer a este argumento.[1]
Hoje, talvez mais do que nunca o dogma da Eucaristia é atacado. Não somente pelos que se dizem inimigos da Igreja, mas também por muitos dos quais deveriam ser seus defensores, especialmente no clero. Para fortalecer a nossa fé na revelação e nos ensinamentos da Igreja, e para lembrar-nos o quão admirável é este sacramento no qual Jesus mostrou de forma maravilhosa o seu amor pelos homens, é de grande utilidade conhecermos as histórias de alguns milagres.
As narrações que seguem bem como a nossa introdução são tirados do livro do Padre Eugène Couet “Les miracles historiques du Saint Sacrement”. No livro estão descritos mais de cem milagres eucarísticos, todos com uma base histórica segura. Aqui traduzimos dois que são mais famosos e descritos mais longamente.
Santarém, Portugal – Enquanto Afonso III reinava em Portugal, uma mulher nobre de Santarém, na diocese de Lisboa, veio a suspeitar, pelos motivos mais ligeiros, da fidelidade do seu marido. A discórdia a partir daí começou a reinar na casa. Cansada enfim dessas brigas domesticas a mulher foi consultar uma velha judia que praticava magia e prometeu trazer de volta a paz entre os dois, graças a um potente filtro do qual ela conhecia o segredo. Mas ela exigiu uma hóstia consagrada, para assegurar o sucesso das suas encantações.
A cristã recuou de horror diante desta proposta. Entretanto, o ciúme que a devorava foi logo vencedor e o sacrilégio aceito. No dia seguinte, ela foi à igreja de Santo Estevão, recebeu com um fervor aparente a Santa Hóstia e tirou-a logo em seguida da boca para escondê-la em um pano e levá-la para casa. Mas, ó prodígio! Eis que no caminho, gotas de sangue começam a sair do pano da miserável mulher e, marcando o caminho que ela seguia, chamaram a atenção dos que por ali passavam. As pessoas rapidamente vieram socorrê-la, achado que ela estava machucada mas, já atormentada por fortes remorsos, ela se afastou com muita pressa e entrou em casa, onde escondeu com cuidado em uma caixa a Santa Eucaristia com o pano ensanguentado.
Durante a noite, um feixe de raios luminosos saiu de repente da caixa e a quarto foi iluminado por luzes misteriosas. O marido, acordado pela luz ofuscante, interrogou sua mulher, que a inquietude e o terror impediram a principio de falar, mas que acabou contando suas detestáveis manobras. Logo ao amanhecer, ele correu para avisar o pároco e uma multidão numerosa veio em procissão para o lugar do prodígio, para trazer de volta com honra, para a igreja de Santo Estevão, o Santíssimo Sacramento profanado.
O pano manchado do sangue eucarístico foi dado aos dominicanos de Santarém, que o conservaram em um relicário de cristal. Quanto à hóstia milagrosa, ela foi colocada em um recipiente de cera e expôs-se desde então para a homenagem pública dos fiéis. Muito tempo depois, quebrou-se este recipiente de cera e, contra todas as expectativas, encontrou-se a hóstia em uma capsula de cristal puríssimo, de três dedos de altura, e que só a mão dos anjos poderia ter fabricado. De fato, ela não apresenta nenhum traço de cola e é impossível de se compreender como a hóstia miraculosa foi colocada dentro dela.
Os prodígios operados pela Hóstia de Santarém não param por aí. Esta parcela da Santa Eucaristia atravessou os séculos sem sofrer os efeitos do tempo. Além disso, ela se tornou a defesa das populações da região: se qualquer praga ameaça o lugar, se as colheitas estão em perigo, carrega-se a Hóstia do milagre pelos campos, e nunca a piedosa confiança do povo é enganada. Mas o que é ainda mais digno de admiração nesta Hóstia milagrosa, é que Nosso Senhor se mostrou frequentemente nela sob as diversas formas de sua santa humanidade: sob os traços de um menino nos braços de sua mãe, como um belo adolescente ou como um homem na força da idade; às vezes com um ar ameaçador e terrível, virando o rosto com indignação para os espectadores, e outras vezes com o rosto cheio de bondade e misericórdia; um dia com o aparato de um juiz redutível, e no dia seguinte, com a majestade da sua realeza divina; frequentemente enfim, no estado lamentável ao qual os judeus O tinham reduzido pela flagelação e pela coroação de espinhos. Além disso, aconteceu às vezes que ao mesmo tempo várias pessoas vissem aparições diferentes.
Bolsena e Orvieto, Itália – Trata-se da época em que a Alemanha, devastada o tempo todo por guerras desde a morte do ímpio Frederico II, não tinha ainda podido escolher para si um imperador; e os pretendentes disputavam a coroa, espalhando a tormenta por todas as províncias germânicas. Um padre desta região, até então distinto pela sua piedade e pela pratica das virtudes sacerdotais, viu um dia a sua fé atacada por dúvidas terríveis; elas diziam respeito sobretudo ao adorável Sacramento do altar. A cada instante ele sofria novos ataques vindos do espírito de trevas: Hoc est est corpus meum; hic est sanguis meus! Como estas palavras, tão simples e tão curtas podem fazer do pão e do vinho, a verdadeira Carne e o verdadeiro Sangue de Jesus Cristo? Tais eram as questões que o pai da mentira fazia nascer nesta alma tão ligada ao serviço de Deus. Ele o levava a ver apenas no padre um homem comum, sem considerar o poder augusto que lhe conferia a Santa Unção. Ora, parar na consideração da fraqueza do ministro e não se elevar até a contemplação de Deus, cuja potencia não tem limites, é expor-se aos erros mais fatais. Mas o pobre padre, tão atormentado pela provação, recorria à oração e pedia ao Céu a luz que lhe daria a paz. Deus não desdenhou os gritos de socorro do seu ministro: e o Sacramento de vida, depois de ter sido a ocasião das manobras infernais, serviu logo para a derrota de Satanás.
