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O Pastor que vai e vem
Alberto Zucchi
É conhecida do povo brasileiro - e acredito que o mesmo ocorra em muitos outros países - a facilidade com que os políticos alteram radicalmente suas ideias, de forma repentina, e sem terem necessidade de apresentarem qualquer justificativa para a mudança. Para esses políticos, não se faz necessário explicar as origens, causas ou motivos que produzem misteriosas e profundas transformações. Assim, muitas vezes os inimigos mortais de ontem são grandes aliados hoje.
Sem terem apresentado argumentos que justifiquem uma mudança de posição, os políticos, de forma difusa, à semelhança da propaganda subliminar, concomitantemente a essas mudanças radicais no modo de pensar, ressaltam a necessidade de obtenção da “união nacional”. Destacam eles que o importante é unir esforços para o desenvolvimento do país e deixar de lado a preocupação com questões menores que já fazem parte do passado. É claro que, nessa situação, esses mesmos políticos apresentam-se como a solução para a união nacional.
Para políticos desse tipo, a coerência é tratada como se fosse um defeito e não uma virtude.
Apenas como um de muitos exemplos, podemos citar a campanha política de nosso presidente. Atualmente, com um discurso bem capitalista, ele apresenta como grande vantagem de seu governo o fato de ter pago a dívida com o FMI. Mas há poucos anos, seguindo a linha marxista da luta de classes, afirmava que a dívida era impagável e injusta. Assim, o que era uma injustiça e uma exploração do povo brasileiro - pagar a divida internacional - passou a ser motivo de glória, pois o pagamento foi realizado. Na sequência, a propaganda afirma que isso é fruto dos esforços e da união de todos os brasileiros, e que só a candidata do governo é capaz de manter esta união.
Fica-se com a clara impressão de que os motivos reais e não revelados da origem dessas mudanças estão relacionados com a obtenção de vantagens pessoais. As idéias apresentadas no passado e no presente por estes personagens, de fato, não representam o que eles acreditam ou acreditavam, mas apenas a conveniência de um determinado momento.
Têm-se, ademais, a impressão de que, quando menos se espera, as idéias antigas podem voltar a tomar o lugar que outrora tinham e, novamente, sem aviso, apenas em razão de vantagens momentâneas. São, assim, pessoas que não se movem por princípios.
Este triste modo de agir parece ter impregnado algumas pessoas de setores que se costumam chamar de tradicionalistas. Vejamos a seguir um exemplo.
Em recente artigo, que mais se assemelha a um manifesto, conclamando os tradicionalistas à união, Dom Fernando Rifan afirma ser necessário:
“Reconhecer como válidos e legítimos os cultos, os ritos e suas formas aprovadas pela Igreja, único juiz da matéria.
Amor e preferência pela forma extraordinária do único rito romano e luta por sua conservação não porque o Novo ordo Missae, a Missa promulgada pelo Papa Paulo VI, é heterodoxa ou não católica, inválida ou ilícita, incompatível com a fé ou pecaminosa. Sua promulgação (a forma no sentido filosófico) é a garantia contra todas irregularidades doutrinárias que poderiam ter ocorrido em sua confecção (matéria), embora possa ser melhorada na sua expressão litúrgica, a sua promulgação oficial, e não o método de sua fabricação, que a fez um documento do Magistério da Igreja”. (POUR L’UNION ENTRE LES TRADITIONALISTES, La Nef n°218 - Septembre 2010. Disponível em: http://tradinews.blogspot.com/2010/09/mgr-fernando-areas-rifan-la-nef-pour.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+Tradinews+%28TradiNews%29).
A tradução e os grifos são nossos, porque não localizamos, no site da Administração Apostólica São João Maria Vianney, a transcrição deste artigo-manifesto.
Para quem conheceu Dom Rifan antes do chamado "Acordo de Campos", é uma mudança profunda de pensamento, bem maior que a citada em relação ao pagamento da divida com o FMI.
Bastaria recordar que, em passado recente, quando ainda era sacerdote, Dom Rifan levou os padres de Campos a abandonarem a assistência que prestavam em São Paulo, porque ele exigia dos membros da Montfort uma submissão total à Fraternidade São Pio X. Ora, o pensamento sobre a situação da Missa Nova agora condenado por Dom Rifan, é exatamente o defendido pela Fraternidade.
Dom Rifan era muito próximo da Fraternidade São Pio X e se dependesse da direção da FSSPX, ele teria sido sagrado bispo em lugar de Dom Licinio.
Nesta época, o pensamento de Dom Rifan sobre a Missa Nova estava consubstanciado em um folheto denominado “Sessenta e duas razões porque, em consciência, não podemos assistir à Nova Missa (também conhecida por Missa do Papa Paulo VI, Novus Ordo, Nova liturgia)”. Tal folheto, como diz o próprio título, contém as razões numeradas de um a sessenta e dois pelas quais não se pode assistir à Missa Nova e foi amplamente divulgado por Dom Rifan, que se apresentava como seu autor e que, como dissemos, ainda era padre, já que não coube à FSSPX a escolha do Bispo que daria continuidade ao trabalho iniciado por Dom Mayer.
No referido folheto, encontramos a condenação da Missa Nova, exatamente naquilo que agora Dom Fernando defende. Vejamos inicialmente o que consta no folheto sobre a missa nova ser “heterodoxa” :
“Razão 1 – Porque a Missa Nova não é uma profissão inequívoca da Fé católica (como a Missa tradicional), é ambígua e protestante. Portanto, dado que rezamos de acordo com o que cremos é natural que não possamos rezar a Missa Nova na maneira protestante e ainda crer como católicos.”
