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Concílio Vaticano II criticado em congresso realizado em Roma
Marcelo Fedeli
NOTA INTRODUTÓRIA:
Contando com a significativa presença de dois cardeais, diversos bispos e ilustres monsenhores e sacerdotes, bem como com conhecidos leigos católicos, realizou-se em Roma, do dia 16 a 18 de dezembro último, um congresso com o tema: “O Vaticano II: um concílio pastoral. Análise histórica, filosófica e teológica. Congresso de estudos sobre o Concílio Vaticano II, para uma sua justa hermenêutica à luz da Tradição da Igreja”“, cujas versões dos resumos publicamos abaixo.
O Congresso, realizado por iniciativa dos Frades Franciscanos da Imaculada de Florença – Itália, contou com os seguintes principais participantes e/ou conferencistas:
· Cardeal Velasio de Paolis, Presidente da Prefeitura de Assuntos Econômicos da Santa Sé, que encerrou os trabalhos;
· Cardeal Walter Brandmüller, Presidente emérito do Pontifício Comitê das Ciencias Históricas;
- Mons. Luigi Negri, Bispo de San Marino-Montefeltro;
- Mons. Atanásio Schneider, Bispo auxiliar de Karaganda;
- Pe. Dr. Florian Kolfhaus , da Secretaria de Estado do Vaticano
- Pe. Dr. Brunero Gherardini, Prof. da Pont. Universidade de Latrão;
- Pe. Prof. Don Nicola Bux, Prof. Instituto Ecumênico de Bari;
- Pe. Rosario M. Sammarco, Prof. do Sem. T. Immacolata Mediatrice;
- Pe. Ignacio Andereggen, Prof.Pont. Universidade Gregoriana;
- Pe. Paolo M. Siano, Prof. doSem. T. Immacolata Mediatrice;
- Pe. Giuseppe M. Fontanella Prof. do Sem. T. Immacolata Mediatrice;
- Pe. Serafino M. Lanzetta, Prof.Sem. T. Immacolata Mediatrice;
- Roberto de Mattei, Universidade Européia de Roma;
- Yves Chiron, Diretor do Dictionnaire de biographie française e conhecido biografo do Papa Paulo VI.
A presença inédita de dois cardeais neste recente Congresso revela como depois do famoso discurso do Papa Bento XVI à Cúria Romana, em dezembro de 2005, o pastoral Concílio Vaticano II vem sendo cada vez mais contínua e firmemente criticado, confirmando-se, assim, que certas graves afirmações, imprecisões, ambigüidades e omissões dos seus textos contribuíram para levar a Igreja e o Mundo à crise religiosa que lhe seguiu. Antes daquele citado discurso do Papa, não se podia nem cogitar em fazer a menor crítica àquele Concílio, nem à Nova Liturgia a que ele abriu as portas para a inovação criativa de Mons. Bugnini: os então modernistas de plantão, tão melífluos, tão moderados e tão condescendentes diante de hereges e de heresias, lançavam a sua mais radical excomunhão a quem isto ousasse fazer!... Para estes progressistas, podia-se criticar tudo da Igreja, os 20 Concílios anteriores, a Tradição, o Magistério de sempre, mas, o Concílio Vaticano II e a Missa Nova, jamais!...
Graças a Deus, porém, nestes últimos anos, ‘alguma coisa vem se movendo em Roma‘: agora até Congresso, com a presença de cardeais, de membros da Cúria Romana e da alta hierarquia da Igreja, é realizado para uma crítica ‘construtiva‘ tanto ao Concílio como à Nova Liturgia, sem contar com a recente criação de Instituto religioso com missão específica para estes mesmos fins, como é o caso do Instituto do Bom Pastor.
Dessa forma está ficando cada vez mais clara a impossibilidade de se isentar totalmente o Concílio da responsabilidade do surgimento posterior de interpretações teológicas aberrantes, pois, como isto é patente, o Concílio é, no mínimo, responsável por omissão, por ambigüidades e pela não clareza dos seus textos em relação aos ensinamentos do Magistério de sempre e infalível da Santa Igreja.
Assim,tendo em vista a importância e significado desse Congresso, publicamos versões dos resumos de palestras nele apresentadas, conforme site da Congregação dos Frades Franciscanos da Imaculada (Florença-Itália) que o organizou, iniciando com o artigo “O CONCÍLIO VATICANO II É UM PROBLEMA?”, do Pe. Serafino M. Lanzetta, também conferencista, veiculado dois dias antes do abertura daquele Congresso, lhe servindo de introdução.
Além deste, seguem abaixo as versões das seguintes palestras até agora publicadas no site fonte: http://catholicafides.blogspot.com/2010/
- ALGUNS PERSONAGENS, FATOS E INFLUXOS NO CONCÍLIO VATICANO II - Resumo da apresentação do Pe. Paolo Siano, FI
- SOBRE A PASTORALIDADE DO CONCÍLIO, NEMNHUMA DÚVIDA E NENHUMA DISCUSSÃO – Resumo da conferência de Mons. Brunero Gherardini
Marcelo Fedeli
1 - O Concílio Vaticano II é um problema?
Pe. Serafino M. Lanzetta, FI * ROMA,
14 de dezembro de 2010
Aproxima-se o congresso dos Franciscanos da Imaculada sobre o Concílio Vaticano II como concílio pastoral, num clima muito tenso e num crescente debate, sinal de que se esconde um problema, ligado a uma esperança. Pretende-se iluminar a verdadeira natureza do Concílio, conforme o mesmo Concílio realmente quis ser – e não a natureza criada, e quase sempre equivocada, que acabou fazendo do Vaticano II ou único concílio dogmático do cristianismo, ou um ‘concílio-meteorito’, que se pode simplesmente descartar. Até recentemente, só pensar em se colocar diante do Vaticano II de um modo crítico, seria como uma cripto-heresia pelo manto de silêncio que necessariamente devia prevalecer, cobrindo-o só de elogios e de louvores.
No entanto, depois de mais de quarenta anos, estamos diante de um fato inegável: aquela forma de considerá-lo independente da Tradição, ou seja, na da ruptura e do espírito inovador do Concílio prevaleceram e a Igreja lenta e progressivamente se secularizou. O mundo, num certo sentido, venceu a Igreja; justamente aquele mundo que o Concílio, de todos os modos, queria atingir. O Vaticano II é um problema? Sim, no sentido em que as raízes da inspiração pós-conciliar não estão somente no pós-concílio. O pós-concílio não surgiu de si mesmo. Portanto, é preciso levar a sério esta questão por amor à Igreja e para o futuro da fé no mundo e buscar e examinar a raiz do problema.
