Igreja e Religião
´É o Santo Padre quem decidirá`- entrevista com o Arcebispo M. Ranjith sobre a liberação da Missa Antiga
Anthony Valle
ANTHONY VALLE: Excelência, o senhor foi generoso em dar várias entrevistas à imprensa internacional desde que V. Excia. se tornou Secretário da Congregação para o Culto Divino. Algumas de suas declarações foram mal interpretadas e suscitaram controvérsias ao invés de fornecerem a clareza pretendida. Há algo que o senhor gostaria de esclarecer?
ARCEBISPO MALCOM RANJITH: Aquilo em que eu quis insistir nessas entrevistas foi que a reforma pós-conciliar da liturgia não foi capaz de atingir os objetivos almejados de renovação espiritual e missionária na Igreja, de modo que hoje pudéssemos estar verdadeiramente contentes com ela.
As igrejas esvaziaram-se, o auto-direcionamento litúrgico tornou-se a ordem do dia, e o verdadeiro sentido e importância daquilo que é celebrado foi obscurecido.
É preciso, então, começar a se perguntar se o processo de reforma realmente foi manejado de maneira correta. Por isso, precisamos olhar bem para o que aconteceu, rezar e refletir sobre as suas causas e, com o auxílio do Senhor, prosseguir com as correções necessárias.
VALLE: Parece que o Papa Bento XVI vai lançar um motu proprio para liberalizar o uso da Missa tradicional, ou tridentina. Alguns esperam que o motu proprio do Papa institua uma estrutura jurídica que permita aos sacerdotes celebrar a Missa tradicional sem serem injustamente perseguidos e persistentemente frustrados por, ironicamente, não pessoas de outros credos nem autoridades seculares, mas por seus próprios pastores e bispos. Essa esperança por um novo aparato jurídico é realista? Um tal aparato é necessário?
Mons. RANJITH: Bem, há um clamor crescente pela restauração da Missa Tridentina. E mesmo certas figuras de proa da elite fizeram apelos públicos por essa Missa nalguns jornais recentemente.
VALLE: Será que os bispos e padres rejeitarão os pedidos pela Missa Tridentina e, assim, criarão a necessidade de estruturas jurídicas para garantir que seja cumprida uma decisão do Papa? A coisa deveria ir por esse caminho?
Mons. RANJITH: Eu sinceramente espero que não.
VALLE: Portanto, a Missa Tridentina sendo o meio de alcançar um nível ainda maior de enriquecimento espiritual dos fiéis, os pastores então deveriam permiti-la.
Mons. RANJITH: A preocupação importante é não tanto o "quê", mas o "como". A Igreja deveria sempre ajudar nossos fiéis a se aproximarem do Senhor, a se sentirem desafiados por Sua mensagem e a responderem generosamente ao Seu chamado. E se isso pode ser alcançado por meio da celebração da Missa Novus Ordo ou da Missa de Pio V, bem, então é preciso dar espaço àquilo que for melhor, ao invés de descer a desnecessárias e divisoras sutilezas teológicas. Coisas desse tipo precisam ser decididas com o coração e não tanto com a cabeça.
E se os fiéis sentem que a Missa Tridentina lhes oferece esse sentido do sagrado e místico mais do que qualquer outra coisa, então precisamos ter a coragem de aceitar seu pedido.
Quanto à data e natureza do motu proprio, nada se sabe ainda. É o Santo Padre quem decidirá.
VALLE: Como muitos Católicos hoje, minha esposa e eu temos notado que saímos da celebração da Missa Novus Ordo de domingo exasperados e perplexos, ao invés de espiritualmente revigorados. Por quê?
Mons. RANJITH: Na celebração do Novus Ordo precisamos levar muito a sério aquilo que fazemos no altar. Não posso ser um padre que sonha, quando dorme, com o que farei na Missa do dia seguinte, depois ando até o altar e começo a celebrar com toda espécie de ações e rubricas novas e criadas por mim mesmo.
