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O Momento de Escolher entre São João Batista e Herodes
Alberto Zucchi
Porque estava preocupado com a salvação das almas, São João Batista se dirigiu a Herodes. Mas para Kasper teria faltado pastoralidade. Nestes últimos dias presenciamos a batalha do Sínodo da Família. É uma batalha importante, inserida em uma grande guerra. Uma guerra que se estende por toda a História, descrita por Santo Agostinho como sendo a guerra da Cidade de Deus contra a Cidade dos Homens. Por Santo Inácio também, na meditação das duas bandeiras, onde uma bandeira é a dos seguidores de Nosso Senhor Jesus Cristo e outra do demônio. Uma guerra com muitas batalhas, como aquela entre São João Batista e Herodes. Fazia muito tempo que não se apresentava de forma tão clara uma tal divisão no clero católico. Vem à lembrança a história do Arianismo. A ideia de diálogo, somada ao princípio de que toda a divisão em si mesma constitui algo mau, levou a uma atitude psicológica contrária ao debate. Neste tipo de ambiente, as doutrinas erradas prosperam facilmente. Com a graça de Deus, pelo menos isto não ocorreu neste Sínodo. Boa parte, talvez mesmo a maioria dos Bispos são contrários às propostas que vem sendo difundidas. O Padre Lombardi, porta-voz da Santa Sé, constatando que não é possível esconder o sol ao meio-dia, admitiu a existência das duas correntes e as apresentou da seguinte forma: Surgiram, pois duas linhas: uma “diz com muita decisão que o anúncio do Evangelho sobre o matrimonio exige, que se o vínculo é válido, que não seja válida a admissão aos sacramentos, por coerência a doutrina com a fidelidade as palavras do Senhor; a outra, ao contrário recorda que Jesus vê as situações vividas desde a chave da misericórdia e sai ao encontro das diferentes situações específicas, por isto é chegado o momento de colocar a hipótese de, em certos casos, permitir o acesso a Eucaristia” (http://vaticaninsider.lastampa.it/es/vaticano/dettagliospain/articolo/sinodo-famiglia-36837/) Na primeira semana dos debates, a oposição entre as duas linhas se concentrava na permissão da comunhão para os divorciados-recasados. Essa concessão, em última análise, implicaria na aceitação do próprio divórcio na Igreja, mesmo que o Padre Lombardi, em sua linguagem eclesial, afirme que aqueles que propõem a abertura não negam - de maneira alguma! - a indissolubilidade do matrimônio. Agora, com o documento proposto para a discussão, “Relatio post Disceptationes” as “linhas” se separam ainda mais, pois fala-se em “aceitação” e “valores” dos casais homossexuais. Sobre o texto, o Cardeal Muller afirmou: "Relatório vergonhoso" - "indigno, vergonhoso, completamente errado." www.repubblica.it/esteri/2014/10/14/news/sinodo_mueller_critiche-98111405/?rss Assim, desta vez, não houve como evitar um “racha” na “comunidade eclesial”. De um lado Kasper e seus aliados, defendendo em última análise o divórcio e o homossexualismo, tendo como justificativa o aspecto pastoral e repetidamente afirmando que tudo o que faz está previamente acertado com o Papa. Quem diria? Kasper, um devoto da autoridade petrina! Se Bento XVI tivesse aliados tão fiéis talvez não tivesse renunciado. De outro lado, o Cardeal Burke e um significativo número de cardeais, provavelmente a maioria do Sínodo, defendendo a doutrina católica. A origem de um tão profundo racha talvez esteja no fato de que as teses defendidas por Kasper são claramente contrárias ao ensinamento da Igreja, mesmo após o Concílio Vaticano II. Pois o Cardeal Burke não se intimidou ante a bazófia de Kasper que alega fidelidade ao Papa. Burke pede um pronunciamento de Francisco. O que será que o Cardeal Burke espera? Que se trate de um blefe de Kasper? Que o Papa não teria a ousadia de defender as absurdas teses em