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A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual (Parte 5)
Este artigo é uma continuação de A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual, Parte 1, Parte 2 e Parte 3 e Parte 4
Pierre de Craon Lejeune
A VARIEDADE COMO ELEMENTO DO BELO
a) A influência da variedade sobre o belo
A partir do que expusemos no artigo anterior podemos concluir que a variedade não é idêntica à beleza. Variedade e beleza não se identificam. Isto não significa que a variedade seja um elemento sem consistência. A variedade atrai a inteligência para a consideração da beleza do objeto, e de algum modo ajuda nessa beleza.
Ela responde a uma necessidade legítima do homem, fundada na sua natureza.
Sem variedade as coisas seriam destituídas de interesse. Ao comparar a epopeia com a tragédia, Aristóteles diz:
“A epopeia tem, para desenvolver sua extensão, meios variados que lhe são próprios, considerando que, na tragédia, não se pode representar muitas ações no mesmo momento, mas uma só parte por vez é figurada na cena pelos atores; ao passo que na epopeia, como é um relato, podem-se tratar ao mesmo tempo vários eventos no momento em que se realizam. Quando estão bem no assunto, eles acrescentam amplitude ao poema; eles contribuem, assim, para lhe dar magnificência, a transportar o ouvinte de um lugar a outro e a introduzir variedade nos episódios; pois a uniformidade, que em breve gerou o tédio, faz com que as tragédias não sejam agradáveis” (Aristóteles, Poética, 1459b 20-30).
[caption id="attachment_11808" align="aligncenter" width="331" caption="Aristóteles inclui a variedade entre as regras da beleza"][/caption]Ela também dá ao ser um complemento, muitas vezes indispensável, permitindo temperar suas propriedades por qualidades complementares que criam diferentes graus de perfeição.
Assim, por exemplo, as várias partes de um edifício se sustentam mutuamente, fazem contrapeso entre si. O mesmo vale para a vida moral do homem. Uma virtude contrabalanceia a outra.
Comumente se diz que a justiça sem misericórdia termina num excessivo rigor, e que a misericórdia sem justiça é fraqueza. Esta consideração pode ser aplicada a todo o conjunto de virtudes existentes. Por meio da prudência Deus concede ao homem a difícil solução de conciliar, na prática, virtudes que aparentemente são opostas, como a humildade e a magnanimidade, a justiça e a misericórdia, a fortaleza e a suavidade, o recolhimento e o zelo apostólico, etc, indicando o modo correto de agir para conciliar ambas as tendências sem destruí-las mutuamente, e esta variedade de virtudes numa pessoa contribui para a beleza moral dela.
b) Regras e limites da variedade
Mas quais são os critérios que permitem ao artista a escolha inteligente de elementos variados?
Primeiramente é necessário evitar o uso de coisas que não vão e que não podem ir juntas. Somente os gostos grosseiros, sob o pretexto de causar um grande efeito, são capazes de fazê-lo.
Horácio (Ars poetica, versos 9-13; 29-30) nos dá, com certa graciosidade, esta regra primeira do uso inteligente da variedade:
Aos pintores e poetas
Sempre foi dado um justo poder de ousar.
Nós o sabemos, e novamente pedimos e damos esta concessão,
Mas não para que as coisas selvagens sejam unidas às coisas pacíficas,
Não a fim de que as serpentes sejam unidas aos pássaros e os cordeiros aos tigres.
(...)
Quem deseja variar uma só coisa de modo desmedido
Pinta um golfinho na floresta e um javali em meio às ondas.
Uma variedade desmedida prejudica a unidade da obra, elemento necessário à beleza. Em meio a uma massa de partes díspares o olhar e o ouvido perdem toda a orientação, o todo escapa ao intelecto, cada parte fala por si e jamais pelo todo.
Mas convém notar que há assuntos e obras de arte que toleram maior variedade de elementos na sua composição que outros.
Para os filósofos antigos, para a filosofia clássica, a beleza de uma obra depende de sua simplicidade e de sua unidade. A simplicidade clássica se opõe à complexidade ou à complicação inúteis.
É esteticamente simples o que representa e torna evidente a unidade fundamental de sua natureza. Esta manifestação da unidade na simplicidade exclui, ainda, uma ornamentação excessiva.
Serão feias as complicações que fazem desaparecer a aparência da unidade bem como a representação de uma pluralidade infinita. Também se condenava o que era supérfluo, aquilo que não possui nenhuma ligação necessária com o sujeito ou com o tema tratado, o excesso de decoração, de ornamentação ou de enfeites.
Entre os autores da Antiguidade o belo tem ligação estreita com o ser. A Escolástica da Idade Média, devedora dos bons princípios filosóficos da Antiguidade, assimilará o belo com o ser, o que deve ser compreendido mais ou menos assim: é belo aquilo que é plenamente e perfeitamente o que ele deve ser. É feio tudo aquilo que não é plenamente e perfeitamente o que ele deve ser.