Trata-se de uma questão muito sutil e delicada que requer atenção e cuidadosa análise. Claro, não condividimos com aquela excessiva dogmatização do Vaticano II só por se tratar de Concílio Ecumênico, voltada a proteger o Concílio das duras críticas do tradicionalismo avançado. Os problemas da ruptura não são visíveis somente depois do Concílio, mas dentro do próprio Concílio e, se analisarmos, até numa teologia que já se delineava no pré-concílio: aquela teologia que preferia o método das ciências humanas e da filosofia moderna (da qual Rahner é um exemplo) ao método metafísico-escolástico.
Ora, as questões que se delineavam e que exigem uma resposta clara são duas: Por que prevaleceu a ruptura? E onde se encontra a base de apoio para dogmatizar a ruptura? A ruptura prevaleceu valendo-se de uma escassa clareza dogmática que há no Concílio, pelo fato óbvio de se colocar como concílio pastoral, mas que necessariamente quer e deve enfrentar também questões e pontos doutrinários. Pretendia-se avançar a doutrina da fé, mas com um discurso pastoral: utilizar um discurso dogmático, da forma como era entendido antes, foi considerado anacrônico. Isto se nota, por exemplo, na recusa in toto dos temas preparados previamente. Dois elementos são necessários para se compreender o conteúdo geral dos 16 documentos: uma abordagem mais dedutiva e o caráter pastoral intrínseco do Concílio em preferência à metafísica (que são diferentes e a cada um se deve aplicar uma específica hermenêutica), e a possibilidade de interpretá-los à luz da perene Tradição da Igreja, de um modo sub-reptício, tentando assim, infelizmente, justificar esta intenção. Chega-se desse modo à segunda questão.
Pode-se criticar o Vaticano II por formular também doutrinas erradas ou por trair o magistério?... pois os documentos, enquanto formulados sob o aspecto pastoral, e não para definir uma doutrina de fé ou de moral, nos fariam ver, quando levados ao absoluto, como patrimônio distinto dos outros, como o novo modo de dizer a doutrina de sempre. Aqui se oculta um outro grande problema: o termo “pastoral” sofreu uma forte evolução, até tornar-se, em alguns teólogos, o modo prático de mudar, com uma nova linguagem, com uma nova teologia, o modo de expor a doutrina e até a própria doutrina. A pastoral, vista, porém, de um modo completamente novo e geralmente revolucionário, tornou-se a medida da teologia que muda conforme a época e os tempos: isto teria sido legitimado pelo Concílio. Evidentemente aqui se baseia o Concílio — que serviria somente se isolado do seu contexto e da Tradição — aos próprios desejos de aggiornamento [adaptação ao mundo], não da piedade cristã e da fé subjetiva, mas da fé entendida como depósito que evolui e pode mudar. O motivo aqui é o ingresso da categoria “história” no conjunto da Revelação. A Revelação assume em si o momento histórico e a história guia a compreensão da Revelação. A Fé, dessa forma, fica subordinada ao “evento Vaticano II”, terminando em crer mais no evento do que na Igreja-mistério.
De tudo isto se conclui que o Vaticano II (como qualquer outro concílio) deve ser necessariamente interpretado (também o dogma deve ser visto sempre do modo justo). Mas, para uma interpretação correta são necessárias três coisas:
1) levar em conta a natureza pastoral do Concílio e, portanto, de um progresso ou regresso doutrinal, quando aquela novidade é entendida como ruptura;
2) considerar o teor dos documentos do Concílio: os documentos no seu conjunto são expressão de um magistério solene e ordinário autêntico; infalível somente indiretamente, ou seja, quando afirma doutrinas já definidas ou doutrinas definitive tenenda, cuja definitividade é expressa pelo próprio magistério. O progresso dogmático do Vaticano II, que pode indicar uma eventual continuidade / descontinuidade, deve ser avaliado à luz da teologia e limitado aos instrumentos teológicos, pelo fato de estarmos diante de um magistério ordinário e não definitivo. Neste caso, a teologia torna-se serva do magistério;
3) é necessário, enfim, contextualizar o Vaticano II, analisando também os fatos históricos correlatos: a crise modernista do início do século XX; o notável desenvolvimento teológico e o novo método utilizado na teologia, nem sempre, porém, conforme o sentir da Igreja; a passagem da modernidade à pós-modernidade, como a crise dos mesmos pontos conquistados pela razão iluminada e vontade de rebelar-se contra toda e qualquer instituição — também na Igreja entrou a contestação — com a revolução cultural de 1968. É preciso levar em conta, em outros termos, um mundo que está profunda e repentinamente mudado, por outro ora já diferente daquele do Concílio e previsto na análise da Gaudium et spes.
Daí a necessidade de uma análise crítica que seja construtiva para uma adequada interpretação do tema conciliar. A Igreja não começa com o Concílio Vaticano II, mas, com Jesus Cristo. A medida última da avaliação da fé, de fato, não é o Concílio, mas a Tradição da Igreja. O Concílio traz um avanço na fé, mas não muda a Igreja. Se a Igreja mudou, não foi por causa do Concílio em si, mas devido a uma visão errada da “conciliaridade” e, portanto, da própria Tradição da Igreja. A Igreja convocou e aprovou este Concílio como os 20 que o precederam. Isto significa, portanto, que o progresso é indiscutível, mas todo o progresso indica também certo regresso, em razão da falsidade e dos erros que nele podem se fixar. Trata-se de examinar de modo crítico os pontos em que estas falsidades possam estar imiscuídas e, portanto, proceder a uma atenciosa hermenêutica do Vaticano II à luz da fé de sempre. E isto é o que nos propomos a fazer no nosso Congresso.
[Para maiores informações: http://catholicafides.blogspot.com/
*Padre Serafino M. Lanzetta, sacerdote do Instituto dos Franciscanos da Imaculada, é pároco da igreja de S. Salvatore in Ognissanti (Florença) desde 2004 e ensina dogmática no Instituto Teológico “"Immacolata Mediatrice" (Cassino - Frosinone).
A partir de 2006 é diretor da revista teológica "Fides Catholica". É colaborador de diversas publicações culturais e teológicas e organizou até agora dois congressos teológicos no Cenacolo del Ghirlandaio, Florença, e as respecivas publicações dos trabalhos lá apresentados.