público? E se as defendesse? Se ninguém pode mudar a doutrina católica, o que o Cardeal Burke dirá se o Papa confirmar as teses de Kasper? Entende-se bem que qualquer autoridade eclesiástica, com alguma responsabilidade, deva ter receio de apoiar Kasper. Suas teses já foram amplamente condenadas na Igreja e não é necessário, para encontrar essas condenações, retornar ao Concílio Vaticano I, ou a Trento. Apenas para dar um exemplo, citamos o “Léxico de Termos Ambíguos e Discutidos sobre Família, Vida e Questões Éticas”, elaborado pelo Conselho Pontifício para a Família, que é um conselho subordinado diretamente ao Papa, o qual na época da publicação era João Paulo II, canonizado recentemente por Francisco. O Léxico foi editado em abril de 2004, ou seja, há apenas 10 anos, trazendo uma quantidade enorme de artigos diametralmente apostos ao pensamento de Kasper. Vejamos apenas uma citação que consta do tema “Pastoral dos divorciados que voltaram a casar”. É exatamente o assunto de que trata Kasper. O autor é o Cardeal Lopez Trujillo, então presidente do Conselho para a Família. “...O sujeito se ergue como norma de sua própria moralidade e resiste ao fato de que na Igreja, o “público” interpele e se intrometa em sua livre vontade em suas “decisões”. Este é um mecanismo de destruição. Assim, como no social existe o risco de converter o “delito” em “direito”, porque o reino do subjetivo veta toda imposição (ou melhor, porque a mesma lei iníqua se interpreta desvalorizando o edifício ético), em uma privatização na Igreja existe o risco de que, uma vez negada a malicia dos atos intrinsicamente desordenados, (porque não estão orientados ao bem integral do homem e não podem ser reordenados até Deus), se negue o pecado. Se pretende buscar exceções às normas (vinculantes universalmente). Santo Agostinho advertia que “em relação aos atos que são em si mesmo pecado, como roubar, fornicar [adultério], blasfemar, e atos parecidos a estes [como sodomia]..., realizados por boas razões, não seriam pecados, ou melhor, conclusão ainda mais absurda, seriam pecados justificados”. (Lexico a cargo del Consejo Pontifício para la Família – Termos ambíguos y discutidos sobre família, vida e cuestiones éticas. Ediciones Palabra, Madrid, 2004. Negrito e tradução nossas) Não temos aí então exatamente o contrário do que defende Kasper? Não quer ele buscar exceções às normas? Não afirmam ele e seus comparsas que divorciados e casais homossexuais, se têm boas intenções, não cometem pecado? Ou ao menos que se tratam de pecados justificados por uma situação concreta? E que, diante destes casos concretos, deve-se analisar cada situação específica, buscando exceções às normas vinculantes? Em apenas dez anos, o que a Igreja recomendava, através de um Instituto Pontifício (ou seja, um instituto cuja autoridade é diretamente ligada ao Papa!), deve ser alterado por causa da pastoralidade, a ser aplicada a alguns casos desconhecidos, enquanto o ensinamento da Igreja tem que ser deixado de lado. Por um lado, a discussão do tema tem em uma boa consequência: fica claro que existe uma divisão e fica ressaltada a posição de ambos os lados. A mistura da agua com veneno diminui. Os católicos não são iludidos com posições intermediarias, que servem para confirmar aqueles que estão no erro e enganar pessoas bem intencionadas e ingênuas. Por outro lado, a discussão tem um péssimo efeito. Muitos poderão pensar que, se o assunto está sendo discutido, é porque não foi definido. E, sendo assim, até que ocorra esta definição, fica a critério de cada clérigo seguir as linhas mais absurdas dentre as defendidas por Kasper. Aliás, se houve outros assuntos discutidos no Sínodo da Família, eles passaram completamente despercebidos. Com isto, de fato, não foi discutido nada sobre a família, uma vez que os