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Igreja
Fraternidade?
Orlando Fedeli
A CNBB lançou em 1986 mais uma de suas campanhas político-subversivas da fraternidade, sob o slogan ambíguo "Terra de Deus, terra de irmãos".
Subjacente ao slogan encontra-se a idéia - claramente defendida no Texto Base da Campanha - de que o único domínio real e legítimo sobre a terra é o divino e, por isso, o direito particular de propriedade deveria ser abolido.
Leão XIII respondeu antecipadamente a esse sofisma, na encíclica Rerum Novarum: "Não se oponha também à legitimidade da propriedade particular o fato de que Deus concedeu a terra a todo o gênero humano para a gozar, porque Deus não a concedeu aos homens para que a dominassem confusamente todos juntos. Tal não é o sentido dessa verdade. Ela significa unicamente que Deus não assinou uma parte a nenhum homem em particular, mas quis deixar a limitação das propriedades à indústria humana e às instituições dos povos" (Leão XIII - Rerum Novarum, Vozes, Petrópolis, p.7).
Levado às últimas consequências o sofisma da CNBB - que nega a legitimidade do domínio particular onde existe o domínio de Deus - resvalar-se-ia para a abolição do matrimônio e para o amor livre. Pois se essa incompatibilidade de domínio fosse verdadeira, como Deus é o único senhor dos seres humanos, não existiria o direito mútuo e pessoal dos esposos um sobre o outro. Cada um seria de todos, cada uma de todos.
Esta nova campanha da CNBB é uma aplicação concreta da famigerada Teologia da Libertação ao problema da terra.
Como recomendam os Boffs (cfr. L. e C. Boff - Da libertação, Vozes, Petrópolis, 1985, p.17), a CNBB faz uma releitura da Bíblia sob o enfoque marxista da luta de classes. Para isso, seu Texto Base para a Campanha não hesita em deturpar a História Sagrada.
Assim, na p.2, a CNBB sustenta que "a páscoa originou-se nas famílias israelitas como celebração histórica da posse da terra". Nada mais falso. Como é sabido, a páscoa israelita comemorava a passagem do anjo exterminador dos primogênitos do Egito (cfr. Ex. XII).
Em outro trecho, lê-se que "a conquista de Canaã à luz dos estudos históricos deve se compreender, na maioria dos casos como a ocupação pacífica de terras substancialmente desocupadas; e, em outros, como uma rebelião de pobres e sem terra contra os cananeus que os oprimiam" (no 41 - o sublinhado é nosso). Isso também não é verdade. Os israelitas estavam migrando e não sob o domínio dos cananeus, tendo conquistado à força a Palestina, já ocupada por estes. É o que relata o Livro de Josué.
Segue também a linha da Teologia da Libertação a apresentação de Cristo como aquele que veio nos impelir a viver "a fraternidade libertadora" e proclamou "bem aventurados os humildes porque receberão a posse da terra (sic) (Mt 5,4)" (no 125 e 123), assim como a descrição de Nossa Senhora como profetisa da Revolução (cfr. no 128).
Afirma ainda a CNBB que o mal institucional no mundo capitalista advém de seu "materialismo prático", residente nos conceitos correntes de "propriedade isolada, absoluta e irrestrita da terra, tão em voga entre nós" (no 91). E conclui: "a Terra, dom de Deus, é dom para todos os homens e jamais só para alguns" (no 8). Daí, seria necessária a eliminação da propriedade particular para estabelecer a justiça, a qual, segundo a CNBB consistiria em "relações mais igualitárias" (cfr. no 130). Quando houvesse absoluta igualdade econômica, quando tudo fosse de Deus e não de alguns homens apenas, então viria o Reino de Deus à terra. E a entidade episcopal declara que deseja "vivenciar" o Reino de Deus já na história, embora ele só vá se realizar plenamente na trans-história (cfr. no 125).
Adverte a CNBB que é preciso aguardar a realização desse Reino igualitário e comunista com fé. Porém, como ela teme que não exista fé capaz de remover a montanha capitalista, previne-se recordando que o Reino milenarista não será dado aos que dizem: " 'Senhor, senhor', mas àqueles que praticam a vontade do Pai (cfr. Mt. 7,21) e são violentos em conquistá-lo (cfr. Mt. 11, 12)". (cfr. no 126).
Esse Reino que a Teologia da Libertação e a CNBB esperam não é católico porque, segundo Leão XIII, "a igualdade que a Igreja proclama conserva intactas as distinções das várias classes sociais, evidentemente requeridas pela natureza" (Leão XIII Parvenu, Vozes, Petrópolis, p. 16). O mesmo Papa ensina que "a própria natureza exige repartição dos bens em domínios particulares, precisamente a fim de poderem as coisas criadas sevir ao bem comum de modo ordenado e constante" (Rerum Novarum, ed. cit. p. 17).
Para dar base a um slogan ambíguo e socialista, a CNBB, além de ensinar uma doutrina diversa do magistério pontifício, tem ainda a ousadia de deturpar as palavras de S. Tomás de Aquino, afirmando que "ele sustenta dois princípios; primeiro: Deus destinou os bens a todos os homens; segundo: é necessária a partilha tanto para uma boa gestão dos bens como para a paz, pois a falta de partilha é fonte de conflito (cfr. Summa Theologtica II-II q 66, a a 2, 6; q 134 a I ad 3)" (no 139).
Ora, nessa passagem S. Tomás defende justamente a tese de que é lícito ao homem possuir bens particulares, sendo isso útil, entre outras razões, porque "cada um é mais solícito na gestão daquilo que lhe pertence com exclusividade do que naquilo que é comum a todos ou a muitos" e porque "se administram mais ordenadamente as coisas humanas quando a cada um incumbe o cuidado de seus próprios interesses, enquanto reinaria confusão se cada um cuidasse de tudo indistintamente". Vê-se, pois, que o ensinamento de S. Tomás é oposto ao da CNBB.
Afirma o mesmo Santo, ainda nesse trecho: "o estado de paz entre os homens se conserva melhor se cada um está contente com o que é seu, pelo que vemos que entre os que possuem alguma coisa em comum e sem divisão (ex indiviso) mais frequentemente surgem as contendas" (suma Teológica II-II q. 66 a.2).
Assim, São Tomás ensina que a posse comum, sem partilha em propriedades privadas é prejudicial e incoveniente, porque traz contendas. Ele defende a partilha da terra em propriedades particulares. A CNBB, pelo contrário, defende a partilha da propriedade particular, como se não houvesse direito a ela. Ela deseja a propriedade comum e, portanto, quer a guerra e não a fraternidade.
O folheto e a campanha da CNBB não pregam a fraternidade mas a luta de classes. A CNBB propaga o ódio e não o amor. Quer a guerra e não a paz.
Publicado no Jornal Veritas, no 7 - março de 1986 - ano2
Para citar este texto:
"Fraternidade?"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/fraternidade/
Online, 21/11/2024 às 08:54:05h