22 dezembro 2010
O Congresso sobre o Concílio Vaticano II dos Franciscanos da Imaculada, realizado em Roma de 16 a 18 de dezembro, foi uma das primeiras respostas ao convite ao debate e análise crítica sobre o Vaticano II, depois da reviravolta de Bento XVI no seu célebre discurso à Cúria Romana de 22 de dezembro de 2005. O debate foi recentemente reavivado, também nos jornais, depois da publicação ocorrida ainda neste mês de dezembro de 2010, do estudo histórico-sistemático sobre o concílio, feito pelo Prof. Roberto De Mattei (Il Concilio Vaticano II. Una storia mai scritta, Lindau, Torino 2010). Neste contexto, o Congresso dos Franciscanos da Imaculada representou uma excelente síntese das pesquisas histórico-teológicas sobre o Concílio, sobre a hermenêutica que lhe seguiu, sobre o valor dos seus documentos e também sobre seus pontos menos claros e mais problemáticos.
Os trabalhos foram abertos no dia 16 de dezembro por S. Excia, Revma. Mons Luigi Negri, Bispo de San Marino-Montefeltro e conhecido teólogo e apologista, explicando brilhantemente as causas da perda da identidade cristã no contexto da modernidade ocidental. «O homem que o Concílio encontra—disse Mons. Negri --- carrega sobre suas costas a falência da modernidade». O prelado salientou que a cultura cristã na época moderna primeiramente enfrentou a cultura secular, mas, pouco a pouco, acabou sendo absorvida por esta última, perdendo as suas características e adquirindo as linhas do pensamento do racionalismo e do iluminismo. O Concílio podia representar uma ocasião propícia para recentralizar a cultura católica sobre a Tradição, mas, minado pela contraposição, pelas lutas internas, pelas interpretações secularizadas e vagas aplicações, ele não pode desenvolver o seu papel, e no pós-Concílio o que acabou prevalecendo não foi a fé e identidade, mas o aggiormamento, ou seja, a adaptação da Igreja à estéril mentalidade do mundo. Somente um retorno à identidade poderá bloquear a crise atual de fé que se nota há algumas décadas.
Na mesma manhã tomou a palavra Mons. Brunero Gherardini, grande expoente da escola teológica romana, autor de dois recentes livros de capital importância, sendo, o primeiro dedicado ao próprio Concílio (Concilio Ecumenico Vaticano II. Un discorso da fare, Casa Mariana Ed. 2009) e o segundo, ao conceito de Tradição, sob o angulo da teologia católica (Quod et tradidi vobis La Tradizione vita e giovinezza della Chiesa, Casa Mariana Ed. 2010). «O Concílio Vaticano II ---afirmou Mons. Gherardini --- não foi um concílio dogmático e nem mesmo disciplinar, mas somente um concílio pastoral, sendo que o genuíno significado da sua pastoralidade se encontra ainda na bruma» Antes de se analisar o Concílio convém distinguir quatro diferentes níveis que exprimem todos, mas com qualidade teológica diversa, o seu supremo Magistério. Indicar neste resumo as graduações sugeridas por Mons. Gherardini seria trair a específica exatidão teológica; assim nos limitamos a salientar o fato de que, segundo esta exegese, somente um destes níveis, o terceiro, exige uma incontestável validade dogmática, ainda que indiretamente, deduzida da precedente definição: este nível coincide com as notáveis citações que o Concílio faz de doutrinas já solenemente definidas que tratam de temas de fé e de moral. Os demais temas do magistério conciliar, pela sua natureza pastoral, pela sua intrínseca novidade ou pela sua contextualização histórica contingente, não envolvem nem infalibilidade, nem definibilidade, no entanto exigem certo respeito, mas não «a obediência da fé». O erro de muitos teólogos do pós-Concílio foi exatamente de dogmatizar um Concílio que se qualificou como pastoral, conforme determinou o Papa João XXIII que o convocou.
Na segunda parte da manhã, Pe. Rosario Sammarco FI falou da Formação permanente do Clero à luz da Presbyterorum ordinis. Com uma linguagem direta e atraente, o orador mostrou como esta justa indicação conciliar tenha se perdido nos meandros do pós-Concílio marcado por aquela evidente ruptura com a Tradição causada, como diria Bento XVI, pela “teologia moderna”. Fato significativo, salientado pelo teólogo, do desaparecimento a partir dos anos 70 da discussão dos “casos de moral”: esta importante prática, aconselhada pelos santos, como por S. Carlos Borromeu e que se generalizou no decorrer do século XIX constituindo um ponto de referencia para confessores e pastores de almas, desaparece repentinamente nos anos 70, sendo até cancelada pelo novo Código de 1983. Sinal de quanto a ruptura e a descontinuidade não se registraram somente entre o pré-Concílio e o Concílio, mas também entre o Concílio e pós-Concílio. O pós-Concílio, por exemplo, no uso do latim litúrgico recomendado pela assembléia conciliar e não seguido nos fatos posteriores, não foi uma “germinação espontânea”, mas foi desejado e intencionalmente mal aplicado pelas autoridades competentes, justamente pela influencia antropológica contrária à teologia e à própria religião.
Depois do Pe. Sammarco, houve um magistral ensinamento do Revdo. Prof. Pe. Ignacio Andereggen, docente da Gregoriana e filósofo católico de primeiro nível.
O professor mostrou com maestria a essência filosófica da modernidade a partir da análise de quatro autores fundamentais: Descartes, Kant, Hegel e Freud. Em todos estes, embora com diferenças que os tornam absolutamente não homogêneos, há a presença daquele relativismo epistemológico, típico do assim chamado “Renascimento” e, paralelamente, a recusa da tradição filosófica come tal. Estes autores estão sempre se encontrando diante de um novo início, sinal de que a filosofia moderna e contemporânea, ao rejeitar o patrimônio do pensamento mais comum à humanidade, se fundamenta somente em si mesma. A recusa do pensamento escolástico e da metafísica é um dos seus vértices mais importantes. Quanto esta pseudofilosofia influenciou o Concílio, Pe. Anderggen não precisou, mas é evidente que muitos bispos e principalmente muitos peritos, particularmente de origem francesa (Chenu, Congar, etc.) e alemã (Rahner, Küng, etc.) eram seus notáveis seguidores. Disto surge aquela rebelião, como Maritain notará em 1966, somente um ano após o encerramento dos trabalhos conciliares, do “neo-modernismo”, efetivamente mais falso e mais perigoso que o antigo, pois menos explicitamente assumido e declarado. Sem uma reta filosofia, como sabiamente explicou Pe. Andereggen, é impossível pensar em teologia: depois, sem uma teologia correta, corrompe-se também a doutrina da fé.
