Igreja e Religião
Mistério Papal: Bento XVI está subestimando o Vaticano II por decretos?
Francis X. Rocca
CIDADE DO VATICANO – Ao tomar duas decisões controversas este mês – abrindo as portas para ampla celebração da Missa Latina [ndt.: tridentina] e declaração a IgrejaCatólica Romana como a única verdadeira “igreja de Cristo” – o Vaticano insistiu que nenhuma crença ou prática essêncial foi mudada.
Papa Bento XVI e outros oficiais do Vaticano enfatizaram a coerência de suas decisões com os ensinamentos do Segundo Concílio do Vaticano, a assembléia internacional que conduziu a uma serie de reformas durante os anos de 1960.
Mas o Papa também deixou claro seu entendimento conservador do Concílio, enfatizando sua continuidade com as tradições da Igreja, em vez do inovador e mesmo revolucionário espírito que muitos acreditam que o Concílio incorporou.
Alguns observadores desta forma vêem as recentes decisões como um esforço de Bento XVI para corrigir más interpretações do Vaticano II e seus ensinamentos – um esforço, alguns dizem, que poderia minar o legado do Concílio.
De fato, as recentes decisões do Vaticano tocam em dois dos mais notáveis resultados do Concílio da década de 60 para os católicos Americanos: a celebração da missa em idiomas locais e o encorajamento a atitudes mais abertas para diferentes credos.
Em 7 de julho, Bento XVI publicou um decreto papal facilitando para padres a celebração da Missa Tridentina, ou Missa em Latim, que foi a forma tradicional da liturgia até o Vaticano II tornar norma a missa em idiomas locais.
Numa carta aos Bispos acompanhando o decreto, Bento XVI descartou qualquer “medo que o documento desacredite a autoridade do Concílio Vaticano Segundo”.
Preferivelmente, o Papa afirmou a “a riqueza espiritual e a profundidade teológica” do Missal – texto que guia a Missa – aprovado na trilha do concílio, que “obviamente é e continua a ser a forma normal”.
Mas Bento também notou que o novo Missal foi profundamente mal-entendido como “autorização e mesmo requisitando a criatividade, que frequentemente levou a deformações da liturgia que eram difíceis de tolerar”.
Três dias depois do decreto, a congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé decretou – com a aprovação de Bento XVI – que a Igreja estabelecida por Cristo existe em sua forma completa somente na Igreja Católica, apesar de outras denominações cristãs poderem ser “instrumentos de salvação”.
O Concílio Vaticano Segundo não mudou nem teve intenção de mudar esta doutrina”, explicou o Vaticano, sugerindo que qualquer entendimento contrário era uma “interpretação errônea”.
A publicação dos dois decretos dentro de um pequeno período de tempo poderia ser meramente uma coincidência. Uma grande proporção de documentos do Vaticano saem no verão quando o Papa tem mais tempo para lê-los, disse o Ver. Thomas D. Williams, um Americano que trabalha como reitor na universidade romana Regina Apostolorum.
Alguns teólogos, entretanto, disseram que pode existir um propósito atrás do momento do Vaticano.
O decreto Papal sobre a Missa em Latim pode ser “não somente sobre a liturgia mas também sobre o ensinamento do Vaticano II”, disse Rev. James F. Puglisi, um Americano que faz o Centro Pro Unione, um centro de pesquisas ecumênico em Roma.
Por exemplo, notou Puglisi, a liturgia da Sexta-feira Santa no Missal Tridentino contém uma oração para a conversão dos Judeus que se refere a sua “cegueira” e ao “véu [em] seus corações”. O Missal pós-Vaticano II substituiu aquela oração com uma oração mais conciliadora para os Judeus como “os primeiros a ouvir a palavra de Deus”.
A afirmação do Vaticano da última semana que as denominações Protestantes não são igrejas, “no sentido próprio” , mas meras “comunidades Cristãs” é também potencialmente problemática para as relações ecumênicas.
De acordo com o Ver. William Henn, um Americano que ensina na Universidade Pontifícia Gregoriana de Roma, a insistência de que o Vaticano II não mudou a Igreja poderia desvalorizar o suporte histórico do Concílio ao ecumenismo.
“Meu medo seria que, enfatizando a identidade do Vaticano II como de continuidade poderia dar a impressão que nada novo aconteceu no Vaticano II”, disse Henn. “Neste caso, não teria sido necessário fazê-lo”
Intérpretes do Vaticano II estão longamente divididos entre aqueles que enfatizam a continuidade de seus ensinamentos com a doutrina Católica tradicional e aqueles que caracterizam o Concílio como uma dramática ruptura com o passado.
Bento XVI, que como Rev. Joseph Ratzinger estava profundamente envolvido nas deliberações do Concílio, é de longa data membro da escola da continuidade.
Comentaristas foram rápidos ao ver as recentes ações do Papa à luz desta convicção.
“Poderia ser parte de uma estratégia. Espero que não seja”, disse Henn. “Eu não gostaria de pensar que [o Papa] está fazendo algo que afeta a vida da igreja somente para influenciar o que alguns teólogos pensam. Espero que seu propósito seja pastoral.”
Para citar este texto:
"Mistério Papal: Bento XVI está subestimando o Vaticano II por decretos?"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/imprensa/igreja/20070721/
Online, 21/11/2024 às 09:12:33h