Artigos
Igreja
Necessidade relativa da escola católica: mentalidade fruto do Vaticano II
Alberto Zucchi
“Reler livros antigos é sempre interessante”. Esta é uma frase que ouvi o Professor Orlando repetir muitas vezes. O Professor, que tinha uma memória excepcional, não se referia a relembrar simplesmente o que continha o livro, mas, muitas vezes, dizia ele, a releitura permitia focar um ponto que antes passara desapercebido ou que tinha algum especial interesse para a atualidade.
Estava em uma festa junina com amigos no oeste do Paraná. Ganhei em uma das primeiras rodadas do bingo um livro: Iota Unun de Romano Amério. O livro trata de forma extensiva e detalhada do Concilio Vaticano II e das suas consequências, demonstrando de forma inequívoca que, em vários pontos da doutrina da Igreja, houve uma mudança. Daí o nome do livro, em referência à frase de Nosso Senhor de que nem um jota da lei seria modificado com a vinda do Messias.
Romano Amério, foi professor de filosofia e teologia, era leigo e faleceu em 1997. O Professor Orlando esteve com ele no congresso promovido de Fraternidade São Pio X, na Argentina que comemorou os quinhentos anos de descobrimento da América. Neste Congresso ambos foram palestrantes.
Como o bingo se prologava, comecei a releitura abrindo as páginas aleatoriamente e eis que apareceu um capítulo com o título: A Escola. Do capítulo constava um subtítulo: Necessidade Relativa da Escola Católica.
O capítulo se baseia na análise da Declaração Gravissimum Educationis, um dos documentos do Vaticano II, a qual admite um valor positivo na educação que prescinde dos valores religiosos do homem. A Declaração reivindica, ainda, o direito da Igreja de ter suas escolas. Já não considerando, entretanto, que este fosse um direito decorrente da sua própria Missão dada por Nosso Senhor, mas sim um princípio advindo da própria sociedade civil, que é o da liberdade que iguala todas as religiões.
O que mais me chamou atenção foi o tópico deste capítulo que tem como título “Necessidade Relativa da Escola Católica”. Citando um discurso de Paulo VI proferido em 30 de dezembro de 1969, Romano Amério comenta: “A necessidade da escola católica é reafirmada por Paulo VI... mas como necessidade condicionada, não decorrente da natureza axiológica da Igreja” (o destaque é do autor).
Diz o Papa em seu discurso: “A escola católica é necessária para quem quer uma formação coerente e completa; é necessária como experiência complementar no contexto da sociedade moderna; é necessária onde faltam outras escolas; é necessária também para uso interno da Igreja, a fim de que esta não se veja prejudicada no esforço e na capacidade de exercer seu ministério fundamental de ensinar”.
Na sequência, Romano Amério comenta as afirmações do Papa:
“Como se depreende dos termos utilizados, escola católica é, por assim dizer, uma forma adicional de educação que responde às necessidades dos que querem uma formação mais completa, mas não propriamente às necessidades dos cristãos comuns, que podem se formar sem ela. O Papa designa à escola católica por si mesma apenas um ofício de integração e de complemento em relação à escola estatal, que se supõe idônea para dar à pessoa um completo desenvolvimento mental e moral. Contudo, se pelo contexto deve-se entender que a sociedade moderna a que o Pontífice se refere é a estrutura pluralista, então (como já dissemos acima) o pluralismo seria a base sobre a qual a escola católica teria o seu direito de existir, e esta subsistiria somente enquanto o pluralismo prevalecesse”.
Portanto, estão em linha com a mentalidade do Vaticano II todos os sistemas modernos que pretendem fazer um ensino que prescinda da escola católica. A ideia de prescindir da escola católica está também de acordo com os princípios liberais da Revolução Francesa. Romano Amério não poderia ter sido mais objetivo e preciso.
Ainda assim, é de espantar a quantidade de católicos, inclusive entre aqueles que se apresentam como tradicionais e contrários aos princípios liberalizantes do Vaticano II, que defendem a ideia de que a escola católica é algo secundário, ou pelo menos facultativo. Veja-se, por exemplo, como a ideia do homescooling se espalha nas famílias católicas.
Claro é que na situação do mundo moderno, muitas vezes, é impossível enviar as crianças para a escola formal. Mas, neste caso, as famílias devem unir esforços para fundar escolas católicas e não para se adaptar e pretensamente se beneficiar do pluralismo moderno.
Na sequência do capítulo, Romano Amério comenta sobre um documento da Congregação para Educação Católica de 16 de outubro de 1982, no qual a educação é apresentada como autoeducação, tecendo louvores à escola laica, reforçando a ideia, nascida do Vaticano II, de que a escola católica não seria necessária, mas apenas complementar e desejável.
Por fim o capítulo ainda mostra como, com o passar do tempo, a rejeição da escola católica foi crescendo entre o laicato e até mesmo entre o clero.
Foi por causa desta mesma mentalidade, que agora é triunfante, que quando propusemos nas reuniões de comissão do Sínodo da Arquidiocese de São Paulo que houvesse um empenho em restabelecer escolas católicas de famílias e paróquias, recebemos como resposta uma total discordância dos que estavam presentes, alegando que a educação era uma obrigação do Estado e que aos católicos cabe apenas cobrar do mesmo um ensino de qualidade.
Triste situação a nossa, em que um grande número de católicos, muitos dos quais se apresentam de linha conservadora e até tradicional - mesmo professores de catecismo! - não aplicam os princípios da Divini Illius Magister, mas, cansados de tanto combater, se conformam com a ilusão de que a escola laica é suficiente.
Alberto Zucchi
26/07/2022
Para citar este texto:
"Necessidade relativa da escola católica: mentalidade fruto do Vaticano II"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/educacao_e_cvii/
Online, 21/11/2024 às 08:35:24h