Igreja

Ciência moderna: uma doutrina se esgueira no pensamento científico
André Roncolato
 
Parece que na Natureza encontra-se uma substância sutilíssima, tenuíssima e velocíssima que, difundindo-se pelo universo, penetra por toda parte sem oposição, aquece, vivifica, e torna fecunda todas as criaturas vivas. Parece que os próprios sentidos nos mostram que o corpo do Sol é o receptáculo principalíssimo deste espírito.”
[Galileu Galilei – Carta a Mons. Piero Dini]
 
     Falar de uma doutrina herética subjacente na Física é um desafio, visto que se trata de um tema que poderia percorrer uma cronologia histórica realmente grande com desdobramentos e especificidades multivariadas. De tal forma que poderíamos ficar aqui algumas dezenas de anos estudando e escrevendo, sem, mesmo assim, conseguir terminar ou analisar exaustivamente o assunto. Além de que esbarraríamos em vários obstáculos, particularmente filosóficos. O próprio conceito de “física”, na modernidade, já se distancia muito da concepção aristotélica ou tomista, a qual define a Física como o estudo do ente móvel. Ora, tudo o que é material é móvel e, portanto, o estudo da Física, para os antigos e medievais, englobaria toda a natureza, seria a também chamada Filosofia da Natureza [Henri-Dominique Gardeil – Iniciação a filosofia de São Tomás de Aquino – Cosmologia, p. 304].  
 
     Destarte, não pretendemos fazer um artigo técnico de Física e Cosmologia, mas apenas uma tentativa exploratória revelando o dedo da gnose – ou muito mais que isso – no pensamento de físicos modernos.  
 
     Modernamente, a Física é definida como a ciência particular que se ocupa em estudar as leis do universo que dizem respeito a matéria e energia. Entretanto, essa definição se apresenta como um tanto diluída e escorregadia visto que a Física não consegue apresentar estes seus objetos com clareza ontológica já que a ciência moderna, ao rejeitar a Metafísica, acaba se privando de princípios mais fundamentais e gerais de maior grau de abstração.
 
     Imagino que já aqui teríamos assunto vasto para uma análise desta mudança de entendimento ...  Concentremo-nos, porém, em alguns elementos específicos importantes, mais representativos, com o intuito de apenas sinalizar que certos modelos e teorias da Física moderna ocultariam sistemas contrários à Fé Católica, do mesmo modo como aqueles sistemas filosóficos que se escondem nos estilos artísticos. Para extrair estes elementos, é necessário fazer uma análise sistematizando algumas das decorrências filosóficas das teorias científicas, comparando com sistemas filosóficos conhecidos para que, assim, as doutrinas que possam ali estar escondidas fiquem expostas. Pois, como nos garante Charles Crombie, no seu livro Ciência Medieval e Moderna:  
 
“(...) nunca existiu uma ciência natural inteiramente desprovida de uma concepção prévia de objetivos teóricos de caráter filosófico. ”
[Crombie A.C., Medieval and Early Modern Science, v.II, p.288]    
 
     O que ainda é Charles Webster mais incisivo em considerar:  
 
“Precisamos repensar algumas visões arraigadas sobre a relevância cultural geral da nova ciência. Em particular, há um risco de insistir muito sobre a ciência como uma explicação do importante tema do declínio da visão mágica de mundo (...). Na realidade, a visão de mundo da revolução científica deve ser vista como um fenômeno diferente resultante de um equilíbrio dinâmico de forças irradiadas em muitas direções diferentes. Todas estas forças contribuíram para o processo de criatividade e mudança, e nenhum deles deve ser descartado como inútil, uma carga intelectual a priori de um passado mágico desacreditado. ” [De Paracelso a Newton: la magia en la creación de la ciencia moderna, p.36]    
 
     Parece-nos muito razoável que o ocultamento de uma doutrina má debaixo de um sistema científico não seja algo que surpreenda, visto que essa ação maçônica é recorrente na História e que os ocultistas sempre procederam como tal. Tal procedimento tem várias utilidades:
          a) doutrinar os incautos a partir da adesão ao próprio sistema;
        b) isentar-se de sofrer uma acusação formal de heresia, já que é difícil inferir diretamente que há segundas intenções no modelo desenvolvido.  
     De toda forma é sempre uma tática vil e sub-reptícia. Depois que o sistema já está estabelecido fica difícil combate-lo, sob pena de ver ser acusada a Igreja como anticientífica, retrógada, intolerante etc.
 
