Igreja

“Serão os padres diocesanos que, pela sua ação a favor do catecismo e da liturgia, poderão trabalhar a nível universal para esta restauração [da Igreja]”.
Pax Liturgique
Apresentamos a seguir a entrevista realizada com Louis Renaudin, dirigente do grupo Paix Liturgique que por muitos anos vem se dedicando a divulgação da Missa Tradicional em todo mundo. Luois Renaudin tem atuado principalmente na diocese de Paris.

 

Independente de não concordamos com todas as ideias expostas pelos representantes deste grupo, é claro, que este seu dirigente tem larga experiência sobre o relacionamento dos bispos com os sacerdotes que celebram a Missa Tradicional.

 

Nesta entrevista o dirigente da Paix Liturgique destaca um ponto importante do Motu Proprio Traditionis Custodes, que limitou significativamente as celebrações da Missa e de outros sacramentos segundo o ritual de João XXIII: as restrições estão sendo principalmente dirigidas ao clero diocesano.

 

Situação idêntica também é observada por nós no Brasil. A Missa Antiga, após a liberação feita pelo Papa Bento XVI cresceu muito entre os sacerdotes diocesanos que procuravam para si e para seus fieis, uma vida espiritual mais tradicional e mais voltada ao espiritual. Preocupavam-se eles não somente com a grande diminuição da frequência dos fiéis as Missas, mas principalmente, como a perda da Fé no mundo católico e encontraram na Missa Tradicional um instrumento fundamental para a recuperação de seus fieis.

 

Tratava-se sem dúvida de um retorno as práticas anteriores ao Vaticano II, o que não poderia ser aceito pela ala progressista da Igreja, especialmente aquela representada pela Teologia da Libertação.

 

Como sempre dizia o Professor Orlando citando os ensinamentos que tivera durante o tempo em que prestou serviço militar “fogo atrai fogo”, ou seja, na guerra do local de onde se atira no inimigo, é para lá que as forças adversárias concentrarão seus ataques. Assim, como é a ação do clero diocesano que mais prejudica o progressismo a retaliação vinda do Traditionis Custodes foi para eles dirigida. No Brasil, como agravante, constatamos a punição injusta de vários clérigos.

 

Também merece destaque a recomendação do entrevistado de que é fundamental ajudar e cooperador com os padres diocesanos que desejam continuar a celebrar a Missa Antiga e que são perseguidos, e muitas vezes, abandonados por outros padres tradicionalistas. Neste ponto a Montfort continuará desenvolvendo seu trabalho e se coloca a disposição de todos aqueles que quiserem colaborar neste trabalho.

 

Acreditamos que a leitura desta entrevista seja muito útil para que nossos leitores compreendam adequadamente a situação atual da Igreja. Os destaques no texto são nossos.

 

 

 

Carta 906 de 21 de dezembro de 2022

 

SÃO OS SACERDOTES DIOCESANOS TRADICIONAIS QUE TRADITIONIS CUSTODES ESTÁ ASSASSINANDO

 

Paix Liturgique: Mais de um ano e meio depois da publicação do Motu Proprio Traditionis Custodes, pode dizer-nos até que ponto os tradicionalistas foram vítimas desta decisão iníqua?

 

Louis Renaudin: Perdoe-me por contradizer as ideias comuns , mas não creio que os tradicionalistas tenham sido as verdadeiras vítimas dessa decisão iníqua. Eu diria até que os mais “duros” dentre eles não foram afetados em nada.

 

Paix Liturgique: Explique-se...

 

Louis Renaudin: O mundo tradicionalista é formado por pelo menos duas grandes famílias: a nebulosa da Fraternidade São Pio X e aquela que continuamos a chamar, por comodidade, de “Ecclesia Dei”. No entanto, é claro que a nebulosa São Pio X não foi de forma alguma afetada pelo Motu Proprio Traditionis Custodes . Dito isto, em minha opinião, a FSSPX também perdeu a oportunidade de mostrar que estava a favor de uma "união sagrada" vindo generosamente em auxílio dos Ecclesia Dei e dos sacerdotes diocesanos, em particular, oferecendo seus serviços para crismas sem colocar quaisquer condições. Observo que TC de forma alguma questionou as concessões que o Papa Bento XVI e o Papa Francisco lhes tinham feito gratuitamente.

