História

Impérios Coloniais. Parte 1.
Marcelo Andrade
O longo e interessantíssimo estudo de nosso colaborador Marcelo Andrade será publicado em partes a partir de hoje. 

Sumário

 
          3.2 - O MUNDO FORA DA EUROPA
          3.3 - PIRATARIA
     NOTAS
 
 

 
      
 
 
 PREFÁCIO – A GUERRA HISTORIOGRÁFICA
 
  Entre as várias guerras que a Igreja Católica enfrentou e enfrenta, está a historiográfica. Nesta luta historiográfica, os inimigos da religião se concentram em duas frentes: a da omissão e a da deturpação dos fatos históricos. No primeiro caso temos como exemplo, a Irlanda, que tem uma história quase totalmente desconhecida porque revelaria o ódio protestante inglês contra os católicos irlandeses, que varreu séculos. No segundo caso, temos, como exemplo, a “lenda” das colônias de exploração e de povoamento, cuja refutação é um dos objetivos deste estudo.   
 
 
1 – INTRODUÇÃO
 
 Os impérios coloniais europeus surgiram dentro do contexto das grandes navegações. Portugal foi a primeira nação a se aventurar no mar com objetivo de estabelecer colônias em áreas remotas, processo este iniciado no século XV. E a ele, seguiram-se outras nações, principalmente Espanha, Inglaterra, Holanda e França. O ciclo findou no século XX. É verdade que a ideia de colonização já existia no mundo antigo, várias cidades gregas, por exemplo, fundaram colônias.  Mas, somente a partir do século XV foi possível o surgimento de impérios coloniais que varriam grandes extensões de terra sem contiguidade, que continham partes em porções isoladas nos continentes, com as comunicações entre a metrópole e a colônia realizadas por meio de longas navegações, nos mais variados mares. Analisaremos sinteticamente os impérios coloniais da Inglaterra, Holanda, Espanha, Portugal e França, nesta ordem. E as análises dos dois primeiros formam uma “primeira parte” e as dos restantes uma “segunda parte”.    
 
 
2-  A “LENDA” DAS COLÔNIAS DE EXPLORAÇÃO E DE POVOAMENTO
 
Pela “lenda” das colônias de exploração e de povoamento, os Estados Unidos, Canadá etc. teriam sido colônias “de povoamento” e o Brasil e a América Latina etc. teriam sido “de exploração”. Esta classificação foi feita por Leroy-Beaulieu no trabalho De La Colonisation Chez les Peuples Modernes, de 1874. Tal visão obteve muito sucesso no Brasil e está quase onipresente nos livros escolares. O historiador marxista Caio Prado Junior, por exemplo, foi um dos adeptos e um dos grandes difusores dela. A colonização de povoamento é classicamente conceituada como "o tipo de colonização onde os colonizadores povoavam e desenvolviam a terra"[1] Segundo Caio Prado Junior, nelas o povoamento e a ocupação estão apartados dos objetivos comerciais e visavam refazer condições de existência similares ao “Velho Continente”. Elas não conheceram o latifúndio nem a escravidão, eram dominadas por pequenas propriedades e eram voltadas para o mercado interno. A colonização por exploração, por sua vez, é um método onde prevaleciam os interesses mercantis, ou seja, a terra era utilizada somente para dar lucros à metrópole.[2] Era marcada por grandes propriedades, trabalho escravo e voltada para a exportação. Por esta razão, a América do Norte seria rica e a América do Sul seria pobre. Em que pese o “sucesso” desta visão, esta tese é tão simplista quanto errada e deve ser abandonada por completo. Primeiro porque, como veremos, talvez nunca tenha havido nenhuma “colônia de povoamento” no sentido estrito, ora definido por Caio Prado. Segundo porque o conceito aborda as colônias somente sob a ótica econômica, ignorando vetores religiosos e civilizacionais. Passa ao largo, também, da questão da moralidade do enriquecimento, já que se pode enriquecer tanto por meios ilícitos quanto por meios lícitos. Terceiro porque ignora que as colônias possam ter tido uma mistura dos dois elementos. Não se pode explorar sem haver um mínimo de povoamento, por exemplo. Quarto porque ignora as relações dos colonizadores com os povos autóctones. Assim, caso uma potência europeia tenha exterminado um povo local e feito um assentamento europeu, este teria sido de povoamento, o que o tornaria, por esse critério, bom. Quinto porque não prova nenhum liame lógico entre a suposta causa “colônias de povoamento” efeito “nações desenvolvidas” e causa “colônias de exploração” efeito “nações subdesenvolvidas”. É feita apenas uma afirmação. Sexto porque esta tese falsa apanha uma “fotografia” do presente econômico de um país e faz uma extrapolação ilógica para o passado. Deveria ser feita uma análise da riqueza na época da colonização e não na época atual. Ora, as riquezas mudam de mão com velocidade. Hoje a Coréia do Sul é mais rica que a Argentina, mas há 40 anos era o inverso. Esta tese encontrou sucesso primeiro porque vai ao encontro da historiografia marxista (infelizmente predominante), por satisfazer a sua obsessão pelos “opressores e oprimidos”. Segundo porque que esta tese também serve aos direitistas liberais e anglófilos, que defendem que a Inglaterra teria fomentado colônias de povoamento e pugnava pelo liberalismo econômico. Terceiro porque atende bem a uma visão anticatólica da História. Portugal e Espanha foram potências católicas e a Inglaterra é protestante. Assim, como as duas primeiras nações teriam gerado “colônias pobres” e a segunda teria gerado “colônias ricas”. O catolicismo seria uma religião arcaica e/ou errada e o protestantismo seria uma religião da riqueza e do progresso. Quarto porque procura dar uma resposta, ainda que errada, para os mais ingênuos acerca das razões pelas quais determinados países são pobres e outros são ricos. Porém, a ordem dos fatos históricos depõe fortemente contra esta tese equivocada. A História é contada pelos vencedores e, como a visão protestantizada e marxista do mundo vence, daí o sucesso de tal tese. Mas, como diz um sábio ditado brasileiro: “o diabo ajuda a fazer, mas não ajuda a esconder”: os fatos demonstrarão a verdade. Este é um tema que desperta muita polêmica e é alvo de muitos estudos. Normalmente há preconceito e desconhecimento da História. A maioria das pessoas repete chavões desgastados e bordões marxistóides.      
 
