Igreja

Revolta, cisma e heresia: reações contra a Dominus Iesus
Orlando Fedeli

"Cada vez mais me dou conta de que a Igreja,
como instituição, é irrelevante." (Leonardo Boff)

O ódio revelado por alguns teólogos, jornalistas e até clérigos, contra a Declaração Dominus Iesus, que veio proclamar, de novo, velhas verdades de fé, há muito esquecidas, e que o Papa João Paulo II, em boa hora, fez recordar através da citada Declaração do Santo Ofício, tem provocado reações de uma violência inaudita contra a Sagrada Hierarquia.

As dez verdades de fé que a Dominus Iesus lembrou - e nas quais todos os católicos, inclusive os Bispos, devem crer firmemente - caíram como sal, que alimenta e dá sabor, sobre as almas fiéis. E caíram como sal sobre os que perderam a fé. E sua raiva impotente, e sua revolta tenebrosa, e seu contorsionado desespero, mostram que eles reagem às verdades da fé como se o sal e o sol da verdade queimassem sua inteligência, e fizessem arder de ódio suas almas. Infelizmente.

*****

Fica-se escandalizado e indignado quando se lê o que escreveu Genezio Boff, a respeito da Dominus Iesus (vide apêndice). Ele compara de modo afrontoso, grosseiro e blasfemo, a Igreja e Cristo a uma estrada e a um pedágio. Não satisfeito com essa grosseria blasfema, ele insiste comparando Cristo a um telefone e a Igreja a uma telefonista.

Poder-se-ia ser mais atrevido?

Se alguém usasse de comparações de mesmo jaez com referência a Genezio Boff, para fazer compreender melhor a revolta dele e de outros hereges da teologia da Libertação contra o Sumo Pontífice, contra a Igreja Católica e contra Roma, haveria protestos pelo desrespeito.

E o respeito que se deve a uma pessoa comum, não se deve infinitamente mais a Cristo?

O desrespeito é tanto maior pelo fato de que, apesar de tudo, o ofensor não perdeu o caráter sacerdotal.

Assim escreveu Boff sobre Cristo e sua Igreja:

"Numa única fórmula, picaresca mas verdadeira, eis resumo da ópera: [a Dominus Iesus]: "Cristo é o único caminho de salvação e a Igreja é o pedágio exclusivo. Ninguém percorrerá o caminho sem antes passar pelo pedágio". Formulado de outra forma: "Cristo é o telefone mas só a Igreja é a telefonista. Todas ligações de curta e longa distância necessariamente passam por ela". (Leonardo Boff, Joseph Ratzinger: exterminador do futuro? n. 1).

Poder-se-ia dizer que, com essas comparações ofensivas, Boff é o exterminador do respeito a Cristo e à Igreja, mais do que a Ratzinger.

Pode haver maior desrespeito por Cristo e pela Igreja? E isso saindo de uma boca e de uma pena que foram as de um frade franciscano?

Por que Boff demonstra tal desrespeito, e de modo tão grosseiro? Por que o prazer em debochar e blasfemar?

Porque Boff não suporta a verdade. Como disse o Cardeal Ratzinger, a verdade incomoda.

Por que tanto ódio a Cristo e à Igreja?

Porque Genezio Boff não suporta a verdade. Para ele, todas as religiões são boas. Para Boff, só a religião Católica é odiosa. Para Boff, todas as seitas - até as mais declaradamente diabólicas - são dignas e respeitáveis. Para Genezio Boff, só a Igreja de Cristo deve ser afrontada - e ele a afronta - chamando-a de "romanismo". Por que essa discriminação?

Dirá ele que quem ele visa é a cúpula da Igreja, a Cúria romana. Mas, fazendo essa distinção entre a Igreja e a Hierarquia, ele cai diretamente em cisma. E prega a revolta contra o Papa, que aprovou a Dominus Iesus.

Ele se ufana em negar a unidade de Cristo com a Igreja. O que o faz, mais uma vez, cair em heresia.

Para ele, a Igreja afirmar que possui a verdade revelada por Deus é totalitarismo.

"Quem pretende possuir sozinho a verdade absoluta está condenado à intolerância para com todos os demais que não estão nela" (L. Boff, Art. cit. n. 2).

Dizendo isto, Boff condena o próprio Cristo que se definiu: "Eu sou a Verdade" (Jo XIV,6). E seria Cristo "intolerante", no sentido pejorativo que Boff dá a esse termo, porque afirmou: "Quem não está comigo, está contra Mim." (Mt. XII, 30)? Ou essa intolerância é essencialmente virtuosa?

Claro que sim. A intolerância do mal e do erro é virtude.

Para Boff, esse discurso ''não é específico do romanismo [Catolicismo] mas de todos os totalitarismos contemporâneos, do nazi-fascismo, do estalinismo, do sectarismo religioso, dos regimes latino-americanos de segurança nacional, do fundamentalismo do mercado e do pensamento único neo-liberal" (L.Boff atr, cit. n. 2).

E por que será que Boff não citou, entre os totalitarismos, o de Fidel Castro, em Cuba?

E por que não incluiu ele, entre os totalitarismos fundamentalistas, a sua própria marxista Teologia da Libertação?

Dirá ele que não se julga o único possuidor da verdade: ele a tem com Marx, Lenin, Stalin e Fidel. Ele possui a "verdade" junto com Loisy e os hereges modernistas. Ele não é herege sozinho. Ele tem o apoio da mídia engajada... E pretende ter o apoio silencioso - por enquanto - de cardeais, bispos e padres.

Quem?

Quais os cardeais e bispos que estariam apoiando Boff em sua diatribe contra Roma?

Só a teologia dele, Boff, deveria ser tida com verdadeira. Afirmar ter a verdade como a tem a Igreja, e como Ela a proclama, conduz diretamente à intolerância. Boff pretende ser o profeta da Teologia Marxista, a qual, só ela, tem a verdadeira compreensão da revelação divina. Ele é o Papa da Revolução "cristã". Ele crê-se o possuidor da "verdade" contra João Paulo II, contra a Cúria, contra o Santo Ofício. E julga-se tolerante e democrático. Mesmo quando espuma ódio e intolerância contra a Dominus Iesus.

Ou será que ele admite que sua "teologia" marxistóide não tem o monopólio da verdade, e nem é totalmente verdadeira?

Poderia ele, então, definir o que é mentira em seu sistema?

E se ele prega tanto a tolerância, por que é tão intolerante contra o "romanismo", contra Ratzinger, e contra a Cúria Romana?

Por que tanta intolerância contra a Dominus Iesus?

Contradições de Leonardo...

Boff protesta dizendo ironicamente: "Não se deve acreditar em mais ninguém, a não ser em Deus, o Pai, o Filho e o Espirito Santo" (L. Boff, art. cit n. 1, citando a Dominus Iesus n. 7).

Pois, então, declare Boff, em alto e bom som: se não se deve crer apenas em Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, em quem acredita Genezio, além de Marx e Fidel?

Crê ele em Buda? Em Allah? Em Xangô? Em Lúcifer?

Em quem crê Leonardo Boff?

Só em si mesmo?

*****

Lembrei-me, agora, dos amigos do ex-frei Boff, que o defenderam trefegamente ante o Santo Ofício, alguns anos atrás.

Será que também agora, quando Boff se revolta violentamente contra as autoridades da Igreja, será que também agora os cardeais Arns e Lorscheider defenderão Boff?

Seriam esses os cardeais a quem Boff alude, ao afirmar que há muitos eclesiásticos que têm a sua posição?

Será que Boff crê em Dom Arns?

Ou é Dom Arns quem crê em Boff?

Ou condenará Dom Arns, agora, a Genezio Boff, por sua revolta contra Roma?

Ou apoiará Dom Arns essa revolta?

Aceita Dom Arns a Dominus Iesus?

