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Pequeno manual de economia política
Victor Peregrino
FEUDALISMO
Você tem duas vacas e seu vizinho uma. Cada um cuida do que é seu e o governo (Senhor Feudal) fica com 10 % do leite. O restante é consumido pelas famílias dos produtores ou vendido na feira ao preço estabelecido pelo costume.
MERCANTILISMO
Você rouba a vaca do vizinho, reduzindo-o à miséria; compra-o como escravo para cuidar das três; dando-lhe em compensação o leite necessário ao seu sustento. O governo (Rei Absoluto) estabelece um monopólio, aumenta o preço e leva 20 %.
CAPITALISMO (ou LIBERALISMO, ou NEO-LIBERALISMO)
Você compra a vaca de seu vizinho a preço vil, durante uma crise econômica, reduzindo-o à miséria; contrata-o como empregado para cuidar do rebanho, pagando-lhe salário mínimo, suficiente apenas para que ele compre o leite necessário para não morrer de fome. Você estabelece um cartel com outros proprietários, forçando a alta dos preços e ficando o governo (Presidente) com 30 %.
SOCIAL-DEMOCRACIA
O governo (Parlamento) desapropria uma de suas vacas, mas não paga, deixando-a morrer de fome. Seu vizinho, parente de um deputado, é nomeado fiscal da produção leiteira, e, sob ameaça de desapropriar-lhe a outra, compra-a a preço vil, com dinheiro público, exigindo porém 50 % de propina. Ao receber o dinheiro você é assaltado, ficando na miséria, e tem de trabalhar para o vizinho, mediante salário mínimo, cuidando das vacas. A produção leiteira é subsidiada para o produtor, mas metade dela é jogada no rio, incidindo sobre o restante imposto de 40 % para o consumidor, o que causa alta de preços. O governo quebra, e o subsídio é suspenso, o que causa alta de preços. Seu vizinho quebra, mas graças ao parente deputado consegue a estatização das vacas, a preços superfaturados, mediante propina de 50 %; uma das vacas morre de fome; a outra é privatizada em leilão, a preço subfaturado, mediante propina de 50 %. O leite passa a ser importado da Coréia, com financiamento do Banco Mundial, a juros de 40 % , e imposto de 60 %, o que causa alta de preços. Seu vizinho e o parente deputado montam um esquema para sonegar o imposto e embolsar o financiamento, mediante propina de 50 %.
SOCIALISMO
O governo (Vanguarda do Proletariado) expropria as três vacas, nomeando seu vizinho comissário do órgão estatal encarregado da produção de leite. Duas vacas morrem de fome. A metade da produção da remanescente é jogada no rio, sendo o restante racionado. O leite é fornecido a seu vizinho, membro do partido, a preços subsidiados e em lojas especiais, e para você, quando há, em filas quilométricas e mediante ágio de 200 %, razão pela qual você morre de fome.
COMUNISMO
O governo (Guia Genial dos Povos) confisca as três vacas, fuzilando você como contra-revolucionário e mandando seu vizinho para um campo de reeducação marxista, onde ele morre de fome. O leite, considerado um luxo burguês, é jogado no rio, fazendo-se com as vacas um churrasco para os membros do partido. Quando a carne acaba, o partido restabelece o Capitalismo (vide supra), pois afinal comunista também come, e dinheiro não é tão mau assim, no nosso bolso.
NAZISMO
Você é morto na guerra, seu vizinho num campo de concentração e as vacas na câmara de gás. O governo (Führer) e membros do partido (Oberstürmerstandartdergauleiterabwehrss) suicidam-se num ritual viking. Depois vêm os americanos e fazem um filme, comprovando a superioridade do Capitalismo.
COMENTÁRIOS AO "PEQUENO MANUAL"
O tom humorístico deste texto poderia fazer supor que lhe falta seriedade, porém às vezes as coisas mais sérias são ditas em tom de pilhéria.
Toda a moderna economia política, principalmente a de talhe socialista, fundamenta-se em idéias falsas, porque baseadas numa errada compreensão da natureza do mundo e do homem.
A primeira dessas idéias é a falácia rousseauniana de que "o homem é bom, a sociedade é que o corrompe". Essa afirmação não resiste à menor análise, para começar pela simples razão de que o homem é animal social (polítikon zóon, de Aristóteles), e não se concebe a existência de indivíduo humano anterior à sociedade humana.
O contrário seria menos artificioso: para que nasça um indivíduo é mister, no mínimo, a sociedade anterior entre seus pais. Por outro lado, não se pode falar de sociedade com abstração dos indivíduos que a compõem; melhor seria afirmar que homem e sociedade são coevos.
Partindo daquele pressuposto errôneo, as diversas economias políticas sempre tentaram corrigir a "sociedade corruptora", ou a partir do homem corrompido por ela, cuja busca individualista de satisfação material produziria a harmonia social (Adam Smith), ou a partir da própria sociedade corrupta, cuja dinâmica cega engendraria o "homem novo", redimido do mal pela revolução (Karl Marx). Os dois temas variam "ad libitum", mas a economia "científica" não encontra alternativa real entre liberalismo e socialismo.
