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O Papa
Em meio à tempestade, uma lição inesquecível
Orlando Fedeli
O Papa Bento XVI acaba de dar uma demonstração de sua vontade indomável. Em meio a uma crise inaudita na Igreja, quando o episcopado austríaco o criva de ofensas e a imprensa mundial o apedreja, Bento XVI calmamente fez um pronunciamento memorável sexta-feira passada, dia 20 de Fevereiro de 2009, falando aos futuros sacerdotes, no Seminário Lateranense . Impávido no timão da barca de Pedro, Bento XVI fez talvez o seu pronuniamneto mais profundo e mais contundente. Se alguém tivesse ainda dúvida de que ele está decidido a reconduzir a nau da Igreja ao porto seguro — de cuja rota nunca devia ter saído — já agora sinceramente ninguém pode ter mais dúvida alguma sobre o objetivo de seu pontificado.
E esse pronunciamneto foi feito numa calma extraordinária, com firmeza de quem detem o timão firme em suas mãos, e que sabe que recifes há que evitar e o que difuculdades desviaram a Igreja de sua rota.
Nesse pronunciamneto memorável, Bento XVI baseando-se num texto da Epístola aos Gálatas, trata magistralmente do problema da liberdade, esse baal da modernidade. Destrincha a liberdade moderna, uma das três cabeças da Trimurti maçônica: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
Inicialmente o Papa, mostra como o moderno conceito de Liberdade nasceu de Lutero, que deformou o sentido do texto de São Paulo aos Gálatas, e como da liberdade deformada pela Refoma protestante proveio a idéia de Liberdade do Iluminismo do século XVIII, que produziu a Revolução Francesa. Finalmente, ensina, essa idéia desfigurada da Liberdade foi assumida de modo radical por Marx e pela Revolução russa, -- como pela Teologia da Libertação—que exigiu a adoção do ateísmo para que o homem ficasse livre de Deus, tido como um tirano.
Portanto, Bento XVI mostroa que ele vê bem que a Reforma protestante causou a Revolução Francesa, e que esta causou a Revolução marxista Russa de 1917.
Eis o texto de Bento XVI tratando desse ponto histórico e doutrinário:
“Queremos ver agora o que nos diz São Paulo com este texto: “Fostes chamados à liberdade”. A liberdade em todos os tempos foi o grande sonho da humanidade, desde os princípios, mas particularmente na época moderna. Sabemos que Lutero inspirou-se neste texto da Epístola aos Gálatas e a conclusão foi que a Regra monástica, a hierarquia, o magistério lhe apareceram como um julgo de escravidão do qual era preciso se libertar. Sucessivamente, o período do Iluminismo foi totalmente guiado, penetrado por este desejo de liberdade, que se julgava ter finalmente alcançado. Mas também o marxismo se apresentou como estrada em direção à liberdade”.
Claro que a proclamação dessa verdade vai ter consequências importantes na História da Igreja. Nunca um Papa mostrou tão claramente o que é o câncer da Modernidade. E é preciso sublinhar que o Concílio Vaticano II quis agradar os ideólogos da Modernidade, e que aceitou adaptar a doutrina católica ao pensamento moderno, isto é ao pensamento do protestantismo, do iluminismo e do Marxismo. Como é preciso lembrar que, em 1962, antes de começar o Vaticano II, o Cardeal Tisserand ,em nome de Joao XXIII, assinou o acordo de Metz com a URSS comprometendo a Igreja não condenar o comunismo, o marxismo e a URSS nos textos do Vaticano II. E consta que o Cardeal Bea foi a Nova York assinar um acordo semelhante com a B’nai Brith.
E Bento XVI lembrou que Lutero começou a revolta da modernidade repudiando “a Regra monástica, a hierarquia, o magistério lhe apareceram como um julgo de escravidão do qual era preciso se libertar”.
A seguir, Bento XVI opõe o conceito errado de liberdade – conceito de liberdade segundo a “carne”-- ao conceito católico de liberdade. O Papa mostra então que a essência da liberdade moderna está na absolutização do eu.
“Na linguagem de São Paulo – “carne” é expressão da absolutização do eu, do eu que quer ser tudo e pegar tudo para si. O eu absoluto, que não depende de nada e de ninguém, parece possuir realmente, em definitivo, a liberdade. Sou livre se não dependo de ninguém, se posso fazer tudo o que quero. Mas exatamente esta absolutização do eu é “carne”, isto é a degradação do homem, não é conquista da liberdade: o libertinismo não é liberdade, é antes o malogro da liberdade”.
Está aí a condenação da alma da modernidade. O Homem que quer fazer de seu eu a divindade. Um eu que não reconhece nada como superior a si mesmo. Portanto, um eu que proclama a igualdade universal absoluta. Um eu que pretende poder fazer o que quiser, sem freios, sem regras, sem lei. Um eu que pretende ter o direito de ter tudo, de usar tudo, até de usar os demais homens. Um eu que tem direito a tudo consumir sem limites e sem lei alguma.
Como não ver nessas palavras de Bento XVI a condenação de toda a cosmovisão da Modernidade, quer liberal capitalista, quer comunista?
