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Afinal, vale a pena a Missa em Paraisópolis?
Alberto Zucchi
Quarta feira, 27 de setembro de 2.017, 18 horas e trinta minutos. Um pequeno grupo de pessoas se encontra próximo à sede da Montfort para se deslocar da Vila Monumento até Paraisópolis, mais precisamente até a Igreja de São José. A distância que separa os dois bairros paulistanos é de aproximadamente 16 quilômetros. O tempo de viagem estimado é de duas horas. Quem conhece o trânsito de São Paulo não estranha a desproporção entre a distância e o tempo.
Nossa pequena caravana tinha três carros. Ela foi composta por um padre encarregado de fazer uma pregação para instruir os fiéis sobre a Missa, antes da sua realização, um grupo de acólitos, um pequeno coral de moças e três motoristas.
Enquanto esperava meus acompanhantes tomarem seus lugares no automóvel, uma dúvida tomou conta de meu espirito. Afinal de contas, será que vale a Missa em Paraisópolis?
Nós havíamos ministrado nos meses de agosto e setembro um ciclo de cinco palestras, as quartas-feiras à noite, sobre Nossa Senhora. Em algumas das palestras comentamos sobre a Missa Tridentina, o que despertou o interesse de muitos fiéis que ainda não a conheciam. Assim, como encerramento do ciclo de palestras, combinou-se a realização da Missa.
Mas afinal, porque a Missa em Paraisópolis? Valeria a pena este deslocamento para levar a Missa a pessoas que mal conhecíamos e cujos frutos seriam tão incertos e duvidosos? O mais provável não seria que, depois da Missa, o esforço não traria qualquer resultado? Parecia um empreendimento destinado ao fracasso. Se, muitas vezes, mesmo os amigos não nos compreendem, que resultado era razoável esperar daquele esforço? Tudo não passaria de uma ilusão dos “tridentinos” que não são capazes de enxergar que o mundo mudou?
Enfim, o carro estava completo e podíamos partir, demorou um pouco porque eu levava o coral feminino, e neste caso, uma boa conversa precede qualquer ação.
Como esperado, a viagem foi demorada. Como em todas as viagens da Montfort o clima foi sempre muito alegre. Após termos rezado o terço juntamente com o sacerdote, muitas brincadeiras, e muita felicidade. A perspectiva de mais uma Missa Tridentina animava a todos mas, no meu espirito, a dúvida sempre voltava. Será que vale a pena?
Enfim nos aproximamos de nosso destino, chegamos à Avenida Giovanni Gronchi. No início da avenida, um templo da religião moderna - um grande estádio de futebol onde, aos domingos, é prestado o culto aos “santos” atuais, cuja grande virtude é saber acertar a bola com o pé. Diante deles até a laica Paris se ajoelha.
A Giovanni Gronchi é umas das principais avenidas do bairro do Morumbi, cercada de prédios de luxo, com muito verde, largos e grandes espaços entre os prédios. Condomínios que são verdadeiros parques. Muita qualidade de vida na linguagem moderna. Na avenida, pouca gente andando, muitos carros e muito trânsito. Nos prédios luxuosos, muitas janelas com as luzes acesas.
Ao longo da avenida muitas lojas de grife. Lojas de moda, de decoração, lojas de ração como o McDonald´s e também, não poderia faltar, a academia de ginástica. Tudo com muito luxo e com um pretenso bom gosto. Mas tudo vazio.
Giovanni Gronchi é um local bem representativo da falta de esperança em Deus. Falta de esperança que é muito bem descrita pelo Papa Emérito Bento XVI na encíclica “Spe Salvi”. A esperança em Deus é substituída na sociedade pela esperança no mundo moderno, na técnica, na capacidade humana. A esperança em Deus torna-se apenas algo privado e, assim, as coisas da religião ficam apenas para a ação particular de cada pessoa. O culto público desaparece e a Missa não faz mais sentido, a não ser que seja uma festa.
É desta avenida que saem as ruas que conduzem a Paraisópolis, mas não era aquele o público da nossa Missa.
Meia hora de congestionamento e entramos nas ruas de Paraisópolis. Casas pequenas e apinhadas, uma encostada na outra, algumas de três ou quatro andares, parecia até que haviam se pressionando umas contra as outras e elas haviam se esticado para cima. Nenhum acabamento, nem uma única arvore. Havia também um comércio, nada de luxo, nenhuma preocupação com a aparência, tudo simples, lembrei-me da “venda” da minha infância.
As ruas estreitas, muito estreitas, e muita gente na rua, muitos jovens. Dir-se-ia que o maldito controle da natalidade não havia chegado até ali. E infelizmente, também, diversos pastores em salões improvisados, fazendo discursos inflamados e divulgando igrejolas cujo único objetivo é enriquecer o próprio pastor.
Paraisópolis não é um lugar de miséria, mas o contraste com os prédios luxuosos que cercam o lugar é realmente chocante. Na era moderna, que se diz da pluralidade, do entendimento e da tolerância, pobres e ricos não se misturam. Não é difícil de acreditar que os sábios da Giovanni Gronchi repitam as tolices que aprenderam nos luxuosos colégios do Morumbi: que na Idade Média o senhor feudal explorava os camponeses e que agora, com o capitalismo e o liberalismo, temos a igualdade.