À tarde daquele mesmo dia o Prof. Roberto De Mattei mostrou que o Concílio Vaticano II não pode ser apresentado como um evento que nasce e morre no espaço de três anos sem se considerar suas profundas raízes e as também profundas conseqüências que ele causou à Igreja. O nexo entre Concílio e pós-Concílio, afirmou o Prof. De Mattei, não é o nexo doutrinário entre os documentos do Concílio e outros documentos do pós-Concílio. É a relação histórica, estreita e inseparável entre o Concílio, enquanto evento que se desenrola entre 1962 e 1965, e o pós-Concílio, enquanto evento que se verifica entre 1965 e 1978, estendendo-se até os nossos dias. Este período, considerado no seu todo, de 1962 a 1978, ano da morte de Paulo VI, forma um unicum, uma época, que pode ser definida como época da Revolução Conciliar, assim como os anos entre 1789 e 1796, talvez até 1815, constituíram a época da Revolução Francesa. A pretensão de separar o Concílio do pós-Concílio, segundo De Mattei, é tão insustentável como a de separar os textos conciliares do contexto pastoral no qual eles foram produzidos. Nenhum historiador sério, nem mesmo nenhuma pessoa de bom senso poderia aceitar esta artificial separação, que surgiu mais de posição pré-tomada, do que de serena e objetiva avaliação dos fatos. «Ainda hoje – concluiu o historiador romano – vivemos as conseqüências da “Revolução Conciliar” que antecipou e acompanhou a de 1968. Por que esconder isto? A Igreja, como afirmou Leão XIII, abrindo aos estudiosos o Arquivo Secreto do Vaticano, “não deve temer a verdade” ».
O historiador francês Yves Chiron, cuja apresentação foi lida pelo frade Juan Diego FI, tratou da vontade de certos bispos e cardeais, nos pontificados de Pio XI e Pio XII, de convocar um novo Concílio ao invés de completar o Vaticano I, brutalmente interrompido pela invasão de Roma, em setembro de 1870. Os pontífices, embora interessados nestas propostas, a deixaram de lado para evitar perigos de divisão e de “democratização” da Assembléia deliberante. Interessantes os documentos apresentados por Chiron sobre os temas que se pretendiam tratar no eventual sínodo: eram semelhantes aos que a Cúria Romana apresentou ao Papa João XXIII, os quais, em bloco, foram rejeitados logo no início dos debates conciliares pela oposição manifestada de certos influentes padres progressistas.
No dia 17 de dezembro, o Congresso foi aberto com uma interessante apresentação histórica sobre alguns personagens do Concílio Vaticano II, pelo padre Paolo Siano FI, o qual mostrou como o otimismo pastoral voltado ao homem e ao mundo, sugerido pelos textos conciliares, foi usado por diversos lobbies como cunha para condicionar o desenvolvimento e a recepção do Vaticano II. O apresentador documentou como os fenômenos da crise doutrinal, espiritual, litúrgica e missionária do pós-Concílio têm a sua origem em algumas idéias e ações de padres e de peritos conciliares. Como “remédio” para esta crise Pe. Siano propôs pelo menos dois “medicamentos”: uma Mariologia ‘forte” ( na linha da Tradição e do Magistério da Igreja) e uma liturgia mais orientada (também visivelmente) a Cristo Crucificado.
Em seguida houve a apresentação resumida, porém, muito densa doRevdo. Pe. Prof. Giuseppe Fontanella FI, intitulada “Il Perfectae caritatis e a vida religiosa. Aonde nos levaram as experiências pastorais?”
Segundo o relator, o documento conciliar se situa na linha do desenvolvimento teológico ligado ao tema da vida religiosa; porém, inúmeras realizações sucessivas parecem ter cedido ao espírito da secularização e do horizontalismo. Os religiosos nesta ótica deveriam diminuir as práticas propriamente religiosas e aumentar a sua inserção no mundo se afastando, porém, dessa forma, do espírito dos fundadores. Mais uma vez ainda os números falam mais que engenhosas análises. Apesar da tão repetida “vocação universal à santidade”, os institutos de perfeição espiritual perderam boa parte dos seus membros, principalmente aqueles que inovaram em relação aos seus tradicionais usos e costumes.
Em seguida, Sua Excia. Mons. Atanasius Schneider, bispo auxiliar no Kazakhstão, fez uma profunda apresentação referente ao sentido pastoral do Concílio, mostrando, através de inúmeras citações, que no Vaticano II há um espírito teocêntrico, apostólico, penitencial e missionário, sendo este, talvez, a sua principal característica.
É inegável que o Vaticano II, visto desta ótica, tenha uma grande quantidade de belos textos de espiritualidade e de religiosidade, de doutrina homogênea à grande Tradição da Igreja. O problema, segundo o prelado, está na má interpretação de certas passagens menos claras: é evidente, também, que, quando se fala de interpretação, particularmente se universal e de autoridade, não se pode fazer referencia a uma corrente específica, como por exemplo, a de Bolonha, mas se deve referir às comissões pós-conciliares e aos bispos. É, pois, sobre estes que recai a responsabilidade de certas interpretações minimalistas e arbitrárias. Em todo o caso, Mons. Schneider corajosamente pediu que um novo Sillabo dos erros surgidos seja publicado pela Máxima Autoridade que, com toda a certeza, alegrará a todos os católicos.
Outra conferencia de muita importância teológica foi a do Pe. Serafino Lanzetta, jovem teólogo das Franciscanos da Imaculada. Pe. Lanzetta apresentou uma visão geral do aspecto teológico do Vaticano II através da análise da recepção do Concílio nas diversas escolas teológicas pós-conciliares. O resultado disto é que o Concílio, cujas retas intenções ninguém duvidou, contudo contribuiu para o surgimento de interpretações opostas, pós-conciliares, por ter abandonado ou, no mínimo, ter colocado de lado, o aspecto metafísico da realidade da fé e da moral. O que o Concílio ensina, o ensina usando um modo descritivo e, muitas vezes, só alusivo, que permitiu aos inovadores a extrapolar em conclusões teológicas aberrantes das quais o Vaticano II não é responsável, se não devido a pouca clareza e pouca precisão terminológica.
