Igreja e Religião
Nova Esperança para a "Missa Antiga"... ou Não?
Robert Moynihan e Andrew Rabel
CIDADE DO VATICANO, Sexta-feira, 29 de outubro de 2005
Agüardando... É esse o estado de espírito em Roma neste mês de outubro.
Agüardando o quê?
O Papa Bento XVI tomar decisões.
A maioria dos observadores do Vaticano está agüardando decisões particulares em novembro com relação à Cúria romana. O Cardeal Angelo Sodano será substituído por outro Secretário de Estado? Quem poderá substituí-lo? Esse tipo de indagação.
A maioria agora também está agüardando a primeira encíclica papal. Foi noticiado amplamente nos últimos dias que o texto já está pronto, que está sendo traduzido para várias línguas, que será publicado no dia 8 de dezembro, e que será uma reflexão sobre as palavras do Evangelho de [São] João: “Deus é amor”.
E quase todo mundo está agüardando o que um documento sobre os critérios de admissão para seminários dirá sobre as tendências homossexuais como impedimento para a ordenação sacerdotal.
Apenas poucos, contudo, ao que parece, estão interessados no que Bento decidirá sobre a liturgia romana – o modo como a Igreja adora Deus.
Bento tem dito nos últimos vinte e tantos anos que houve graves descuidos e omissões no modo como a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II foi implementada. E ele tem escrevido repetidas vezes que o necessário na Igreja é uma "reforma da reforma" para remediar alguns desses descuidos e omissões.
Mas não houve nenhuma indicação, embora Bento já seja Papa há mais de meio ano (ele foi eleito no dia 19 de abril), sobre que rumo Bento traçará na questão da liturgia da Igreja.
O que parece claro a partir do Sínodo dos Bispos, que se reuniu aqui de 2 a 23 de outubro para debater a Eucaristia, é que os Bispos na Igreja hoje em sua grande maioria não compartilham das reservas de Bento quanto à natureza problemática da reforma litúrgica conciliar.
O estado de espírito dos bispos sinodais com respeito à liturgia foi em geral “animado”, com poucos bispos apresentando mais do que críticas amenas à revolução litúrgica que arrebatou a Igreja em seguida ao término do Concílio (1965).
No início de outubro, porém, um funcionário muito próximo do Papa Bento, Mons. Camille Perl, Secretário da Comissão Ecclesia Dei da Santa Sé (o órgão encarregado de manter contato com aqueles Católicos que são devotados à antiga liturgia de rito tridentino, especialmente o grupo em torno do Arcebispo Lefebvre, que entrou em cisma em 1988), disse algumas coisas instingantes que até agora não foram noticiadas em lugar nenhum.
A revista "Inside the Vatican", indo ao encontro das esperanças e preocupações manifestadas pelo Papa Bento, sempre acompanhou o trabalho da Comissão Ecclesia Dei com grande atenção.
Por isso, dois de nossos escritores estiveram presentes a uma conferência realizada nos dias 8 e 9 de outubro, em Roma, patrocinada pela Una Voce ("Com Uma Única Voz"), um grupo que trabalha há quarenta anos para que a "missa antiga" permaneça disponível por toda a Igreja Católica para aqueles fiéis que quiserem assistir Missa celebrada naquele rito.
No dia 9 de outubro, Mons. Perl dirigiu-se à assembléia.
Perl, antes de tudo, apresentou as saudações do Cardeal Castrillon-Hoyos, Prefeito da Congregação para o Clero e Presidente da Comissão Ecclesia Dei, acrescentando, de modo bastante franco, que Castrillon-Hoyos fez mais para apoiar a liturgia antiga do que qualquer um de seus predecessores.
Em seguida, Perl apresentou um esboço do pensamento atual de Bento quanto à liturgia.
"Já temos um novo Papa há cinco ou seis meses", disse Perl. "E devo dizer que houve uma mudança na atmosfera. Há um novo holofote nos focalizando." A mensagem dele foi clara: nos meses desde a eleição de Bento, a Comissão Ecclesia Dei adquiriu muito mais proeminência do que durante muitos dos anos anteriores, os quais passou nas "sombras vaticanas".
