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A `aceitação do Concílio`, pólvora molhada numa batalha que se está dando diante de nossos olhos?
Padre Claude Barthe
Enviam-me de Roma (para evitar susceptibilidades digamos que foi o Cardeal Ottaviani), um escrito que nestes momentos circula pela Cúria, redigido pelo abbé Claude Barthe, sacerdote francês de reconhecido renome e em plena comunhão com a Igreja. A batalha está sendo encarniçada entre distintos organismos da Cúria, e entre relevantes personagens da mesma. Creio que as teses do sacerdote francês são dignas de muita consideração, e penso também que Sua Eminência, ao dar-me essas teses, deseja que as torne públicas.
A “não aceitação do Concílio” pela Fraternidade São Pio X : uma cortina de fumaça
Nota do Padre Claude Barthe
Depois da instrumentalização do deplorável caso Williamson, os que se opõem a uma reconciliação da comunidade de Monseñor Lefebvre instrumentalizam certas torpezas para re-excomulgá-la in aeternum. Ora, seu tema é uma montagem de falácias.
1°/ A questão fundamental : rechaçar ou aceitar qual Vaticano II?
Queira-se ou não, “a aceitação do Concílio” tornou-se um tema ideológico sob o qual se fizeram passar gravíssimos abusos durante 40 anos. O discurso do Papa à Cúria do 22 de Dezembro de 2005 recordou oportunamente que, desde o começo, existem duas hermenêuticas excludentes acerca do Vaticano II, uma de “ruptura”, outra de “continuidade”. Para ser breves, a primera é aquela de Rahner e Congar, a segunda a da Nota praevia acrescentada por Paulo VI à Lumen Gentium. Os atos do pontificado atual (Summorum Pontificum, decreto do 21 de Janeiro de 2009) dão conta de uma terceira hermenêutica, a da minoría conciliar, continuada pela oposição lefevrista, transformada e revitalizada hoje em torno do Papa por uma “nova escola romana” [Destaque da Montfort]. De modo que - e tomando um só exemplo, o número 3 da Unitatis redintegratio que parece dizer que as comunidades cristãs separadas, enquanto tais, podem ser meios de salvação -, sería injusto (e paradoxal) transformar em crime contra a unidade da Igreja [o que segue]:
- Seja o fato de considerar em consciência que, prout sonant, as expresões de UR 3 não podem ser aceitas como magistério da Igreja;
- Seja o fato de relê-las, dizendo que são os elementos católicos contidos em comunidades separadas que podem ser instrumentos de integração in voto à Igreja de Pedro.
Mais genericamente, pode-se pretender congelar para sempre a tradição viva da Igreja em expressões manifestamente corregíveis, enunciadas há 40 anos? Pode-se ter medo a priori de fazer uma teología atualizada (e amanhã um magistério), tendo em conta não só as contribuições do Vaticano II, mas também as respostas às “qestões abertas” por esse Concílio?
2°/ Houve já “colóquios” teológicos com a Fraternidade São Pio X sobre essas questões.
Ademais, quando o decreto de 21 de Janeiro abre o caminho para os “colóquios” sobre as “questões ainda abertas”, não inova de nenhum modo. As discussões acerca das dificuldades assinaladas, entre outros pela Fraternidade São Pio X, tiveram lugar várias vezes, sob a égide do “Grupo de Encontro entre Católicos”, GREC. Ao final, uma sessão pública, a 21 de Fevereiro de 2008, sobre o tema : “Revisar e/o interpretar certas passagens do Vaticano II?” mostrou uma convergência que não é outra senão a do sentido comum: o representante da FSSPX postulava a pertinência de uma crítica sadia e positiva dos pontos doutrinários novos do Vaticano II, para oferecer elementos para uma futura elaboração de textos mais claros, o teólogo romano considerava que uma recepção de Vaticano II fundada vigorosamente sobre o estado do magistério anterior tinha seu lugar na Igreja.
Sería irrealista fazer do resultado deste tipo de colóquios (cujo resultado é evidente que reside, para começar, na maneira de abordar os problemas, e isto não só para a FSSPX), uma condição prévia para uma reintegração canônica. O senso comum –que se aproxima do sentire cum Ecclesia- quer, ao contrário, que seja a reintegração canônica prévia da FSSPX a que permita fazer estes e outros colóquios, os quais poderão trazer sua pedra de cooperação para a reflexão teológica, na medida em que permitirão útilmente ad intra a expressão de um pensamento decididamente tradicional.
3°/ Por que pedir à FSSPX mais do que ela já aceitou?
Entre outras coisas, porque tudo isso já foi virtualmente adquirido. Com efeito, em 5 de Maio de 1988, no começo de um “protocolo de acordo”, Monsenhor Lefebvre havia assinado uma “declaração doutrinária” que nunca contestou. Nela, ele declarava aceitar a doutrina do n° 25 de Lumen Gentium sobre a adesão proporcional ao magistério conforme seus diversos graus (em nenhum momento se lhe pedia dizer, coisa que nunca foi precisada pela Santa Sé, que tal ou qual determinada passagem do Vaticano II relevava da infalibilidade solene ou ordinária). Reconhecia também a validade da liturgia em sua nova forma, quando era celebrada conforme os livros aprovados pela Santa Sé. Finalmente, (no 3° dos 5 pontos da declaração) “a propósito de certos pontos ensinados pelo Concílio Vaticano II ou relativamente às reformas posteriores da liturgia e do direito, e que [lhe] pareciam difícilmente conciliáveis com a Tradição, ele se comprometia a manter uma atitude positiva de estudo e de comunicação com a Sé Apostólica, evitando toda polêmica”. O compromisso se baseava “na ausência de polêmica”, e de maneira alguma sobre um absurdo “nível zero de crítica”, que, depois de tudo, não se pediría mais que aos tradicionalistas.
Se bem se lê a recente reportagem concedida por Monsenhor Fellay, no dia 25 de Fevereiro de 2009 a Rachad Armanios, lecourrier.ch, não é um reconhecimento do Concílio o que Monseñor Fellay repele; o que ele nega é que este inaferrável “reconhecimento” lhe seja pedido pela Santa Sé. Todo mundo pode verificar que, há 20 anos já, o ato de adesão pedido aos membros da FSSPX que querem recebir uma regularização canônica, individual ou coletivamente (como o grupo de Campos), reproduz a declaração de Monsenhor Lefebvre de 1998. Dito de outro modo, a Santa Sé não pediu nunca ao conjunto das comunidades mais tradicionais da Igreja, quanto ao Vaticano II, mais do que essa declaração de senso comum.
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O problema que perdurava com a FSSPX, até a generosa decisão do Papa, era o resultado da decisão de seu fundador, tomada em razão de motivos que havia qualificado “de estado de necessidade”, de antecipar a consagração de Bispos para seu instituto e de realizá-la sem mandato pontifício. Porém é de uma maneira falaz, da parte de opositores externos, fazendo-se de “aliados objetivos” tanto de certos elementos como de certos maus ou inábeis costumes no interior dessa comunidade, que foi fabricado o novo obstáculo de um “pré requisito” doutrinal.
Por que pretender que a tradição viva da Igreja se tenha detido, não tão somente no Vaticano II, o que já seria absurdo, senão em um certo Vaticano II?
[Tradução: Montfort. Texto original em espanhol em PeriodistaDigital ]
Para citar este texto:
"A `aceitação do Concílio`, pólvora molhada numa batalha que se está dando diante de nossos olhos?"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/barthe-aceitacao-concilio/
Online, 21/12/2024 às 17:42:32h