As diversas hermenêuticas atuais e as mais variadas linhas de interpretação, por exemplo, eram impossíveis de ser aplicadas aos textos do Vaticano I, e se foram aplicadas com relativa facilidade ao Vaticano II foi devido a certa rejeição à linguagem escolástica, típica da tradição teológica precedente, desprezadamente chamada de “manualística ”. A esta se pretende substituir pelo “resourcement” [De Lubac], ou seja, o retorno aos Padres: mas os Padres, em muitos pontos de filosofia e de teologia, sabiam menos que nós, diante do progresso teológico da compreensão da imutável Revelação Divina e do decisivo ensinamento do Concílio de Trento e do Vaticano I no campo dogmático. O retorno aos Padres e às suas fórmulas, à liturgia primitiva e à Escritura tem todo o sabor de protestantismo, de fideismo e de arqueologismo: tudo isto já rejeitado profeticamente por Pio XII na Humani generis (1950).
Em seguida o Revdo. Don Florian Kolfhaus, da Secretaria de Estado do Vaticano, fez uma importante conferencia. O teólogo alemão apresentou uma crítica “do interior” dos documentos conciliares mostrando que os seus diversos e variados valores magisteriais correspondem às suas maiores ou menores autoridades as quais, às vezes, se reduzem a meros preceitos disciplinares. O Concílio Vaticano II quis ser um concílio pastoral, ou seja, orientado às necessidades do seu tempo, voltado ao campo prático. Ele não proclamou nenhum novo dogma, nenhuma solene condenação, e promulgou diferentes categorias de documentos em relação aos documentos precedentes e, no entanto, o Vaticano II deve ser entendido como continuidade do Magistério. Pois ele foi um legítimo concílio da Igreja, ecumênico e dotado de relativa autoridade; alguns dos seus documentos, ou seja, decretos e declarações, como Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo, e Dignitatis Humanae sobre a liberdade religiosa, salientou don Kolfhaus, não são nem documentos doutrinários nos quais se definem verdades infalíveis, nem textos disciplinares que apresentam normas concretas. Nisto está a grande novidade do Vaticano II: contrariamente a todos os outros concílios que expunham uma doutrina ou disciplina, ele supera estas categorias. Trata-se de exposição doutrinária que, no entanto, não quer dar definições ou delimitações em relação contrária aos erros, mas voltada ao agir prático do tempo. O Concílio não proclamou nenhum “novo” dogma e não revogou nenhuma “velha” doutrina, mas, pelo contrário, iniciou e promoveu um novo comportamento na Igreja.
A tese de don Kolfhaus foi a de qualificar a evasiva expressão do magistério pastoral como “munus predicandi”, limitada em relação ao “munus determinandi”. Isto significa: anúncio de doutrina, mas não de definição doutrinária; ligada ao tempo e conforme o tempo, não imutável e nem sempre igual; vinculante, mas não infalível.
No dia 18 de dezembro, último dia dos trabalhos, Mons. Agostimo Marchetto, falando sobre Renovação dentro da Tradição, confirmou a contradição da análise da escola progressista de Bolonha de Dosseti, Alberigo, Meloni, etc., negando que, em relação ao Concílio-pós Concílio, se possa falar de um post hoc propter hoc. Resta entender como foi possível a uma escola teológica, ultra minoritária, se impor quase em todos os campos ao ensinamento universal católico, nas faculdades de teologia e de história eclesiástica, nas revistas mais lidas pelos teólogos, entre os pastores e até entre os fiéis.
Da sua parte, o Revdo. Prof. Mons Nicola Bux falou magnificamente do desaparecimento do direito divino na liturgia: também isto devido ao Vaticano II e do imediato pós-Concílio.
O liturgista da Puglia salientou que a Sacrossantum Concilium permitia uma interpretação do acordo com a tradição litúrgica católica, expressa ainda em 1963 pela Veterum Sapientia de João XXIII, mas, nos fatos, prevaleceu a lógica da dessacralização e da inovação. De fato, entre 1965 e o novo missal de 1970 surgiram circulares e autorizações de diversos órgãos da Cúria, como da Congregação da Fé e também da Congregação do Culto, não só diferentes, mas, até contraditórias, e isto causou um caos litúrgico do qual a Igreja toda ainda não se recuperou. Don Bux encorajou os presentes à dupla fidelidade à tradição da Igreja, reabilitada pelo recente motu proprio Summorum Pontificum, e ao exemplo do Sommo Liturgo que, pouco a pouco, está trazendo ordem e decoro na celebração do Culto Divino.
O recém nomeado cardeal Velasio De Paulis, ilustre canonista, encerrou o Congresso com vibrantes palavras na defesa do direito eclesiástico, na verdade julgado anti-evangélico nos anos do pós-Concílio. A lei, pelo contrário, é sempre fonte de liberdade e de segurança e a ausência de leis, ou de leis certas, cria entendimentos errados, injustiças, discórdias e rupturas. Quando o direito divino e canônico voltar a reinar entre os eclesiásticos a atual confusão generalizada se atenuará e se abrirá uma nova fase para a Igreja.
Os trabalhos, sabiamente moderados, no curso de três dias pelo Pe. Alessandro Apollonio FI, foram concluídos por Mos. Gherardini confirmando que o Concílio Vaticano II não foi un unicum, um “bloco dogmático”. Foi um Concílio pastoral e, neste plano, deve ser colocado e julgado, sem interpretações forçadas que imponham sua dogmatização.
É esta a mensagem conclusiva do Congresso romano destinado certamente a fazer história pelo número e pela qualidade dos relatores e dos ouvintes, dentre os quais se distinguia S. Emcia. Revda. Cardeal Walter Brandmüller e do Mons. Guido Pozzo, secretário da Pontificia Comissão Ecclesia Dei.
De resto, foi o próprio cardeal Ratzinger em 1988 a declarar diante dos bispos do Chile que «o Concílio não definiu nenhum dogma e quis conscientemente se expressar num nível inferior, como concílio puramente pastoral».
Resumo da conferência do Pe. Paolo Siano, FI.
NOTA: as informações prestadas pelo Pe. Paolo Siano são perfeitamente suficientes para se ter uma idéia da vergonhosa atuação de certos Padres e peritos que atuaram decididamente no texto e moldaram o espírito do Concílio Vaticano II, iniciando, com isto, a gravíssima crise religiosa e moral que se abateu imediatamente sobre a Igreja, sobre os fiéis e sobre o mundo. [O livro do Pe. Wiltgen, The Rhine flows into the Tiber. A History of Vatican II, citado pelo conferencista, está recheado de outros tristes fatos que infelizmente se registraram naquele Concílio].
