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Ciência e Fé
A condenação de Galileu
Robson Nascimento
A 15 de fevereiro de 1564 nasce, em Pisa, Galileu Galilei, o mais velho dos sete filhos do músico Vincenzio Galilei e Giulia Ammannati.
Após estudar em Florença e em Pisa, Galileu torna-se, em 1589, professor de matemática, junto à Universidade de Pisa.
Por volta de 1592 escreve o Trattato della sfera ovvero Cosmografia, no qual defende a imobilidade e centralidade da Terra com os mesmos argumentos de Aristóteles e Ptolomeu.
Entretanto, em 1612 Galileu, já convertido às idéias de Copérnico, publica o Discorso sulle cose che stanno in sull’acqua, no qual combate a física aristotélica, tachando-a de puro nominalismo. Galileu chama os textos de Aristóteles de cárcere da razão. Por outro lado ele defende o atomismo de Demócrito.
O aristotelismo universitário e a Companhia de Jesus formam um bloco contra a tomada de posição de Galileu. Porém alguns cardeais - entre eles Maffeo Barberini, futuro papa Urbano VIII -, defendem suas idéias (Galileu gozava de certo prestígio junto à parte da cúria).
Em 1616, o cardeal Roberto Bellarmino, admirador do "brilhante matemático" Galileu, comunica a este a condenação da teoria de Copérnico e o aconselha a não mais defender o heliocentrismo. Esta teoria, ao dizer que "a Terra se move e o céu permanece parado", ia diretamente contra a filosofia de Aristóteles (da qual tanto se servia a teologia escolástica).
Ora, o tribunal do Santo Ofício não se ocupava de astronomia, mas de questões de ortodoxia católica. Nenhum concílio havia jamais estipulado o geocentrismo como verdade de fé, porém se se admitisse a possibilidade de interpretar a Escritura com novas razões naturais, podia haver o risco de que esta reforma se estendesse também a outros – mais fundamentais – pontos de fé e de interpretação tradicional.
Nesta época a Igreja enfrentava o início da Reforma protestante. Esta revolta, movida pelo orgulho de Lutero, negou o primado de Pedro e impulsionada pelo "livre exame" das Escrituras acabou por gerar a atual babel de seitas de subúrbio onde cada um tem a sua opinião, não mais guiados pela verdadeira fé.
Galileu, não podendo demonstrar o sistema copernicano publicamente, tinha como única escolha eliminar as possíveis desvirtuações desta teoria. Uma dessas desvirtuações era a órbita elíptica dos cometas, uma hipótese não prevista pelo modelo de Copérnico que poderia abalar sua credibilidade. Galileu então, como uma tentativa de defender o copernicanismo, nega a existência real dos cometas, dizendo que estes não eram corpos celestes, mas sim aparências luminosas (como os arco-íris) originadas a partir de reflexões luminosas sobre evaporações atmosféricas, elevando-se além do cone de sombra terrestre como uma aurora boreal.
Mas em 1619, a Companhia de Jesus publica: "De tribus cometis anni MDCXVIII disputatio astronomica habita in Collegio romano", onde o autor, Padre Orazio Grassi, a partir de observações de um cometa muito brilhante surgido no último inverno, define-o como um corpo celeste situado entre as órbitas da Lua e do Sol.
Galileu, preocupado com a autoridade das teses adotadas pelo Colégio Romano, publica em junho de 1619 o "Discorso delle comete", onde é proposta, sob forma de polêmica, a tese da natureza puramente ótica desse fenômeno, rejeitando às hipóteses do Padre Grassi.
Os jesuítas mostram-se muito ofendidos com a publicação e, em dezembro de 1619, a resposta ao "Discorso delle comete", está pronta. Foi publicada em Perugia pelo Padre Grassi sob o pseudônimo de Lotario Sarsi. Intitulava-se "Libra astronômica ac philosophica". Sarsi assinalava, na Libra, que a teoria dos cometas de Galileu trazia a marca das teorias do "De cometis" (1618) do copernicano e herético Kepler. Agora a polêmica entre Galileu e o Colégio Romano era declarada.
