Igreja e Religião
Mas, a revolução do cardeal Bertone é uma volta à tradição
Vittorio Messori
Na densa descrição do novo Secretário de Estado do Vaticano (Corriere Magazine, da semana passada) há duas significativas afirmações entre aspas, portanto do próprio cardeal Tarcísio Bertone. Pródigo de contatos com a mídia, chegando a comentar livros e fazer crônicas esportivas do Estádio de Gênova, depois do anúncio da sua promoção ao cardinalato tornou-se cauteloso e reticente. Achamos que recomeçará a falar quando será investido oficialmente da sua função, no próximo dia 15 de setembro.
As poucas palavras que ele filtrou para aquele jornal são, no entanto, importantes para compreender o seu programa (que é, evidentemente, o mesmo de Ratzinger) mas parecem expressões um tanto enigmáticas, que precisam ser explicadas a quem pouco conhece o linguajar vaticano, muitas vezes, cifrado.
A começar pela afirmação: “O Vaticano não é um Estado” .
Dito dessa forma, é um contrasenso: a Cidade do Vaticano, na realidade, é um Estado, o menor do mundo (menos que 0,5 km2 ), porém com plena soberania, reconhecida por todos os governos, com miniaturas de instituições, mas completas, desde a moeda à polícia, dos selos aos tribunais e às embaixadas.
Naquela afirmação, falta, provavelmente, um advérbio: “O Vaticano não é somente um Estado”.
O que Bertone quer salientar é que a dimensão estatal – para a qual a Igreja combateu, da Porta Pia até a Concordata de 1929 --- não é senão um instrumento para assegurar a liberdade da Santa Sé, ou seja, do lugar em que o sucessor de Pedro, com as suas Congregações, não só administra a grande máquina eclesial, mas vigia, explica e anuncia a mensagem do Evangelho. A Igreja Catholica existe não para ser (ou somente não ser) um Estado entre os Estados, mas para conservar e distribuir aos fiéis o depositum fidei. Em suma: política e diplomacia são necessárias – o realismo católico refuta um espiritualismo abstrato e utópico --- mas estão totalmente subordinadas à religião e à pregação da vida eterna.
Veremos a segunda afirmação do futuro Secretário de Estado:
“(É necessário) um retorno da particularidade das Igrejas locais à universalidade da Igreja católica”. E este “retorno” é chamado pelo cardeal de “revolução copernicana”.
Também aqui, provavelmente, falta alguma coisa. Ou, então, para entendê-la, é preciso situá-la sobre o fundo de quanto me disse, há vinte anos, (e o repetiu muitas vezes) o cardeal Ratzinger, então Prefeito da Santo Ofício, no livro que juntos redigimos, “Rapporto sulla fede”. Disse-me, pois, o futuro Bento XVI que, dentre os efeitos imprevistos e contraditórios do Concílio Vaticano II, houve a diminuição da importância dos Bispos que, pelo contrário, o próprio Concílio pretendia relançar. A autonomia e a própria liberdade dos prelados na direção de cada diocese foram, de fato, restringidas, trancadas na cadeia das Conferências Episcopais nacionais.
Estas Conferências, lembrou-me Ratzinger, não têm nenhuma base teológica, não fazem parte da estrutura da Igreja, como fazem as paróquias, as dioceses e o próprio papado. São simplesmente instituições, em geral, recentes, formadas por razões práticas, mas que, pouco a pouco, criaram pesadas estruturas, tornando-se um tipo de “pequenos Vaticanos”. Neste, funcionam os mecanismos de decisões assumidas pela maioria, com os inevitáveis compromissos, os grupos de pressão, incluindo as manobras de corredores. Uma “democracia parlamentar”, em suma, que acabou sufocando a autonomia de cada bispo que, de mestre da fé e pastor do seu rebanho, foi rebaixado a membro de comissões e parlamentozinhos onde lobbys organizados e poderosos acabam dominando. Disto decorre a necessidade de uma “revolução” (se bem entendemos as palavras do Cardeal) que consiste, portanto, no retorno à Tradição da Igreja universal, isto é, união orgânica e concorde de Bispos, portanto de pessoas responsáveis e independentes, ao invés daquele tipo de federação de Estados, formada pelas Conferência episcopais nacionais.
Um objetivo nada fácil: como me lembrava, nas nossas conversas, o Cardeal Ratzinger, as resistências dos grupos clericais serão fortes e farão um apelo ao “politicamente correto” que, em toda a parte, quer eleições, referendum, maioria.
Entretanto, a intervenção é julgada necessária por Joseph Ratzinger e, conseqüentemente, também pelo seu colaborador de confiança. Este, para o bom êxito da batalha, tem algumas qualidades: um caráter a um tempo cordial e firme, um DNA resistente como o couro, a tenacidade de persuasão do salesiano, educado --- se preciso --- com pulso de ferro --- mas revestido com leves luvas de veludo.