Por enquanto, Dom Arns está em silêncio...

Será que em completo silêncio?

Ou em público silêncio?

Seria interessante saber qual a posição de Dom Arns sobre Boff hoje, ele que defendeu Boff contra Ratzinger no passado...

Seria necessário que Dom Arns, que tanto defendeu Boff no passado, se pronunciasse. Está ele com a Dominus Iesus? Ou apoia ele a nova revolta boffiana? Seria ele, Dom Arns, um dos cardeais a quem alude Boff, como defensores do verdadeiro ecumenismo?

Que se pronuncie Dom Arns. O Povo católico quer saber se ele aceita as verdades de fé proclamadas pela Dominus Iesus.

Ou se está com Boff.

*****

Boff condena a tese de que a revelação divina foi dada somente à Igreja. O que é mais uma heresia.

Vê-se bem como foi necessário o sal das dez verdades de fé definidas pela Dominus Iesus para que se publicasse o que se dizia a meia-voz, ou em conciliábulos.

Genezio, hoje, gritou de raiva.

Bendita luz! Bendito sal!

Para explicar como a Igreja chegou ao que Boff chama de "romanismo", Boff parte da afirmação - falsa - de que a Igreja, a princípio, era totalmente popular, democrática e igualitária.

O que é uma inverdade completa.

Por acaso não sabe Boff que Cristo fundou sua Igreja sobre Pedro?

Sim, Boff sabe bem disso. Mas, como Lutero, nega essa verdade, porque não admite a desigualdade de poder.

Por acaso não sabe Boff que Cristo estabeleceu um colégio apostólico para dirigir a Igreja sob Pedro e com Pedro? Sim, Boff sabe muito bem disso. Mas nega, porque não aceita que haja hierarquia. Quer uma Igreja anárquica, igualitária.

Boff não admite nenhuma desigualdade. Nem sequer um Deus superior ao mundo Boff aceita, porque escreveu a respeito de alguém que se dizia ateu e à toa:

"Quando se vai analisar de que coisa ele é ateu, eu - como teólogo - digo: "Sou dez vezes mais ateu que você, desse deus velho, barbudo, lá em cima... Até é bom a gente se livrar dele!..." (Frei Leonardo Boff, Pelos pobres! Contra a pobreza! Conferência pronunciada em Teófilo Otoni, em 1983, com apresentação de Dom Quirino A . Schimitz, Bispo de Teófilo Otoni, p. 54).

Leonardo Boff, quando era frade, já não acreditava em um Deus superior, transcendente ao mundo.

Em que Deus crê Genezio, hoje?

Como um ateu - desse tipo, qual ele mesmo se disse - pode se apresentar como "teólogo" e ser acreditado, ainda depois de jogar batina e votos às urtigas?

Como pretende ser ele, de fato, o porta voz de "cardeais, arcebispos e presbíteros" que teriam sua postura de rebelião contra Roma?

Depois de afirmar gratuitamente que a Igreja era igualitária e popular em seus primeiros mil anos, Genezio conta que a hierarquia vaticana "expropriou" o poder na Igreja , através de três atos:

1. Pela falsa doação de Constantino (no ano 313);

2. Pela afirmação de que o Papa por ninguém poderia ser julgado;

3. Pela proclamação do dogma da infalibilidade papal, em 1870.

Finalmente, no número três de sua diatribe anticatólica, Genezio Boff afirma que o Cardeal Ratzinger, na Dominus Iesus, "não ensina a essência do cristianismo".

E qual seria a essência do cristianismo boffiano?

Seria constituída por duas notas:

1. O amor.

2. O pobre.

E declara Boff:

"Para Jesus e para todo o Novo Testamento o amor é tudo (Mt. 22, 38-39)", porque Deus é amor (Jo 4,8.16) e só o amor salva (Mt. 25, 34-37), amor que deve ser incondicional (Mt. 5, 44). Não se lê nada disso no documento cardinalício" (L. Boff, art. cit. n. 3).

Se é assim; se o amor deve ser incondicional, porque Boff manifesta tanto ódio a Ratzinger, à Igreja Católica, ao "romanismo", como ele denomina a Igreja?

Boff desvincula a caridade - que ele chama de amor - do conhecimento, como se fosse possível amar sem conhecer. Só se pode amar o que se conhece, ensinam Aristóteles, Santo Tomás e o bom senso.

Portanto, não pode haver caridade sem a fé.

E fé, Boff não a tem. E, por isso, ele não tem caridade. Não tem amor. Só respira ódio. Só escreve com ódio.

Pobre Boff! Em que abismo e confusão caiu!

A caridade não consiste apenas em dar dinheiro aos pobres, pois São Paulo nos ensina: "Ainda que eu distribuísse todos os meus bens no sustento dos pobres, e entregasse meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, nada aproveita" (I Cor. XIII,3).

Pobre Boff, que fez voto de pobreza e odeia a pobreza, a ponto de ter escrito uma obra "Pelos pobres, contra a pobreza".

Pois se ele considera que se deve combater a pobreza, afirma que deseja enriquecer os pobres, o que, na sua concepção, seria pervertê-los.

Mas, ao que consta, ele, Boff, vive confortavelmente... Graças aos direitos autorais dos livros que escreveu contra a Igreja... O que lhe permitiu não sair tão pobre do convento da pobreza franciscana. Nem tais direitos autorais o fazem viver como vivem os pobres.

Contradições de Genezio...

Pobre Boff, que se esquece do que Deus diz nas Escrituras: "A pobreza é péssima no dizer do ímpio" (Eclo. XIII, 30).

Pobre Boff, que, a pretexto de amar os pobres, odeia a pobreza que fez, um dia, voto de observar.

Pobre Boff, que levado pelo ódio aos ricos, condenou a riqueza enquanto tal, embora Deus nos tenha ensinado que "As riquezas são boas para o que não tem pecado em sua consciência" (Eclo XIII, 30).

Pobre Boff, que levado pelo ódio partidário da seita marxista da qual se fez apóstolo, transformou o pobre em ídolo!

Pois não escreveu, Leonardo, este absurdo intolerante e discriminador: "Todo mundo tem de fazer uma opção pelos pobres: só se salva quem faz esta opção e fora dela não há salvação" (L. Boff, Pelos pobres, contra a pobreza, p. 11)?

Para Boff não é verdade o dogma 'fora da Igreja não há salvação', como foi definido pelo IV Concílio de Latrão.

Fora do pobre é que não haveria salvação.

Boff, para defender sua "opção pelo pobre" recorre até mesmo à tradição:

"A Tradição teológica da Igreja sempre argumentou retamente: onde está Cristo, aí está a Igreja; Cristo está nos pobres; logo, a Igreja está (deve estar) nos pobres. Não apenas nos pobres laboriosos e bons, mas nos pobres pura e simplesmente pelo simples fato de serem pobres" (L. Boff art cit. n. 3).

Está aí a formulação idolátrica.

E nem a Tradição diz isso. O que a Tradição diz é: Onde está o Papa, aí está a Igreja". "Ubi Papa, ibi Ecclesia". Boff trocou o Papa por pobre. Por qualquer pobre, ainda que imoral ou criminoso. Só pelo fato de ser pobre.

Ora, Deus disse diferentemente:

"O rico e o pobre se encontraram. Deus criou a ambos" (Prov. XXII 2).

"O pobre e o credor se encontraram; o Senhor é que ilumina um e outro" (Prov. XXIX,13).

E no Levítico, Deus previne que não se tenha opção pelo pobre só porque ele é pobre:

"Não atendas à pessoa do pobre, nem tenhas respeito à cara do poderoso. Julga teu próximo imparcialmente" (Lev. XIX13).

E também a riqueza vem de Deus:

"Os bens e os males, a vida e a morte, a pobreza e a riqueza, tudo isso vem de Deus" (Eclo. XI,14).