     Sempre é conveniente repetir Santo Irineu de Lion que, com grande autoridade, combateu o gnosticismo dos ebionitas, valentinianos e marcionitas, inclusive detalhando os sistemas gnósticos destas seitas. No sec. II, Santo Irineu já alertava sobre este perigo ao se referir aos gnósticos de sua época:  
 
Ardilosamente, pela arte das palavras, induzem os mais simples a pesquisas e, omitindo até as aparências da verdade, levam-nos à ruína, tornando-os ímpios e blasfemos contra seu Criador, os que são incapazes de discernir o falso do verdadeiro. ”
 
     E ainda prossegue:
 
“Não é fácil descobrir o erro por si mesmo, pois não o apresentam despido, já que assim se compreenderia, senão adornado com uma máscara enganosa e persuasiva; a tal ponto que, por mais ridículo que seja dizer, fazem parecer seu discurso mais verdadeiro que a verdade. ”  [Santo Irineu de Lion, Adversus Haeresis, p. prefácio].  
 
      Imaginar que os bruxos que tão bem se disfarçavam de racionalistas ou empiristas científicos existiram apenas na Renascença ou na Antiguidade, me parece certa ingenuidade.
 
     Ainda em preparação a este texto, lia um artigo, que pretendo usar em outra ocasião, falando de uma edição importante de textos sobre o esoterismo de Isaac Newton, feita pelo Editor Michael White[1], o qual denominava o proeminente físico do século XVII como “o último mago”. Ora, achar que os alquimistas e os feiticeiros da ciência se extinguiram em Newton é no mínimo bem ingênuo. 
 
 Newton e seus companheiros não viam diferença radical entre seus estudos científicos e os estudos de textos alquímicos.
 
Pensar igualmente que, em uma mesma pessoa, as ações científicas podem ser completamente isentas de influência de seu sistema de pensamento religioso, também parece ser suficientemente irreal.
 
  Logo, para chegar ao objetivo de identificar com mais facilidade o que está por trás de ideias científicas estranhas, é interessante verificar o pensamento religioso e as “amizades” do teórico. Como lembra Charles Webster:
 
  “Newton e seus companheiros não reconheciam nenhuma diferença radical entre seus estudos científicos e os estudos de textos sagrados. A analogia entre o livro da natureza e o livro da revelação era lugar-comum. Para o cientista, o comentário sobre textos alquímicos representava a aplicação de habilidades analíticas a uma via da verdade que tinha parentesco tanto com a revelação como com a natureza. ” [De Paracelso a Newton: la magia en la creación de la ciencia moderna, p.31]
 
    Este pequeno artigo tentará introduzir critérios que permitem verificar certos elementos teóricos que são contrários ou que prejudicam a Fé católica.   Inicialmente um modelo ou teoria, não obstante conter um efeito ou fenômeno científico real e mensurável, ou mesmo um raciocínio lógico-matemático cogente, não é o ente tal como ele é, não descreve o ente em todas as suas qualidades, mas, normalmente, acaba por descrever apenas uma das qualidades do ente, a mais imediata que, no caso da Física, é a quantidade:
 
  “Quando dizemos que é verdadeira uma lei experimental que estabelece uma relação entre valores de várias magnitudes, não queremos dizer que corresponde como uma fotografia a alguma situação real, só queremos dizer que, dadas as circunstâncias apropriadas, se medirmos os valores das magnitudes que tem a ver com a lei, estes valores se relacionarão da maneira expressa pela lei.” “Quando dizemos que um planeta, uma galáxia ou um buraco negro existem e têm tais e quais características, queremos [apenas] dizer que existe uma entidade real que possui estas características. ” [Pe. Mariano Artigas Mayayo, La mente del universo, p.280 apud Casanova, 2013]
 