casais de segunda união não são de fato uma família. O nome correto deveria ser sínodo dos divorciados e dos casais homossexuais e não Sínodo da Família. A consequência de tudo isto é que a pastoralidade pregada por Kasper levará os divorciados e casais homossexuais a não reconhecerem seus erros e não se arrependerem deles. Fará com que aqueles que estão tíbios não tenham forças para resistir aos apelos do mundo e às tentações do demônio. Já os que estão decididos a manter uma vida católica serão tomados pelo desânimo. Ou seja, uma enorme tragédia no que se refere à salvação das almas. Estaremos exagerando em nossas análises? É muito fácil provar que não. Basta ver a absurda e espantosa declaração do casal Zamperlini, brasileiros e dirigentes do movimento “Equipes de Nossa Senhora”, que esteve presente no Sínodo. Dir-se-iam perfeitos discípulos da mentalidade do Cardeal Kasper pois, após afirmarem que o fundador de seu movimento pregava a generosidade da prole no casamento: “Padre Henri Caffarel, nosso fundador, afirma: "nenhum casal tem o direito de ser estéril" alteram radicalmente seu pensamento, afirmando, da maneira mais cínica, que os casais do movimento católico que dirigem não cumprem a lei de Deus, utilizando-se de métodos artificiais de controle da natalidade. E isto porque nem nos confessionários nem nos púlpitos estes casais são advertidos: “Dada a seriedade do ambiente no qual nos encontramos, temos que admitir sem medo que muitos casais católicos, mesmo os que procuram viver seriamente o seu matrimônio, não se sentem obrigados a usar apenas os métodos naturais. Nas Equipes de Nossa Senhora não é diferente. Devemos acrescentar ainda que geralmente não são questionados pelos confessores. Por um lado, os casais estão abertos à vida e rejeitam o aborto, isto é fato. Por outro, não percebemos nas pregações e atendimentos espirituais a insistência na doutrina da Humanae Vitae”. http://press.vatican.va/content/salastampa/pt/bollettino/pubblico/2014/10/09/0734/03017.html Que desastre! Os líderes de uma associação de casais que se diz oficialmente católica, afirmam abertamente que seus associados não cumprem a lei de Deus e aquilo que a Igreja determina. E mais, atribuem ao clero a culpa por este comportamento. Será que pode-se dizer que este grupo encontra-se em comunhão eclesial? Será que não haverá uma única autoridade eclesiástica no Brasil a contestar tamanho absurdo? Será que não haverá ninguém no clero que esteja preocupado com a salvação destas almas? Porque estava preocupado com a salvação das almas, São João Batista se dirigiu a Herodes. A pastoralidade de São João Batista consistiu em dizer a Herodes que não era lícito a ele tomar a mulher do irmão. São João sabia que o pecado público precisa ser combatido de forma pública. Ele tinha a pastoralidade que corresponde com acerto ao ensinamento de Santo Agostinho, e foi nisso elogiado por Nosso Senhor. Provavelmente Kasper, se vivesse naquele tempo, afirmaria que o trabalho de São João foi um fracasso! Não só Herodes não voltou atrás mas, ao se sentir humilhado, cometeu um pecado mais grave ainda: o assassinato do próprio São João Batista. Em uma análise mais atual, chegar-se-ia a discernir que Herodes tinha boa vontade, pois desejava manter uma união estável com sua cunhada e amava tanto a filha adotiva que lhe fez uma promessa exagerada. O problema é que faltou pastoralidade a São João Batista, diria Kasper. Chegou o momento em que os Padres do Sínodo, o clero em geral e muitos de nós devem escolher entre Herodes e São João Batista. Alberto Luiz ZucchiPara citar este texto:
"O Momento de Escolher entre São João Batista e Herodes"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/religiao/o-momento-de-escolher-entre-sao-joao-batista-e-herodes/
Online, 21/12/2024 às 12:45:21h