 

Paix Liturgique: Quais?

 

Louis Renaudin: Em primeiro lugar, o levantamento das excomunhões e mais ainda a concessão do poder de confessar e de fazer casamentos legalmente, o que não é insignificante no momento em que nossos bispos voltam atrás nesses pontos para as comunidades que dependem de sua autoridade.

 

Paix Liturgique: Então são os sacerdotes das comunidades ex “Ecclesia Dei” que tinham sido visados?

 

Louis Renaudin: Basicamente, não acredito, mesmo que possa ter sido uma intenção colateral da parte dos agitados de Saint-Anselmo e do grupo de amigos do Cardeal Roche, Prefeito do Dicastério do Culto Divino, os quais, sabemos agora, estão na origem de Traditionis Custodes.

 

Paix Liturgique: Mas eles foram de fato ameaçados, não?

 

Louis Renaudin: Certamente, mas no final e, em todo caso, até o dia de hoje não de maneira tão dramatica.

 

Paix Liturgique: Como você pode dizer isso?

 

Louis Renaudin: Observando os fatos. É verdade que certo número de bispos, sobretudo na França, aproveitaram-se disso para perseguir a FSSP em vários lugares, para suprimir missas, como em Paris, para operar restrições em vários lugares. Mas em muitos lugares e em muitos países (especialmente na Itália), nada mudou. Apesar dos estrondosos anúncios sobre uma provável aplicação severa das decisões do Motu Proprio, um legítimo temor dos seminários tradicionais pela multiplicação das visitas canônicas, nada aconteceu até agora. Além disso, menos de um ano depois de sua publicação, o Papa emitiu um decreto que volta muito atrás em relação ao texto anterior.

 

Paix Liturgique: Mas este decreto diz respeito apenas à Fraternidade de São Pedro...

 

Louis Renaudin: E somente o culto celebrado nas suas próprias casas... Falemos sério. Em Roma, este decreto, junto com vários outros sinais no mesmo sentido, é entendido como uma “saída” que diz respeito a todas as comunidades Ecclesia Dei.

 

Paix Liturgique: Você tem provas disso?

 

Louis Renaudin: Na ordem dos fatos, até o momento, nenhuma ação foi tomada contra os institutos Ecclesia Dei como tais, mesmo que em Chicago o ICRSP tenha sido “barrado”, a Fraternidade Sacerdotal São Pedro em Grenoble tenha sido despedida, etc.

 

Paix Liturgique: Mas então foi apenas contra os leigos que esta operação foi realizada?

 

Louis Renaudin: Acho que não... porque você sabe, os leigos fazem o que querem. Quando se veem “proibidos de ir à missa”, eles podem ir assistir em outro lugar: na Fraternidade São Pio X, ou nas capelas da Resistência e até mesmo em outros lugares quando a necessidade se impõe.

 

Paix Liturgique: Mas então contra quem foi promulgado este motu proprio?

 

Louis Renaudin: Você deve ter várias coisas em mente, a última das quais é a mais importante:

1° - A forma como a Igreja é governada é relativamente caótica, mas é um caos desejado como forma de governo. Uma decisão é tomada em um sentido, depois meio contrariada e assim por diante. Posso dizer-lhe que os bispos franceses, alguns dos quais acolheram o TC com indisfarçável alegria, hoje se surpreendem ao receberem uma mensagem do Cardeal Parolin, Secretário de Estado, para "pegar leve".

2° - Além disso, como eu lhe disse, as cabecinhas duras de Santo Anselmo e do Dicastério do Culto Divino acreditaram que tinha chegado a sua hora e festejaram um pouco demais a vitória, o que desagrada muito ao Papa Francisco, que gosta de desconcertar seus melhores partidários para mostrar que é ele e somente ele quem governa. Não é à toa que ele mandou a mensagem de que haviam tentado manipulá-lo. Mas cuidado, também não devemos cantar vitória do nosso lado, porque podemos nos desiludir.

3° - Mas, fundamentalmente, é claro que são os diocesanos, bispos conservadores (especialmente os dos Estados Unidos), sacerdotes diocesanos e religiosos, cada vez mais numerosos, que tinham se afeiçoado à liturgia tradicional. O Papa não está realmente interessado na liturgia, mas não foi difícil convencê-lo de que o espírito do Concílio estava em perigo nos presbitérios.