Perl relatou que, nas últimas duas décadas, enquanto serviu seu cargo na Comissão Ecclesia Dei, "eu fui ignorado por muitíssimas pessoas em Roma". Mas, nos últimos meses, continuou ele, "quando eu estou na rua, as pessoas agora param e me cumprimentam".
Isso não significa que a Comissão Ecclesia Dei tenha se tornado um verdadeiro "centro de poder" no esquema das coisas no Vaticano. De maneira nenhuma. "Não somos nem poderosos nem todo-poderosos", disse Perl.
Ainda assim, prosseguiu ele, "os ventos no Vaticano mudaram (desde abril e a eleição de Bento)."
Uma das mudanças: "Temos no Papa Bento XVI um homem que escreveu muitos livros sobre a liturgia, e é nosso dever estudá-los", disse Perl. "A liturgia é demasiado importante para ser deixada com os liturgistas".
Houve, de acordo com Mons. Perl, alguns interessantes progressos recentes. "O Cardeal Medina-Estevez (ex-chefe do dicastério litúrgico) recentemente dedicou uma igreja às freiras associadas à Fraternidade de São Pedro", disse ele. A Fraternidade de São Pedro celebra Missa segundo o rito antigo e está em plena comunhão com Roma. A importância desse progresso é que a Fraternidade parece estar expandindo-se vigorosamente.
Perl acrescentou então sua notícia mais explosiva: os teólogos, canonistas e liturgistas do Vaticano estão atualmente estudando toda a questão da liturgia e o que precisa ser feito para "reformar a reforma", em suma: "Eles estão preparando algumas coisas importantes nesse campo". A implicação foi claramente de que algum documento da Igreja está sendo apreciado.
Quando esses estudos emitirão algum documento especial, e o que dirá tal documento?
"Eu não sei", disse Perl.
Então, Perl deu um passo adiante.
Deixando claro que ele estava compartilhando de seu "melhor juízo" a despeito de sua falta de certeza, referiu-se ele à diocese de Campos, Brasil, como um "modelo possível" a ser seguido no futuro.
A diocese de Campos, localizada numa plantação de açúcar no nordeste do Brasil, é um lugar único. Foi dirigida, no começo do período pós-conciliar, pelo Bispo Antonio de Castro Mayer (Bispo de Campos de 1949 a 1981). Castro Mayer, um Bispo muito tradicional que se opôs a alguns dos documentos do Vaticano II, nunca implementou as reformas litúrgicas conciliares em sua diocese brasileira. Quando o Vaticano forçou-o a se aposentar em 1981, a Missa tradicional em latim ainda estava sendo celebrada por virtualmente todos os padres em todas as igrejas de Campos.
Mesmo depois de sua demissão, durante a década de 1980, Castro Mayer continuou a ser o líder dos Católicos tradicionais em Campos, que eram a grande maioria na diocese, pois nunca tinham conhecido outra liturgia. Embora isso tenha causado tensões com o novo bispo, não houve cisma oficial.
Então, em 1988, Castro Mayer celebrou junto com o Arcebispo Marcel Lefebvre a consagração feita por Lefebvre em Econe, Suíça, de quatro bispos para liderar a Sociedade de São Pio X, a despeito das ordens específicas do Papa de que não o fizessem. Isso levou a Santa Sé a declarar excomungados Lefebvre, Castro Mayer e os quatro novos bispos. Nascia o "Cisma Lefebvrista".
Castro Mayer faleceu em abril de 1991. Os Católicos tradicionais em Campos – novamente, a grande maioria de todos os Católicos na diocese – passaram a ser liderados pelo Bispo Liciano [sic] Rangel, que foi ordenado em 1991 por três dos quatro bispos excomungados da Sociedade de São Pio X. Então, em Campos, havia uma comunidade de Católicos tradicional muito mais numerosa do que em qualquer outra diocese no mundo – e estava em cisma.
