Igreja e Religião
Allen e o Mito do "Consenso" - Uma Cronologia dos Acontecimentos
"Quid est veritas?" ("O que é a verdade?"), ouvimos Pilatos perguntar a Nosso Senhor na Paixão segundo São João, lida na última sexta-feira. Talvez eu não possa dar uma resposta a essa pergunta (uma resposta que encontrarão em seu Catecismo), mas costuma não ser difícil enxergar aquilo que NÃO é verdade. Examinemos, por exemplo, o relato central da conversa que John Allen relata que teve com dois "oficiais do Vaticano" (um termo capaz de englobar milhares de pessoas ao redor do mundo) acerca da presumida "liberalização" da Missa Tradicional:"Sempre que houve reuniões sobre essa questão entre os cardeais, não é somente que houve divisão ", disse ele. "A maioria esmagadora é contra [a permissão universal para celebrar o rito antigo]. Não é como se fosse meio a meio." ... "Mas Bento está tentando operar com base no consenso, e simplesmente não existe consenso", disse ele. Outro antigo oficial do Vaticano [senior Vatican official] disse simplesmente: "Não é um tema que já esteja amadurecido."Qualquer um que já tenha ficado encarregado de qualquer operação com dois ou mais subordinados sabe que é ótimo trabalhar com consenso -- se possível, com nenhum dissentimento. Podemos ter absoluta certeza de que a coisa que Bento mais desejaria seria não ter nenhuma oposição no que quer que ele almejasse fazer. Contudo, Bento sabe que essa operação perfeita não existe, e que certamente não se encontra no Vaticano. Nenhum oficial do Vaticano sabe realmente o que Bento fará, pois ele vai fazer aquilo que ele estiver disposto a fazer (e Allen admite isso ao escrever sua ressalva), sem nenhuma necessidade de consenso -- ainda que muito poucos sejam capazes de saber quais são os planos dele.
As muitas reuniões dele acerca dos mesmos assuntos não são para obter consenso, do qual ele não precisa para tomar qualquer medida, mas sim para guiar o maquinário do Vaticano a fazer aquilo que ele tiver planejado fazer, particularmente nos casos em que não há nenhum consenso: a necessidade de reuniões é reduzida enormemente quando a questão envolvida é objeto de um consenso majoritário entre os membros de uma organização, e isso é verdadeiro para qualquer organização, de qualquer tamanho .
Então, permitam-me desfazer esse mito do consenso recordando a cronologia de acontecimentos algo verificável com relação à Missa Tradicional e à reconciliação com a Fraternidade de São Pio X nos últimos 12 meses. Eu sei que alguns consideram o processo de reconciliação com a SSPX e o reconhecimento da Liturgia Romana Tradicional (ou Missa Tradicional em Latim) como questões separadas, mas isso só é verdadeiro em sentido "estrutural" : ambas as questões estão quase completamente interligadas no plano lógico.
Eis a cronologia:
Maio-julho de 2005: em algum momento durante esse período, por instigação do Papa, certos dicastérios foram requisitados a apresentar suas opiniões acerca de questões relacionadas com "a Questão Tradicionalista", incluindo a condição presente da Missa Tradicional.
29 de agosto de 2005: Reunião do Papa com Dom Fellay e o Pe. Schmidberger; também presentes estavam o Cardeal Castrillón Hoyos e o secretário do Papa.
Setembro-outubro de 2005: em algum momento durante esse período, um memorando interno preparado pelo Secretário da Congregação para o Culto Divino , Arcebispo Domenico Sorrentino, foi assinado por ele e pelo Prefeito, o Cardeal Arinze, e enviado a alguns dicastérios. Não se sabe se o Papa ficou ciente desse memorando (o "Memorando Sorrentino") imediatamente em seguida.
Outubro de 2005 : 11ª Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos. O tema do Sínodo era a Eucaristia, o que fez dele o primeiro encontro de Bispos do mundo todo para discutir a Santa Missa desde a Segunda Sessão do Vaticano II, que aprovou a Sacrosanctum Concilium.
-13 de outubro: Numa entrevista a muitos jornalistas, o Prefeito da Congregação para o Culto Divino, Cardeal Arinze, afirma que o Missal "Tridentino" " não é uma prioridade, visto que ninguém falou dele".
-15 de outubro: O Cardeal Castrillón fala na aula do Sínodo sobre a possibilidade de utilização universal da Missa Tradicional. Silêncio quase absoluto como resposta à intervenção dele (notícia do National Catholic Reporter).
-20 de outubro: As proposições feitas pelos Padres Sinodais são tornadas públicas, num primeiro vazamento à imprensa, sem nenhuma menção à Missa Tradicional.