"Bem aventurado o rico que foi achado sem mancha, e que não correu atraído pelo ouro, nem pôs sua esperança no dinheiro nem nos tesouros." (Ecle. XXXI, 8).

Por isso foram benditos muitos ricos. Abraão, por exemplo, foi muito rico e foi também tão santo que seu seio se tornou símbolo do céu. "Ora, ele (Abraão) era muito rico em ouro e prata" (Gen. XIII, 2).

E Jó, exemplo de virtude e de santidade, era riquíssimo.

Por isso, Cristo, no Evangelho, não bendiz o pobre só por ser pobre, mesmo que ele seja mau, como diz frei Boff, mas diz bem aventurados apenas os que são pobres de espírito.

Rico de espírito é o rico que confia em seu dinheiro. Rico de espírito é também aquele que, sendo materialmente pobre, vive só pensando no dinheiro e em como conquistá-lo. O ex-frei Boff ensina os materialmente pobres a amarem o dinheiro dos ricos, a adorarem mamon.

E se Boff considera a pobreza como santificadora em si, por que escreveu ele o opúsculo "Pelos pobres, contra a pobreza"?

Por que ser contra a pobreza se ele é boa?

Para Genezio, a Dominus Iesus "ludibria os seres humanos negando-lhes o principal da mensagem de Jesus referida acima, o amor incondicional e a centralidade dos pobres e oprimidos" (Boff, art. cit. n. 3).

Finalmente, Boff diz uma verdade:

"Com esse documento [a Dominus Iesus], o cardeal Ratzinger criou a tumba para o ecumenismo na perspectiva da hierarquia vaticana. Possui [a Dominus Iesus] o mérito de desfazer todas as ilusões" (Boff art. cit. n. 4).

Sim. Agora será impossível prosseguir no relativismo, que vigorou nos últimos anos, sem cair em contradição brutal.

Tomara que Boff tenha razão neste ponto: que o relativismo - incluindo o do ecumenismo - esteja morto e enterrado. Mort et enterré... Como Malbrough.

Embora haja quem queira apresentar a múmia como se estivesse viva:

"A confirmar a atitude excludente do Vaticano, o ecumenismo cristão não passa mais por Roma mas por Genebra, sede do Conselho Mundial das Igrejas".

E, consumando sua apostasia do catolicismo, conclui Boff:

"Aí [em Genebra, no Conselho Mundial das Igrejas] se perpetua a herança de Jesus, aberta às dimensões do espírito, que enche a face da Terra e acalenta os corações dos povos e das pessoas" (Boff art. cit. n* 4).

Boff, dizendo isso, além de marxista, ficou protestante. Genebrino. Não mais romano.

Deus tenha piedade dele, por tanto escândalo.

Todavia, o que há de mais grave no manifesto de revolta de Boff, é sua ameaça de divisão da Igreja e da Hierarquia. Na verdade, seu grito de rebelião e de protesto é um apelo para que "cardeais, arcebispos e presbíteros" o apoiem em sua revolta contra a Dominus Iesus e contra a Santa Sé.

Já no início de sua diatribe escandalosa diz Boff que, na Dominus Iesus, "sem máscara e subterfúgios, se expõe qual a visão que uma parte da Igreja, a hierarquia vaticana, possui acerca da revelação, do desígnio de Deus em Cristo, da natureza da Igreja, do diálogo ecumênico e inter religioso." (L. Boff, atr. cit. introdução - O sublinhado é nosso).

Esta afirmação é sumamente grave. Ela declara que há uma divisão na Hierarquia eclesiástica. Haveria uma ala de "cardeais, arcebispos e presbíteros" que não têm a mesma doutrina que as autoridades romanas sobre estas questões fundamentais da fé, quais sejam a missão salvífica de Cristo, a natureza da Igreja e a revelação.

Se isso for verdade, então, Boff está afirmando que atualmente há duas igrejas: uma, a das autoridades vaticanas, e que ele chama de "romanismo"; outra, a dos que seguem o relativismo modernista, da qual Boff se faz o porta voz. Essa alusão a uma divisão gravíssima no seio da Hierarquia, Boff a confirma em outras frases de seu manifesto de revolta.

Por exemplo, quando diz:

"A partir de agora, não podemos contar com a hierarquia vaticana para buscar a paz espiritual e religiosa da humanidade. Ao contrário, por seu capitalismo concentrador da verdade divina, pela arrogância com que trata a todos os demais, o cristianismo hierárquico romano se constitui um grande obstáculo" (L. Boff, art cit. n. 4. O negrito é nosso)

Que quer dizer Boff com isso?

Que antes ele contava com a hierarquia vaticana para atingir os objetivos que ele cita, e que agora se sente traído?

Se ele considera "o cristianismo hierárquico romano" o "grande obstáculo" para a paz religiosa da humanidade, que pensa fazer ele contra esse obstáculo?

O que Boff diz logo depois é que indica a possibilidade de um gravíssimo cisma:

"Mas a hierarquia romana não é toda a Igreja nem representa a inteira hierarquia eclesiástica mundial. No seio da hierarquia há cardeais, arcebispos, bispos e presbíteros que seguem o caminho evangélico do mútuo aprendizado, do diálogo aberto e da busca sincera da paz religiosa assentada na experiência radical do Mistério que se vela e revela ao longo da história do universo e da humanidade e ganha corpo, cada vez singular, nas religiões e no cristianismo. Mas esse não é o caminho estimulado por Roma" (L. Boff, art. cit. n. 4. O negrito é nosso).

Há, então, duas alas na hierarquia. A de Boff - dos cardeais, arcebispos e bispos que o seguem, ou que estão com ele - é explicitamente herética.

Que acontecimentos essa divisão gravíssima provocará?

Para Boff, a ala de Ratzinger (e a do Papa) - a ala do que ele chama de "romanismo" - "É o sapo no fundo poço e que não sabe que há universos para além de seus limites" (L. Boff, art. cit. n. 4).

Quando as ofensas chegam a esse nível - de chamar o opositor de "sapo" - que se pode esperar?

Para Boff, "O cristianismo apresentado pelo cardeal Ratzinger não é mundializável, é expressão do lado mais sombrio do Ocidente que mais e mais se torna um acidente" (L.Boff. art.cit. n. 4).

E Boff "profetiza" - afinal até Saul esteve entre os profetas - que:

"No novo milênio que se inaugura, far-se-á um novo ecumenismo católico como aquele que está sendo feito em estratos importantes da hierarquia que se converteu ao seu sentido evangélico de serviço e de animação da fé, nas bases da Igreja e nas comunidades católicas e cristãs, ecumenismo fundado na espiritualidade e na mística do encontro vivo com o Espírito e o Ressuscitado, a serviço dos homens e das mulheres, começando pelos mais pobres e penalizados, em comunhão e no diálogo com outros portadores de espiritualidade. É missão de todos suscitar e animar a chama sagrada do Divino e do Mistério que arde dentro de cada coração e no inteiro universo".

Dizendo isso, Boff vai além de afirmar que há duas alas na hierarquia. Ele declara que, de fato, existem, já agora, duas igrejas se enfrentando: a Igreja relativista e gnóstica de Boff e dos "cardeais, arcebispos, bispos e presbíteros", que rejeita o "romanismo" e as dez verdades de fé da Dominus Iesus; e a Igreja Católica Apostólica Romana, que obedece ao Papa e à Sagrada Hierarquia, e que adere plenamente ao que Roma ensinou nas dez verdades de fé que foram definidas na Declaração Dominus Iesus.

Boff conclui seu grito de rebelião contra Roma e contra o Papa dizendo que "Roma haverá, um dia, post Ratzinger locutum, de se somar a essa tarefa messiânica" de construir o novo ecumenismo.

