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Comentário à obra do Padre William Faber: ´A Bondade`
Pedro Zucchi
O Padre Willian Faber, oratoriano inglês convertido do anglicanismo, é autor de vários livros de piedade. Entretanto, ele talvez seja menos conhecido no Brasil pelas suas excelentes obras que pelo prefácio que escreveu ao Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, retomado na edição brasileira dessa obra pela Editora Vozes.
Entre os seus escritos, ele nos deixou quatro conferências espirituais sobre a bondade, que se encontram traduzidas em português. É baseado nesse livro, que falaremos sobre esta virtude. Não se trata, entretanto, de um resumo cuja leitura substitua o livro. O nosso objetivo é de incitar à leitura do próprio livro e, se possível, também a das outras obras deste mesmo autor. A ordem seguida aqui não é a mesma do livro porque não se trata aqui de uma conferência espiritual. Mas na medida do possível tentaremos transmitir as suas ideias principais.
O último paragrafo do livro diz que a bondade podia ser chamada também de espírito de Jesus. Essa conclusão aponta sem dúvida para o ponto central da bondade. A bondade consiste antes de tudo em pensar, falar e agir como Jesus. Se fosse necessário dar uma definição de bondade, tirada do Padre Faber, seria sem dúvida esta: “a virtude pela qual nós nos comportamos em relação aos outros imitando perfeitamente a Jesus Cristo”. Mas isso para nós isso ainda é muito vago, visto que toda a vida cristã consiste na imitação de Cristo.
Vejamos no que consiste essa bondade, mais detalhadamente.
A fraqueza da nossa natureza não deve ser exagerada. Se por um lado todos nós sofremos nessa vida, por outro o homem também tem um poder muito grande. Sobretudo, o poder de espalhar o bem no mundo ou pelo menos de diminuir bastante o sofrimento. Jesus foi, sem dúvida, quem mais sofreu nesse mundo, mas foi Ele também que fez o maior bem aos homens. Ele nos mostrou assim que o nosso sofrimento não deve impedir-nos de fazer o bem. Ao contrário, se sofremos, temos um motivo a mais para sermos bons para com os outros, pois a bondade dá certo equilíbrio entre a justiça e a injustiça que existem no mundo. Deus criou o mundo para que ele fosse feliz, e o trabalho da bondade é de reconduzir o mundo de Deus ao seu desígnio primitivo. Além disso, a bondade se põe a serviço do Salvador, reconquistando, fortalecendo, iluminando as almas:
“Muitas vezes nossa própria conversão data de alguns atos de bondade feitos ou recebidos e, provavelmente, a maioria dos arrependimentos têm vindo por ocasião de algumas bondades que comoveram o coração, menos por serem inesperadas do que por se sentir que tinham sido pouco merecidas (...). A bondade tem convertido mais pecadores do que o zelo, a eloquência ou a instrução; e estas três coisas jamais converteram alguém sem que a bondade tenha tido nisso alguma parte.”
Quanto às palavras, elas têm, para o bem e para o mal, mais influência sobre o nosso próximo do que as próprias ações. Por isso tudo o que se diz da bondade em geral se aplica ainda mais às palavras:
“Boas palavras não nos custam nada e, no entanto, quantas vezes nos mostramos avaros delas! Nas raras ocasiões em que nos custam alguma coisa, elas nos pagam ao cêntuplo quase logo. As ocasiões são frequentes; mas nós não mostramos solicitude nem em procurá-las, nem em aproveitá-las. (...) Por mais fracos e cheios de necessidades que sejamos, metamos na cabeça, ou antes, no coração, fazermos um pouco de bem neste mundo enquanto estivermos nele. Para isto as boas palavras são o nosso principal instrumento.”
A facilidade da bondade está na multidão de ocasiões, além do que poucas vezes ela exige algum esforço ou abnegação. Uma felicidade íntima segue quase sempre uma boa ação. Os efeitos da bondade em nós são incalculáveis. Isso é lógico porque “como o nosso procedimento uns para com os outros é a fonte mais fecunda de nossas penas mais amargas, segue-se que, se a bondade fosse a nossa regra de proceder, o mundo atual seria quase revirado”. Por exemplo, as palavras caridosas fazem o que só Deus pode fazer: enternecer e acalmar os corações. Elas podem ser o fundamento de uma amizade inesperada, podem destruir um preconceito ainda que bem fundado, acabar com rixas; dão felicidade e sendo a felicidade um grande recurso para a santidade, elas dão também santidade, e ganham as almas para Deus. Com o socorro da graça, a afabilidade cedo é adquirida, e o hábito, uma vez tomado, não se perde facilmente. E como a bondade não se limita no tempo e no espaço, um bem feito a uma pessoa se espalha a muitas outras e pode durar muito tempo.
