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O poder da arte
Ronaldo Motta
Já se disse muitas vezes que a arte ensina. Logo, se ensina, pode tanto ensinar o bem quanto o mal. Já se disse, também, que a arte tem a capacidade de criar estados de alma. Portanto, pode inclinar o homem tanto às boas quanto às más disposições. Alguns poderiam afirmar que isso é evidente, e seríamos obrigados a concordar. Todavia, lembrar-lhe-íamos que, se para bom entendedor meia palavra basta, para nosso mundo subjetivista, confuso e, por isso mesmo, péssimo entendedor, não basta meia palavra, nem mesmo palavra inteira, mas é preciso antes repetir com insistência, muitas vezes, a mesma coisa. Sendo assim, para espicaçar novamente os maus entendedores e auxiliar nossos leitores com algumas citações importantes, voltamos novamente ao assunto.
Para os antigos gregos e romanos, o caráter educativo da arte era evidente. No Diálogo República, ao se discutir a formação dos defensores do Estado, Platão faz Sócrates chegar à seguinte conclusão:
“Não é então por este motivo, Glauco, que a educação pela música é capital, porque o ritmo e a harmonia penetram mais fundo na alma e afetam-se mais fortemente, trazendo consigo a perfeição, e tornando aquela perfeita, se tiver sido educada? E, quando não, o contrário? E porque aquele que foi educado nela, como devia, sentiria mais agudamente as omissões e imperfeições no trabalho ou na conformação natural, e, suportando-as mal, e com razão, honraria as coisas belas, e, acolhendo-as jubilosamente na sua alma, com elas se alimentaria e tornar-se-ia um homem perfeito; ao passo que as coisas feias, com razão as censuraria e odiaria desde a infância, antes de ser capaz de raciocinar, e, quando chegasse à idade da razão, haveria de saudá-la e reconhecê-la pela sua afinidade com ela, sobretudo por ter sido assim educado.”. (Platão, República, Livro III).
Platão refere-se aqui, sobretudo à música, contudo, afirma que a capacidade de conduzir a alma à perfeição pertence também aos demais tipos de arte. Ele não titubeia em enfatizar a suma importância da arte na formação de uma sociedade, chegando mesmo a afirmar que se devem vigiar os poetas “e forçá-los a introduzir nos seus versos, a imagem do caráter bom,” e mesmo “vigiar também os outros artistas e impedi-los de introduzir na sua obra o vício, a licença, a baixeza, o indecoro, quer na pintura de seres vivos, quer nos edifícios, quer em qualquer outra obra de arte”.
Segundo o Sócrates de Platão:
“Devemos procurar aqueles dentre os artistas cuja boa natureza habilitou a seguir os vestígios da natureza do belo e do perfeito, a fim de que os jovens, tal como os habitantes de um lugar saudável, tirem proveito de tudo, de onde quer que algo lhes impressione os olhos ou os ouvidos, procedente de obras belas, como uma brisa salutar de regiões sadias, que logo desde a infância, insensivelmente, os tenha levado a imitar, a apreciar e a estar de harmonia com a razão formosa?
- Seria essa, sem dúvida, a melhor educação.”. (Platão, República, Livro III).
Haveria muitíssimo mais a dizer sobre a compreensão que os antigos tinham do caráter formador da arte, contudo, como havíamos dito, pretendemos apenas “cutucar” os maus entendedores e auxiliar nossos leitores.
Passemos adiante.
O poder da arte de aperfeiçoar ou corromper as almas não passa despercebido aos mais capazes, mesmo que tenham sido contaminados pelo subjetivismo ou pela dialética, como é o caso de Eric Hobsbawm. Em sua obra A Era das Revoluções, Hobsbawm faz uma afirmação interessantíssima sobre uma das finalidades fundamentais da arte.