Post Ratzinger, isto é, após o próximo conclave. E se for eleito um papa que apoie a Dominus Iesus, que fará a "igrejola" oculta e relativística de Boff e de seus "cardeais, arcebispos, bispos e presbíteros"?

Fundará um nova igreja relativista? A igrejola oculta virá a sair de seu antro secreto?

Que nos reserva o futuro?

O futuro nos reserva o triunfo do Imaculado Coração de Maria. O triunfo da Igreja Católica Apostólica Romana. O sol da verdade brilhará triunfante. O sol da terra dará de novo, como sempre, vida às almas fiéis. Foi o que prometeu Nossa Senhora em Fátima. E contra a Rainha do céu se insurgem, em vão, os hereges e os cismáticos.

O relativismo perecerá.

*****


APÊNDICE I*

Card. Joseph Ratzinger: exterminador do futuro?
Leonardo Boff

Ao se concluírem os festejos de dois mil anos de cristianismo, o Card. J. Ratzinger nos brinda com um documento doutrinário ao qual devemos agradecer. Nele, sem máscara e subterfúgios, se expõe qual a visão que uma parte da Igreja, a hierarquia vaticana, possui acerca da revelação, do desígnio de Deus em Cristo, da natureza da Igreja, do diálogo ecumênico e inter-religioso. Agora, todos, homens e mulheres de boa-vontade, pessoas religiosas e espirituais, Igrejas cristãs e cada fiel, sabem o que devem esperar ou não da Igreja hieráquica vaticana com referência ao futuro do diálogo micro e macro ecumênico. Esse futuro é aterrador, mas absolutamente coerente com o sistema que a Igreja hierárquica vaticana elaborou ao longo dos últimos séculos, e que agora alcançou sua expressão pétrea. É o sistema romano, férreo, implacável, cruel e sem piedade.

1. A inaudita agressividade de um cardeal tímido

Numa única fórmula, picaresca mas verdadeira, eis resumo da ópera: "Cristo é o único caminho de salvação e a Igreja é o pedágio exclusivo. Ninguém percorrerá o caminho sem antes passar pelo pedágio". Formulado de outra forma: "Cristo é o telefone mas só a Igreja é a telefonista. Todas as ligações de curta e de longa distância necessariamente passam por ela". Igreja e Cristo formam "um único Cristo total" (n.16), pois "como existe um só Cristo, também existe um só corpo e uma só sua Esposa, uma só Igreja católica e apostólica" (n.16). Fora da mediação da Igreja, todos, inclusive "os adeptos de outras religiões, objetivamente, se encontram numa situação gravemente deficitária" (n.22). Com ênfase se diz, citando o Catecismo da Igreja Católica: "Não se deve acreditar em mais ninguém, a não ser em Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo" (n.7).

Por que tal reducionismo? Aqui começa se articular o sistema romano, o romanismo: por causa "do caráter definitivo e completo da revelação de Jesus Cristo"(n.4). Poder-se-ão passar milênios, podem os seres humanos emigrar para outros planetas e galáxias, até o juizo final engessou-se a história, pois, não haverá absolutamente nenhuma novidade em termos de revelação: "não se deve esperar nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo"(n.5). O sistema é completo, fechado e total e tudo e tudo é posse privada da Igreja (hierarquia vaticana) que deve expandi-lo ao mundo inteiro. Que dirá ela aos seres humanos, mesmo depois de milhões de anos de evolução e de encontro espiritual com Deus e aos demais cristãos que não são católico-romanos?

As respostas são claras e sem titubeios, verdadeiras estocadas de punhal no peito dos destinatários: Vocês, pessoas religiosas do mundo, membros de religiões, até mais ancestrais que o nosso cristianismo (como o budismo e o induismo), lhes anuncio essa desoladora verdade: vocês não têm "fé teologal", apenas possuem "crença"; suas doutrinas não são coisa do Espírito mas são coisa "que o homem na sua procura da verdade ideou"(n.7). Se possuirem alguns elementos positivos, "não se lhes pode atribuir origem divina"(n.21) nem são de vocês, são nossos, pois, "recebem do mistério de Cristo os elementos de bondade e de graça neles presentes"(n.8). E vocês, Igrejas ortodoxas que possuem hierarquia e eucaristia: vocês são apenas "igrejas particulares", sem plena comunhão por não aceitarem o primado do Papa (n. 16). E vocês Igrejas evangélicas, saídas da Reforma e outras surgidas depois, escutem bem essa sentença: vocês "não são igrejas em sentido próprio"(n.17); são "comunidades separadas"…" cujo valor deriva da mesma plenitude de graça e verdade que foi confiada à Igreja Católica"(n.17).

E agora escutem todos o que o Concílio Vaticano II sentenciou e nós reafirmamos: "A única verdadeira religião se verifica na Igreja Católica e Apostólica, à qual o Senhor Jesus confiou a missão de a difundir a todos os homens"(n.23). Saibam que unicamente nela está a verdade. Todas as pessoas estão obrigadas a procurar a verdade que outra não é senão Cristo e a Igreja. Uma vez conhecida, vocês são obrigados a aderir a ela, pois fora desta verdade todos vocês se encontram irremediavelmente na errância. No fundo, esse documento, expressão suprema de totalitarismo, dirá a todos, de forma cruel e impiedosa: sem Cristo e a Igreja vocês todos não possuem nada de próprio; se, por ventura, tiverem algum elemento positivo, não é de vocês mas de Cristo e da Igreja. A vocês não resta outro caminho senão a conversão. Fora da conversão só há o risco objetivo da perdição.

Depois de tal pronunciamento para nós mortais, propulsores do micro e macro ecumenismo, fica claro: qualquer iniciativa do Vaticano nessa área, esconde uma farsa e prepara um engodo. Os apelos que o documento faz à continuidade do diálogo não é, propriamente, sobre os conteúdos religiosos, mas sobre o respeito às pessoas, iguais em dignidade mas absolutamente desiguais em termos das condições objetivas de salvação.

Com estas teses o tímido Cardeal Joseph Ratzinger compareceu como o exterminador do futuro do ecumenismo. Como se chegou a tal sistema totalitário, o romanismo, que tantas vítimas faz e que produz um discurso de exclusão e de desesperança?

2. O capitalismo hierárquico romano

Esse tipo de discurso não é específico do romanismo mas de todos totalitarismos contemporâneos, do nazi-fascimo, do estalinismo, do sectarismo religioso, dos regimes latino-americanos de segurança nacional, do fundamentalismo do mercado e do pensamento único neo-liberal. O sistema é totalitário e fechado em si mesmo, no caso da Igreja hierárquica vaticana, um "totatus"("totalitarismo") como diziam teólogos católicos, críticos do absolutismo dos papas. A realidade começa e termina lá onde começa e termina a ideologia totalitária. Não existe nada para além do sistema. A ele todos devem se submeter, como diz o documento de Ratzinger em "obediência… submissão plena da inteligência e da vontade, dando volutariamente o assentimento" (n.7). A verdade é só intra-sistêmica. Só os que obedecem ao sistema participam dos benefícios da verdade que é a salvação. Todos os demais estão no erro.