Além disso, quanto mais tentamos pagar a bondade de que somos devedores, mais parece que a dívida aumenta e essa tentativa nos faz com que a caridade domine nossa vida. Mas sem dúvida o efeito mais espetacular da bondade é o de fazer-nos agir da mesma forma que Deus age e por isso o impulso que nos faz assim agir por bondade é o vestígio mais incontestável dessa imagem de Deus que nos fora dada na origem:
“A bondade consiste no transbordamento de si próprio nos outros: é pôr os outros no lugar de si, e trata-los como nós próprios quiséramos ser tratados.”
Ora, não é exatamente nisso que consiste a criação?
“A bondade é o sentimento que nos faz ir em socorro dos nossos semelhantes que estão na necessidade, e ajudá-los segundo o nosso poder”. Ela é assim nosso modo de imitar a Providência. A bondade também é semelhante à graça porque é algo que não se pode conseguir sozinho, é necessário um outro. Qualquer que seja a nossa visão do mundo, ela é superficial, porque nós não conhecemos os planos de Deus. A visão mais profunda das coisas e a única verdadeira é a caridade. “A bondade nos pensamentos é, pois, na criatura, o que a ciência é em Deus”.
As ações dos homens são muito difíceis de serem julgadas, porque a apreciação verdadeira depende, em grande parte, dos motivos que as produzem e esses motivos nos são ocultos. Por isso só Deus pode julgar com perfeita justiça, porque ele tem um conhecimento perfeito e uma certeza absoluta. Mas, ainda assim, ele é extremamente misericordioso:
“Ora, as interpretações caridosas são uma imitação dessa misericórdia do Criador, engenhosa em achar desculpas para as suas criaturas (...) a bondade é a nossa mais perfeita sabedoria, visto que é uma imagem da sabedoria de Deus.”
“Ademais, a bondade tem pontos de contato com tudo o que constitui os estados espirituais mais sublimes. Os atos de bondade, partindo de motivos desinteressados, tendem a formar em nós hábitos de desinteresse, que preparam o caminho aos motivos mais elevados do divino amor. Quais anjos de Deus, eles exercem a sua constância lá onde há menos de volta a esperar. Como o Precioso Sangue, eles gostam de preferência de se derramar e de se multiplicar sobre os inimigos. E como Deus age sempre para a Sua glória, assim também as boas ações, uma vez tornadas hábitos, acabam mui frequentemente por se fazerem só por Deus. O instinto delas, como o da Providência de Deus, é de ficarem ocultas.”
Outro grande efeito da bondade é, ainda, o de nos ajudar na nossa salvação e na dos outros:
“Uma harmoniosa fusão entre o sofrimento e a amabilidade é um dos efeitos da graça mais atraentes nos santos.”
“Certamente, um dos pontos importantes [do Céu] será a ausência de todo azedume e de toda crítica, e a plenitude, o oceano de pensamentos de ternura que transbordará das nossas almas dilatadas. De sorte que, pelos pensamentos caridosos, nós repetimos o nosso verdadeiro papel para o Céu, ao mesmo tempo em que conservamos o lugar que nos foi reservado nele.”
“Se há mil coisas a reformar no mundo, as almas a salvar são por miríades... O fato é que um ânimo brando e acomodado é a melhor das controvérsias. Feliz quem o possui!”
Assim sendo, fica claro que a bondade não é nada mais que o espírito de Jesus. E por isso ele disse: “Meu espírito é mais doce do que o mel, e a minha herança vale mais que o favo mais suave!”
“Porém, direis talvez, afinal de contas, isso não passe duma pequeníssima virtude, questão de temperamento, em grande parte, artigo de boas maneiras, antes do que santidade. Pois bem! Seja, não vos disputarei este ponto. A erva dos campos vale mais que os cedros do Líbano. É mais nutriente, e a vista descansa melhor sobre aquele tapete esmaltado de margaridas e perfumado de timo, que torna a terra doce, bela e convidativa como um ninho. A bondade é a relva do mundo espiritual, onde as ovelhas de Cristo pastam tranquilamente sob o olhar do Pastor.” (Padre William Faber, A Bondade: conferência espiritual. Typographia Lar Católico, 1935)
Para citar este texto:
"Comentário à obra do Padre William Faber: ´A Bondade`"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/a-bondade-e-a-virtude-pela-qual-nos-comportamos-em-relacao-aos-outros-como-jesus-cristo/
Online, 22/12/2024 às 06:16:56h