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"Por que me persegues?" Um comentário sobre a crise na Igreja
Marcelo Fedeli
"O que exige que falemos sem demora é, antes de tudo, que os promotores do erro já não devem ser procurados entre os inimigos declarados da Igreja; mas, o que é para deplorar e muito temer, se ocultam no seu próprio seio, tornando-se assim tanto mais nocivos quanto menos percebidos”.
(S. Pio X, Encíclica Pascendi Dominici Gregis, 08/09/1907,
condenando a heresia do Modernismo).
A crise que assola a Igreja nestes nossos tempos chegou aos jornais. Quase diariamente trágicas notícias nos chegam, prejudicando a fé e a moral católicas: bispos e sacerdotes que, respeitosa e piedosamente, visitam templos de Buda ou de Shiva, e oram diante desses ídolos; pároco que recomenda aos paroquianos a assistir a “representação da Ceia” em igreja luterana, no lugar do Santo Sacrifício da Missa; escândalos provocados pelo homossexualismo, largamente difundido nos meios religiosos e até defendido por muitos do clero; e ..etc., etc., infelizmente, muitos etcs.
Que a Igreja de hoje passa por uma crise grave e profunda, da qual a notícia acima é somente um reflexo, não há quem duvide!
Dessa crise não escapou, por exemplo, a Igreja espanhola, que em 1936 dera tão grande demonstração do vigor de sua fé, através de milhares de martírios. O que a estatística apresenta da situação atual da Igreja e da prática da religião na Espanha espelha a situação dos demais países (ex-católicos) do mundo. Em toda a parte vê-se a Igreja, como Cristo, crucificada, parecendo agonizar!
E por que? Quem a persegue? A que “Saulo” de hoje, Cristo perguntaria: “por que me persegues?”
Quais seriam os algozes atuais de Cristo e da Igreja, que a deixam esvair-se em tão trágica e dolorosa agonia?
Seriam seus inimigos externos?... Mas, quais seriam eles hoje? Onde se encontram?... Onde estão suas arenas, seus campos de concentração, suas Sibérias ou seus paredões?
Não! A atual crise não é causada por inimigos externos da Igreja! E a História, desde o Império Romano ao Império Comunista, nos prova o contrário. As perseguições, quando externas, sempre foram muito claras, abertas, distinguindo-se nitidamente os perseguidores dos perseguidos! E nessas ocasiões a Igreja, quanto mais perseguida, mais se fortalecia!.. No entanto, hoje, ela, crucificada, parece desfalecer!
Como não vemos grandes perseguições movidas por inimigos externos da Igreja, obviamente concluímos que a atual crise só pode ter sido provocada por inimigos internos, como já alertava o Santo Padre S. Pio X, na Encíclica Pascendi Dominici Gregis, no longínquo 1907.
E, como a crise de hoje é real, profunda e grave, sua causa também deve ser real, profunda e grave, pois o efeito é sempre proporcional à causa.
E o que ocorreu de ‘real, profundo e grave’ na recente história da Igreja, senão o Concílio Vaticano II?
Concílio que, através de um linguajar pastoral, introduziu tão profundas mudanças na Igreja, e a partir do qual, conforme as estatísticas registram, verificou-se um declínio acentuado das “coisas” da religião católica em todo o mundo!
E por que o Concílio Vaticano II está na raiz dessa tremenda crise?
Simplesmente porque, conforme afirmou o filósofo Jean Guitton, amigo íntimo de Paulo VI e um dos observadores daquele Concílio,
“o Vaticano II introduziu na Igreja o método e a doutrina do Modernismo, que havia sido condenado pelo Papa S. Pio X, em 1907” (Jean Guitton, Portrait du père Lagrange, Éd. Robert Laffont, Paris, 1992, p.55-56).
Pergunta-se: como o Modernismo, “introduzido na Igreja pelo Vaticano II”, pôde ter causado crise tão profunda que vem devastando a Igreja há 40 anos?
Simplesmente porque o vírus da heresia do Modernismo que, segundo S. Pio X, reúne todas as heresias, quis adaptar (“aggiornare”) a verdade da Igreja, instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, à mentira do mundo moderno.
Assim, os sequazes do Modernismo se aproveitaram do Concílio Vaticano II para transformar a Igreja, fazendo-a passar de molde a moldável, bem como para transformar o mundo, fazendo-o passar de moldável a molde. Ou seja: o Vaticano II quis apresentar o eterno, infinito e santo ensinamento de Cristo moldado pelo mundo moderno, mutável, finito e ateu!... Dessa forma, como popularmente dizemos, “deu no que deu” : na Espanha, por exemplo, o percentual de católicos que era de 95% em 1960, foi reduzido a 18,5% em 2002, quarenta anos após aquele Concílio! E assim é no resto do mundo, com pequenas variações.