Que pensar, por exemplo, de um Concílio em que um arcebispo faz apologia pública da Maçonaria, na sala conciliar, diante de mais de 2000 Prelados, e não é censurado nem admoestado por ninguém?... Que pensar de um Concílio em que, diferentemente do Arcanjo Gabriel, ousa recusar honrarias a Nossa Senhora?... Aliás, diante do comportamento do Concílio sobre estes --- e outros --- temas com ensinamento inconfundível do Magistério de sempre infalível da Igreja, o próprio Papa Paulo VI afirmou:
“Pode-se dizer também que o conjunto dos Bispos se colocou na escola a ouvir, e que muitos ficam surpresos pelo fato que, em quatro anos, o seu ponto de vista mudou, e que eles até aceitaram aquilo que antes do Concílio eles teriam julgado inaceitável, ou ousado de mais” (Jean Guitton, Diálogos com Paulo VI, p. 259 e 260 Ed. Fayard, Paris, 1967. Negrito nosso).
Esta afirmação de Paulo VI foi posteriormente completada pelo seu grande e íntimo amigo Jean Guitton, ao afirmar: “o Vaticano II introduziu na Igreja o método e a doutrina do Modernismo, que havia sido condenado pelo Papa S. Pio X, em 1907” (Jean Guitton, Portrait du père Lagrange, Éd. Robert Laffont, Paris, 1992, p. 55-56).
Assim, não é de se estranhar que --- como afirmou o conferencista --- o Concílio Vaticano II tenha sido louvado por muitos inimigos públicos da Igreja, como por Yves Marsaudon, Grão-Mestre da Grande Loja Maçônica da França, entidade secularmente condenada pela Igreja, mas ‘beatificada’ por alto prelado na sala conciliar, pelo então Arcebisbo de Cuernavaca, Mons. Sergio Mendez Arceo que, claro, alegrou o maçon Marsaudon. [Alíás, coincidentemente --- e en passant --- Marsaudon tornou-se amigo do então Mons. Angelo Roncalli quando este era Núncio Apostólico em Paris ( 1944 a 1953)].
Diante de tais fatos, como pode ser classificado o Concílio Vaticano II?...
Abaixo segue a versão do resumo da conferência do Pe. Paolo Siano, FI, proferida no dia 17 de dezembro de 2010 no Congresso de Roma sobre o Concílio Vaticano II.
Marcelo Fedeli
ALGUNS PERSONAGENS, FATOS E INFLUXOS NO CONCÍLIO VATICANO II
Não há dúvida que os fenômenos de crises doutrinárias, espirituais, morais, litúrgica e missionária do pós-concílio tenham suas origens também em idéias e ações de vários padres e peritos presentes na sala conciliar; teorias e práticas que admitiam e preparavam a abertura discreta à modernidade, ao mundo, e até aos “irmãos separados” (e às vezes em alguns casos também aos “irmãos” Maçons Livres). Apesar de toda a boa vontade pastoral, tais idéias e tal abertura — não bem ponderadas — não se alinhavam ao ensino de Cristo, e pior, e muito pelo contrário, “converteram” muitos católicos a elas.
Ainda durante o período conciliar, na audiência de 4 de novembro de 1964, o Papa Paulo VI lamentava «que se difundira um pouco em todos os setores a mentalidade do protestantismo e do modernismo, negadoras da necessidade e da existência legítima de uma autoridade intermediária na relação da alma com Deus».
Quanto à Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, o historiador Hebert Jedin (1900-1981) — então perito conciliar do cardeal Frings — observou que a Gaudium et spes foi recebida com entusiasmo, mas a História posterior demonstrou que a sua importância e valor foram «extremamente supervalorizados» e que o mundo, o qual se pretendia levar a Cristo, pelo contrário, havia penetrado profundamente na Igreja.
Em julho de 1966, poucos meses após o encerramento do Concílio, o ex-Santo Ofício alertou as Conferências Episcopais em relação a interpretações erradas dos decretos conciliares. Assim foram resumidos os erros denunciados pelo Dicastério romano: conceito protestante da Bíblia; exegese bíblica racionalista; historicismo e relativismo dogmático e gnoseológico; subjetivismo ético (especialmente em matéria sexual); desprezo do Magistério ordinário da Igreja; negação da divindade de Jesus Cristo; teoria da transignificação eucarística negadora da transubstanciação; insistência no conceito de ágape [Ceia] com prejuízo do conceito de sacrifício na Missa; desprezo da confissão sacramental; redução da gravidade da natureza do pecado original e do conceito de pecado (não mais entendido como ofensa a Deus); falso ecumenismo, confundindo-se com o irenismo e indiferentismo religioso.
Na audiência geral de 19 de janeiro de 1972, Paulo VI denunciou abertamente — sob outros nomes — a atualidade daquele «modernismo» já condenado pelo Papa S. Pio X com o decreto Lamentabili (1907) e com a encíclica Pascendi. Na audiência ao Sacro Colégio, do dia 23 de junho de 1972, Paulo VI denunciou «uma falsa e abusiva interpretação do Concílio, que queria uma ruptura com a tradição, também doutrinária, reunindo num repúdio à Igreja pré-conciliar, e à possibilidade de conceber uma Igreja “nova”, “reinventada” interiormente, na constituição, no dogma, no costume, no direito».
Em junho de 2009, em Roma, durante o encontro anual dos Reitores dos Seminários Pontifícios, o Secretário da Congregação para a Educação Católica, Mons. Jean-Louis Bruguès afirmou que aqueles da sua geração interpretaram a « “abertura ao mundo”, invocada pelo concílio Vaticano II, como uma passagem para a secularização». Em outro recente artigo, Mons. Bruguès denunciou a auto-secularização que no pós-concílio em diante minou também a vida religiosa. Dentre os frutos desta auto-secularização, afirmou aquele prelado: «Os membros do clero diminuíram a olho nu também nas igrejas, nos cursos de catecismo, e também nos seminários». Mons. Bruguès admite que a corrente eclesiástica auto-seculadora é ainda dominante enquanto « os seus adeptos detêm ainda posições chaves na Igreja ».
O Vaticano II foi um concílio «reformador» de natureza pastoral que se utilizou de três sinônimos de «mudança», ou seja: «aggiornamento, desenvolvimento e ressourcement».
No Concílio houve também duríssimos debates e desavenças, cuja devida reserva e sigilo foi mal cuidada. A mídia, mais presente que no passado, se apropriou de tais fatos revelando-os ao grande público e influenciando, assim, também a recepção do Concílio.