 
3- TEMAS RELACIONADOS COM OS IMPÉRIOS COLONIAS
 
  Antes de estudar os impérios em espécie, devemos abordar resumidamente alguns temas que se relacionam com as atividades imperiais.   
 
3.1- ESCRAVIDÃO NA ÉPOCA COLONIAL
 
 A escravidão é a prática social em que um ser humano assume direitos de propriedade sobre outro, designado por escravo.[3] Na maioria das vezes, esta condição era obtida por força, mas houve exceções (veremos no decorrer deste trabalho alguns casos). A Igreja Católica sempre lutou contra a escravidão, desde a carta de São Paulo a Filémon até o século XIX, época na qual terminou formalmente a escravidão no Mundo Ocidental[4]. Na Idade Média[5], houve condenações e por causa da atuação da Igreja Católica, a Europa se livrou deste flagelo. Na época das Grandes Navegações, porém, a escravidão ressurgiu com força e a Igreja Católica a condenou novamente, como por exemplo, nas Bulas: Cum Sicuti (1591) de Gregório XIV, Commissum Nobis(1639) de Urbano VIII e Immensa Pastorum (1741) de Bento XIV. A similaridade das palavras inglesas “slav” (eslavo) e “slave” (escravo) não é coincidência, pois os muçulmanos e judeus faziam tráfico de escravos, na Idade Média, levando cativos da Europa oriental para o mundo muçulmano, para os califados de Bagdá e de Córdoba, por exemplo. Escravos brancos são “saqaliba” em árabe, o mesmo termo para eslavos (LEWIS, 2001, p. 235). Os Vikings, também, na Época Moderna foram grandes fornecedores de escravos brancos para os muçulmanos. Na maioria das vezes, eram escravizados nas Ilhas Britânicas (HOFFMAN, 1993, p. 4). Havia muita escravidão branca na época das Grandes Navegações. Entre 1530 e 1780, um milhão de escravos europeus serviam no norte da África (GALLAY et al. 2009, p. 11). No século XVII, havia mais escravos ingleses na África que africanos escravizados na América (GALLAY et al., 2009, p. 11) e já havia um enorme tráfico intracontinental na África (GALLAY et al., 2009, p. 20) vindo da África subsaariana para o norte africano. Na América, a escravidão também já existia antes dos europeus chegarem, índios norte-americanos já a praticavam e astecas também (GALLAY et al. 2009, p. 10). Na era das Colônias, os africanos, que eram levados forçados da África para a América, já eram, na realidade, escravos ou cativos em sua terra. As guerras entre as tribos africanas eram intensas e terminavam em massacres ou escravidão, de modo que as tribos vencedoras detinham os vencidos e comercializavam-nos com os traficantes de escravos europeus. Trocava-se a escravidão na África (ou a morte) por outra na América. É apenas uma lenda que os africanos viviam num paraíso “roussoniano” em suas terras natais. No total, aproximadamente dez milhões de escravos africanos foram levados para a América, três milhões deles transportados em barcos ingleses (FERGUSON, 2003, p. 10). Os ingleses também levavam índios escravizados na América do Norte para o Caribe. Depois de dominar o tráfico negreiro, a Inglaterra patrocinou o fim da escravidão no séc. XIX. Não lhe interessava mais economicamente, assim, poderia passar demagogicamente como “defensora da liberdade”. Como substitutivo, ela contava com os “coolies”, com os “blackbirds”, com a escravidão disfarçada na África da “The Beers” e com a mão de obra barata dos indianos (ver tópicos relativos aos temas). Na Época Colonial, o tratamento dispensado aos escravos foi muito irregular. Nos impérios britânico e holandês o trato era muito pior que nos impérios espanhol, português e francês. Escravos nas colônias espanholas possuíam direitos legais que eram negados tanto nas colônias britânicas quanto nas colônias holandesas (GALLLAY et al. 2009,p. 5 ). 
 
