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Liturgia: quem tiver olhos para ver que veja.
Ronaldo Mota
Nos escritos de São Pedro Julião Eymard encontramos uma alma abrasada pelo amor ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Entre tão belas meditações, encontramos uma que fazemos questão de expor aos nossos leitores. Não apenas pela beleza e pela santidade de tais pensamentos, mas também pela conveniência de tais palavras para tempos tão decadentes como os nossos.
Meditando sobre a honra devida ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia, São Pedro proclama:
“A Ele toda honra solene, toda a magnificência, toda a riqueza, toda a beleza do culto, cujos pormenores Deus houve por bem determinar, no culto mosaico, que era apenas uma figura do nosso. Os séculos da fé, julgando-se sempre aquém do esplendor devido ao culto eucarístico, congregavam seus esforços nas basílicas e nos vasos sagrados, obras-primas de arte e de magnificência.
A fé era a autora dessas maravilhas. O culto e a honra tributados a Jesus Cristo são a medida da fé do povo, a expressão de sua virtude. Honra, pois, a Jesus Eucaristia que, merecendo-a, a ela tem direito.”.
E o que fez a verdadeira fé no decorrer de séculos de história da Igreja? Esforçou-se para honrar a N. Senhor de modo solene, com toda magnificência e com a máxima beleza possível de culto:
Como bem notou São Pedro Eymard, foi a fé que fez tudo isso. Foi a fé na Presença real, verdadeira e substancial de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Foi a compreensão de que, pelo milagre da transubstanciação, Nosso Senhor está de Corpo, Sangue, Alma e Divindade na Hóstia Consagrada.
Mas, infelizmente, os tempos mudaram...
Após o Concílio Vaticano II, foi criado o Comitê para a aplicação da Constituição Conciliar sobre a Liturgia. Esse Comitê apresentou, num Sínodo de Bispos reunido em Roma, em outubro de 1967, uma celebração experimental que chamaram “Missa normativa”. Havia no Sínodo um total de 187 bispos votantes. Destes, 43 recusarão a tal Missa. Outros 62 aceitaram com reservas. Houve 4 abstenções. E o restante aceitou. Ou seja, de 187 votantes apenas 78 aprovaram sem contestações![1]
O que havia nessa “Missa normativa” que gerou uma rejeição tão violenta?
Apesar da rejeição, essa Missa foi promulgada na forma do Novus Ordo Missae pela Constituição Apostólica Missale Romanum, em 3 de abril de 1969. E o que havia causado escândalo antes, causou novamente em 1969...
Os Cardeais Ottaviani e Bacci, apoiados por um grupo de teólogos e padres, numa carta ao Papa Paulo VI declararam:
“o novo Ordo Missae, considerando-se os novos elementos, suscetíveis de apreciações muito diversas, que aparecem aí subtendidas ou implicadas, distancia-se de modo impressionante, tanto no conjunto quanto no detalhe, da teologia católica da Santa Missa, tal qual foi definida e formulada na XX seção do Concílio de Trento.”.[2]
E acrescentaram:
“O novo Ordo Missae, como a ‘Missa normativa’, foi feito para agradar sobre muitos pontos os mais modernistas dos protestantes.”.[3]
Ora, é sabido que não foram apenas esses cardeais, teólogos e padres que reagiram, mas ocorreram diversas reações em todo o mundo. Esses cardeais, contudo, nos dão alguns argumentos impressionantes contra a Missa Nova.
Analisando a reforma do Novus Ordo Missae, eles encontraram diversos defeitos e erros graves. Nesse artigo nós vamos lembrar basicamente alguns daqueles que se referem à Presença real de N. Senhor na Eucaristia.
Primeiramente, ao analisar a definição de Missa da Constituição Apostólica Missale Romanum, chega-se à conclusão de que:
“Nada disso implica na Presença real, nem na realidade do Sacrifício”.[4]
Simplesmente terrível.
Não é de se estranhar, pois, que Pe. Joãozinho e Pe. Fábio de Melo neguem tranquilamente a Presença real de Cristo na Eucaristia. Aliás, apesar das críticas eles não repudiaram as heresias e continuam divulgando-as em vídeos e em livros...
Também não é de se estranhar que os católicos não saibam mais o que é a Missa.
Na Constituição Apostólica que instaurou a Missa Nova já não se mencionava mais explicitamente o Santo Sacrifício. E por quê?
