Lobos italianos e "oriundi"
Orlando Fedeli
Quando um lobo uiva na noite, logo outro lhe responde à distância.
Foi só o Supremo Pastor dizer que existem lobos ameaçando o rebanho de Cristo – e desde o Vaticano II não se ouvia falar da existência deles – que, nas trevas, eles começaram a ranger os dentes e a uivar ameaçadoramente.
Desde os tempos de João XXIII, que pastoralmente lhes abriu as portas do redil, e pediu às ovelhas que dialogassem com essas feras de “boa vontade”, os lobos só baliam e só comiam ervas... Com pernil de carneiro, é claro.
Na Itália, isso se serve com brócolis. Chama-se, no cardápio de lá, “abbacchio al forno”.
E quantas ovelhas foram desde então almoçadas!...Às vezes, sem brócolis. Diretamente.
Mesmo sem ir ao forno. Os lobos não são muito exigentes: engolindo a ovelha, dão-se por satisfeitos.
Que elas se torrem, depois, no forno do inferno.
Bento XVI, ao assumir o trono pontifício, lembrou às ovelhas iludidas, que existem lobos. E que são temíveis. E pediu mesmo que as ovelhas rezassem pelo Pastor: para que ele não temesse enfrentar os lobos.
Dominus fortalescat eum!
Maurizio Matteuzzi, no Il Manifesto, lamenta que tenha sido Ratzinger o escolhido, no último Conclave, como Supremo Pastor da Igreja. Ele preferiria que tivesse sido eleito um Cardeal Sul Americano. Desses, que torcem para o Corinthians, Bangu, ou que sejam amigos do MST.
Era “la vez de Latino-América, decian”.
E sonhavam com um Papa que se “endurecesse sin perder la ternura”. Um Chê cardinalado. Barbudo. Leitor de Marx e fã de Boff. Um papa que lhes servisse “abbachio” à vontade. Com ternura. “Sin endurecerse la carne del corderito”
Foi eleito Ratzinger, que Matteuzzi ternamente chama de “o Torquemada de Wojtyla”. E logo ele falou de lobos a serem enfrentados.
Epa!!! Que é isso ?
Curioso que Matteuzzi, sem querer, afirma que Ratzinger combateu os “heterodoxos”. Desse modo, ele reconhece que os teólogos da libertação são, de fato, hereges.
Matteuzzi considera que João Paulo II e o Cardeal Ratzinger dividiram a Igreja em duas igrejas inconciliáveis: a da ortodoxia e a da Teologia da Libertação. Desta vez ele disse uma verdade.
A Teologia da Libertação é inconciliável com a Fé Católica. Não há meio de juntar os que seguem a herética Teologia da Libertação com a doutrina Católica.
Ou eles se convertem, ou devem ser excomungados e expelidos da Igreja. Não há conciliação possível.
Desta vez concordamos com o que uivou esse modernista: lobos e ovelhas não podem viver juntos no mesmo redil, e nem podem dialogar. Dialogar pastoral e ecumenicamente ovelhas com lobos resulta sempre em serem as ovelhas almoçadas. Ecumenicamente digeridas.
É a tradição que ensina isso.
A pastoral do Vaticano II, negando essa verdade gastronômica, se desviou da Tradição.
Lobos almoçam ovelhas, sim senhor.
Quer à “luz da Tradição”, quer à semi-obscuridade do abajur do aggiornamento. Detesto esse abajur. Gosto das coisas às claras.
Não há Teologia que prove o contrário: lobos, em que pese a João XXIII e a Paulo VI, em que pese à abertura da cerca do redil, lobos não são vegetarianos. Eles não toleram austeros brócolis penitenciais. Nem na Quaresma.
Os lobos nunca negaram a sua tradição: continuaram a comer ovelhas, ainda que dialogando com elas e com os pastores...
Muito mal educados, eles, enquanto dialogavam, muito desaforadamente mastigavam ovelhas, e faziam pacificamente a sua digestão...Sob o sorriso embevecido dos pastores dialogantes.