Quem pretende possuir sozinho a verdade absoluta está condenado à intolerância para com todos os demais que não estão nela. A estratégia é sempre a mesma, em qualquer um destes totalitarismos: converter os outros ou submetê-los, ou desmoraliza-los ou destruí-os. Esse método o conhecemos bem na América Latina. Foi minuciosamente aplicado pelos primeiros missionários ibéricos que vieram ao México, ao Caribe e ao Peru com a ideologia absolutista romana. Consideraram as divindades das religiões indígenas falsas e suas doutrinas pura invenção humana. E os destruiram com a cruz associada à espada. Os lamentos dos sábios astecas ecoam até hoje:"Dissestes que não eram verdadeiros nossos deuses. Nova é essa palavra, a que falais. Por causa dela estamos perturbados, por causa dela estamos incomodados… Ouvi, senhores nossos, não façais algo a nosso povo que lhe cause desgraça e que o faça perecer… não podemos estar tranquilos" (Miguel León-Portilla, A conquista da América Latina vista pelos indios, Vozes, Petrópolis l987,21-22). Os maias em soluços choravam: "Ai! Entristeçamo-nos porque chegaram (os espanhóis cristãos)…Vieram fazer as flores murchar. Para que sua flor vivesse danificaram e engoliram nossa flor… Castrar o sol. Isso vieram eles fazer aqui… Esse Deus "verdadeiro" que vem do céu só de pecado falará, só de pecado será seu ensinamento. Eles nos ensinaram o medo"(León-Portilla, op.cit. 60-62). O Cardeal Ratzinger poderá imaginar o que um piedoso presbiteriano, trabalhando no interior da selva amazônica com os indígenas ou um monge taoista, mergulhado em sua contemplação, sentirão quando, num encontro inter-religioso qualquer, se lhes disser que eles não têm fé ou que não são igreja, que em si nada possuem de divino e de positivo, e se o possuem é só por causa de Cristo e da Igreja? Assim humilhados e ofendidos têm motivos para chorar como os astecas e maias. E seu lamento chegará até o coração de Deus que sempre escuta o grito dos oprimidos, sem a mediação desnecessária da Igreja. Mas como são justos e sábios, seguramente, apenas sorirrão face à tanta arrogância, à tanta falta de respeito e à tanta ausência de espiritualidade para com os percursos de Deus na vida dos povos.

A estratégia do documento vaticano obedece à mesma lógica dos referidos totalitarismos: vai da desmoralização e da diminuição até a completa negação do valor teologal das convicções do outro. Destrói todas as flores do jardim não-católico e religioso para que reste, soberana e solitária, somente a flor da Igreja romano-católica. E tudo sob a inovocação de Deus, de Cristo e da revelação divina, pecando gaiamente contra o segundo mandamento da Lei de Deus que proibe usar o santo nome de Deus em vão ou para acobertara interesses meramente humanos.

Como se chegou a essa rigidez fundamentalista e sem piedade? Não queremos resumir a investigação histórica, feita pelos melhores historiadores e exegetas católicos que o Card. Ratzinger conhece pois os estudou em suas aulas de Freising, Bonn, Tübingen e Regensburg: de uma comunidade fraternal dos inícios do cristianismo por razões históricas compreensíveis mas não justificáveis se chegou a uma sociedade eclesiástica piramidal e desigual.

Nos primeiros séculos até para além do ano mil, o povo cristão participava do poder da Igreja-comunidade-dos-fiéis, nas decisões e na eleição de seus ministros segundo o adágio antigo:"tudo o que interessa a todos deve ser discutido e decidido por todos". Depois, o povo começou apenas a ser consultado, e por fim, totalmente marginalizado e expropriado da capacidade que originalmente possuía. Assim surgiu na Igreja uma inegável divisão e desigualdade: por um lado uma hierarquia que tudo sabe, tudo ensina, tudo discute e tudo decide ao lado e em cima de uma massa de fiéis, depotenciada e destituída, que deve obedecer e aderir totalmente à hierarquia. Essa realidade é em si perversa e contrária ao sentido originário da mensagem de Jesus. Para fazê-la aceitável entram em funcionamento os mecanismos de legitimação. A hierarquia vaticana elabora uma correspondente teologia com o objetivo de justificar, reforçar e socializar seu poder. Para fazer esse poder irreformável, intocável e absoluto atribui-lhe origem divina, quando, na verdade, é produção histórica e fruto de um processo implacável de expropriação. Para conseguir tal faraonismo a hierarquia vaticana lançou mão de manipulação de decretais e da falsificação do famoso Testamento de Constantino até implantar com Gregório VII em 1075 com seu "Dictatus Papae" (a Ditadura do Papa) o poder absoluto do papado em formulações como estas: "O papa é o único homem ao qual todos os príncipes beijam os pés (isso valia até os meados deste século com Pio XII); sua sentença não deve ser reformada por ninguém e apenas ele pode reformar a de todos; ele não deve ser julgado por ninguém". Por fim com o Pio IX, de infeliz beatificação recente, foi proclamado infalível em seu magistério, podendo decidir tudo "por si e sem o consentimento da Igreja". A partir dessa ideologia totalitária se lêem as Escrituras e se pinçam dela o que interessa ao embasamento desta doutrina ideada pela fome de poder, espiritualizando perspecticas contrárias ou simplesmente silenciando sobre elas, mesmo as mais essenciais. O documento do Card. Ratzinger prolonga esse método sem qualquer sutileza que se poderia esperar de alguém que foi um dia um teólogo de reconhecida competência.

Cabe recordar que o Jesus histórico foi vítima de sistema absolutista semelhanante, aquele arquitetado pelos escribas e fariseus. Em nome dele rejeitaram Jesus como falso profeta, inimigo da verdade, belzebu, traidor das tradições e sedutor do povo. Jesus lhes retruca e o mesmo diremos ao Card. Ratzinger:"na verdade, anulais o mandamento de Deus para estabelecer as vossas tradições… e coisas como estas fazeis muitas"(Marcos 7,13);"por causa das tradições vocês não ensinam o preceito de Deus" (Mateus l5,3). O que o Card. Ratzinger deixe de ensinar em nome de tradições espúrias?

3. Erros teológicos que tornam inaceitável o documento vaticano

O Card. Ratzinger não ensina a essência do cristianismo, sem a qual nada se sustenta e vã é toda a argumenação do documento. Entre outras coisas essenciais, duas são as mais graves: não anuncia a centralidade do amor nem prega a importância decisiva dos pobres. Estão em seu documento totalmente ausentes.

Para Jesus e para todo o Novo Testamento o amor é tudo (Mt 22,38-39) porque Deus é amor (l João 4,8.16) e só amor salva (Mt 25,34-37), amor que debe ser incondicional (Mt 5,44). Não se lê nada disso no documento cardinalício. Só fala de verdades reveladas e da fé teologal como adesão plena a elas. E bem sabe o Cardeal que a fé sozinha não salva, pois como dizem todos os Concílios, só salva a fé "informada de amor" (fides caritate informata). É um silêncio clamoroso só compreensível em quem não tem uma experiência espiritual, não se encontra com o Deus-comunhão-de-pessoas-divinas, não ama a Deus e ao próximo, mas só adere preguiçosamente a verdades escritas e abstratas. Pelo fato de o texto não revelar nenhum amor, também mostra que não ama a ninguém a não ser o próprio sistema. Antes, sem compaixão e esforço de compreensão, injuria e desfaz o credo dos outros.

Mais ainda, para piorar sua situação, em nenhum momento se refere aos pobres. Para Jesus e todo o Novo Testamento, o pobre não é um tema entre outros. É o lugar a partir do qual se descobre o evangelho como boa-notícia de libertação ("benaventurados vós pobres") e funciona como critério derradeiro de salvação ou de perdição. De nada vale pertencer à Igreja romano-católico, possuir todo o arsenal dos meios de salvação, submeter-se com mente e coração ao sistema hierárquico, acolher todas as verdades reveladas, se não tiver o amor "nada sou"(l Corintios 15,2). Se não tivermos amor ao faminto, ao sedento, ao nu, ao peregrino e ao preso ninguém nem eu nem o Cardeal Ratzinger poderemos ouvir as palavras benaventuradas: "Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino preparado para vós desde a criação do mundo" (Mateus 25,34) porque "quando deixastes de fazer a um desses pequeninos, foi a mim que não o fizestes" (Mateus 25,45). A questão do pobre é tão essencial à herança de Jesus que quando Paulo foi acertar as contas de sua doutrina junto aos apóstolos em Jerusalém, estes lhe cobraram o cuidado dos pobres (Gálatas 2,10).