Segundo ele:
“Em sua forma mais geral, a ideologia de 1789 era a maçônica, expressa com tão sublime inocência na Flauta Mágica de Mozart (1791), uma das primeiras grandes obras de arte propagandísticas de uma época em que as mais altas realizações artísticas pertenceram tantas vezes à propaganda.”.[1]
Antes de tudo, é interessante notarmos, ainda que de passagem, que segundo Hobsbawm a Revolução Francesa representa o triunfo dos princípios maçônicos, ou seja, a Revolução Francesa foi a vitória política e ideológica da maçonaria. Essa afirmação de Hobsbawm identifica um ponto fundamental para a compreensão da História, contudo, como estamos falando de arte, deixemos este assunto para os bons entendedores, visto que para eles meia palavra basta...
Quanto à arte, a afirmação de Hobsbawm é interessantíssima, já que afirma claramente, assim como Platão - desculpem-nos a aproximação - que a arte transmite idéias e serve para divulgar ideologias. Tendo essa capacidade de transmitir idéias, tem também a arte o poder de mudar os costumes privados e públicos, terminando por revolucionar a sociedade. É o que Platão afirma na República[2] e é o que assistimos na história, como bem notou Eric Hobsbawm. Isso é um fato tão notório que para confirmá-lo convergem as mais contraditórias - pelo menos aparentemente - personagens históricas, como é o caso de André Breton e Leon Trotski.
Em 25 de julho de 1938, foi redigido na Cidade do México, após longas discussões, por André Breton e Leon Trotski, o manifesto “Por uma Arte Revolucionária Independente”. Nesse manifesto, o surrealista, irracionalista e místico Breton une-se ao materialista comunista Trotski para afirmar e defender o caráter revolucionário da arte. Após estabelecer o fundamento subjetivista da arte, eles declaram:
“Não, nós temos um conceito muito elevado da função da arte para negar sua influência sobre o destino da sociedade. Consideramos que a tarefa suprema da arte em nossa época é participar consciente e ativamente da preparação da revolução.”.[3]
Segundo eles, o objetivo do manifesto é “reunir todos os defensores revolucionários da arte, para servir à revolução pelos métodos da arte”.[4]
O manifesto é interessantíssimo, pois deixa claro em vários momentos que no seio do pensamento moderno, tanto místicos irracionalistas, quanto materialistas cientificistas, possuem uma mesma origem e ambos são subjetivistas negadores da verdade. Porém, isso já é coisa para bons entendedores... O que nos importa, por enquanto, é enfatizar a capacidade formadora da arte, que pode aperfeiçoar os homens, fazendo-os amar o bem, a verdade e a beleza, ou fazê-los revolucionários subjetivistas que odeiam a Verdade e em decorrência disso o Bem e o Belo.
Sempre, e mesmo na Modernidade, a arte foi um meio eficaz de formar mentalidades. Nikos Stangos, em seu prefácio ao livro Conceitos da Arte Moderna, deixa claro o objetivo de ensinar da arte moderna:
“Os movimentos e conceitos da arte moderna foram intencionais, deliberados, dirigidos e programados desde o começo. Fizeram-se acompanhar de uma pletora de manifestos, documentos e declarações programáticas. Cada movimento foi deliberadamente criado para chamar a atenção para certos aspectos específicos; (...) Os movimentos artísticos modernos foram essencialmente “conceituais”: as obras de arte eram consideradas em função dos conceitos que explicam.”.[5]
É preciso ser tolo para negar esse poder à arte, e é preciso não sê-lo para preocupar-se e precaver-se contra as conseqüências funestas da má arte ou da pseudo-arte moderna que infestam nosso mundo, podendo corromper nossas almas e, sobretudo, as de nossas crianças, que praticamente não possuem defesas intelectuais contras os ardis da pseudo-arte corruptora.
[1] Eric Hobsbawm. A Era das Revoluções 1789 - 1848. ed. 18º. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2004, pp. 90-91
[2] Platão. República. Livro III. Seria interessante que o leitor estudasse todo o terceiro livro da República e o artigo RockR17;n Roll: Revolução - Droga - Satanismo.
[3] Breton - Trotski. Por uma Arte Revolucionária Independente. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1985, p. 43 - o negrito é nosso.
[4] Breton - Trotski. op. cit. p. 45
Para citar este texto:
"O poder da arte"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/arte/poder_arte/
Online, 21/11/2024 às 10:08:43h