 
3.2 - O MUNDO FORA DA EUROPA
 
  O mundo fora da Europa, na época das Grandes Navegações e no começo das construções dos Impérios Coloniais, era selvagem. Na América, o canibalismo era regra, assim como o infanticídio, o abandono dos velhos, os sacrifícios humanos, o homossexualismo, as guerras constantes etc. Os astecas, por exemplo, foram o povo conhecido que mais praticava sacrifícios humanos em toda a História. Na África subsaariana, o ambiente era similar. Na China, mais civilizada, ainda assim havia práticas abjetas como abandono de velhos para morrer, sacrifícios humanos em certa época, infanticídio e homossexualismo. Na Índia, havia aberrações como o “sati”, cerimônia na qual  esposas viúvas eram obrigadas a se sacrificarem vivas nas fogueiras de piras funerárias de seus esposos mortos[6]. No Extremo Oriente, Indonésia, Filipinas, Austrália etc. também existiam hábitos repulsivos. Entre os muçulmanos, por sua vez, na época moderna, a mulher era mal tratada, havia a poligamia[7], praticavam a escravidão e eram muito cruéis contra os inimigos. Aliás, o Islã tinha (e tem) muito ódio da Cristandade, o protótipo e o modelo da “jihad” é a guerra contra a Cristandade (LEWIS, 2001, p.65). A civilização, como a conhecemos, com caridade, civilidade, sem abuso dos mais fracos é uma construção da Igreja Católica. Roma e Grécia antigas, as nações mais civilizados do Mundo Antigo, também praticaram sacrifícios humanos, escravidão e infanticídio. Os Vikings, por exemplo, antes da conversão ao catolicismo eram de uma brutalidade ímpar contra os povos vencidos. Os germânicos também tinham uma versão do “sati” e só abandonaram sua prática com a conversão ao catolicismo. Somente Israel na Antiguidade, apesar da presença da escravidão, escapava da selvageria. Os povos que tiveram contato com os colonizadores europeus estavam apartados da civilização e foram os europeus, em maior ou menor grau, quer por acidente quer por intenção, que levaram a civilidade para toda a gente. Ao longo deste trabalho abordaremos alguns dos hábitos dos povos autóctones.
 