Galileu, apoiado por um grupo de literatos romanos (A Academia dos Lincei de Federico Cesi) publica em 1623 o "Il Saggiatore", o qual foi apresentado a Roma como "o manifesto contra a força esmagadora das instituições que baseavam seu poder na tradição e na autoridade". Assim, os cometas haviam desaparecido do horizonte da discussão dando lugar a uma proposição filosófica muito mais profunda: o atomismo substancialista.
No Saggiatore, Galileu afirmava que as qualidades sensíveis de um corpo material existiriam somente na sensação e não na própria substância material, então o sabor, o odor, a cor seriam apenas nomes em relação à substância na qual pareceriam residir. Esta nova gramática da física, distinguindo entre os puros nomes e os conceitos objetivamente inteligíveis por todos, evocava a gramática lógica do herege Guilherme de Occam o qual afirmava que a espécie, o gênero e o acidente não correspondiam a alguma coisa real e que entidades metafísicas como a brancura, por exemplo, não tinham realidade empírica, mas eram fruto de uma suposição "pessoal".
Ora, na consagração eucarística a substância do pão e do vinho é totalmente transubstanciada na do corpo e do sangue de Cristo sendo que as experiências externas – cor, sabor, calor – são também conservadas pela intervenção divina. Para Galileu, estas são simples nomes, independentes da substância material e, portanto, não haveria milagre para conservá-los.
Esta era a versão da denúncia que o Padre Grassi enviou ao Santo Ofício. Objetava ele que a incompatibilidade da filosofia do Saggiatore com a eucaristia era muito mais importante do que a questão "se a Terra se move". O dogma eucarístico era o fundamento da fé católica. Podia-se ser católico e copernicano, mas não se podia ser católico sem respeitar o dogma tridentino da eucaristia.
A resposta oficial de Sarsi ao Saggiatore saiu no final de 1626, a "Ratio ponderum librae et simbellae". Neste livro, o Padre Grassi respondia um a um os argumentos do Saggiatore. No Examen 48 da Ratio, o Saggiatore é denunciado por heresia eucarística.
Em 12 de abril de 1633 iniciava-se o processo contra Galileu.
Galileu, possuindo muitos privilégios junto à cúria, em vez de ocupar uma cela, residia no apartamento do procurador fiscal, uma espécie de hospedaria do palácio do Santo Ofício, providência de excepcional deferência para um acusado de exceção.
Durante o processo, o comportamento do papa foi aparentemente desconcertante: em vez de ter deixado o inquérito seguir seu curso normal junto ao Santo Ofício, chamou para si a instrução, ocultou as denúncias e nada deixou transparecer além da suspeita para justificar o processo, pois queria livra-lo de uma condenação grave.
Por fim, após várias manobras em um processo-farsa, Galileu era condenado à penitência e a prisão perpétua, mas por ordem do papa, em vez de ser encarcerado nas celas do palácio do Santo Ofício, pode imediatamente instalar-se na residência do embaixador e em seguida cumprir a pena sob a forma de prisão domiciliar em sua casa de Arcetri, "a jóia".
Referências:
- Redondi, Pietro, "Galileu Herético", ed. Companhia das Letras, São Paulo, 1991;
- Gamow, George, "Biografia da Física", Biblioteca de Cultura Científica, Rio de Janeiro, 1963;
- Évora, Fátima R. R., "A Revolução Copernicano-Galileana", Vol 1 (Astronomia e Cosmologia Pré-Galileana) e Vol 2 (A Revolução Galileana), UNICAMP, Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, Campinas, 1993.
Para citar este texto:
"A condenação de Galileu"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/ciencia/condenacao_de_galileu/
Online, 21/11/2024 às 09:26:44h