Portanto, poucas e sibilinas as programadas palavras do cardeal Bertone. Mas, aos veteranos do vaticanismo, fazem prever cheiro e fumaça de pólvora.
As poucas palavras que ele filtrou para aquele jornal são, no entanto, importantes para compreender o seu programa (que é, evidentemente, o mesmo de Ratzinger) mas parecem expressões um tanto enigmáticas, que precisam ser explicadas a quem pouco conhece o linguajar vaticano, muitas vezes, cifrado.
A começar pela afirmação: “O Vaticano não é um Estado” .
Dito dessa forma, é um contrasenso: a Cidade do Vaticano, na realidade, é um Estado, o menor do mundo (menos que 0,5 km2 ), porém com plena soberania, reconhecida por todos os governos, com miniaturas de instituições, mas completas, desde a moeda à polícia, dos selos aos tribunais e às embaixadas.
Naquela afirmação, falta, provavelmente, um advérbio: “O Vaticano não é somente um Estado”.
O que Bertone quer salientar é que a dimensão estatal – para a qual a Igreja combateu, da Porta Pia até a Concordata de 1929 --- não é senão um instrumento para assegurar a liberdade da Santa Sé, ou seja, do lugar em que o sucessor de Pedro, com as suas Congregações, não só administra a grande máquina eclesial, mas vigia, explica e anuncia a mensagem do Evangelho. A Igreja Catholica existe não para ser (ou somente não ser) um Estado entre os Estados, mas para conservar e distribuir aos fiéis o depositum fidei. Em suma: política e diplomacia são necessárias – o realismo católico refuta um espiritualismo abstrato e utópico --- mas estão totalmente subordinadas à religião e à pregação da vida eterna.
Veremos a segunda afirmação do futuro Secretário de Estado:
“(É necessário) um retorno da particularidade das Igrejas locais à universalidade da Igreja católica”. E este “retorno” é chamado pelo cardeal de “revolução copernicana”.
Também aqui, provavelmente, falta alguma coisa. Ou, então, para entendê-la, é preciso situá-la sobre o fundo de quanto me disse, há vinte anos, (e o repetiu muitas vezes) o cardeal Ratzinger, então Prefeito da Santo Ofício, no livro que juntos redigimos, “Rapporto sulla fede”. Disse-me, pois, o futuro Bento XVI que, dentre os efeitos imprevistos e contraditórios do Concílio Vaticano II, houve a diminuição da importância dos Bispos que, pelo contrário, o próprio Concílio pretendia relançar. A autonomia e a própria liberdade dos prelados na direção de cada diocese foram, de fato, restringidas, trancadas na cadeia das Conferências Episcopais nacionais.
Estas Conferências, lembrou-me Ratzinger, não têm nenhuma base teológica, não fazem parte da estrutura da Igreja, como fazem as paróquias, as dioceses e o próprio papado. São simplesmente instituições, em geral, recentes, formadas por razões práticas, mas que, pouco a pouco, criaram pesadas estruturas, tornando-se um tipo de “pequenos Vaticanos”. Neste, funcionam os mecanismos de decisões assumidas pela maioria, com os inevitáveis compromissos, os grupos de pressão, incluindo as manobras de corredores. Uma “democracia parlamentar”, em suma, que acabou sufocando a autonomia de cada bispo que, de mestre da fé e pastor do seu rebanho, foi rebaixado a membro de comissões e parlamentozinhos onde lobbys organizados e poderosos acabam dominando. Disto decorre a necessidade de uma “revolução” (se bem entendemos as palavras do Cardeal) que consiste, portanto, no retorno à Tradição da Igreja universal, isto é, união orgânica e concorde de Bispos, portanto de pessoas responsáveis e independentes, ao invés daquele tipo de federação de Estados, formada pelas Conferência episcopais nacionais.
Um objetivo nada fácil: como me lembrava, nas nossas conversas, o Cardeal Ratzinger, as resistências dos grupos clericais serão fortes e farão um apelo ao “politicamente correto” que, em toda a parte, quer eleições, referendum, maioria.
Entretanto, a intervenção é julgada necessária por Joseph Ratzinger e, conseqüentemente, também pelo seu colaborador de confiança. Este, para o bom êxito da batalha, tem algumas qualidades: um caráter a um tempo cordial e firme, um DNA resistente como o couro, a tenacidade de persuasão do salesiano, educado --- se preciso --- com pulso de ferro --- mas revestido com leves luvas de veludo.
Portanto, poucas e sibilinas as programadas palavras do cardeal Bertone. Mas, aos veteranos do vaticanismo, fazem prever cheiro e fumaça de pólvora.
Para citar este texto:
"Mas, a revolução do cardeal Bertone é uma volta à tradição"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/imprensa/igreja/20060905/
Online, 26/12/2024 às 04:53:49h