 
3.3 - PIRATARIA
 
  Pirataria é o ato de se roubar navios nos mares. Os piratas que exerciam esta atividade eram normalmente violentos e assassinos. Uma atividade correlata era a de saquear cidades a beira-mar. A Pirataria sempre existiu e ainda existe hoje em dia e foi muito comum na época colonial. Corsário era um pirata que, por missão ou carta de corso (ou "de marca") expedida por um governo, era autorizado a pilhar navios de outra nação (guerra de corso), ou seja, era uma “pirataria oficializada”. Piratas se transformavam em corsários e vice-versa. A Inglaterra foi a “rainha” da pirataria, sempre se utilizou muito dos corsários. Essa atividade era para ela uma grande fonte de renda ( APPLEBY, 2013, p. 40). Havia uma extensiva infraestrutura para apoiar e dar aparência de “operação comercial” à pirataria (APPLEBY, 2013, p. 8). Entre 1688 e 1815, 25.000 “carta de marca” foram expedidas na Inglaterra. (HILLMANN, 2007, p.5) Durante certa época, o principal objetivo militar da Inglaterra era saquear os navios espanhóis. De 1585 a 1604, entre 100 e 200 embarcações foram enviadas para assediar barcos espanhóis (FERGUSON, 2003, p. 33) Era muito utilizado um tipo de “perdão real” no qual a Inglaterra anistiava piratas para fazê-los servir à Coroa, como corsários, contra os inimigos dela. A atividade imperial e colonial inglesa era indistinta da pirataria. Houve “heróis” nacionais, parlamentares, colonizadores, funcionários das companhias e governadores coloniais que foram piratas. Boa parte dos piratas na História Moderna, muitos deles famosos, eram ingleses. A Inglaterra transformou Francis Drake (1540-1596), pirata, assassino, pilhador e traficante de escravos em herói nacional. Igualmente, fez de Lord Cochrane (1775-1860), corsário e pilhador, um herói. Ele chegou a servir a outras nações, incluindo o Brasil. Certa vez saqueou violentamente São Luis do Maranhão. Henry Morgan (1635-1688), corsário, foi governador da Jamaica. Thomas Cavendish (1555-1592) participou da fundação da Virgínia e assaltou a costa brasileira várias vezes. James Lancaster (1554-1618) foi diretor da Companhia das Índias Orientais Inglesa. Certa vez, foi tão cúpido no saque a Recife em 1595 que afundou vários barcos devido ao excesso de peso do butim. Henry Mainwaring (1587-1653) foi membro do Parlamento e da marinha inglesa e se especializou em assaltar navios portugueses, espanhóis e franceses, na costa européia. Black Bart (1682-1722) aterrorizou vários lugares. Barba Negra (1680-1718), um dos mais famosos, atuou em New Providence e em outros lugares, servindo a Inglaterra em várias oportunidades. Calico James (1682-1720) também atuou em New Providence. Capitão Kidd (1645-1701) atuou na costa do Madagascar contra os franceses. Port Royal na Jamaica inglesa era um grande centro de bucaneiros (piratas do caribe). New Providence em Bahamas era outro centro da pirataria inglesa, local estratégico para assaltar navios espanhóis, pois, situa-se perto da Flórida, que era espanhola. As Treze Colônias também foram usadas para entrepostos de corsários, assim como a Bermudas. Depois da Inglaterra, a Holanda foi a potência que mais usou os piratas. As Companias majestáticas holandesas, a WIC e a VOC não deixaram de ser empresas de pirataria. Houve também piratas famosos holandeses: Jan Janz (começo do séc. XVII) foi presidente de uma curiosa  “República dos Piratas do Bu Regregue”  na costa norte africana. Roc Braziliano (1630-1673) foi um pirata cruel que odiava espanhóis e atacava a costa brasileira, daí sua alcunha. Jacob Wilckens, a serviço da Companhia das Índias Ocidentais, invadiu Salvador em 1624. A França vem em terceiro lugar na relação com piratas, mas se utilizou dos corsários em um grau muito menor. Jean Angó (sec. XVI), a serviço da França, aterrorizou o Brasil. Jean Bart (1651-1702) atuou na América do Norte. Espanha e Portugal fizeram muito pouco uso em toda a sua história dos corsários. Em Portugal, os saques a cidades eram proibidos. Bartolomeu Portugês (séc. XVII) foi o único pirata lusitano famoso e escreveu o “código da pirataria”. A pirataria ocorria em vários locais no mundo inteiro. O Mediterrâneo era infestado de piratas, principalmente muçulmanos que atacavam embarcações católicas. Mas, o apogeu da pirataria aconteceu no Caribe e a sua “idade de ouro” foi entre 1690 e 1730, os piratas lá eram conhecidos como bucaneiros. O tratado de Paris (1856) pos fim aos corsários. Nesta ocasião, a Inglaterra dominava os mares e era a grande potência do mundo, logo ela só teria a perder com a manutenção do corso, já que seria mais vítima dele do que patrocinadora, por isso, advogou seu fim junto com outras potências.


 
 
NOTAS
 
[1] Wikipedia, verbete colonização de povoamento.
[2] Wikipedia, verbete colonização de exploração.
[3] Wikipedia, verbete escravidão.
[4] Nos países islâmicos houve escravidão no século XX.
[5] O Concílio Regional de Lyon (567-570), por exemplo, proibia a escravidão de homens livres. No século VII, a rainha da França Santa Batilde, que fora escrava ela mesma, proibiu a comercialização de escravos.
[6] Wikipedia, verbete “Sati”. Existem relatos de ocorrências nas últimas décadas.
[7] Ainda há poligamia hoje em alguns países muçulmanos.

    Para citar este texto:
"Impérios Coloniais. Parte 1."
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/historia/imperios-coloniais-parte-1/
Online, 21/12/2024 às 17:55:41h