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E com isso interrompo essa primeira parte da cronologia dos acontecimentos. Deixem-me enfatizar: NÃO HOUVE NENHUM CONSENSO POR MAIS MÍNIMO QUE FOSSE em favor do Missal Tradicional. Na verdade, houve um claro consenso, entre os representantes das conferências episcopais, respaldado pelo silêncio da maioria dos Padres Sinodais da Cúria, CONTRA QUALQUER concessão aos tradicionalistas.
Então, se Bento queria resover "a Questão Tradicionalista" por meio de algum tipo de "consenso", toda essa questão obviamente já estaria morta e enterrada em outubro de 2005. O "oficial do Vaticano" entrevistado por Allen está absolutamente certo: não se trata de "meio a meio" ; não se trata nem mesmo de 95% contra vs. 5% a favor dos tradicionalistas... É pior do que isso.
Vejamos agora Bento trabalhar contra o consenso esmagador, na segunda parte dessa cronologia dos acontecimentos.
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E com isso interrompo essa primeira parte da cronologia dos acontecimentos. Deixem-me enfatizar: NÃO HOUVE NENHUM CONSENSO POR MAIS MÍNIMO QUE FOSSE em favor do Missal Tradicional. Na verdade, houve um claro consenso, entre os representantes das conferências episcopais, respaldado pelo silêncio da maioria dos Padres Sinodais da Cúria, CONTRA QUALQUER concessão aos tradicionalistas.
Então, se Bento queria resover "a Questão Tradicionalista" por meio de algum tipo de "consenso", toda essa questão obviamente já estaria morta e enterrada em outubro de 2005. O "oficial do Vaticano" entrevistado por Allen está absolutamente certo: não se trata de "meio a meio" ; não se trata nem mesmo de 95% contra vs. 5% a favor dos tradicionalistas... É pior do que isso.
Vejamos agora Bento trabalhar contra o consenso esmagador, na segunda parte dessa cronologia dos acontecimentos.
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-22 de outubro: Na véspera do encerramento do Sínodo, o secreto "Memorando Sorrentino", com a conclusão de que a Liturgia Tradicional "foi abolida", é tornado público pelo vaticanista Andrea Tornielli em Il Giornale.
15 de novembro de 2005: reunião de 5 horas de duração do Cardeal Castrillón com Dom Fellay e o Pe. Schmidberger (alguns relatos mencionam que a reunião extendeu-se até 16 de novembro).
19 de novembro de 2005: O Bollettino surpreendentemente publica a demissão do único secretário de Dicastério removido no primeiro ano do Pontificado. Domenico Sorrentino, autor do "Memorando Sorrentino" sobre a "abolição" da Missa Tradicional, é promovido a Assis.
10 de dezembro de 2005: o Arcebispo Albert Ranjith P. Don, conhecido proponente de uma "reforma da reforma" e simpático às reivindicações tradicionalistas , é trazido da Nunciatura em Jacarta para o Secretariado da Congregação para o Culto Divino.
Dezembro de 2005-janeiro de 2006: Os dicastérios são informados de que os estudos e propostas com respeito às questões tradicionalistas serão discutidos num encontro no começo de fevereiro entre os chefes dos Dicastérios.
13 de fevereiro de 2006: Primeiro encontro do Papa com os chefes dos Dicastérios durante o Pontificado. O único tema foi a "Questão Tradicionalista", tanto em termos de lei litúrgica como de possíveis estruturas canônicas. O Papa dirige a discussão, mas principalmente escuta, pedindo ainda que propostas específicas sejam apresentadas num encontro em 23 de março (o consistório ainda não havia sido anunciado) e também num encontro no começo de abril. .
23 de março de 2006: Encontro pré-consistorial com o Colégio dos Cardeais. As principais questões do dia foram "a Questão do Arcebispo Lefebvre e a reforma litúrgica desejada pelo Concílio Vaticano Segundo" . Sabe-se que, assim como acontecera durante o Sínodo, a maioria dos cardeais que intervieram foram contra qualquer abertura aos tradicionalistas, embora, diante da óbvia disposição do Papa em discutir essa questão, muitos cederam em alguns aspectos. No fim, o sentimento geral era de que o Papa queria tão-somente uma "via libera", uma autorização [ a go-ahead = um "vá em frente"], que ele em alguma medida conseguiu.
30 de março: a ACI (versão espanhola da Catholic News Agency) é a primeira agência de notícias a mencionar uma possível "liberalização" do Missal Tradicional.
6 de abril de 2006: Noticiando de Lourdes, o jornal semi-oficial da Igreja Católica na França La Croix é a primeira fonte respeitável a mencionar as palavras "Motu Proprio" com relação ao documento de "liberalização" do Missal.