“A razão pela qual o Sacrifício não é mais mencionado explicitamente é porque se suprimiu o papel central da Presença real.”.[5]
Por fim, continuam os cardeais, “é impossível não notar a abolição ou a alteração dos gestos pelos quais se exprime espontaneamente a fé na Presença Real. O Ordo Missae elimina:
- As genuflexões, cujo número foi reduzido a três para o padre, e apenas uma (com exceções) para os fiéis, no momento da consagração;
- A purificação dos dedos do padre sobre e no cálice;
- A preservação dos dedos do padre de qualquer contacto profano após a consagração;
- A purificação dos recipientes sagrados, que pode ser adiada e feita fora do corporal;
- A pala protegendo o cálice;
- A douração interior dos recipientes sagrados;
- A consagração do altar móvel;
- A consagração solene para altares móveis.
- As pedras consagradas e relíquias dos santos no altar móvel ou na “mesa” quando a Missa é celebrada fora de um lugar sagrado. (Este último ponto cria a possibilidade de “eucaristias domésticas” em casas particulares).
- As três toalhas no altar, reduzidas para uma.
- A ação de Graças para a Eucaristia feita ajoelhada, agora substituída pela grotesca prática do padre e do povo sentando-se para fazer a ação de graças – um acompanhamento bastante lógico para o ato de receber a comunhão em pé.
- Todas as antigas prescrições a serem observadas no caso de uma hóstia que caía no chão, as quais agora se reduzem a uma única e quase sarcástica instrução: “Ela deve ser recolhida de forma reverente”.
Todas estas supressões não fazem senão acentuar, de modo provocante, o repúdio implícito do dogma da Presença real.”.[6]
Alguns lobos em pele de cordeiro tentam tapar o sol com a peneira. Não querem ver os problemas da Missa Nova, fruto do Concílio Vaticano II. Dizem eles descaradamente que o Ordo Missae de Paulo VI é a Missa que o Papa celebra e que, portanto, não pode ser criticada. Mas esquecem – esquecem? – que o Bento XVI referiu-se a Missa Nova nos seguintes termos:
“Aquilo que se passou após o concílio significa absolutamente outra coisa: no lugar da liturgia fruto de um desenvolvimento contínuo, colocou-se uma liturgia fabricada. Saiu-se do processo vivo de crescimento de desenvolvimento para entrar na fabricação. Não se quis mais continuar o desenvolvimento e a maturação orgânicos do vivo através dos séculos, e se os substituiu – ao modo de produção técnica – por uma fabricação, produto banal do instante. Gamber, com a vigilância de um autêntico observador e com a intrepidez de uma verdadeira testemunha, se opôs a essa falsificação e nos ensinou incansavelmente a viva plenitude de uma liturgia verdadeira, graças a seu conhecimento incrivelmente rico das fontes.”.[7]
E o que nos diz esse grande estudioso da liturgia – tão elogiado por Bento XVI – sobre a reforma litúrgica?
“De ano em ano a reforma litúrgica, saudada com muito idealismo e grandes esperanças por numerosos padres e leigos, se afirma ser, como nós já esboçamos, uma desolação litúrgica de proporções assustadoras.”.[8]
Os lobos não sabem? Eles não vêem os problemas?
É evidente que sendo lobos fingirão não ver...
Em todo caso, nesse livro, apresentado pelo Papa Bento XVI como o ponto de partida para discussões sobre os problemas da reforma litúrgica, Mons. Gamber explica o porquê da desolação litúrgica. Segundo ele, houve na reforma litúrgica “uma assustadora aproximação com as concepções do protestantismo e, de fato, um afastamento considerável das velhas Igrejas do Oriente. O que significa nada menos que o abandono de uma tradição até este dia comum ao Oriente e ao Ocidente.”.[9]
E qual foi o resultado dessa Revolução Litúrgica?
Quais foram as consequências das mudanças na liturgia e da abolição dos gestos e orações (tão justos e necessários) que explicitavam a doutrina católica da Presença real de N. Senhor na Hóstia consagrada?
Pelos frutos conhecereis...
Recordemo-nos das palavras de São Pedro Eymard e meditemos com sinceridade sobre o exposto acima:
“O culto e a honra tributados a Jesus Cristo são a medida da fé do povo, a expressão de sua virtude.”
Quem tiver olhos para ver que veja.
[1] Bref examen critique. Cardinal Ottaviani, préfet de la Congrégation pour la doctrine de la Foi et Cardinal Bacci.
[2] Idem. O negrito é nosso.
[3] Idem
[4] Idem
[5] Idem
[6] Idem
[7] Mgr. Klaus Gamber. La Réforme Liturgique em question. França : Éditions Sainte-Madeleine, 1992, p. 8
[8] Idem. op. cit. p 15
[9] Idem. Ibidem.
Para citar este texto:
"Liturgia: quem tiver olhos para ver que veja."
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/missa-nova/
Online, 21/11/2024 às 08:54:40h