  Desta forma, portanto, a veracidade de uma relação mostrada por uma teoria não significa que a descrição que ela faz da realidade é completa ou mesmo pertinente.   Não poderíamos dizer que os modelos científicos podem estar muito moldados ao sistema filosófico do autor, como por exemplo um sistema alquímico? Não se deu isso com os feiticeiros do Renascimento? Não se daria isso também com os físicos clássicos?   Ora, imaginar que na moderna ciência isso não aconteceria nos parece improvável.   Talvez possamos dizer que o sistema herético mais importante seja a gnose. Fundada em um “irracionalismo racionalista” de autoconfiança e redenção pelo conhecimento, ela parece estar subjacente a muitas explicações da ciência moderna, como aquela exposta pelo cientista de Oxford, David Deutsch, especialista em computadores quânticos e realidade virtual:
 
“O fato é que, para qualquer um que entenda o que é realidade virtual, até mesmo a magia autêntica seria indistinguível da tecnologia, pois não existe espaço para a magia numa realidade compreensível. Qualquer coisa que parece incompreensível é considerada pela ciência meramente como evidência de que há alguma coisa que ainda não entendemos, seja um truque de ilusionismo, tecnologia avançada ou uma nova lei da Física. ” [Deutsch, David, A essência da realidade, 2000, p.104-5]
 
 O Universo é um Ser-Luz infinito, superpoderoso.
As pessoas a personalizaram, chamando-a Deus
 
Já David Bohm[2], físico teórico importantíssimo que trabalhou junto a Einstein e manteve discussão com a maioria dos físicos fundadores da Física Moderna é bem mais explícito em sua gnose e sua concepção cosmológica:
 
O Universo é um Ser-Luz infinito, superpoderoso, dotado de um conteúdo informacional e de uma vontade consciente e criativa, capaz de decidir projetar-se a si mesmo sob a forma finita das partículas... As pessoas intuem uma forma de inteligência que, no passado, organizou o universo, e a personalizaram, chamando-a Deus”. [David Bohm, A Ordem implícita e a Ordem explícita. Entrevista a Renée Weber em Diálogos com Cientistas e Sábios, 1998, apud Villaverde, 2000. ]
 
Não parece que Bohm queira ocultar seu sistema gnóstico de pensamento, que inclusive, ele faz questão de deixar claro. Não estariam essas suas ideias também presentes em seus estudos da Física cosmológica?   A partir da clareza de afirmação de Bohm, é possível entender melhor a síntese do professor de Astronomia Bartolo Luque, membro do INTA (Instituto Nacional de Técnica Aeroespacial) espanhol, que dá uma explicação teorética para uma Cosmologia verdadeiramente gnóstica, fundamentada na chamada teoria dos campos:
 
“No instante inicial da formação do universo existia a simetria mais perfeita(...) na realidade era um só campo (...) no universo original havia uma só força e um só campo (...) essa era a simetria original. Mas naquele instante o valor destes campos era zero. (...) E o estado em que o valor de um campo é zero se chama vazio. Em um dado momento, o campo de Higgs, que estava situado em seu valor zero, sofreu uma minúscula flutuação, se desestabilizou e “caiu” até o seu mínimo. A simetria original do campo se rompeu e apareceram os bósons de Higgs (...). Esta explosão de partículas aparecidas do nada é que obriga o espaço a que se expanda. ” (Bartolo Luque et al. Uma ponte entre o Big Bang e a vida, p.43.)
 
  Ora, Luque e Cia. Ltda expõem escancaradamente um sistema que, aos poucos, vai conquistando a adesão, mesmo que indireta, de acadêmicos e pesquisadores ao orientar seus trabalhos sem o arcabouço filosófico adequado.  [Já o senso comum é contagiado pela incansável propaganda dos filmes.]   Abaixo segue um quadro comparativo, apenas terminológico, da aproximação de certos conceitos da Cosmologia quântica de Luque e amigos com a gnose clássica:
 
 
 Pauli a Heisenberg: "A separação completa entre o conhecimento e a fé pode ser,
quando muito, válido durante um curto período de tempo
".
 