As complicações e o excesso de detalhes não permitem uma clara manifestação do ser de algo.
Assim, se os detalhes variados salvam uma obra de ser medíocre, devemos considerar também que o número de detalhes que podem ser colocados numa obra é praticamente infinito. Como escolher? Que critério me permitirá separar o necessário e conveniente do inútil?
Para responder a esta questão devemos recorrer a um princípio fundamental que deve reger todas as nossas ações, a saber: a noção de causa final.
A causa final, ou finalidade, é o porquê a causa eficiente age. É o que é visado, é aquilo ao qual se dirigem nossas ações.
Numa questão célebre da Suma Teológica, Santo Tomás expõe vários princípios que dizem respeito à causa final:
“Tudo o que age deve necessariamente agir por um fim. Com efeito, quando as causas são ordenadas entre si, se a primeira desaparece, é necessário que as outras também desapareçam. Ora, a primeira dentre todas as causas é a causa final. Eis a razão: a matéria não alcança a forma sem a moção de um agente, pois nada pode passar por si mesmo da potência ao ato. Mas o agente só age em vista do fim. Se um agente não estivesse determinado a conseguir algo concreto, ele não faria mais isto que aquilo, porque, para que produza um efeito determinado, tem que estar determinado a algo certo, que tem a propriedade de fim” (Suma Teológica I-II, q. 1, a. 2).
De modo que os meios empregados pelo agente são escolhidos em função do fim.
Aquilo que conduz ao fim é chamado de meio. O que caracteriza o meio é que ele é desejado não por si mesmo, mas por causa de outra coisa, o fim. O engenheiro só deseja empregar tal ou tal instrumento (meio) porque deseja fazer um edifício com tal ou tal característica (fim). Nenhum engenheiro de bom senso inicia uma obra sem ter um objetivo claro antes.
Lembremo-nos do que disse Santo Tomás: “se um agente não estivesse determinado a conseguir algo concreto, ele não faria mais isto que aquilo” (Suma Teológica I-II, q. 1, a. 2).
Assim, o critério que permitirá ao artista a escolha justa da quantidade de elementos variados na composição de sua obra, separando o útil do inútil, é a finalidade da obra.
Todo artista age em vista de um fim. Sua obra de arte é feita para expressar algo de particular. Para alcançar este fim, o artista deverá fazer uma separação inteligente entre o necessário e o inútil.
A variedade maior ou menor de elementos numa obra de arte é um meio que é desejado não por si mesmo, mas por causa do fim.
Mais variedade que o necessário e sua obra será confusa, pesada, perderá em beleza. Menos variedade que o conveniente e sua obra será pouco atraente, entediante.
Um pintor tem uma variedade imensa de cores à sua disposição. Ele escolherá aquelas que são mais aptas a alcançar a finalidade desejada ao seu quadro.
Um pintor que empregasse vários tons de cinza ao representar uma cena de festa alegre mostraria uma certa inexperiência na arte da pintura...
Mesmo entre coisas que se combinam mutuamente é necessário considerar que a variedade de elementos levada ao extremo é algo que vai contra a finalidade da obra e que prejudica o efeito total.
Todo relato, todo discurso, toda descrição, toda cor, todo personagem, todo movimento se dirigem a um efeito, e só têm valor porque se dirigem a este efeito. O que não demonstra nada é supérfluo e deve ser rejeitado. É o que Aristóteles elogia em Homero, na sua Poética:
“(...) Homero parece, a este respeito, um poeta divino, incomparável, não transcrevendo em poesia toda a guerra [de Tróia], ainda que ela tenha tido um começo e um fim; pois ela devia ser muito longa e difícil de ser compreendida em seu conjunto e, mesmo dando-lhe uma extensão mediana, ele comporia um relato no qual a guerra seria muito carregada de incidentes variados. Ao invés disso, ele separa uma parte e recorre a vários episódios, como por exemplo o catálogo dos barcos e de outras coisas, a respeito dos quais ele expõe largamente sua poesia” (Aristóteles, Poética, 1459a 30-35).
A partir de toda esta explicação fica evidente também que a variedade de elementos numa obra não pode colaborar para sua beleza sem estar, ao mesmo tempo, limitada e sustentada pela ordem, que dá unidade ao todo.
Falaremos da unidade mais tarde. Antes de abordá-la, veremos a integridade como elemento do belo, o que será o assunto de nosso próximo artigo.
Para citar este texto:
"A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual (Parte 5) "
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/veritas/arte/a-beleza-no-mundo-no-homem-e-em-deus-a-filosofia-da-arte-a-sabedoria-de-deus-na-criacao-e-a-vida-espiritual-parte-5/
Online, 21/11/2024 às 09:41:20h