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O anjo do sorriso e o negro anjo da "luz"
Orlando Fedeli
Continuação: Retornando de uma viagem ao passado
Lembro-me com saudade da imensa felicidade que tive ao compreender uma janela gótica de Rheims, vista num livro de fotos.
Era uma janela alta e esguia. Sem vitrais. Vazia. Deixando ver através dela o céu azul entre as pedras da Catedral.
De tal modo ela me inebriou por seu vazio, por seu despojamento, na pureza de suas linhas nobres, por sua ogiva elegante e aguda, qual lança apontando para o alto, que lhe prometi, de qualquer modo, ir vê-la.
Isso foi em 1972, num retiro dolorido, após ser curado de um mal mortal. Nunca até então tinha eu ido à Europa. Decidi ir, por causa dessa janela despojada. Vazia. Apontando o ceú como uma lança de guerra.
Fui.
Em Reims, encontrei a janela que não esqueci mais, tanto ela embeveceu meus olhos e encantou mina alma. E, em Reims, encontrei muito mais. Encontrei Santa Joana d’Arc, a cavalo, de espada desembainhada na mão, pura e altiva. Agressiva. Cavalgando para a vitória. Marchando tntrépida para a fogueira.
Uma santa de espada e couraça.
Encontrei, em Reims, a beleza eterna do gótico.
Encontrei a Idade Média, na pedra da Catedral.
Encontrei São Rémy. Encontrei a França.
France, “que tous étrangers aiment à cherir, très chrétien, franc Royaume de France”.
E encontrei nos portais de Reims os anjos do sorriso. O anjo sorrindo para a Virgem Maria. O anjo da anunciação, radiante de luz e de alegria pela encarnação do Verbo. Radiante, por servir a Maria.
Um anjo que sorria.
Goticamente.
Na inocência da beleza perfeita.
Jamais na história se havia feito escultura igual: uma angélica face sorridente.
Podia ter sido feito já um rosto gargalhnado. Isso não é tão difícil. Ou então os rostos insípidos das esculturas gregas, perfeitas nas formas e nas medidas, mas sem alma e sem expressão. Faces mudas e sem sorriso. Sem alma
Foi na Idade Media que se fez essa maravilha: um rosto sorrindo. Não gargalhando, como é o gargalhar dos tolos, que nada sabendo, riem às escâncaras, indicadoras de sua surpresa ao entenderem o óbvio. Não a carranca de dor ou de ódio, fáceis de exprimir. Mas um rosto que sorri pelo prazer intelectual da compreensão de uma verdade sublime, e de uma virtude inocente.
Os anjos sorridentes de Reims, eternamente felizes, em sua contemplação sapiencial pela visão da Virgem e da encarnação do Verbo. Como se estivessem no ceú.
É assim a Catedral de Reims, imóvel e permanentemente estável como a pedra de que é feita. Perenemente serena em sua paz, consagradora dos Reis e dos Santos.
Assim foi a Catedral que, deslumbrado, contemplei em minha primeira viagem ao passado medieval, um dia. Um dia em que poderia ter dito: introibo ad cathedralem Dei, qui laetificat anima mea.
E quantas vezes retornei a Reims, à catedral e à Basílica de Saint Rémy, para poder contemplar o céu na terra, céu de pedra, construído em forma românica e gótica, céu que me fez compreender a beleza católica medieval, e a feiura tenebrosa do mundo moderno.
E eis ai o anjo do sorriso de Reims
Sorriso de pedra cheio de graça e de verdade.
***
Agora, acabo de voltar de Roma. Da Roma eterna cheia de santos, de vielas tortuosas, tendo em cada esquina um oratório, uma virgem a quem volver os olhos e a quem suplicar. Caminhando por suas ruas, em que cada pedra é plena de história.
Colunatas arruinadas do Forum e do paganismo. Uma sequência de colunas dóricas de templo antigo, hoje servindo para enfeitar a parede de um grande Banco, isto é, de um templo moderno feito para o grande ídolo moderno: o dinheiro. Mamon em forma de Euro, ou dolarizado.
Rever a cascata barroca da Fontana di Trevi. A Imaculada na Piazza di Spagna. A scalinata di Santa Trinità dei Monti. A grandeza da Piazza di San Pietro, com a colunata de Bernini, recebendo os romeiros com um abraço eterno de pedra e de harmonia da única Fé que salva: a Católica.