A tradição teológica da Igreja sempre argumentou retamente: onde está Cristo ai está a Igreja; Cristo está nos pobres; logo a Igreja está (deve estar) nos pobres. Não apenas nos pobres laboriosos e bons, mas nos pobres pura e simplesmente pelo simples fato de serem pobres. Sendo pobres, menos vida têm e, por isso, são os destinatários primeiros do evangelho e da intervenção libertadora do Deus da vida.

Nenhuma ressonância desse anúncio de liberdade e de compaixão encontramos no pífio documento vaticano. Sobre a questão dos pobres poder-se-ia inaugurar um ecumenismo aberto e fecundo com todas as igrejas, religiões, tradições espirituais e pessoas de boa-vontade. No amor incondicional e nos pobres se encontra a centralidade da mensagem de Jesus e não no arrazoado ideológico montado pelo documento do Cardeal. Há uma forma de negação do Deus vivo que só os eclesiásticos realizam: falar de Deus, de sua revelação e de sua graça sem mostrar nenhuma compaixão para com os pobres e os ofendidos. Não falam do Deus de Jesus que escuta o grito dos oprimidos e desce para libertá-los (Exodo 3,4) mas, sob medida, de um fetiche eclesiástico que o homem em sua fome de poder "ideou" (n.7). Não sem razão a imagem de Deus que emerge do documento é de um Deus fúnebre que morreu há muito tempo mas que deixou como testamento frases, recolhidas no Novo Testamento, com as quais a hierarquia vaticana constrói um edifício de salvação exclusivo para quem nele entrar.

Mas há outras insuficiências graves de teologia que importa denunciar: O documento ofende o Verbo que "ilumina cada pessoa que vem a este mundo"(João 1,9) e não apenas os batizados e os que são romano-católicos. O documento blasfema o Espírito que "sopra onde quer" (João 3,8) e não apenas sobre aqueles ligados aos esquemas do Cardeal. Jesus enfatiza que "os verdadeiros adoradores que o Pai deseja, hão de adorá-lo em Espírito e Verdade" e não apenas em Roma (Jerusalém) ou Garizim (Cracóvia: João 4, 21-23), vale dizer, por todas pessoas abertas à dimensão espiritual e sagrada do universo, manifestação da presença do Mistério divino, cuja culminação se encontra na encarnação. O documento ludibria os seres humanos negando-lhes o principal da mensagem de Jesus referida acima, o amor incondional e a centralidade dos pobres e oprimidos. No seu lugar lhes oferece um indigesto menu de citações arranjadas para justificar as discriminações e as desigualdades produzidas contra vontade manifesta de Jesus que proibiu alguém se chamar de mestre ou de pai (Papa é a abreviação de pai dos pais=pater-patrum=papa) ou de se considerar o maior ou estar em primeiro lugar "porque vós sois todos irmãos e irmãs"(Mateus 23, 6-12). A hierarquia romana necessita urgentemente de conversão para que possa encontrar o seu lugar dentro da totalidade do povo de Deus e como serviço dentro da comunidade de fé. Ela não é uma facção mas uma função da Igreja-comunidade-de-fiéis-e-de-serviços.

O documento está a quilômetros-luz da atmosfera de jovialidade e benquerença própria dos evangelhos e da gesta de Cristo. É um texto de escribas e fariseus e não de discípulos de Jesus, um texto falto de virtudes humanas e divinas mais destinado a julgar, a condenar e a excluir do que a valorizar, a compreender e a incluir como o faz o símbolo da primeira aliança que Deus estabeleceu com a vida e a humanidade, o arco-iris. Ratizinger não quer a multiplicidade das cores na unidade do mesmo arco-iris mas apenas o predomínio imperativo da cor preta, aquela da triste hierarquia vaticana.

4. O ecumenismo passa por Genebra e não por Roma

Com esse documento Card. Ratzinger criou a tumba para o ecumenismo na perspectiva da hierarquia vaticana. Possui o mérito de desfazer todas as ilusões. A partir de agora não podemos contar com a hierarquia vaticana para buscar a paz espiritual e religiosa da humanidade. Ao contrário, por seu capitalismo concentrador da verdade divina, pela arrogância com que trata a todos os demais, o cristianismo hierárquico romano se constitui um grande obstáculo. Mas a hierarquia romana não é toda a Igreja nem representa a inteira hierarquia eclesiástica mundial. No seio da hierarquia há cardeais, arcebispos, bispos e presbíteros que seguem o caminho evangélico do mútuo aprendizado, do diálogo aberto e da busca sincera da paz religiosa, assentada na experiência radical do Mistério que se vela e revela ao longo de toda a história do universo e da humanidade e ganha corpo, cada vez singular, nas religiões e no cristianismo. Mas esse não é o caminho estimulado por Roma.

A continuar a atitude excludente do Vaticano, o ecumenismo cristão não passará mais por Roma mas por Genebra, sede do Conselho Mundial de Igrejas. Ai se perpetua a herança de Jesus, aberta às dimensões do Espírito que enche a face da Terra e acalenta os corações dos povos e das pessoas. Como o documento de Ratzinger é fruto de um sistema fechado e férreo, não mostra nenhuma sensibilidade para a realidade que vai além dele. É o sapo que vive no fundo do poço e nada sabe que há universos para além de seus limites. Um documento que visa o diálogo religioso mundial deveria mostrar sentido de pertinência e relevância de tal diálogo para a dramática situação que atravessa a Terra e a humanidade. Nada disso entra na agenda do documento.

O sentido do diálogo ecumênico e inter-religioso não se exaure na gestação da paz religiosa. Ele se ordena à construção da justiça e da paz entre os povos e à salvaguarda de todo o criado. Estamos caminhando rumo a uma única sociedade mundial. Essa geosociedade possui o rosto do Terceiro-Mundo porque quatro bilhões de pessoas sobre seis, consoante os dados do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, vivem abaixo da linha da pobreza. Quem enxugará as lágrimas destes milhões de vítimas? Quem escuta o grito que vem da Terra ferida e das tribos da Terra, famintas e excluidas?

O documento não possui nenhum ouvido para semelhantes tribulações. Quem é surdo diante do grito dos oprimidos não tem nada a dizer a Deus e nada tem a dizer em nome de Deus. O Cristianismo apresentado pelo Card. Ratzinger não é mundializável, é expressão do lado mais sombrio do Ocidente que mais e mais se torna um acidente. Seu documento fecha o segundo milênio de um tipo de cristianismo que não deve ser prolongado por veneração ao Mistério de Deus que se revela na história, por amor a Jesus Cristo cujo significado e mensagem não quer excluir nem diminuir ninguém, por comunhão com as demais igrejas cristãs que levam avante a memória de Jesus e por respeito aos demais caminhos religiosos e espirituais pelos quais Deus sempre visitou em salvação e graça a todos os seres humanos. No novo milênio que se inaugura, far-se-á um novo ecumenismo católico como aquele que está sendo feito em estratos importantes da hierarquia que se converteu ao seu sentido evangélico de serviço e animação da fé, nas bases da Igreja e nas comunidades católicas e cristãs, ecumenismo fundado na espiritualidade e na mística do encontro vivo com o Espírito e o Ressuscitado, a serviço dos homens e das mulheres, começando pelos mais pobres e penalizados, em comunhão e no diálogo com outros portadores de espiritualidade. É missão de todos suscitar e animar a chama sagrada do Divino e do Mistério que arde dentro de cada coração e no inteiro universo.

Sem essa chama sagrada não salvaremos a vida nem garantiremos um futuro de esperança para a família humana e a Casa Comum, a Terra. Para tal propósito todo ecumenismo é desejável, toda sinergia é imprescindível. E Roma haverá, um dia, post Ratzinger locutum, se somar a essa tarefa messiânica.