Depois de mais de uma década de separação de Roma, o Bispo Rangel, em 18 de janeiro de 2002, fez as pazes com Roma, e Roma com ele. A Santa Sé designou Rangel como "Administrador Apostólico de São João Maria Vianney" – uma espécie de diocese nacional [notional?] dentro do território da diocese de Campos, que continuou a ter seu próprio bispo.
A solução surgiu depois que Rangel fez aberturas independentes a Roma, para decepção de muitos no movimento São Pio X, de maior envergadura.
A administração apostólica de Rangel tornou-se assim a primeira comunidade de rito tridentino do mundo liderada por um bispo legítimo reconhecido por Roma.
Assim, por essa decisão, Roma trouxe de volta à comunhão um grupo cismático de tradicionalistas e, ao mesmo tempo, aceitou publicamente o rito antigo como um rito plenamente legítimo dentro do Catolicismo Romano.
Como, porém, a diocese de Campos pode ser usada como "modelo" por Roma?
Perl não deu uma resposta completa, mas confirmou a idéia central: "Alguns (no Vaticano) estão perguntando se essa solução (de Campos) pode ser aplicada a toda a Igreja".
Perl não deu maiores esclarecimentos, de modo que se pode inferir que o mecanismo preciso por meio do qual esse "modelo" poderá ser aplicado "a toda a Igreja " ainda está sendo discutido.
Realmente parece, contudo, ao menos possível – e isso tem sido especulado em relatos públicos há algum tempo – que Roma esteja considerando uma proposta de criar uma "Prelatura" mundial para os Católicos tradicionais. A única "Prelatura" na Igreja hoje é a do Opus Dei, que recebeu a condição de "Prelatural Pessoal" do Papa João Paulo II em 1982.
Portanto, três fatos importante emergem dos comentários de Perl em 9 de outubro:
(1) Que o clima em Roma com relação à liturgia antiga mudou desde a eleição de Bento XVI, com mais respeito sendo mostrado àqueles que são ligados à liturgia antiga (e monsenhores do Vaticano que antes ignoravam Mons. Perl agora tiram o chapéu para ele na Praça de São Pedro).
(2) Que, para lidar com os problemas que se tornaram tão rotineiros na liturgia conciliar, está havendo um debate muito silencioso mas muito intenso em Roma com relação ao que fazer precisamente, para aconselhar o Papa sobre esse problema bastante distinto.
(3) Que um esforço será feito para trazer os decepcionados tradicionalistas – sendo o maior grupo a Sociedade de São Pio X – de volta à união com Roma, talvez segundo o modelo da solução de Campos.
Mons. Perl perguntou então: "O Papa terminará seu trabalho? Ele terá tempo? Esse remédio será recebido?" E ele respondeu: "Eu não sou um profeta – mas muitas vezes há sombras e vem a luz, como quando os primeiros Cristãos saíram das catacumbas".
As reflexões de Perl estão de acordo com afirmações feitas por um estudioso da liturgia húngaro, Laszlo Dobszay, que sustenta, em seu recente livro "The Bugnini Liturgy and the Reform of the Reform" [A Liturgia de Bugnini e a Reforma da Reforma] que "a liturgia tridentina pertence à família da liturgia romana. A liturgia tridentina, em sua essência, não sendo outra coisa que a própria antiga liturgia romana, não pode ser descartada como renascentista, barroca ou 'zeitbedingt' (produto de um período histórico muito particular)."
Nós da "Inside the Vatican" conhecemos Mons. Perl há vinte anos – incluindo aí os anos em que ele atravessava a Praça de São Pedro e não era cumprimentado por quase ninguém. E nunca o ouvimos falar de modo tão positivo quanto à Missa tradicional. Em seus gestos e postura, Mons. Perl estava ativo, confiante, otimista. Isso indica que talvez haja motivo para esperar que a Missa tradicional possa em breve emergir "das catacumbas" onde ela está há quase quarenta anos.Para citar este texto:
"Nova Esperança para a "Missa Antiga"... ou Não?"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/imprensa/igreja/20051028/
Online, 25/11/2024 às 06:59:59h