Do mesmo modo, no sentido de uma defesa explícita de uma explicação espiritual para a ciência, temos o princípio apresentado pelo insuspeito ganhador do Prêmio Nobel, Wolfgang Pauli, que não trai o pensamento do círculo de Copenhague:
 
  “A separação completa entre o conhecimento e a fé pode ser, quando muito, válido durante um curto período de tempo. ” “E foi precisamente a ideia de um mundo objetivo, seguindo seu rumo no tempo e no espaço de acordo com leis causais estritas, que produziu um choque entre a ciência e as formulações espirituais das diversas religiões” [Wolfgang Pauli, conversa com Heisenberg, 1927 – Escola de Copenhague apud, Heisenberg, 2011.]
 
Pauli: "nosso amigo Dirac também tem uma religião, cujo princípio norteador é:
Deus não existe e Dirac é Seu Profeta
"
 
Se faz ainda necessário notar, para fechar esse primeiro artigo, que há um completo rechaço – ao menos da maioria dos expoentes teóricos da Física moderna – à uma ciência puramente materialista, através da qual não se possa conjecturar uma doutrina mística. Prova disso é que em uma animada rodinha de conversas em uma das importantíssimas Conferências de Solvay, que se dedica às questões mais elevadas das ciências naturais, reunindo seus expoentes principais — mas na qual muito se fala de religião! — aproxima-se de Wolfgang Pauli e Wener Heisenberg, o ateu materialista Paul Dirac e, num determinado momento da acalorada conversa, é alvo de tal ironia que, em círculo tão seleto, faria qualquer um engolir não uma azeitona, mas uma brachola inteira, com palito e tudo:

  “— Bem, nosso amigo Dirac também tem uma religião, cujo princípio norteador é: Deus não existe e Dirac é Seu Profeta. ” [Wolfgang Pauli, conversa com Heisenberg, 1927 – Escola de Copenhague, apud Heisenberg, 2011. ]
 
  Peçamos a Deus, com o coração contrito, que, com a ajuda da Sua graça, possamos entender e combater as falsas doutrinas espalhadas em todos os âmbitos e, desta forma, estar aptos a fazer verdadeira ciência, sempre submissa à Deus e à doutrina de sua Santa Igreja.
 
Salve Maria! 
 
Bibliografia
Bohm, D. A Ordem implícita e a Ordem explícita. Entrevista a Renée Weber em Diálogos com Cientistas e Sábios. Ed. Cultrix, 1998.
Casanova, C.A., Física & Realidade: Reflexões metafísicas sobre a ciência natural. CEDET, Campinas, 2013, 344pp.
Crombie A.C., Medieval and Early Modern Science. Doubleday & Company, 1958 v.II, p.288.
Deutsch, D., A essência da realidade. Makron Books, São Paulo, 2000, 297p. Galilei, G. Ciência e fé: cartas de Galileu sobre o acordo do sistema copernicano com a Bíblia. Ed. Unesp, São Paulo, 2009. 142p.
Gardeil, H.D., Iniciação a filosofia se São Tomás de Aquino. Cosmologia, p. 304
Heisenberg, W., A parte e o todo: encontros e conversas sobre física, filosofia, religião e política. Contraponto, Rio de Janeiro, 2011.
LUQUE, B. et al. Astrobiologia: Un puente entre el Big Bang y la vida. Akai, Madri, 2009. 335p.
S. Irineu de Lion, Adversus Haeresis, prefácio.
VILLAVERDE, L. Biocosmos, o universo vivo: a contestação do Big Bang. Cultrix, São Paulo, 2000. 744p.
Webster, C., De Paracelso a Newton: la magia en la creación de la ciencia moderna. Fondo de cultura económica, 1988, Mexico, 193p.  
 

[1] Michael White, editor de ciência de várias publicações inglesas.
[2] Aluno de Oppenheimer - Desenvolveu o enriquecimento do urânio para Bombas atômicas. Trabalhou com Einstein em Princeton.

    Para citar este texto:
"Ciência moderna: uma doutrina se esgueira no pensamento científico"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/ciencia-moderna-uma-doutrina-se-esgueira-no-pensamento-cientifico/
Online, 21/11/2024 às 08:47:08h