Assim, logo na entrada de Paraisópolis eu começava a receber a resposta a minha dúvida. Se há almas a conquistar para Deus, então vale a pena. O vazio antisséptico e morto da Giovanni Gronchi, contrastava com a confusão e a vida de Paraisópolis.
Enfim, chegamos até a igreja. Por fora a aparência era de uma pequena habitação, mas quando entramos nos deparamos com um local para mais de quatrocentas pessoas. Para a Missa a igreja não encheu mas, havia um bom número de pessoas presentes, um número excepcional para uma Missa de quarta-feira à noite. E lá dentro nos aguardavam dois padres. Um deles o pároco, grande e forte, e de batina, ou seja, um padre vestido de padre. E outro padre, também da diocese se preparava para celebrar a Missa. Também ele de batina.
Com o padre que nos acompanhava eram então três padres que representavam a nova geração da Igreja. Uma geração de padres que volta seus olhos para a tradição, não com um saudosismo melancólico, mas entendendo que este é o único caminho para a salvação das almas.
Todo o pequeno sacrifício que fizemos já teria valido a pena se fosse só para presenciar este encontro. Aquilo que parecia um grande incômodo começava-se a transformar em uma grande alegria. Nada como cumprir o dever.
O padre que nos acompanhou iniciou a explicação da Missa: “Deve-se ter sempre presente que a Missa é a Renovação do Sacrífico da cruz”, disse ele. O povo simples acompanhava com muito interesse o que o padre dizia e um grupo de jovens já havia se concentrado em um lado da igreja acompanhando também com atenção. Todos eles haviam deixado o futebol para escutar o padre. Naquelas almas a Esperança em Deus vencia a esperança do mundo.
Logo em seguida a Missa teve início, com o cortejo de entrada. Muito recolhimento e muita atenção. Começava a preparação para o Sacrifício de Nosso Senhor. O pequeno grupo de jovens prestava atenção em tudo que acontecia. Eles desejavam saber cada detalhe dos paramentos, das orações, dos gestos do padre. Todos, padre e fiéis, voltados para Cristo em uma grande união.
No local que se esperaria ser um centro da Teologia da Libertação, promovendo a luta de classes e onde a Missa deveria ser transformada em comício petista de protesto, se prestava um culto em honra a Deus, sem preocupação com o que o mundo nos oferece. A verdadeira vida é a vida eterna e, na Missa Tridentina, de alguma forma, nós temos um primeiro gozo desta vida.
Naquela igreja, naquele momento, a “religião do Deus que se fez Homem” triunfava sobre a “religião do homem que quer se fazer Deus”. Assim como Cristo, a Missa ressuscitava de forma inexplicável. Que excelente comemoração para os dez anos do “Motu Proprio Summorum Pontificum”, do Papa Bento XVI.
É claro, é evidente que valia a pena difundir a Missa, e ter tido dúvida já é motivo para alguma vergonha.
Chega o momento do sermão. Ao invés de falar sobre a luta de classes, sobre a exploração do capitalismo, sobre o igualitarismo, sobre o ecumenismo, fazer a defesa da ideologia de gênero, o padre então nos fala do martírio. Era a Missa de São Cosme e São Damião, dois mártires.
Mártir, lembra o padre, significa em latim testemunha, mas não uma testemunha comum, uma testemunha que deu a vida por Cristo.
Na Igreja tudo é especial, os mártires não são qualquer testemunha, assim como os religiosos, não são pessoas comuns que praticam a religião, mas pessoas que se consagram inteiramente a Deus. Não fazer estas diferenças, apesar das palavras idênticas, é trazer um igualitarismo entre sacerdote e povo, que causa um grande prejuízo as almas. Mas o padre que fazia o sermão conhecia bem estas distinções.
O sermão foi rápido, mas muito proveitoso. Depois veio o Canon e a Consagração. Tudo deixando muito claro a presença real de Cristo e o Sacrifício da cruz que ali era renovado. Não houve festa para entreter o povo. O Coral sempre cantando em gregoriano. O povo, muitas vezes de joelhos, sempre interessado e com grande devoção. O amor dos jovens e o desejo de conhecer melhor a Missa não parava de crescer.
Será que alguém ainda pode ter dúvida de que valeu a pena? Vale muito a pena ser um instrumento de Deus, ainda que miserável, contra toda a aparência, levar a cruz e, portanto, o caminho da vida eterna para as almas. A Igreja ensina que se fosse para salvar uma única alma Nossa Senhor teria se encarnado, então como pode-se pensar que não vale a pena ir até Paraisópolis? Quem sabe a próxima Missa possa ser a Missa de Réquiem para a Teologia da Libertação.
Após a Missa muita alegria, fotos e comprimentos. Por solicitação dos fiéis, a Missa será repetida outras vezes e, se Deus quiser e nos der esta graça, nós lá estaremos, porque sem dúvida, vale muito a pena a Missa em Paraisópolis, assim como em todos os outros lugares, inclusive na Giovanni Gronchi e nos ricos prédios do Morumbi e também, se Deus quiser, nós estaremos lá porque a esperança de salvação de Nosso Senhor é para todos, não existindo nenhuma opção preferencial.
Para citar este texto:
"Afinal, vale a pena a Missa em Paraisópolis?"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/cronicas/missa_paraisopolis/
Online, 21/12/2024 às 13:44:05h