 

Paix Liturgique: Mas isso é ridículo. Os diocesanos atingidos pela liturgia tradicional não são muito numerosos.

 

Louis Renaudin: Você está cometendo um grande erro de avaliação, porque se antes do Summorum Pontificum os “diocesanos e padres comuns” que celebravam a liturgia tradicional eram pouco numerosos, a promulgação desse documento (Summorum) de alguma forma provocou o rompimento dos diques. Não se esqueça de que em dez anos (2007/2017), o número de missas dominicais tradicionais dobrou no mundo, em grande parte graças aos diocesanos: durante pesquisas sobre a situação da liturgia tradicional no mundo que a Paix Liturgique publicou em 2017/ 2018 e 2019, ficou muito claro que o maior número de padres que celebravam a liturgia tradicional eram diocesanos e isso foi apenas o começo.

 

Paix Liturgique: O começo de quê?

 

Louis Renaudin: De um “terrível” contágio litúrgico. Pela minha parte, estou convencido de que, ao ritmo a que as coisas decorriam desde 2007, e apesar da teimosa resistência dos bispos, o clero diocesano foi levado a voltar-se de forma irreversível e em grande número para a liturgia tradicional, bem como para a catecismo tradicional. Eis aí qual era o risco enfrentado pelos inimigos da Paz e da Fé.

 

Paix Liturgique: Na sua opinião, seria contra esse contágio que o MP Traditionis Custodes teria sido publicado?

 

Louis Renaudin: Repito para você que as coisas são complexas: dizer que querem proibir a missa tradicional para os diocesanos implica no fato de que querem reservá-la para os guetos, fora das dioceses, à margem. Só que os guetos estão crescendo e se embelezando, já que os seminários tradicionais experimentaram um claro crescimento desde o TC, enquanto os seminários diocesanos continuam caindo. Sim, afirmo que os padres diocesanos, por sua vez, têm sido as verdadeiras vítimas dessa decisão iníqua no último ano e meio. Isso deve ser dito e, acima de tudo, de modo algum devemos abandoná-los: devemos ajudá-los com todas as nossas forças!

 

Paix Liturgique: Você pode me dar um exemplo?

 

Louis Renaudin: Basta reler o TC onde está claramente escrito que os padres diocesanos que quiserem celebrar segundo o Usus antiquior terão que pedir permissão a seus bispos, os quais deverão obter eles mesmos a concordância de Roma. Ora, a totalidade dos pedidos – quero dizer todos eles – que foram formulados, em todo o caso através deste processo, tiveram uma resposta negativa, e isso por ordem superior.

Isso me confirma na ideia de que o Motu Proprio Traditionis Custodes tinha como primeiro objetivo conter o tsunami tradicionalizante, que perturbaria irremediavelmente o clero católico em plena crise de fé. Que ele também tivesse na origem o objetivo de esterilizar o mundo tradicional, se possível, não há dúvida. Mas a capacidade de resistência deste mundo foi nitidamente subestimada. Nada foi capaz de quebrá-lo ou freia-lo no último meio século.

 

Paix Liturgique: O que você conclui?

 

Louis Renaudin: Atingir os sacerdotes diocesanos é tentar dar um golpe fatal ao renascimento indispensável da Igreja Católica. 

Pois, veja bem, serão os padres diocesanos que, pela sua ação a favor do catecismo e da liturgia, poderão trabalhar a nível universal para esta restauração. Os outros são apenas aguilhões, indispensáveis, é claro, mas aguilhões temporários. 

Devemos, portanto, rezar para que o céu venha em auxílio de todos os nossos amigos sacerdotes que, nas dioceses, serão amanhã e no futuro os fermentos da renovação da Igreja.



https://www.paixliturgique.com/aff_lettre.asp?LET_N_ID=3645


    Para citar este texto:
"“Serão os padres diocesanos que, pela sua ação a favor do catecismo e da liturgia, poderão trabalhar a nível universal para esta restauração [da Igreja]”."
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/pax-liturgique-carta-906/
Online, 21/11/2024 às 08:48:47h