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O Motu Proprio é um texto de etapa
Pe. Claude Barthe
Este texto sobre a liberação da missa traditional, anunciando implicitamente outras medidas (revigoramento do poder e donúmero de membros da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei), imediatamente seguido pela publicação de um documento da Congregação para a Doutrina da Fé, visando enquadrar a interpretação de uma das expressões mais imprecisas do último Concílio, o susbistit in, parece confirmar o desenvolvimrento de uma verdadeira reviravolta eclesiológica. Seus adversários não se enganaram sobre isso: quanto à forma, o papa passa por cima de uma certa ‘colegialidade’, para se apoiar sobre os párocos dos quais, um certo número, estão notoriamente favoráveis à liberação litúrgica, contribuindo paradoxalmente, e por isso mesmo, a libertar das correntes da autoridade pessoal dos bispos de boa vontade.
Quanto ao fundo, ele restabelece a plenitude do princípio de direito de um rito litúrgico pré-conciliar e, consequentemente, volens nolens (querendo-se ou não), diminui a legitimidade de um rito que se apresentou como a expressão da reforma do Vaticano II. Este fato é feito praticamente 40 anos após a reforma litúrgica: a "missa normativa" conforme o novo Ordo fora, de fato, apresentada aos Bispos reunidos num sínodo, em outubro de 1967. Quarenta anos... A mesma duração do Cativeiro de Babilonia, ou do Grande Cisma, dirão com humor os amadores de leitura "espiritual" da História. Quarenta anos de um incompreensível pesadelo, e 25 anos de preparação!
Mas, a gestação deste texto foi mesmo muito longa. Anunciavam-no desde o início do pontificado de Bento XVI: a quantidade de boatos, de informações verdadeiras mas prematuras, de desinformações, de indiscrições sobre a sua data, sobre sua forma, poderiam ser objeto de um livro que mostraria a que ponto a idéia da sua publicação levantou oposições, provocou negociações, entremeadas de hesitações, durante dois anos. Antes, ainda : sabia-se que nos últimos anos do pontificado de João-Paulo II vários Cardeais, entre os quais Joseph Ratzinger, lhe haviam pedido uma medida semelhante à esta que acaba de ser tomada. Antes disso, o Cardeal Stickler revelara que o Cardeal Ratzinger havia organizado uma consulta aos Cardeais lhes perguntando se, na opinição deles, a missa tridentina havia sido, ou não , juridicamente ab-rogada. Ainda bem antes disto, praticamente desde o ingresso do mesmo Cardeal Ratzinger no Palácio do Santo Ofício, como já foi revelado, pela imprensa, houve uma reunião na Congregação para a Doutrina da Fé, por ele presidida, no dia 16 de novembro de 1982, com os Cardeais Baum, Casaroli (Secretário de Estado), Oddi (do Clero), Baggio (dos Bispos), e Mons. Casoria (Culto divino), durante a qual haviam sido unanimimente aprovados a não ab-rogação da missa tradicional bem como medidas quase idênticas a estas que acabam de ser publicadas. Em 1982 !... A publicação, agora,deste texto explosivo não foi, portanto, tomada em seis meses, nem em dois anos, mas em vinte e cinco anos!
Eu me limitarei aqui a algumas reflexões sobre o alcance eclesiológico do artigo 1 desta Carta apostólica sob a forma de Motu Proprio. Ele contém esta afirmação paradoxal – alguns dirão surrealista – para quem viveu quarenta anos de exclusiões, pressões, marginalisações, ou antes, verdadeiras perseguições: o missal tradicional, em sua última edição “típica” (1962), nunca foi ab-rogado! São muitos, os padres e fiéis, que sentiram pungente emoção: em poucas palavras, é toda uma parte da história de suas vidas, em seus corações – as condições da celebração da eucaristia – que acaba de ser declarada não ter sido senão um inconcebível pesadelo. Durante quarenta anos!
Inversamente (ao menos aparentemente, pois não se trata de verdadeira contradição), o artigo declara que um e outro missal, o de Paulo VI e o de S. Pio V, são "duas expressões da lex orandi da Igreja [que] não induzem a nenhuma divisão da lex credendi". Criou-se, assim, uma situação totalmente atípica. Certamente, sempre houve na Igreja distintos ritos litúrgicos, correspondendo a regiões geográficas, étnicas ou culturais diversas, mas jamais se havia sido visto, não só uma coexistência de fato, mas uma consagração de direito do paralelismo de dois estados sucessivos do mesmo rito.
Lex orandi lex credendi ?
Com efeito, há normalmente uma osmose entre o crescimento contínuo, sem ruptura nem involução, da lei da fé (o dogma) e da lei da oração (a liturgia). A história do dogma sempre foi inextricavelmente ligada à história do culto, ou antes, é uma mesma história de crescimento, de melhoria, de precisão. Bem entendido, não se trata de absolutisar a evolução histórica das formas rituais enquanto tais. Extrictamente falando, a impossibilidade de uma involução não diz respeito, nem ao interior do culto divino, nem à expressão da fé e dos costumes. Mas, quando uma liturgia é totalmente revisada e corrigida, tanto no conjunto como no pormenor, como foi o caso da liturgia romana depois do Vaticano II, o novo estado não pode senão representar um progresso na expressão da fé.