Existe na terra um lugar privilegiado, onde brota sempre viva e pura a fonte da fé: é na cidade de Pedro que se deve ir buscar a verdade. Nosso padre desventurado compreendeu isso, e fez voto de visitar o túmulo dos Santos Apóstolos para aí se fortificar na crença católica. Depois de uma viagem longa e difícil, no caminho de Roma, ele chegou a Bolsena, uma antiga cidadela, que no tempo dos romanos estava entre as principais cidades da Toscana, mas que só guarda da sua grandeza passada as ruínas e os túmulos. Foi em dezembro de 1263. Um velho templo, dedicado outrora à Apolo, e desde os primeiros séculos consagrado à gloriosa virgem Cristina, se apresentava à veneração do peregrino; ele quis celebrar a santa missa no altar onde ainda hoje vê-se a marca do pé da ilustre mártir gravada miraculosamente no mármore.
Chegado o momento em que ele devia dividir a Santa Hóstia, o celebrante segurava o Pão sagrado sobre o cálice, quando ele o viu - ó prodígio! - tomar o aspecto de uma carne viva de onde o sangue saía gota a gota. Entretanto a parte que ele segurava entre os dedos conservava a aparência de pão, como para atestar (com observa São Pedro Damião sobre um fato semelhante) que esta Hóstia, mudada tão subitamente na sua forma exterior, era mesmo aquela que, poucos instantes antes, escondia sob o véu dos acidentes o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo. Logo a abundância de sangue foi tão grande que tingiu de vermelho o corporal com numerosas manchas; em pouco tempo vários sanguíneos com os quais o padre tinha tentado estancar esse sangue misterioso também ficaram embebidos.
À vista desta Hóstia mudada em carne e do sangue que escoria sem interrupção, o padre foi tomado por um medo indizível, mas também de uma santa alegria porque ele reconhecia que Deus tinha atendido suas orações e respondia a suas dúvidas de uma maneira irrefutável. Porém, para não escandalizar os fiéis, caso eles viessem a saber o motivo que determinara tal prodígio, ele quis guardar segredo sobre um acontecimento tão extraordinário.
Ele não contava com os desígnios de Deus, que queria por aí reavivar a fé de um grande número. Assim, como ele dobrasse o corporal para dissimular as manchas que cobriam uma grande parte dele, as maravilhas se multiplicaram. Em cada uma das gotas que continuavam a escorrer da Hóstia aparecia uma figura humana: o rosto do adorável Salvador coroado de espinhos, tal como ela estava nesta hora dolorosa em que Pilatos mostrou Jesus ao povo que clamava pelo seu sangue.
O terror impediu o padre de acabar o Santo Sacrifício. Nesses casos extraordinários, como ensina São Tomás, o celebrante pode se dispensar de acabar as funções sagradas. Ele envolveu então no corporal todo maculado de sangue a Hóstia mudada em carne, o colocou sobre o cálice e deixou com ele o altar. Mas o sangue escoria de forma tão abundante que durante o trajeto da capela até a sacristia, gotas grandes caíram sobre as pedras do piso. Foi o que delatou o padre, e o milagre foi logo conhecido na cidade inteira.
Nessa época, o Soberano Pontífice residia em Orvieto com a sua corte, a seis milhas de Bolsano. O peregrino foi sem demora colocar-se aos seus pés; onde contou ao papa Urbano IV as provações que a sua fé tinha tido que sofrer e o milagre provocado por suas dúvidas. Depois, tendo recebido a benção apostólica e agora livre de toda tentação, ele foi ao túmulo dos Apóstolos para agradecer esta graça e cumprir o seu voto.
O papa Urbano IV não ficou indiferente diante deste grande prodígio. Duas grandes luzes da Igreja se encontravam então em Orvieto: São Tomás e São Boaventura; ele os enviou na mesma hora a Bolsano para aí fazer uma enquete. A verdade do mistério foi reconhecida; e o Pontífice encarregou o bispo de Orvieto de ir buscar na igreja de Santa Cristina a Hóstia adorável, o Corporal e os outros panos ensanguentados. O próprio Urbano, cercado dos cardeais, do clero e de uma imensa multidão, saiu em procissão solene para receber o precioso tesouro na ponte de Rivochiaro, a um quarto de milha da cidade. As crianças e os jovens levavam palmas e ramos de oliveira e cantavam-se hinos e cânticos ao Deus do Sacramento. O papa se ajoelhou para tomar os veneráveis Mistérios e os levou em triunfo até a catedral de Santa Maria de Orvieto. Nesse local ainda hoje pode ser venerado o Santo Corporal. Graças a esse milagre, o Papa decidiu em 1264 instituir a Festa de Corpus Christi e encomendou a São Tomás a composição das orações para esse ofício litúrgico.
Para citar este texto:
"Milagres Eucarísticos"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/religiao/milagres-eucaristicos/
Online, 23/11/2024 às 07:56:19h