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Por uma Pastoral do Matrimônio Indissolúvel
Inos Biffi
Ninguém é excluído do amor de Cristo
A unidade e indissolubilidade do matrimônio e o não casar-se "por amor ao Reino de Deus" representam as duas inesperadas e surpreendentes novidades do Evangelho.
Anunciá-las ao mundo hebraico e sobretudo ao mundo pagão - sobre cuja conduta temos a impressionante e realística descrição no primeiro capítulo da carta de São Paulo aos Romanos - significava propor os princípios e as normas que levavam a uma reviravolta inaudita e a um renovamento radical.
A Igreja, fiel à Palavra de Cristo, o fez desde o início, a partir não de um diálogo entre as culturas, que teriam sido surdas e não teriam entendido, mas por três outras precisas persuasões:
- a primeira, que aquelas novidades traduziam o desígnio de Deus sobre o homem e realizavam uma completa promoção humana;
- a segunda, que a transmissão daquele Evangelho representava um dever permanente e não volúvel da pregação cristã;
- terceira, porque aquelas novidades eram acompanhadas pela graça, que sabe tocar e converter o coração do homem.
Detenhamo-nos, aqui, sobre a indissolubilidade do matrimônio cristão frente à prática do divórcio.
A afirmação de Cristo é peremptória e inequívoca: o repúdio fora uma condescendência para com a "dureza do coração", mas era contrário ao original desígnio de Deus sobre o homem e sobre a mulher: "No início não foi assim" (São Mateus, XIX, 8). No projeto do Criador, o homem e a mulher no matrimônio são destinados a formar "uma só carne", pelo que o homem não deve separar o que Deus uniu.
Em consequência - declara Jesus - "Quem quer que repudie a própria mulher, a não ser em caso de união ilegítima, e desposa um outra, comete adultério" (São Mateus, XIX, 9). E isso vale seja para homem seja para a mulher: "se esta, repudiou o marido, e desposa um outro, comete adultério" (São Marcos, X, 12).
Nas atuais discussões, vivazes e não raramente confusas mesmo no interior da Igreja, o primeiro ponto, que importa salientar sem incertezas, refere-se precisamente a essa indissolubilidade.
Deve emergir daí que o divórcio, isto é, o casar-se de novo, contraria a vontade de Jesus, e que isso não corresponde ao projeto divino ou à razão pela qual foram criados o homem e a mulher. Noutras palavras, um matrimônio dissolúvel contradiz e rompe aquele desígnio "inicial" ao qual Cristo quis reconduzir peremptoriamente quem escolhesse ser seu discípulo. Certo, cada um é livre de não se tornar discípulo de Cristo mas, se se torna discípulo, não pode conceber um modelo próprio e diferente de casamento.
O que hoje parece mais grave e preocupante não são, entretanto, os comportamentos de infedelidade, mas a pretensão de que uma profissão cristã seja acompanhada da obnubilação ou da contestação relativa do taxativo princípio da indissolubilidade do matrimônio, na persuasão de que um afrouxamento de tal indissolubilidade seja sinal de maior humanidade por parte da Igreja, a respeito de uma concepção - a do próprio Cristo - que seria por demais severa e sem misericórdia.
Certamente a indissolubilidade do matrimônio não é perfeitamente comprensível fora do Evangelho; ela suscita istintivamente surpresa e reação.
De resto, quando de sua proposição por parte de Cristo os discípulos não deixaram de reagir: "Se essa é a situação do homem com relação à mulher, não convém casar-se" (São Mateus, XIX, 10). Mas nem por isso Ele mudou o seu projeto. Em todo caso, o ser "uma só carne" é o selo que marca a união conjugal do cristão, isto é do crente, o qual a considera conforme o juízo de Cristo e portanto conforme a sensibilidade da fé. Ao declinar a fé não espanta que aconteça fatalmente também a rejeição desta prerrogativa do matrimônio, estreitamente conexo com o conteúdo do Credo cristão.
A primeira pastoral da Igreja para com os divorciados – ou seja os cristãos validamente casados que contraíram um outro vínculo conjugal - e a primeira compreensão para com quantos deles tem sinceramente vontade de manter a sua fé cristã não pode consistir em uma justificação do divórcio, mas, pelo contrário, deve recordar e fazer compreender, com uma atenção iluminada, antes de tudo, o valor da indissolubilidade.