Bastou, porém, Bento XVI aludir a lobos – nome impronunciável desde o “aggiornamento” conciliar – que Matteuzzi, muito insolentemente, se atreveu a chamar o Cardeal Ratzinger de “o pastor alemão de Wojtyla”.
É assim que clama ao luar um jornalista italiano muito amigo dos lobos. Insultando o Papa.
E no Brasil? E na pátria amada, idolatrada, salve, salve! ? No Brasil, no Brasil brasileiro, do mulato inzoneiro, haveria lobos?
Não! De jeito nenhum! Aqui, no Brasil, terra de paz, não há lobos. Aqui tudo é aquarelado.
Também não há muitas ovelhas. Há mais bodes. Daí não se fazer “abbacchio al forno”. Aqui o que se come mesmo é buchada de bode.
Minha terra tem paróquias onde uivam os guarás.
Os da Itália não uivam tão piedosos como os de lá.
Querem a prova?
A revista Época, por exemplo, interrogou o Padre Júlio Lancellotti, -- um ítalo brasileiro --, e registrou o seu balido devoto, piedoso e sincero. (Não posso, então, muito respeitosamente, compará-lo nem a guará, nem a lobo. Longe de mim tal irreverente pensamento).
Esse famoso sacerdote ousou dizer, sem nenhuma papa na língua, e sem nenhum Papa no coração:
''As pastorais são ligadas às dioceses. O Vaticano pode dar orientações, mas não tem controle do que é feito em escala local'', (in Marcelo Musa Cavallari, de Roma, artigo O temor da esquerda, Época, 25 de abril de 2.005).
O que bem traduzido significa: “Bento XVI, aqui no Brasil, não manda nada. O Vaticano não sabe o que fazemos aqui, e nem pode controlar o que fazemos. O Papa pode mandar. Nós não obedeceremos. Viva a bagunça! Aqui reinam os direitos humanos. Jamais os direitos de Deus”.
Vê-se, por essa sincera declaração, que Padre Júlio Lancellotti bem aprendeu com seus pupilos da FEBEM como se desobedece à autoridade. Mesmo que seja a autoridade do Papa.
Padre Júlio Lancellotti, no mínimo é um sacerdote rebelde. E desobediente. Se não for cismático. (Não façamos juízos temerários ou precipitados).
Ouçamos que uivos ecoam na noite...
Outro há que uivou -- em ritmo de baião -- no Ceará, foi o Padre Ermanno Allegri, ele também de origem italiana.
Vejam o que noticiou a revista Carta Capital em 13/5/2005:
“Padre de Fortaleza apóia união homossexual”
“Em entrevista à Carta Capital, o padre Ermanno Allegri (foto), 61, que há 31 anos se mudou da Itália para o Brasil, classificou como “desumana” as críticas da Igreja Católica à lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo aprovada recentemente na Espanha.
“Allegri, que foi secretário nacional da Comissão Pastoral da Terra em Goiânia (GO) e atualmente vive em Fortaleza (CE), disse na entrevista que a Igreja “deveria ver a realidade e ajudar a aprofundar certos temas em vez de condenar aqueles que enfrentam o problema”. “É um absurdo que dois homens e duas mulheres que vivem juntos por toda a vida não tenham nenhum direito quando o outro morre. (...) Há uma questão humana que é a que mais importa”, reiterou o padre.
(...)“Questionado se temia ser repreendido pela Igreja, o padre italiano disse que “não espera mais nada”.
É um “lobo” desesperado.
Por tudo isso se vê como os lobos se entendem. Quer os de cá, quer os de lá, em toda a parte, os lobos têm a mesma voz ululante. E o mesmo apetite.
Desde o Vaticano II, eles têm passado muito bem. Estão gordinhos e sempre dialogantes.
Entretanto, há os que entre eles se preocupam já com uma possível carestia futura: tantas ovelhas têm passado, como se diz no nordeste, do redil para o lado dos “cabras”, -- Ou das cobras?-- que logo mais só poderão eles comer
a tal buchada de bode...
“Adiós abbachios compañeros de mi vida”...
Cantava um tango. É um fim de tango. É um fim de espécie.