O ilogismo de ambas as posições é patente, mas no mundo moderno tudo pode passar por ciência, desde que negue as verdades da Revelação.
E a verdade, que Deus se dignou revelar-nos, é que a natureza humana foi criada perfeita, mas decaiu pelo pecado original - a louca pretensão, insuflada pelo orgulho, de tornar-se o homem divino - disso advindo todos os males do mundo.
No âmbito econômico, as conseqüências da queda vêm resumidas em três versículos do Gênesis: "... a terra será maldita por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. E ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, ... " (Gen., III, 17 - 19).
Isto significa que tudo para o homem, no planeta Terra, custa trabalho e sofrimento; nada existe que seja grátis, nem isento de pena. Até o ato de respirar requer esforço, de modo que o próprio ar tem, para os seres vivos, um custo em esforço e dispêndio de energia. Apenas a Graça Divina e a luz do Sol, seu símbolo material, porque nos vêm do alto, é que são gratuitas.
Corolário imediato dessa verdade, é que todos os bens deste mundo têm um preço; e quem não o pagar com trabalho, saldá-lo-á com sofrimento.
Ignorante dessa realidade, a ciência materialista em geral, e a economia política em particular, envidam todos os seus esforços para "tornar a vida mais fácil", buscando eliminar o sofrimento e o trabalho. E os efetivos avanços da técnica suscitam a ilusão de que o homem está obtendo sucesso nessa luta, de que dia por dia "progredimos" rumo a um futuro cada vez mais perfeito, que promete realizar o paraíso na terra.
Sucede que a maldição primigênia, salário do pecado, está em plena vigência. Cada progresso tecnológico é obtido à custa de guerras, investimentos altíssimos em finanças e recursos materiais, pesados custos sociais e ambientais. A redução, talvez ilusória, do custo-trabalho, aumenta na mesma proporção o custo-sofrimento, individual e coletivo.
Alguém já se deu ao empenho de indagar, por exemplo, o custo em vidas humanas, em qualidade do meio ambiente, em saúde pública e individual, em esmagamento das necessidades da alma, cobrado pela comodidade que o automóvel - indiscutivelmente - proporciona?
Não se trata de lançar um anátema sobre a tecnologia, mas apenas de ressaltar que a fuga obsessiva do esforço e de tudo quanto é penoso, além de desfibrar o homem, acaba por produzir o seu oposto: trabalho inútil, sofrimento inútil, correria e frenesi inúteis, que nos levam a esquecer-nos de tudo quanto importa na vida - o cuidado da alma e o serviço de Deus.
Reduzimo-nos à proporção de insetos: formigas tecnológicas que passam a existência a correr sem rumo e sem razão, privadas até mesmo do prazer de cumprir com vagar as tarefas que nos tocam como criaturas humanas. "O vagar é de Deus, a pressa do diabo" - diz um ditado árabe.
A pressa em que vivemos é conseqüência da ilusão do "progresso", a fuga sempre mais veloz rumo à miragem de um futuro que nunca chega, e que somente pode nos assegurar a morte.
Nesse contexto vê-se com mais clareza a inanidade das doutrinas econômicas, que em última análise propõem mecanismos para reformar a sociedade e o homem em função de um progresso puramente material, e fazendo tabula rasa da dimensão espiritual do humano, e da realidade do pecado original.
Quando, por soberba, fingimos que o pecado original não existe, é que as suas conseqüências se manifestam com mais vigor, porque reincidimos na sua causa. Daí a iniqüidade intrínseca de todas as teorias político-econômicas modernas, que, objetivando a prosperidade e a felicidade no mundo, apenas produziram exploração, tirania e misérias sem conta. Ao contrário, o humilde reconhecimento de nossa queda suscita a misericórdia divina, tornando-nos aptos aos merecimentos da Redenção.
Por isso, no texto humorístico acima, a descrição da economia feudal é a mais sucinta e a mais simpática: é que ela deriva da própria natureza das coisas, não estando contaminada pela vaidosa pretensão de promover uma reengenharia do mundo.
Ao contrário, tudo quanto veio depois visava o incremento da riqueza e do poder, que estão sempre correlacionados (não são sinônimos, mas são fungíveis), ou a enganosa promessa de sua distribuição para todos.
Sobretudo esta última, a profecia do milênio socialista, é mentirosa, porque propondo a tomada do poder e a expropriação da riqueza pela violência - logo, pelo pecado - garante a sua ulterior dispensação aos pobres, que somente seria possível se, concluídos o roubo universal e o homicídio em massa, os criminosos se transformassem instantaneamente em anjos de caridade.
Assim, o que temos é, mais uma vez, a falsa idéia da impecabilidade humana, a prometer um paraíso material e temporal, mas apenas engendrando o interminável séquito de atrocidades que todos conhecem.
Victor Peregrino
15/05/2001
Para citar este texto:
"Pequeno manual de economia política"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/cronicas/manual/
Online, 21/12/2024 às 18:22:37h