Sem dúvida, esta é uma afirmação clara de que a Missa Nova é heterodoxa. Eis uma mudança no pensamento de Dom Fernando.
Será que anteriormente Dom Rifan considerava a Missa Nova “não católica”? A razão 26 apresentada no referido folheto responde a esta questão:
“Razão 26. - Porque a Missa Nova foi idealizada de acordo com a definição protestante da Missa: ´A Ceia do Senhor ou Missa é uma sagrada sinaxe ou assembléia do povo de Deus que se reúne sob a presidência do sacerdote a fim de celebrar o memorial do Senhor´ (Para 7 Introd. Ao novo Missal, definido a Missa Nova, 6/4/69).”
Considerar a Missa Nova “incompatível com a Fé” também fazia parte do folheto difundido por Dom Rifan, muito diferente do que ele defende em seu artigo-manifesto:
“Razão 29 – Porque a Missa Nova contém ambigüidades que subtilmente favorecem a heresia, sendo isto mais perigoso do que se fosse abertamente herética, dado que uma meia-heresia assemelha-se a uma meia verdade”.
O problema da validade da Missa consta igualmente do folheto e é exposto em ampla contradição com o que agora Dom Fernando defende:
“Razão 43 – Porque a Nova Missa com sua ambigüidade e permissividade, expõe-nos à ira de Deus porque facilita o risco de celebrações inválidas. “Consagrarão validamente os sacerdotes num futuro próximo que não receberam a formação tradicional, e que fiam no Novus Ordo com a intenção de fazer o que faz a Igreja? São-nos lícitas certas dúvidas.”
Até mesmo a fabricação artificial da Missa Nova, também criticada por Bento XVI, esta incluída no folheto outrora apreciado por Dom Rifan.
“Razão 41 – Porque a Missa Tradicional, enriquecida e madurecida por séculos da Sagrada Tradição, foi codificada (e não inventada) por um Papa que era um Santo Pio V; enquanto que a Missa Nova foi artificialmente fabricada”.
A garantia de ortodoxia da Missa Nova contra todas irregularidades doutrinais que poderiam ter ocorrido em sua confecção (matéria), devido a sua promulgação, no passado, para Dom Rifan não existiam conforme se constata pela transcrição a seguir:
“Razão 56 - Porque o próprio Papa Paulo VI, ao promulgar a Missa Nova, declarou que “o rito em si NÃO é uma definição dogmática...” (19/11/69)”
Razão 60 - Porque muito embora reconheçamos a autoridade suprema do Santo Padre no seu governo universal da Santa Madre Igreja, sabemos que mesmo esta autoridade não nos pode impor uma prática que é tão CLARAMENTE contra a Fé: uma Missa que é equivoca e favorecedora da heresia por isso desagradável a Deus.”
Assim, como os nossos políticos, não parece ser prática de Dom Rifan comunicar que mudou de ideia, ou melhor, de princípios... Pelo contrário, ele tem procurado se apresentar como um continuador do trabalho que dom Mayer realizava em Campos.
Logo que a Administração Apostólica concretizou o acordo acima referido, tivemos oportunidade de encontrar com Dom Rifan em uma Igreja no centro de São Paulo. Perguntamos, então, a ele se, com o acordo, algo havia mudado em suas posições, ao que ele taxativa e prontamente respondeu: “Nada mudou. Nosso apostolado continua o mesmo com as mesmas ideias”.
A mudança seria apenas uma tática? Pouco antes de falecer, o Professor Augusto Florestano contou-nos que, em conversa com um seminarista de Dom Fernando, este havia lhe confidenciado que as concessões feitas por Dom Rifan foram necessárias para que ele pudesse se tornar um Bispo tradicionalista. Teria sido realmente este o motivo para tantas mudanças? Seria esta uma nova operação Judith nos mesmos moldes do pretenso golpe dos Arautos do Evangelho preparado por Mons. João Scognamiglio Clá Dias?
Entretanto, uma pergunta permanece e talvez seja em breve esclarecida. Quando Dom Rifan mudará novamente e em que direção? Talvez a sua última carta apostólica nos deixe uma pista a respeito. Vejamos:
“Assim como o Concílio Vaticano II, a Reforma Litúrgica dele provinda, ocorreu num período conturbado de grande crise na Igreja e serviu de ocasião e pretexto para grandes abusos e erros, cometidos e propagados em seu nome.”
Evidentemente, esta não era a opinião de João XXIII quando da convocação do Concilio, pois dizia ele que este seria um concílio diferente, porque a situação da Igreja no mundo era muito favorável, já que não havia inimigos a combater.
Dom Fernando não divulgou em que consiste esta crise na Igreja, quem são seus causadores, quais são os grandes abusos e erros cometidos e nem - muito menos! - quem são os responsáveis por esses mesmos erros e abusos. Deixa ele, assim, aberta uma porta para mais uma mudança.
Se, no futuro, os ventos soprarem pela condenação da Missa Nova, podemos provavelmente esperar pelo apoio de Dom Rifan, apoio este que, sem dúvida, será totalmente infrutífero.
Pobre rebanho de Dom Rifan, que tem um pastor que muda tanto, e que não sabe para onde está sendo conduzido...
Para citar este texto:
"O Pastor que vai e vem"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/religiao/pastor-vai-e-vem/
Online, 21/12/2024 às 13:14:04h