Como não ver nessas palavras a condenação do Eu absoluto de Fichte, de Schelling, de Hegel e de toda Filosofia iluminista e romântica?
A liberdade falsa pretende que cada homem não dependa de ninguém. Nem de Deus.
Ora, o catolicismo, seguindo a doutrina de Cristo, nos ensina que todos dependemos uns dos outros. Depender faz servir. Se não servimos a ninguém e a nada não servimos para nada. Por isso Nosso Senhor depois de se inclinar para lavar os pés dos Apóstolos e enxugá-los, disse-lhes:
“Compreendeis o que vos fiz? Vós me chamais de Mestre e de Senhor, e dizeis bem porque eu o sou. Se eu, pois, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que como eu vos fiz, assim façais também”(Jo. , XIII, 12-16).
Servir. Este é o lema católico. Não servir. Este foi o grito de Lúcifer.
Nossa Senhora se disse escrava do Senhor e O serviu. Por isso, na Idade Média, doce época anti moderna, se dizia que “Quem não tem senhor, está em muito má situação”. Porque ser senhor na Idade Média significava servir.
O inferior serve ao superior pela obediência. O superior serve ao inferior pela dedicação completa. Nisso consistia a essência do feudalismo.
Daí, o Papa Bento XVI dizer: “E Paulo ousa propor um paradoxo forte: “Mediante a caridade, estais a serviço” (em grego: douléuete); isto é a liberdade se realiza paradoxalmente no servir; nós nos tornamos livres, se nos tornamos servos uns dos outros”.
Em seguida, o Papa introduz, comentando São Paulo, a relação entre liberdade e verdade:
“Paulo coloca todo o problema da liberdade na luz da verdade do homem. Reduzir-se à carne, aparentemente elevando-se ao nível da divindade – “Somente eu sou o homem” – introduz na mentira”.
Note-se como o Papa mostra bem que a absolutização do eu é, na realidade, uma divinização do homem. Essa divinizaçao triunfou com o Humanismo e a Reforma. E a divinização do homem se manifesta quer no panteísmo materialista e racionalista, quer na divinização do espírito da Gnose condenadora da matéria e da razão.
Portanto, Bento XVI relaciona liberdade com verdade. A liberdade absoluta da modernidade é negadora da verdade objetiva.
E qual a verdade em relação ao homem?
Responde Bento XVI:
“O homem não é um absoluto, quase como se o eu pudesse isolar-se e comportar-se somente conforme a própria vontade. É contra a verdade de nosso ser. A nossa verdade é que, antes de tudo, somos criaturas, criaturas de Deus e vivemos na relação com o Criador. Somos seres relacionais. E somente aceitando esta nossa relacionalidade entramos na verdade, de outro modo caímos na mentira e nela, ao fim, nos destruímos”
Servir a Deus é aceitar a verdade de que somos criaturas, que somos contingentes, dependentes. Servir a Deus nos exige servir ao próximo. E servir ao próximo, significa mais do que dar de comer a quem tem fome, é dar ensinamento com palavra e com o exemplo. Porque nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.
Se não há uma verdade para o homem, toda lei passa a ser arbitrária e fruto ou do querer de um tirano, ou da vontade da a maioria. Daí o positivismo jurídico que, sendo a imposição arbitraria da vontade do tirano ou da maioria, se torna um aexpressào tirânica que leva à rebelião e à anarquia.
Bento XVI tira então uma conseqüência fundamental:
“A primeira realidade a respeitar, portanto, é a verdade: liberdade contra a verdade não é liberdade”.
Ora, se existe uma só religião verdadeira, se a Igreja Católica é una e única Igreja de Cristo, — como até o Decreto Unitatis Redintegratio o afirma em seu número 1 — e se a “liberdade contra a verdade não é liberdade”, então a liberdade de religião é contra a verdade, e não é realmente verdadeira liberdade, mas falsa e enganadora.
Como manter o ecumenismo do Vaticano II depois de afirmarque “liberdade contra a verdade não é liberdade”?
Finalmente, o Papa faz alusão àqueles que se mordem mutuamente e só produzem destruição. Àqueles que, como discípulos de Lutero, recusam o a autoridade e o magistério papal, assim como a hierarquia eclesiástica. E fica difícil então , nesse passo, não pensar nos Bispos austríacos e nos teólogos rebeldes e modernistas que fazem polêmicas destrutivas da autoridade papal e da ordem própria da Igreja.
E impressiona enormemente a segurança e a calma — a paz — que o Papa bento XVI manifesta nesse discurso ímpar.
m meio à maior tempestade, ele permance impávido. Em meio ao maior apedrejamento moral sofrido por um Papa, Bento XVI se pronuncia seguro e imperturbável, confiante na proteção de Nossa Senhora da Confiança que o toma pela mão e conduz aquele que conduz a Igreja de volta à coluna da Hóstia e à coluna da Virgem, como mostrou Dom Bosco em seu sonho profético.
São Paulo, 24 de Fevereiro de 2009.
Orlando Fedeli
Para citar este texto:
"Em meio à tempestade, uma lição inesquecível"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/papa/papa-licao-memoravel/
Online, 22/11/2024 às 05:48:10h