7 de abril de 2006:
-Em Roma: a segunda reunião dos chefes dos dicastérios com o Papa. É importante mencionar que nem uma única palavra dessa reunião foi dada a conhecer . Esperava-se que o Papa falasse mais e escutasse menos. Ignora-se o que quer que tenha sido debatido ou decidido nessa ocasião.
-Em Lourdes: a Assembléia Geral da Conferência Episcopal Francesa (CEF) publicou suas conclusões finais. Quanto à "Questão Tradicionalista", os bispos reconhecem que o Papa " preocupa-se com ela" e que "nas semanas ou meses seguintes, [o Papa] deverá apresentar as diretrizes para facilitar o caminho rumo a um possível retorno à plena comunhão ". Os bispos, com pouca sutileza, atacam a aparente disposição papal de conceder algum tipo de estrutura canônica.
Portanto, não se trata de nenhuma "febre da blogosfera" [como quer Allen]... É óbvio que, aquilo que ele quer fazer, o Papa Bento quer fazê-lo de modo suave[smooth]. Mas não se pode simplesmente dizer que ele quer "consenso" e descartar tudo que está relacionado à questão só porque um "oficial do Vaticano" disse: " não há consenso". O Papa já tem o consenso que buscava: um consenso quase unânime dos representantes de todos os bispos do mundo, reunidos no Sínodo dos Bispos, de que "a Questão Tradicionalista" era irrelevante para eles; e eles eram claramente CONTRA qualquer concessão. Esse "consenso" não evitou os progressos dos meses subseqüentes.
O mito do consenso faz ainda menos sentido quando recordamos quem é o Papa Bento: ele não é um Cardeal com pouca experiência da Cúria, vindo da Cracóvia. Ele é o homem que melhor conhece a Cúria; ele SABE das opiniões de todos os chefes dos dicastérios e de todos os cardeais acerca das questões que ele queria debater. Se ele estivesse buscando consenso, ele jamais teria posto essa questão delicada em discussão para começo de conversa.
É óbvio que ALGUMA COISA vai acontecer, embora não saibamos o que: os próprios bispos franceses escreveram o primeiro documento oficial a admitir que acontecerá alguma coisa (ou algumas coisas...) "nas próximas semanas ou meses". Uma coisa é certa: o Papa fará aquilo que ele julgar justo, independentemente da falta de "consenso". O consenso que ele deseja mostrar é para que se saiba que aquilo que ele fizer terá sido feito com pleno conhecimento seu das posições tomadas pelos bispos no Sínodo de outubro, pelos chefes dos Dicastérios Romanos e pelos membros do Colégio dos Cardeais.
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E quanto ao Allen? Allen é um sujeito decente [a fine fellow], mas ele é mais um fazedor de notícias que um compilador de notícias, na melhor "tradição" dos repórteres contemporâneos da Igreja norte-americana, como Robert Blair Kaiser. Ele e as fontes dele querem influenciar os acontecimentos ou alterar o modo como as decisões futuras são percebidas e interpretadas, e é assim que as palavras dele devem ser lidas.
O mito do consenso faz ainda menos sentido quando recordamos quem é o Papa Bento: ele não é um Cardeal com pouca experiência da Cúria, vindo da Cracóvia. Ele é o homem que melhor conhece a Cúria; ele SABE das opiniões de todos os chefes dos dicastérios e de todos os cardeais acerca das questões que ele queria debater. Se ele estivesse buscando consenso, ele jamais teria posto essa questão delicada em discussão para começo de conversa.
É óbvio que ALGUMA COISA vai acontecer, embora não saibamos o que: os próprios bispos franceses escreveram o primeiro documento oficial a admitir que acontecerá alguma coisa (ou algumas coisas...) "nas próximas semanas ou meses". Uma coisa é certa: o Papa fará aquilo que ele julgar justo, independentemente da falta de "consenso". O consenso que ele deseja mostrar é para que se saiba que aquilo que ele fizer terá sido feito com pleno conhecimento seu das posições tomadas pelos bispos no Sínodo de outubro, pelos chefes dos Dicastérios Romanos e pelos membros do Colégio dos Cardeais.
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E quanto ao Allen? Allen é um sujeito decente [a fine fellow], mas ele é mais um fazedor de notícias que um compilador de notícias, na melhor "tradição" dos repórteres contemporâneos da Igreja norte-americana, como Robert Blair Kaiser. Ele e as fontes dele querem influenciar os acontecimentos ou alterar o modo como as decisões futuras são percebidas e interpretadas, e é assim que as palavras dele devem ser lidas.
Para citar este texto:
"Allen e o Mito do "Consenso" - Uma Cronologia dos Acontecimentos"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/imprensa/igreja/20060416/
Online, 25/11/2024 às 06:40:31h