O que seria, segundo eles, um “pecado social”. Ecológico.
E é uma preocupação ecológico-gastronômica que se nota no final do artigo de Matteuzzi:
“O descrédito e o vazio deixados pela igreja dos pobres foram preenchidos rapidamente pela arma mais poderosa de que dispõem os Estados da América Latina: as igrejas chamadas pentecostais, que hoje atraem uma fatia substancial de católicos – um milhão por ano só no Brasil – e difundem uma ideologia individualista-fundamentalista com fundo milagroso. Mesmo que a América Latina ainda conte com a metade do bilhão de católicos no mundo, é fato que há 50 anos mais de 90% de latino-americanos se diziam católicos e hoje de 15% a 20% passaram para as pentecostais. Fora um golpe do Espírito Santo, será difícil para Bento XVI interromper esse movimento”. (O sublinhado da “fatia substancial” e dos “50 anos” são meus)
Que estranha preocupação luporina é essa pela possível extinção das ovelhas?!
Ou essa espécie de lobos marxistóides tem tal ódio aos americanos que, chega, por isso, até a esquecer-se do seu ecumenismo?
Só falta esses lobos uivarem: “Yankees, go home” . “As Ovelhas SÃO NOSSAS”
Logo mais, estarão lançando eles a nova estatal-cabide-de-empregos: A OVELHOBRÁS.
Libera nos, Domine.
Timeo lupos, oves edentes. Com os dentes.
São Paulo, 19 de Maio de 2.005.
Orlando Fedeli
PS. Terminava eu de redigir este artigo, quando chegou, pela Internet, novo motivo de ódio para os lobos: a Mensagem de Bento XVI pelo 50* aniversário do CELAM. Depois dos 50 anos que atua o CELAM entre 15 a 20% das ovelhas teriam passado para o bodil. Que eficiência a do CELAM!
Que uivos iremos ouvir! Por que ?
Porque Bento XVI mandou mensagem ao CELAM defendendo a Moral familiar! Entenda-se: contra o aborto, o divórcio e o casamento gay.
E não falou de proletários explorados, como não atiçou ódio contra os ricos e americanos. Que Papa tão pouco aggiornatto!
Parece que ele nem leu Marx e Boff! Parece que não fala a linguagem dos lobos.
Ele deveria se “aggiornare”, fazendo um Curso Ululante de Teologia Libertadora.
Os lobos não entendem essa linguagem do novo Supremo Pastor. Eles só entendem e só aceitam a linguagem “pastoral”...
Ou entendem muito bem o que disse sua santidade Bento XVI, e, por isso mesmo, vão uivar tanto que até colocarão os bofes de fora.
Bettos mais Bofes fora, zero!
Viva! Viva o Papa! OF.
A DESILUSÃO DA AMÉRICA LATINA
Ratzinger, o Torquemada de Wojtyla, executou todos os expurgos que visavam erradicar a Teologia da Libertação
Por Maurizio Matteuzzi*
O Espírito Santo pode não ter desejado, mas desta vez aprontou uma grande surpresa. A nomeação do Torquemada de Wojtyla é um tapa na cara da América Latina. Para os católicos (e não somente eles), mas também para a hierarquia católica. Que esperava que tivesse chegado o tempo do primeiro papa latino-americano, que fizesse da guerra contra a pobreza a sua cruzada – como o papa polonês havia feito contra o comunismo.
Doutrina.
Boff, uma das vítimas do Santo Ofício
Muito se falava, depois da morte de Wojtyla, das fortes chances dos papabili da América Latina. Candidatos com os favores do prognóstico, como o brasileiro Hummes, o hondurenho Maradiaga, o argentino Bergoglio, o mexicano Rivera Carrera, os colombianos Castrillon e López Trujillo. Outsiders como o chileno Errazuriz, o dominicano Lopez Rodriguez, o cubano Ortega. Gente segura para o chefe, sem laços com a Teologia da Libertação. Todos nomeados por Wojtyla no curso da impiedosa limpeza da América Latina. Todos conservadores em matéria de doutrina e de dogmas, mesmo se sensíveis, quase todos, em matéria social.