Além disso, toda celebração litúrgica também possui uma dimensão celestial "que é celebrada na cidade santa de Jerusalém rumo à qual nos encaminhamos como peregrinos" (SC 8).
VALLE: Alguns defenderam que a solução para a crise litúrgica -- e no fundo para a crise da fé -- que aflige a Igreja Católica, hoje, seria implementar o uso exclusivo da Missa Tridentina, enquanto outros sustentam que só precisamos de uma "reforma da reforma", noutras palavras, uma reforma do Novus Ordo. Qual o parecer de Vossa Excia.?
Mons. RANJITH: Uma atitude de "ou isto, ou aquilo" polarizaria desnecessariamente a Igreja, ao passo que a caridade e a preocupação pastoral é que deveriam ser os fatores motivantes.
VALLE: Lex orandi, lex credendi, lex vivendi ("A lei da oração (é) a lei da crença, (é) a lei do modo de viver"). É verdade que o modo como cultuamos e rezamos influencia aquilo em que acreditamos, e que aquilo em que acreditamos influencia o modo como vivemos? Noutras palavras, a liturgia influencia, em última instância, nossa vida moral, não é mesmo?
Mons. RANJITH: Sim. Como é que podemos convencer os fiéis a fazerem sacrifícios em suas opções éticas ou morais, sem que antes eles sejam tocados e inspirados profundamente pela graça de Deus? E isso acontece especialmente no culto, ocasião em que a alma humana pode vivenciar a graça salvífica de Deus do modo mais íntimo. No culto, a fé se torna interiorizada e transborda com inspiração e força, o que torna possível fazer as escolhas morais que estão em consonância com a fé. Na liturgia, devemos vivenciar a proximidade de Deus em nosso coração de modo tão intenso que nós, por nossa vez, passemos a crer com fervor e sejamos compelidos a agir com justiça.
VALLE: Quais são algumas das tendências ou problemas litúrgicos contemporâneos que precisam ser corrigidos?
Mons. RANJITH: Um deles, como vejo, é a tendência a substituir a Missa dominical, em alguns países, por liturgias ecumênicas, durante as quais líderes leigos católicos e ministros protestantes celebram juntos, e os últimos são convidados a pregar a homilia. As Liturgias da Palavra dominicais com a distribuição da Santa Comunhão, forma permitida quando um sacerdote não tem como estar presente, pode passar aos fiéis o sinal errado se forem transformadas em eventos ecumênicos. Eles podem acostumar-se à idéia do domingo sem a Eucaristia.
Uma última coisa que eu gostaria de destacar aqui diz respeito a algumas práticas introduzidas em territórios de missão, por exemplo, na Ásia, em nome da mudança, que são contrárias ao seu patrimônio cultural.
Em alguns países asiáticos, vemos uma tendência a introduzir a Comunhão na mão e comunhão recebida de pé. Isso não é em nada compatível com a cultura asiática. Os budistas cultuam prostrados no chão, com sua testa tocando o solo. Os muçulmanos tiram os sapatos e lavam os pés antes de entrarem na mesquita para o culto. Os hindus entram no templo de peito nu como sinal de submissão. Quando as pessoas se aproximam do rei da Tailândia ou do imperador do Japão, elas o fazem de joelhos, como sinal de respeito. Acontece que em muitos países asiáticos a Igreja introduziu práticas como apenas curvar-se levemente para o Santíssimo Sacramento em vez de ajoelhar, receber a Santa Comunhão de pé, e receber a Comunhão na mão. E nós sabemos que todas essas práticas não podem ser consideradas compatíveis com a cultura asiática.
Além disso, o laicato, cujo papel vem sendo hoje aumentado na Igreja, nem é consultado quando tais decisões são tomadas.
Anthony Valle é um teólogo e escritor que mora em Roma.
(tradução nossa)
Para citar este texto:
"´É o Santo Padre quem decidirá`- entrevista com o Arcebispo M. Ranjith sobre a liberação da Missa Antiga"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/imprensa/igreja/20070221/
Online, 23/12/2024 às 04:47:31h