João XXIII, autor da encíclica “Mater et Magistra”, já no discurso de abertura do Concílio Vaticano II, além de indicar a necessidade do “aggiornamento” da Igreja ao mundo moderno, salientou ainda que aquele Concílio não iria condenar nada e a ninguém!
Ora, que “Mater” indicaria e aconselharia aos filhos um “aggiornamento” a um mundo moderno, laico e ateu, sem lhes mostrar e condenar os perigos e as armadilhas que esse mesmo mundo lhes prepara?
E que “Magister” soltaria seus discípulos pela “selva selvaggia e aspra e forte” do mundo moderno, sem lhes iluminar e determinar o verdadeiro e único caminho para ultrapassá-la? Pois, como a Igreja sempre ensinou, só há um caminho, só há uma verdade, só há uma porta, e bem estreita, que nos conduz a Deus!
Pois foi exatamente o que os modernistas, que se apoderaram do Vaticano II, fizeram: “introduziram na Igreja o método e a doutrina do modernismo, condenado por S. Pio X”, resumido nas “opiniones” heréticas da Nova Teologia, condenada por Pio XII em 1950 na encíclica “Humani Generis”. Assim, tais “opiniones” heréticas dos “Adams”, dos “de Lubacs”, dos Chenus”, dos “Congars”, dos “Kungs”, dos “Rhaners”, e dos “etc”, triunfaram naquele Concílio, voltado, como afirmou Paulo VI, para o Homem.
E com a Nova Teologia, implantou-se o Ecumenismo, eliminando-se de vez o conceito de sempre da Igreja: “UNAM, SANCTAM, CATHOLICAM ET APOSTHOLICAM ECCLESIAM”, rebaixada, então, por eles, à categoria das demais seitas e religiões heréticas que, apesar de repudiarem o próprio Deus, ou a Trindade de Deus, ou Cristo e a Igreja, também levam à salvação, segundo a doutrina herética do Modernismo. Se assim é, então, por que ser católico?
E não se pense que o Ecumenismo do Vaticano II exige a conversão dos não católicos à Igreja Católica... Pelo contrário! O Ecumenismo é totalmente avesso não só a conversões, mas também à idéia de se ensinar a verdade da Igreja aos não católicos, isto é, o proselitismo, como dizem, contrariando frontalmente as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo que ordenou aos apóstolos: “Ide, pois, e ensinai a todos os povos, batizando-os...” (Mt. 28, 19). Os modernistas, que tanto exaltam a Palavra, repudiam descaradamente a palavra de Cristo, substituindo o caridoso e sábio ensinai, pelo mágico e igualitário dialogai, às vezes acompanhado do traidor “apreendei”!... No entanto, claramente Cristo disse “Ide e ensinai”, e não “Ide e dialogai” ou “Ide e apreendei”!
Além disso, o Concílio Vaticano II exaltou o Homem, conforme o próprio Papa Paulo VI afirmou no discurso de encerramento daquele grande Sínodo: “Nós também, Nós mais que todos, nós temos o culto do homem” (7/12/65).
Dessa forma, o atual “Povo de Deus” (ajuntamento em que foi amalgamado o ‘antigo’ Corpo Místico de Cristo), há quarenta anos ouvindo “que todos os caminhos conduzem ao Pai”, não mais milita, mas peregrina como barata tonta neste movediço e babélico “deserto ecumênico”, em que todas as religiões são verdadeiras, porque todos possuem a verdade, mesmo as mais absurdas, extravagantes ou contraditórias!
Como “todos seremos salvos”, já não se fala também dos DEZ MANDAMENTOS, que são a Justiça de Deus. Parece que o “Povo de Deus”, neste período pós-conciliar, está imune a cometer qualquer pecado. Parece que o pecado não mais existe...já que não se fala mais dele. Aliás, pelo que ouvimos, hoje não há mais “pecado individual”, mas sim, só um e vago “pecado coletivo”, que é “NÃO REENCONTRAR-SE NO OUTRO”!...Pecado gravíssimo, de lesa... humanidade!
E pensar que o Concílio introduziu essas e outras modificações para “aggiornare” a Igreja, tornando-a, assim, mais atrativa para o “homem e a mulher” (sic!) modernos!... Na verdade, o que atrai os homens é Nosso Senhor Crucificado, como Ele mesmo afirmou (Jo. 12, 32), e não o assentimento à mentalidade atéia do mundo atual! O que atrai o “homem e a mulher” de hoje, e de sempre, é a única Verdade, revelada por Deus e cumprida em Nosso Senhor Jesus Cristo, e não todas as mentiras inspiradas pelo “príncipe deste mundo” para destruir a Igreja!