Com efeito, há normalmente uma osmose entre o crescimento contínuo, sem ruptura nem involução, da lei da fé (o dogma) e da lei da oração (a liturgia). A história do dogma sempre foi inextricavelmente ligada à história do culto, ou antes, é uma mesma história de crescimento, de melhoria, de precisão. Bem entendido, não se trata de absolutisar a evolução histórica das formas rituais enquanto tais. Extrictamente falando, a impossibilidade de uma involução não diz respeito, nem ao interior do culto divino, nem à expressão da fé e dos costumes. Mas, quando uma liturgia é totalmente revisada e corrigida, tanto no conjunto como no pormenor, como foi o caso da liturgia romana depois do Vaticano II, o novo estado não pode senão representar um progresso na expressão da fé.
Ora, a Carta apostólica nos diz que nesse caso [do Vaticano II e da Nova Missa], nada disso houve : no mínimo, a reforma de Paulo VI não realizou nenhum progresso, e pior – e o mínimo não é já o pior?– ela representou uma involução. Na realidade, a nova liturgia é congenitamente multiforme : as orações eucarísticas oficialmente utilisáveis na França, são dez, as variantes possíveis são inumeráveis, as interpretações pessoais, infinitas, tudo isto induzido por um anti-ritualismo de princípio. De modo que ela, de fato, é bem a expressão de uma "lei da oração" imprecisa, que se ajusta a uma "lei da fé” não menos precisa, a do Concílio nas suas partes que levantam mais dificuldades. O Cardeal Ratzinger não dizia que Na celebração da fé, que a multiplicação de orações eucarísticas "revela uma situação preocupante, tanto mais que a sua qualidade e a sua conveniência teológica estão às vezes no limite do suportável”? Da mesma forma portanto, que a multiplicidade das possíveis leituras do Concílio, praticamente contraditórias, decorre do seu caráter “pastoral”, igualalmente do mesmo modo, a nova liturgia, que não tem mais armadura ritual correspondente, no culto, à armadura dogmática no magistério, não pretende ser um limite intransponível da fé.
O Papa quer fazer a “reforma da reforma”
Seria muito arriscado prever o resultado das grandes evoluções eclesiológicas que parecem term sido abaladas, lentamente inicialmente (o Catecismo da Igreja Católica), em seguida, mais claramente (Dominus Jesus), e bastanet precisamente, hoje (Summorum Pontificum). Pode-se, contudo, imaginar, no campo extrictamente litúrgico, um duplo movimento. O missal tradicional contém, no seu canon, a expressão totalmente única da ação eucarística (o sacrifício da missa, sacrifício incruento, renovando o sacrifício do Gólgota, realizado sobre o altar para a difusão e a aplicação dos salutares frutos da Cruz), expressão redobrada – como, aliás, em todos as liturgias tradicionais – pela explicitação do que constituem as orações do ofertório, a ritualização dos gestos, a orientação da oração.
Seria muito arriscado prever o resultado das grandes evoluções eclesiológicas que parecem term sido abaladas, lentamente inicialmente (o Catecismo da Igreja Católica), em seguida, mais claramente (Dominus Jesus), e bastanet precisamente, hoje (Summorum Pontificum). Pode-se, contudo, imaginar, no campo extrictamente litúrgico, um duplo movimento. O missal tradicional contém, no seu canon, a expressão totalmente única da ação eucarística (o sacrifício da missa, sacrifício incruento, renovando o sacrifício do Gólgota, realizado sobre o altar para a difusão e a aplicação dos salutares frutos da Cruz), expressão redobrada – como, aliás, em todos as liturgias tradicionais – pela explicitação do que constituem as orações do ofertório, a ritualização dos gestos, a orientação da oração.
A “forma extraordinária” do rito romano, da Igreja Mãe e Mestra, da qual a Carta apostólica diz que ela deve ser "respeitada devido ao seu uso antigo e venerável", poderia, pois, se ver novamente reconhecida, especialmente no seu canon único– uma das maiores especifidades da liturgia de Roma – seu papel cultual de regula fidei (regra da Fé). Por outro lado, parece claro, no pensamento de Bento XVI, que a celebração pública do rito tridentino em numerosos lugares só pode ajudar fortemente a concretisar sua convicção profunda: a reforma de Paulo VI, depois de quarenta anos de uso, não tendo dado os frutos esperados, é preciso suave e pacientemente, muito mais na prática do que nos textos, passar por uma ‘reforma da reforma”, que a aproximará progressivamente do uso “antigo e venerável”. Além do reestabelecimento do do direito do missal de S. Pio V, Summorum Pontificum poderia então anunciar algo como um Missal de Bento XVI
Para citar este texto:
"O Motu Proprio é um texto de etapa"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/mp_etapa/
Online, 21/11/2024 às 08:49:18h