E fui rever Pedro em Bento XVI. Tão odiado e tão destemido Papa Bento XVI. Odiado pelo mundo imundo da midia e da pornografia, assim como pelo mundo do aborto e da mentira dos teólogos modernistas. Tão execrado pelo eclesiástico ódio dos hereges. Tão corajosamente indômito, passeando sua cabeça branca – destemido-- pela praça imensa, no meio das multidões que o ódio da Mídia e a graça de Deus só fazem crescer.
Em Roma, voltei à agora chamada praça da República. De uma República moderna, com seu nome revolucionario imposto a uma praça barroca e papalmente monárquica.
A agora Piazza della República fora feita como Piazza del’ Esedra.
No centro dela, uma fonte polêmica por suas esculturas imorais e barrocamente pagãs. Múltiplos jorros d’água cruzando-se em volutas harmoniosas no ar, em elegância abarrocada. Dois edifícios majestosos, entre os quais se abre uma larga avenida em perspectiva inigualável. E frente a essa avenida, na Piazza, uma parede de velhos tijolos romanos, uma simples cruz na fachada, mais do que sóbria, pobre, em seus antigos tijolos sem argamassa. Era a antiga terma de Adriano. Agora, é a igreja de Maria Santíssima, Rainha dos Anjos e dos Mártires.
Há poucos anos ainda, quem entrava através da porta austera dessa fachada sem enfeites e feita de tijolos antiquíssimos, ficava deslumbrado pelo esplendor de um espaço interior imenso e maravilhosarmente proporcionado: um recinto majestoso e espetacular, criado por Michelangelo. A igreja tem forma de cruz latina, com quatro largos braços iguais.
As abóbadas e cúpola são sustentados pelas mesmas colunas das antigas termas de Adriano. São 16 colunas de cor única. Enormes. Têm 14 metros de altura, e um diametro que calculo, (a olho) terem cerca de 1 a 2 metros de diametro. Colossais.
Uma cúpula cobre o braço de entrada, exibindo o mesmo prodígio arquitectônico que que se vê no Panteon: uma cúpula sem pedra de fecho. Um anel de pedra servindo de sustentáculo vazio a todo o peso das pedras da cúpula, que tende a cair para o centro, e que se mantém, há séculos, em equilibrio, graças a esse anel de pedra que tudo sustenta.
A Igreja de Nossa Senhora Raínha dos Anjos e dos Mártires era sublime em sua perfeição arquitectônica e artística.
Sublinhei o era.
Porque agora ela está profanada. Assim como Paulo VI fez profanar as salas dos Museus do Vaticano, colocando nelas, em salas escuras, atapetadas por feltros grosseiros, pinturas e obras de arte moderna por onde passam céleres e sem olhar os turistas desibteressados, assim na Igreja de Santa Maria degli Angeli, depois do Vaticano II, se colocou uma horrenda estátua de bronze a que chamam de “O Anjo da Luz”.
O anjo da luz...
Lucifer…
Êi-lo.
Êi-lo em seu horror.
Negro. Sem face. Esquálido como um esqueleto. Contorcido como o desespero.
Esvoaçante como um fantasma. Como um negotium vagantur in tenebris.
Lúcifer na Igreja.
Com razão disse Paulo VI que, após o Vaticano II, a fumaça de Satanás entrara no templo de Deus.
Não só a fumaça entrou no templo de Deus. Mas o próprio Lúcifer também foi entronizado na Igreja della Madonna degli Angeli.
O anjo decaído, em seu negrume e em sua face de horror e de desespero foi posto no lugar santo.
Que contraste com o anjo do sorriso de Reims.
Que contraste entre a beleza gótica e o horror da arte moderna. Que contraste entre o céu e o inferno.
Entre a Igreja de sempre e a igreja nascida do Vaticano II, que fez Paulo VI usar uma cruz blasfema de horror. Foi o espirito do Vaticano II que permitiu à imagem de Lúcifer, -- o anjo negro do inferno—esvoaçar tétrico, no Templo de Deus.
Ate quando, meu Deus?
Exsurge, Domine. Quare obdormis?
Bendito aquele que vem em nome do Senhor: Benedictus, o Papa da Restauração da Igreja, da Missa, do gregoriano, da Verdade e da Beleza.
Permita Deus que logo mais,a fumaca de Satanás seja expelida da Igreja. Então, também esse horror que é o anjo de “luz” posto no lugar santo será exorcizado e jogado ao lixo.
Com toda a Modernidade.
São Paulo, 28 de Abril de 2009. festa de São Luis de Montfort.
Orlando Fedeli
Para citar este texto:
"O anjo do sorriso e o negro anjo da "luz""
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/negro-anjo-luz/
Online, 21/12/2024 às 12:47:35h