Antes e durante o Concílio surgiu um conceito chave que exprime uma nova concepção de ser católico: foi o ressourcement, ou seja, retorno às fontes: conceito este tomado dos próprios Humanistas dos séculos XV e XVI (ex. Erasmo de Rotterdam) e dos reformadores protestantes: retornar à Sagrada Escritura, retornar às fontes patrísticas (estas, porém, rejeitadas pelos protestantes). Tal conceito era muito bem entendido como uma rejeição ou, pelo menos, uma afronta ao catolicismo pós-tridentino… A este ressourcement clamavam aqueles teólogos da metade do Século XX que foram censurados pelo Santo Ofício: os teólogos da assim chamada Nova Teologia, profundamente anti-tomista e anti-escolástica. Depois da encíclica Humani generis de Pio XII, estes teólogos, suspeitos de neo-modernismo, foram removidos dos seus postos de ensino, com a proibição de publicar artigos sobre alguns temas. Dentre estes, lembramos Henri De Lubac, Yves Congar, Marie-Dominique Chenu. Karl Rahner foi censurado e proibido de publicar escritos desde 1951 até 1962, antes do início do Vaticano II, quando foi notificado que os seus artigos seriam publicados somente depois de passar pela censura romana. A reabilitação conciliar de tais estudiosos é «um dos aspectos mais impressionantes do Vaticano II, além de que indica que o Concílio previamente já pretendesse modificar o status quo». O perito Joseph Komonchak procurou examinar a questão da continuidade / descontinuidade (da Tradição) do Concílio do ponto de vista doutrinário, teológico e histórico-sociológico. Do ponto de vista doutrinário há continuidade, enquanto o Vaticano II não abandonou nenhum dogma e nem definiu novos. Do ponto de vista histórico-sociológico pode-se dizer que o Concílio foi o evento mais importante na história da Igreja do Século XX, assinalando uma «mudança de época».
Sobre a polaridade conservadores-progressistas, O’Malley observa: «Durante o Concílio, a imprensa frequentemente acusava os conservadores de obscurantismo, intransigência, pouco senso da realidade, além de usar de manobras sujas. Uma coisa, certamente, se pode dizer a seu favor: viam, ou pelo menos, denunciavam mais abertamente, a novidade e as pesadas conseqüências de algumas decisões conciliares, enquanto os líderes da maioria, ao contrário e em geral, procuravam minimizar a novidade de algumas das suas posições e insistiam que elas se alinhavam na continuidade da Tradição. E é uma ironia que depois do Vaticano II os conservadores tenham começado a falar da continuidade do Concílio enquanto os assim chamados liberais salientam a sua novidade».
Também interessante é o que contam dois jornalistas contemporâneos ao Vaticano II: do Pe. Ralph Wiltgen SVD (1921-2007), e de Henri Fesquet.
Em 1967 saiu a primeira edição do livro de Wiltgen, The Rhine flows into the Tiber. A History of Vatican II. Esta sua obra levava o imprimatur do então Arcebispo de New York, Mons. Terence Cooke (15-12-1966). No prefácio, Wiltgen explica que por Reno ele engloba o grupo de padres e peritos conciliares pertencentes àqueles países nos quais corre o rio Reno (Alemanha, Áustria, Suíça, Holanda) incluindo a vizinha Bélgica. Tal grupo — especifica
Wiltgen — foi o mais influente no Concílio Vaticano II («the most influential group»).
Henri Fesquet, ex-noviço Missionário na África, depois discípulo de Jean Guitton e do Pe. Yves Congar O.P. desde 1950 jornalista do Le Monde, descreve o Concílio com espírito leigo e progressista que se pode resumir nos seguintes pontos:
1) “complô” e “lobbies” conciliares, para et extra-concilio;
2) minimalismo mariológico e ecumenismo “do não retorno”;
3) sinais do conceito protestante sobre a Bíblia;
4) colegialidade episcopal entre ortodoxia e episcopalismo- conciliarismo;
5) Vida Consagrada entre sacro e secularismo;
6) abertura ao mundo;
7) métodos anticoncepcionais;
8) um curioso Padre conciliar.
Posteriormente, o Cardeal Tisserant confidenciou a Jean Guitton que ele e seis purpurados se reuniram antes da abertura do Concílio e decidiram bloquear a primeira reunião conciliar refutando as regras estabelecidas por João XXIII.
Os Padres “renanos” conseguiram obter o apoio de muitos africanos anglofonos e francofonos além de outros Padres europeus e americanos. Em resumo, a lista de Frings se torna internacional, e podia garantir a presença da assim chamada “Aliança renana” ou “européia” em todas as Comissões conciliares. Esta “Aliança” conseguiu 49% de todas as cadeiras eletivas e 50% da Comissão Teológica, a mais importante.
A Aliança renana-européia era apoiada também por Bispos latino-americanos, (representados pelo cardeal Raul Silva Henriquez de Santiago do Chile), além de Superiores religiosos e por bispos missionários provenientes dos Países “renanos”. Obviamente o cardeal Frings era apoiado pelos Bispos das terras de missão que recebiam generosos financiamentos através de duas agências fundadas por ele: Misereor e Adveniat.
Os bispos holandeses distribuíram aos Padres conciliares cerca de 1500 cópias de um comentário anônimo do Pe. Schillebeckx que criticava de forma devastadora os quatro esquemas dogmáticos:
1) As fontes da Revelação;
2) A custódia do Depósito da Fé;
3) A Ordem moral cristã;
4) Castidade, Matrimônio, Família e Virgindade.
Durante a primeira sessão do Concílio o teólogo suíço Pe. Hans Küng (famoso pelo seu progressismo) se declarou satisfeito pela rejeição ao esquema curial sobre dogma e ecumenismo e sobre fontes da revelarão. No Concílio, Mons. Sergio Mendez Arceo, bispo de Cuernavaca (México), se fez defensor da Maçonaria (promovendo a sua reconciliação com a Igreja), dos Judeus e da psicanálise. Este Arcebispo ainda promoveu também o reconhecimento das comunidades protestantes como igrejas.
Também foi personagem influente no Concílio o jesuíta Pe. Karl Rahner. As suas idéias são relevantes comparando as suas observações a três esquemas conciliares (da Revelação, da Beata Virgem Maria, e da Igreja) com os apresentados ao Secretariado Geral do Concílio. Rahner contestou o esquema mariológico do ponto de vista da teologia moderna e do ecumenismo. Rahner salientou que, segundo um ponto de vista teológico moderno, as doutrinas daquele esquema não podem tornar-se dogmas. O que Rahner atacava daquele esquema era, especialmente, a doutrina sobre a mediação da Beata Virgem Maria e o título de Mediadora de todas as graças. No entanto, esta era uma doutrina comum na Igreja, ensinada pelo Magistério ordinário da Igreja. Rahner conseguiu convencer os Padres reunidos em Fulda que o esquema não podia ser aceito como fora apresentado. Os Bispos de língua alemã, dos Países Escandinavos e Mons. Mendez Arceo, eram contra o título mariano de “Mãe da Igreja” a Nossa Senhora.