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APÊNDICE II

DIÁLOGO ECUMÊNICO EM RISCO

Frei Betto, OP

Os católicos comprometidos com o ecumenismo estão sob o impacto da Declaração "Dominus Iesus", recém-publicada pelo cardeal Ratzinger, presidente da Congregação para a Doutrina da Fé (o ex-Santo Ofício). Em pleno ano do Jubileu, a declaração vaticana joga uma ducha de água fria em quarenta anos de esforços ecumênicos, ao proclamar que a Igreja católica é a única Igreja fundada por Cristo e que as demais comunidades eclesiais "não são Igrejas em sentido próprio" (n. 17).

A Declaração criou impasse aos eventos programados para aprofundar o diálogo inter-religioso, como o encontro internacional "Oceanos de Paz: Religiões e Culturas em Diálogo", em Portugal, promovido pela Comunidade de Santo Egídio e acolhido pelo Patriarcado de Lisboa, com a colaboração da Fundação Mário Soares.

Como manter o diálogo se, em princípio, os católicos nada têm a aprender de outras religiões? Para que ecumenismo, se não há salvação fora da Igreja governada pelo papa?

Os acidentes de percurso no diálogo ecuménico e inter-religioso têm sempre mais eco do que êxitos. Mas a intervenção do cardeal Ratzinger causou tamanho mal-estar que, passadas duas semanas, João Paulo II sentiu-se obrigado a amenizar o tom da "Dominus Iesus". Ao receber, a 18 de setembro, a Comissão Mista Internacional para o diálogo entre a Igreja católica e a Aliança Mundial das Igrejas Reformadas, o papa distanciou-se das posições de seu colaborador e destacou, "com veemência, que o empenho da Igreja Católica no diálogo ecumênico é irreversível".

Ao mesmo tempo, monsenhor Michael Fitzgerald, secretário do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso, subestimou o alcance do documento de Ratzinger e anunciou, para breve, com o patrocínio da Santa Sé, um colóquio com o hinduísmo, em Bombaim; um encontro com os muçulmanos do Irã; e um seminário com budistas.

Tem razão o teólogo Hans Kung quando afirma que "a vida humana em sociedade é impossível sem um 'ethos' mundial de todas as nações; é impossível haver paz entre as nações sem paz entre as religiões; é impossível haver paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões." (Projecto para Uma Ética Mundial).

Um papa não pode negar suas próprias atitudes. Em outubro de 1986, João Paulo II promoveu, em Assis, a célebre Jornada Mundial de Oração pela Paz, que reuniu representantes de dezenas de religiões. Ali, todos unidos como irmãos louvaram o único e verdadeiro Deus e assumiram o compromisso de manter vivo o diálogo ecumênico.

O modelo cristão de ecumenismo é o próprio Jesus. Os evangelhos narram como ele curou a mulher cananéia e o servo do centurião romano, sem exigir que, primeiro, renegassem suas convicções; freqüentou a sinagoga e o Templo de Jerusalém; proclamou que "nem todo aquele que diz 'Senhor, Senhor', entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão no dia do Juízo Final: 'Senhor, não foi em teu nome que profetizamos e em teu nome expulsamos demônios, e em teu nome fizemos muitos milagres?' Eu lhes retrucarei: 'Nunca vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade" (Mateus 7, 21-23). Para Jesus, é critério de salvação ser capaz de reconhecê-lo na face dos oprimidos: "Tive fome e vocês me deram de comer; tive sede e me deram de beber; era estrangeiro e me receberam em sua casa; estava sem roupa e me vestiram; estava doente e cuidaram de mim; estava preso e me visitaram" (Mateus 25, 35-36).

Nesse sentido, a CNBB é testemunha exemplar da exigência evangélica ao unir-se aos movimentos sociais ­ os "homens de boa vontade", de que falava o papa João XXIII ­ para socorrer os pobres, através de suas pastorais, como a da criança, que vem reduzindo significativamente a mortalidade infantil no país; e para denunciar as causas da pobreza, ao propor o plebiscito da dívida e(x)terna, que atraiu 5 milhões de votantes.

Bem dizia dom Helder Camara, "quando falo dos pobres, todos me chamam de cristão; quando denuncio as causas da pobreza, acusam-me de comunista". É o preço a ser pago pelos profetas.

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APÊNDICE III*

ANTE LA DECLARACIÓN VATICANA "DOMINUS IESUS"

Nota promovida por la Asociación de Teólogos Juan XXIII

La Declaración Dominus Iesus, firmada por el prefecto de la Sagrada Congregación para la Doctrina de la Fe, ratificada y confirmada por el Papa Juan Pablo II el 6 de agosto de 2000 y hecha pública el 5 de septiembre, está siendo comentada ampliamente en los Medios de Comunicación Social de todo el mundo. Por sus repercusiones negativas en el campo del ecumenismo y del diálogo interreligioso, y porque afecta directamente a la reflexión teológica de las Iglesias, los teólogos y teólogas abajo firmantes queremos expresar algunas observaciones críticas en estos momentos de desconcierto, tanto en ambientes católicos como en quienes vienen trabajando por un diálogo constructivo en otras Iglesias y en las grandes religiones universales.

Queremos subrayar, en primer lugar, la inoportunidad de su publicación. Mientras que la carta papal Tertio Millenio Adveniente expresaba el deseo de entrar en el nuevo milenio alcanzada la plena comunión entre los cristianos (n. 34), la presente Declaración abre una brecha entre las Iglesias cristianas que durará tiempo en cerrarse.

Dominus Iesus nos parece inoportuna porque, en el año del perdón y de la reconciliación, ha sacado a la luz viejos contenciosos que creíamos ya superados. ¿Cómo puede seguir hablándose hoy de "la Iglesia verdadera" frente a las "iglesias particulares" (Ortodoxas), y las "Comunidades eclesiales" (Protestantes y Anglicanas) "que no son Iglesia en sentido propio" (n. 17). ¿Cómo puede decirse que los no cristianos se encuentran "en situación gravemente deficitaria" (n. 22) en relación con la salvación?

Resulta inoportuna también en la descripción negativa que hace de la sociedad y de la cultura de Occidente. Ante un horizonte tan sombrío como el que -según Dominus Iesus- acecha a la Iglesia católica, ésta se cree en el deber de adoptar posturas beligerantes contra "teorías de tipo relativista que tratan de justificar el pluralismo religioso, no sólo de facto sino también de iure (o de principio)" (n. 4) y "cuyas raíces... hay que buscarlas en algunos presupuestos, ya sean de naturaleza filosófica o teológica, que obstaculizan la inteligencia y la acogida de la verdad revelada" (n. 4). Con esta actitud se está cuestionando, cuando no negando, el pluralismo, que es uno de los valores fundamentales de la cultura actual.

El estilo de la Declaración está más próximo al Syllabus de Pío IX que a los documentos del Vaticano II, o a los textos de Juan XXIII, Pablo VI y Juan-Pablo II.

El texto de la Congregación vaticana muestra una clara insensibilidad ante algunos de los logros alcanzados a lo largo de varias décadas de actividad ecuménica, tanto en el terreno doctrinal -recuérdese la Declaración Conjunta Luterano-Católica sobre la doctrina de la Justificación de la Fe- como en el pastoral. Conviene recordar que las Iglesias no sólo hablan a través de la doctrina. Su mensaje llega también por medio de signos elocuentes y de gestos proféticos, como los siguientes: la entrega por al papa Pablo VI de su anillo pastoral al Arzobispo de Canterbury; el abrazo del mismo Papa al patriarca Atenágoras en Jerusalén; la plegaria convocada por el papa Juan-Pablo II en Asís junto a los líderes religiosos del mundo; la visita del mismo papa, por primera vez, a la sinagoga de Roma y su proclamación solemne ante los rabinos allí congregados de que "los judíos son nuestros hermanos mayores"; la oración de Juan-Pablo II en el muro de las Lamentaciones; la reciente petición de perdón por los pecados cometidos por la Iglesia católica; la apertura de la Puerta del Año Jubilar por el papa, acompañado del primado de la Comunión Anglicana y de un representante del patriarcado de Constantinopla.