Não foi assim. Foi Ratzinger a escolher o título de Bento XVI. O homem da restauração doutrinal e autoritária, o guardião do dogma que afastou os espíritos inquietos e heterodoxos – aqueles mais evangélicos e próximos às temáticas da justiça social – do catolicismo latino-americano.
A começar pelo teólogo brasileiro Leonardo Boff, que em 1985 foi interrogado – felizmente para ele apenas intelectualmente – por Ratzinger em sua qualidade de responsável pelo Santo Ofício e depois condenado ao “obsequioso silêncio” e constrito a deixar a congregação dos franciscanos. Ou o teólogo peruano Gustavo Gutierrez, que ficou na Igreja, mas ao preço – semelhante ao silêncio – de passar seus escritos pelo crivo hostil do arcebispo de Lima, Luis Cipriani, homem da Opus Dei nomeado cardeal por Wojtyla em uma das últimas fornadas.
Ratzinger sempre foi o braço direito do papa polonês em todos os expurgos e purificações lentamente feitas para erradicar a erva daninha da Teologia da Libertação, que florescia na América Latina quando João Paulo II a visitou pela primeira vez no fim de 1978, em Puebla, México.
Todos bateram de frente, eventualmente, com a gélida ortodoxia de Ratzinger: o bispo de Chiapas, Samuel Ruiz, o bispo de Olinda, Hélder Câmara, o cardeal brasileiro Paulo Evaristo Arns, o padre e ministro sandinista Ernesto Cardenal, o bispo catalão-brasileiro Pedro Casaldáliga, e muitos jesuítas.
Naqueles anos de fogo, quando Wojtyla havia feito uma aliança informal, mas estreita, com o presidente Ronald Reagan para combater também na América Central a “ameaça comunista”, outros padres – e freiras – pagaram ainda mais caro. Com a tortura e com a vida. Como o monsenhor Arnulfo Romero, o bispo (conservador, mas não cego nem demoníaco) de San Salvador, assassinado pelos esquadrões da morte nos anos 80. Ou os cinco sacerdotes de El Salvador assassinados entre 1977 e 1979, pelos quais Romero foi a Roma, pouco antes de ser morto, para pedir uma intervenção explícita do papa (que não foi). Ou as quatro freiras americanas mortas naquele ano. Os 23 sacerdotes assassinados na Guatemala entre 1980 e 1985. Os seis jesuítas da Universidade de El Salvador mortos em 1989. Entre as centenas de santos e beatos proclamados por Wojtyla e o seu guardião da fé Ratzinger não encontramos entre os padres mártires dos “vermelhos” na guerra da Espanha ou dos “comunistas” no Leste Europeu nenhum dos latino-americanos.
Wojtyla e Ratzinger dividiram a Igreja Católica na América Latina em duas igrejas cada vez menos conciliáveis: a igreja oficial e a igreja popular.
Na verdade, o papa polonês e seu pastor alemão, privilegiando os problemas da evangelização sobre aqueles sociais, castigando as comunidades pastorais de base e mirando os movimentos carismáticos de renovação, golpeando os jesuítas e dando carta-branca para a Opus Dei e os Legionários de Cristo (e em alguns casos à Comunhão e Libertação), acabaram por provocar um gravíssimo dano à igreja do continente e da esperança.
O descrédito e o vazio deixados pela igreja dos pobres foram preenchidos rapidamente pela arma mais poderosa de que dispõem os Estados da América Latina: as igrejas chamadas pentecostais, que hoje atraem uma fatia substancial de católicos – um milhão por ano só no Brasil – e difundem uma ideologia individualista-fundamentalista com fundo milagroso. Mesmo que a América Latina ainda conte com a metade do bilhão de católicos no mundo, é fato que há 50 anos mais de 90% de latino-americanos se diziam católicos e hoje de 15% a 20% passaram para as pentecostais. Fora um golpe do Espírito Santo, será difícil para Bento XVI interromper esse movimento.
(Texto publicado em Il Manifesto em 20 de Abril de 2.005)