No intervalo entre a segunda e a terceira sessões conciliares, o barão Yves Marsaudon, maçom do grau 33 da Grande Loja da França, conta em seu livro as suas esperanças progressistas e ecumênicas. Marsaudon elogiou a maioria conciliar contra a minoria curial “integralista”… Marsaudon vê o Vaticano II como a revolução dos Papas Roncalli e Montini que finalmente colocaria um fim na Igreja medieval... Marsaudon elogia a simplificação da liturgia, o uso litúrgico do vernáculo, o divórcio, o minimismo mariológico, a colegialidade episcopal (mas no sentido antipapal), o ecumenismo que une e supera os dogmas e religiões, a liberdade de pensamento que, originária nas lojas maçônicas, se elevou bem acima da Basílica de S. Pedro...
Resumo da conferência de Mons. Brunero Gherardini
17 de dezembro de 2010
O Vaticano II não foi, mesmo porque não deveria ser, um Concílio dogmático e, em suma, nem mesmo disciplinar. Quis ser somente pastoral. No entanto, apesar de tantas intervenções internas e externas, o genuíno significado da sua declarada pastoralidade se encontra ainda numa nebulosa.
Ao exortar o Clero a se tornar dia após dia instrumento de um serviço sempre mais idôneo ao povo de Deus, o Vaticano II declara explicitamente que a sua finalidade pastoral é voltada para “a renovação interna da Igreja, para a difusão do evangelho em todo o mundo e para a instauração de um relacionamento de diálogo com este”. Evidentemente tal finalidade corresponde a uma idéia básica, a uma noção pelo menos rudimentar de pastoral um tanto obscura: diálogo de uma Igreja renovada nos seus métodos de evangelização e de apostolado com o mundo.
O Papa Roncalli, no dia 11 de outubro de 1962, determinou esta qualidade aos Padres conciliares abrindo oficialmente a grande Assembléia conciliar: embora colocando a doutrina no primeiro posto dos trabalhos conciliares, ele alterou a sua metodologia em relação ao passado. Antes a Igreja não hesitava em condenar severa e firmemente. Hoje, à severidade prefere o remédio da misericórdia. Para o Papa Roncalli, portanto, principalmente diante de uma humanidade submetida a tantas dificuldades, a Igreja devia mostrar o rosto bondoso, benévolo e paciente da Mãe, fomentar a promoção humana dilatando os espaços da caridade, difundindo serenidade, paz, concórdia e amor.
Confirmando o objetivo de Roncalli, Paulo VI, na homilia de 7 de dezembro de 1965, ainda na nona sessão do Concílio, declarou que a Igreja se interessa, junto com o reino dos céus, com homem e com o mundo, ou melhor, está toda voltada em função do homem e do mundo, com íntima ligação entre a religião católica e a vida humana, de tal modo que do homem e do gênero humano a religião católica pode se dizer a própria vida, graças à sua sublime doutrina, à preocupação materna com que ela acompanha o homem para o seu fim supremo, e aos meios que lhe dá para que possa alcançá-lo. Neste ponto é preciso fazer um juízo sereno e objetivo relativo ao conjunto do Vaticano II que foi delimitado rápida e ingenuamente na área pastoral. Quem tem familiaridade não só com a Gaudium et Spes mas com todos os dezesseis documentos conciliares, percebe facilmente que a variedade temática e a respectiva metodologia colocam o Vaticano II em quatro níveis, qualitativamente distintos:
1. o genérico, do Concílio ecumênico enquanto Concílio ecumênico;
2. o específico, de caráter pastoral;
3. o de invocar outros concílios;
4. o da inovação.
Em relação ao nível genérico, o Vaticano II atende a todas as regras para ser um autêntico Concílio da Igreja católica: o 21º da série. Nele surge um magistério conciliar, isto é, supremo e solene, o que, de per si, não decorredogmaticidade e infalibilidade dos seus participantes; mas, pelo contrário, nem a implica, tendo-á já, de início, afastada do seu próprio horizonte.
No plano específico, a qualidade pastoral explica seus vastíssimos interesses, não poucos ultrapassando o âmbito da Fé e da teologia, como, por exemplo: a comunicação social, a tecnologia, o eficientismo da sociedade contemporânea, a política, a paz, a guerra, a vida econômico-social. Neste nível também faz parte o ensinamento conciliar, supremo e solene, mas que não pode pretender, quer pela matéria tratada, quer pelo modo não dogmático de tratá-la, uma validade de per si infalível e irreformável.
A invocação a alguns ensinamentos de Concílios anteriores constitui-se o terceiro nível. Trata-se de referência clara e explícita (LG 1 “praecedentium Conciliorum argumento instans”; LG 18: “Concilii Vaticani primi vestigia premens”; DV 1: “Conciliorum Tridentini et Vaticani I inhaerens vestigiis”), às vezes indireta e implícita, retomando verdades já definidas, como, por exemplo, a natureza da Igreja, a sua estrutura hierárquica, a sucessão apostólica, a jurisdição universal do Papa, a Encarnação do Verbo, a redenção. A infalibilidade da Igreja e do magistério eclesiástico, a vida eterna dos bons e a eterna condenação dos maus. Sob este aspecto, o Vaticano II goza de uma incontestável validade dogmática, sem ser, por isto, um Concílio dogmático, sendo esta uma dogmaticidade por reflexo, própria dos textos conciliares citados.
As inovações constituem o quarto nível. Ao olharmos o espírito que guiou o Concílio, poderíamos afirmar que ele foi todo um quarto nível, animado como foi por um espírito radicalmente inovador, inclusive ao procurar as suas raízes na Tradição. Algumas inovações, porém, lhe são específicas: a colegialidade dos bispos, a absorção da Tradição na Sagrada Escritura, a limitação da inspiração e da inerrância bíblica, as estranhas relações com o mundo hebraico e islâmico, a forçada interpretação da assim chamada liberdade religiosa. É obviamente claro que se há um nível em que a qualidade dogmática não é absolutamente reconhecida, é exatamente este, o das novidades ou inovações conciliares.
Para citar este texto:
"Concílio Vaticano II criticado em congresso realizado em Roma"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/cvii_criticado/
Online, 21/11/2024 às 08:30:57h