Na realidade, o Concílio Vaticano II, que se apresentou pastoral e com a determinada e explícita intenção de não condenar nada e ninguém, ao permitir quase tudo o que a Igreja havia condenado no passado, acabou condenando só... a Igreja Católica pré-conciliar! ... que, ainda segundo os modernistas, “cometeu muitos pecados no passado”, pelos quais hoje, a “pós-conciliar humildemente pede perdão”!...
Nosso Senhor nos disse que pelos frutos conhecemos a árvore. Ora, os frutos do Concílio estão visíveis e, diariamente, nos são entregues à porta de nossas casas pelos jornais. E que frutos!...
Frutos que o próprio Papa Paulo VI parece ter degustado no dia 7 de dezembro de 1968 (três anos após o encerramento do Concílio Vaticano II), ao afirmar:
“A Igreja se encontra numa hora de preocupação, de autocrítica, dir-se-ia quase de autodemolição. É uma reviravolta interior, aguda e complexa, que ninguém esperava depois do Concílio” (Yves Chiron, Paul VI, le Pape écartelé, Ed. Perrin, Paris, 1993, p. 288).
“Autodemolição”... da Igreja!....Expressão terrível e assustadora especialmente vindo de quem a dirigia. E que providências tomou Paulo VI para estancar aquele processo de “autodestruição”?
Quatro anos após, em junho de 1972, Paulo VI parece ter “visto e sentido” algo mais dos frutos daquele Concílio, ao afirmar:
“Por alguma fissura, a fumaça de Satanás está no templo de Deus: a dúvida, a incerteza, o questionamento, a preocupação, a insatisfação, o afrontamento surgiram. (...) Nós pensávamos que o amanhã do Concílio seria um dia ensolarado para a Igreja. Porém, encontramos novas tempestades. Nós procuramos cavar novos abismos ao invés de aplaná-los. Que aconteceu? Nós vos confiaremos nosso pensamento: foi um poder contrário, do diabo, este ser misterioso, inimigo de todos os homens, qualquer coisa de sobrenatural, que veio apodrecer e secar os frutos do Concílio Ecumênico e impedir que a Igreja brilhe em hinos de alegria por ter descoberto sua própria consciência” (Y. Chiron, op. cit. p. 320). (En passant: desde quando a Igreja perdera “a consciência”?).
Ao invés do “ar fresco” na Igreja, pretendido por João XXIII através da “janela aberta” daquele renovador Concílio, acabou penetrando a “fumaça de Satanás no templo de Deus”!
E que providências tomou Paulo VI para eliminar aquela fumaça infernal, que já infestava e escurecia a Igreja sete anos após o encerramento do Vaticano II? Que fez ele para vedar aquela “fissura” pela qual havia penetrado a “fumaça de Satanás no templo de Deus”, depósito da fé, que como primeiro dever papal, Paulo VI devia cuidar e defender?
E, convenhamos, a “fumaça” que Paulo VI viu e cujo mau odor sentiu, em 1972, é quase tênue neblina, se comparada à palpável, ‘oscura e profonda’ e densa treva, que hoje escurece o templo de Deus!... Que diria Paulo VI hoje?...
Porém, nesta terrível crise da fé e, conseqüentemente da moral, que atinge a Igreja nestes tempos, não devemos desesperar, mas sim seguir o conselho de S. Bernardo: “olha para a estrela e invoca Maria”!
Sim! Olhemos para Maria! Olhemos para Fátima! Lá, em 1917, Nossa Senhora, prevendo uma fase de desolação para a Igreja, incluindo até o martírio de Papa, de cardeais, de bispos, de sacerdotes e de fiéis (que, aliás, ainda não ocorreu), nos pediu para rezar o terço diariamente e fazer penitência, nos consolando com a promessa: “Por fim, meu Imaculado Coração triunfará”!
Além disso, meditemos nas palavras eternas de Nosso Senhor: “Nada temais, pois estarei convosco até a consumação dos séculos e as portas do inferno, jamais prevalecerão contra a Igreja”.
E a “fumaça putrefata de Satanás”, um dia, exaurida do templo de Deus, dará lugar ao branco e perfumado incenso! E a verdade, claramente separada da mentira, resplandecerá em todo o orbe!
Assim seja!
Marcelo Fedeli
Janeiro 2003
Para citar este texto:
""Por que me persegues?" Um comentário sobre a crise na Igreja"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/crise_na_igreja/
Online, 21/12/2024 às 17:43:10h