Isto não quer dizer indiferença diante de situações não raro extremamente complexas, sobretudo quando ao divórcio se seguiu a formação de outros núcleos familiares, com a preseça de filhos, que têm o direito de ter e de sentir próximos de si o pai e a mãe.
Uma sábia atenção a tais situações saberà sustentar, aconselhar e mesmo confortar, com prudente e delicado discernimento, e com soluções variáveis, conforme os casos, deixando a Deus o julgamento das resposabilidades pessoais: uma grosseira dureza ou um tratamento despachado nunca são evangélicosi, como não o é a insensibilidade diante de tantos sofrimentos, que frequentemente se encontram em matrimônios fracassados.
Mas, em tudo isso dever-se-á sempre ressaltar, sem exitação, o matrimônio indissolúvel como o único conforme ao Evangelho, e em consequência a escolha e o estado do divórcio como escolha e estado, do perfil cristão e eclesial, anormais, em si mesmos, de fato estados disformes do desígnio conjugal querido por Deus e revelado por Jesus Cristo. Em síntese, o caminho irrenunciável para a cura do matrimônio em sentido cristão é de reafirmar a sua indissolubilidade e de reportar-se ao Evangelho.
Trata-se, de fato, de compreender que essa não é uma mera proibição e obrigação.
O apóstolo Paulo ensina que o ser uma só carne, "desde o início", prefigurava e antecipava o mistério da própria esponsalidade de Cristo com a Igreja (Efésios, V, 31-32). O matrimônio, no seu divino projeto, foi imediatamente uma profecia e uma antecipação desse vínculo de amor pela Igreja, que Jesus consumou sobre a Cruz, e que é destinado a assinalar o estado conjugal de seus discípulos. Antes, o próprio matrimônio não cristão - o natural, come se diz, que tem sua valididade e o suo valor – está em situação de não complementação, de falta e de objetiva aspiração, até que não se converta e não se resolva no matrimônio que Cristo definiu como pertencente à sua fundação divina "inicial". Só que, para isso, são necessárias a fé para acolhê-lo, e a graça, que é mediata do sacramento, para vivê-lo.
Como é sabido, é hoje motivo de animadas discussões o dar a comunhão aos divorciados recasados.
Mas, para compreender os termos da questão, importa antes de tudo por à luz o valor quer da comunhão eucarística quer o pertencer à Igreja, e é exatamente o que nos parece seja largamente deixado de lado e ausente, quer na consideração dos fiéis, seja também, por vezes, na consuderação dos pastores, que deveriam ser os primeiros a refletir sobre isso.
A comunhão eucarística não consiste em um simples conforto religioso, numa espécie de gratificação espiritual, ou numa iniciativa deixada ao cristão individualmente, que certamente não deixa, mesmo se divorciado, de fazer parte da Igreja, ou em um direito reivindicável por ele.
De um lado, a comunhão eucaristica representa a mais íntima união com o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, a sua assunção sacramental (isto é, real), o pleno consentimento com a sua vontade, o cumprimento e a perfeição da relação com Ele.
De outro lado, a condição do divorciado – que deve se distinguir claramente da culpa de infedelidade, que pode ser perdoada - como todo pecado - significa um estado de evidente contraste com respeito ao plano divino do matrimônio por Ele revelado e querido para os seus discípulos e em que a indissolubilidade é intrinsecamente incluída. É exatamente essa antinomia entre a condição do divorciado e o conteúdo da Eucaristia que, antes de tudo, deve ser realçada.
Mas também o valor e o significado de perrtencer à Igreja são habitualmente descuidados na questão da comunhão aos divorciados.
A participação na mesa eucaristica comporta e manifesta a própria pertencença plena ao Corpo místico de Cristo, que é a Igreja. Eucaristia e Igreja implicam-se reciprocamente.
A esse respeito, devem ser reafirmadas com clareza duas coisas.
A primeira: que o divorciado não se acha excluido da Igreja, não só porque a Igreja de vários modos o toma a peito e reza por ele, mas também porque ele mesmo é chamado a rezar, antes, a tomar parte na oração da Igreja, na assembléia litúrgica.