Tres son los aspectos de la Declaración que nos parecen especialmente preocupantes: su concepción del diálogo; la expresión "subsiste en" y el concepto de "salvación".

El horizonte de fondo de Dominus Iesus es el diálogo ecuménico e interreligioso, cada uno en su propio estatuto. Sin embargo, su concepción del diálogo resulta claramente reduccionista. Lo considera, es verdad, "parte de la misión evangelizadora" de la Iglesia católica. Pero cuando afirma que "la paridad, que es presupuesto del diálogo, se refiere a la igualdad de la dignidad personal de las partes, no a los contenidos doctrinales" (n. 22), no dice toda la verdad sobre el diálogo. El decreto del Vaticano sobre ecumenismo considera necesaria la paridad dialogal, "de igual a igual", de donde puede surgir un mayor esclarecimiento, no sólo de las doctrinas de los otros, sino "incluso de la verdadera naturaleza de la Iglesia" (n. 9). El diálogo implica siempre "enriquecimiento mutuo".

La Declaración ignora afirmaciones fundamentales de la encíclica Ut Unum Sint (ns. 28-39) sobre el diálogo ecuménico y sus estructuras locales, el diálogo como examen de conciencia y como método para dirimir las divergencias. En esta encíclica se afirma que "el diálogo ecuménico, que anima a las partes implicadas a interrogarse, comprenderse y explicarse recíprocamente, permite descubrimientos inesperados" (n. 38). La rigidez de la Dominus Iesus contrasta con el talante esperanzado y de apertura de otros documentos como Ecclesiam suam de Pablo VI y la eníclica antes citada de Juan Pablo II.

Buena parte del malestar producido por la presente Declaración en ambientes cristianos se refiere a una fórmula que, en su momento, despertó esperanzas ecuménicas: "La Iglesia de Cristo subsiste en la Iglesia católica romana", que sustituía a la fórmula "La Iglesia de Cristo es la Iglesia católica". Dicha sustitución, llevada a cabo por el Concilio Vaticano II, era más que un mero cambio de vocabulario. Con la nueva formulación, el concilio pretendía evitar la identificación exclusiva y excluyente de la "Iglesia de Cristo" con la "Iglesia católica". El que la Iglesia de Cristo subsista en la Iglesia católica no excluye que subsista también en otras comunidades cristianas. Si se obvió la identificación total entre Iglesia de Cristo e Iglesia católica romana fue para reconocer la eclesialidad de las otras comunidades cristianas. Pues bien, el reduccionismo que en este punto se observa en la Dominus Iesus nos parece preocupante.

La categoría de salvación, implicada directamente en el diálogo interreligioso, es tratada en la Declaración de manera exclusivista. Por ello ha irritado, creemos que con razón, a no pocas personas creyentes de las grandes tradiciones religiosas de la Humanidad. Según el texto, la idea de que "la Iglesia peregrinante es necesaria para la salvación... no se contrapone a la voluntad salvadora universal de Dios" (n. 20). Sin embargo, a la hora de aclarar la referida compatibilidad se recurre a expresiones confusas y crípticas como "la misteriosa relación" con la Iglesia católica de quienes no son formal y visiblemente miembros de ella" (n. 20).

Algunas expresiones de la Declaración nos parecen, cuando menos, discutibles desde el punto de vista doctrinal y ciertamente ofensivas para las personas creyentes de otras religiones. Así, por ejemplo, cuando afirma que "a las oraciones y ritos (no cristianos)... no se les puede atribuir un origen divino ni una eficacia salvífica ex opere operato, que es propia de los sacramentos cristianos..." (n. 21). O, cuando dice que "los no cristianos... objetivamente se hallan en una situación gravemente deficitaria si se compara con la de aquellos que, en la Iglesia, tienen plenitud de los medios salvadores"(n. 22).

Dominus Iesus afirma solemnemente que "Dios quiere la salvación de todos por el conocimiento de la verdad. La salvación se encuentra en la verdad" (n. 22) Nosotros preguntamos críticamente: ¿sólo es posible la salvación cuando la verdad es conocida y poseída? ¿No asegura la salvación la búsqueda de la verdad?. Creemos que hubiera sido más acertado en este punto que la Declaración llamara a seguir los dictámenes de la propia conciencia y a la coherencia entre la vida y las creencias, aunque no sean cristianas, en relación con la salvación.

Con la publicación de este documento de la Congregación para la Doctrina de la Fe se ven afectadas negativamente, sin duda, la larga trayectoria ecuménica en la Iglesia católica y el diálogo interreligioso e intercultural en el que estamos comprometidos numerosos creyentes de las distintas religiones del mundo.

FIRMAN ESTE DOCUMENTO:

Teólogos y teólogas españoles:

E. Aguiló (Sevilla). Juan Bosch (Valencia). J. Botam (Barcelona). Gilberto Canal (Madrid). José-Mª Castillo (Granada). José-Mª Díez Alegría (Madrid). L. Diumenge (Madrid). C. Domínguez (Granada). Juan-Antonio. Estrada (Granada). Jesús Equiza (Pamplona). Casiano Floristán (Madrid). Benjamín Forcano (Madrid). E. Galindo (Madrid). M. García-Ruiz (Madrid). J- Gómez-Caffarena (Madrid). José-Mª González Ruiz (Málaga). José-Ignacio González-Faus (Barcelona). A. Ibáñez (Madrid). Julio Lois (Madrid). J. Janeras (Barcelona). J. Llopis (Barcelona). C. Martí (Barcelona). Francisco. Martín (Badajoz). Mª Martinell (Barcelona). Enrique Miret (Madrid). A. Moliner (Barcelona). J.-L. Moral (Madrid). Secundino Movilla (Madrid). J. Ortigosa (Madrid), M. Pintos (Madrid). R. Pou (Vic). F. Pastor (Madrid). Jesús Peláez (Córdoba). J. Ruiz-Díaz (Madrid). F. Sanz (Ávila). Juan-José Tamayo-Acosta (Madrid), A. Tamayo-Ayesterán (San Sebastián). Andrés Torres-Queiruga (Santiago de Compostela). Rufino Velasco (Madrid). José Vico (Madrid) Evaristo Villar (Madrid), Javier Vitoria (Bilbao). José Vives (Barcelona).

Teólogos y teólogas de América Latina, EEUU y Alemania:

Leonardo Boff (Brasil). Jon Sobrino (El Salvador). Hans Küng (Alemania). Rosemary Radford.Ruether (EEUU). Mª Pilar Aquino (México). P. Sánchez (México). Sergio Arce (Cuba). Mª.-C. Mejía (México). José-Mª Vigil (Panamá). Marcos Villamán (R. Dominicana). L. Gallo (Colombia). N. Lozano (Colombia). J. Torres (Argentina). Eduardo De la Serna (Argentina). I. Hernández (Puerto Rico), V. García (Nicaragua), F. Albertini (Alemania). M. Soler-Palá (Puerto Rico). Sixto García (teólogo hispano en EEUU). C. Corzo (Perú), Ana Mª Bidegain (Colombia), T. Motta da Silva (Brasil). M. Alanís (Argentina), M. Breitenfeldt (Chile).


* Fonte: Koinonia


    Para citar este texto:
"Revolta, cisma e heresia: reações contra a Dominus Iesus"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/revolta/
Online, 21/11/2024 às 08:30:26h