A segunda: que, por motivo do divórcio, por outro objeto de uma sua livre escolha, o divorciado se acha numa situação eclesialmente e eucaristicamente dissonante. Nem deve espantar que se afirme, por um lado, que não deve desleixar de pertencer à assembléia eucarística sem que, por outro lado, receba o Corpo e o Sangue do Senhor.
A tradição da Igreja conhece estas formas reduzidas de participação: os catecúmeni, por exemplo, não participavam de toda celebração; a categoria dos penitentes, por sua vez, abstinha-se, na espera que, cumprido o itinerário penitencial, recebendo a Eucaristia reentrasse na plena comunhão com a Igreja.
Há, além disso, a comunhão espiritual, ou seja de desejo, bastante mal entendida e tornada quase insignificante, mas à qual São Tomás reconhecia uma grandíssima eficácia para alcançar o mesmo fruto último - o da "realidade" (res) – da Eucaristia.
A não admissão à comunão sacramental mantem viva na consciência da Igreja que o divórcio está em contradição radical com a imagem que Cristo tem do matrimônio; que o divórcio a enfraquece a sua radicalidade e é o caminho errado para restaurar essa imagem e renovar em sentido evangélico a família.
E, de outro lado, a ninguém, na medida de sua boa vontade, falta a graça da misericórdia e da salvação.
Não se trata de ser convencionais ou anticonvencionais, mas simplesmente de saber o que é para um cristão a Eucaristia, a qual não é um bem ou uma propriedade da qual o sacerdote possa dispor.
O comportamento da Igreja era já enunciado claramente pela Congregação para a Doutrina da Fé, numa Carta aos Bispos da Igreja Católica: os divorciados que se recasaram civilmente "se acham numa situação que objetivamente contrasta com a lei de Deus e por isso não podem aceder à Comunhão eucarística, por todo o tempo que perdurar tal situação".
"Esta norma, de fato, não tem um caráter punitivo ou de qualquer modo discriminatório para com os divorciados recasados, mas exprime antes uma situação objetiva que lhes torna de per si impossível o acesso à Comunhão eucarística: "São estes mesmos a não poder ser admitidos, desde que o seu estado e a sua condição de vida contradizem objetivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e atualizada pela Eucaristia. Há além disso um outro peculiar motivo pastoral; se se admitissem essas pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio" (Familiaris consortio)".
"Receber a Comunhão eucarística contrariando as normas da comunhão eclesial é portanto uma coisa em si contraditória. A comunhão sacramental com Cristo inclui e pressupõe a observância, mesmo que por vezes dificil, do ordenamento da comunhão eclesial, e não pode ser reta e frutífera se o fiel, querendo aproximar-se diretamente de Cristo, não respeita essa ordenação".
Ao clero de Aosta, em 25 de Julho de 2005, Bento XVI dizia: "Participar da Eucaristia sem comunhão eucaristica não é igual a nada, é sempre estar coenvolvidosi no mistério da Cruz e da ressurreição de Cristo. É sempre participação no grande Sacramento na dimensão espiritual e pneumática; na dimensão também eclesial se não estritamente sacramental". E acrescentava: "Ocorre, pois, fazer entender que também mesmo que falte uma dimensão fundamental todavia esses não estão excluídos do grande mistério da Eucaristia, do amor de Cristo aqui presente. Isso me parece importante, como é importante que o pároco e a comunidade paroquial façam sentir a essas pessoas que, de um lado, devemos respeitar a indissolubilidade do Sacramento e, de outro lado, que amamos essas pessoas que sofrem também por nós. E devemos também sofrer com elas, porque dão um testemunho importante, porque sabemos que no momento em que se cede por amor se faz injustiça ao próprio Sacramento e a indissolubilidade parece sempre menos verdadeira".
Alguém poderia notar que estas nossas reflexões são por demais empenhativas para os fiéis. Na verdade são reflexões simplesmente contidas na menssagem cristã, que devem fazer parte da pregação habitual e da catequese da Igreja, ocupada antes de tudo na pastoral do matrimônio indissolúvel.
[Tradução: Montfort. Texto original em italiano em L'Osservatore Romano - 29 de Maio de 2009]
Para citar este texto:
"Por uma Pastoral do Matrimônio Indissolúvel"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/politica/matrimonio-indissoluvel/
Online, 21/11/2024 às 08:55:49h