Brasil
Para Justiça, reportagem sobre MST é alerta à sociedade
Fernando Porfírio
A Justiça de São Paulo decidiu que a revista Veja não deve reparação ao líder do MST, João Pedro Stedile, por compará-lo, em reportagem, ao personagem dos filmes de espionagem James Bond, e afirmar que ele age ao arrepio das leis.A 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou decisão de primeira instância e absolveu a Editora Abril de pagar indenização, por danos morais, correspondente a 200 salários mínimos ao líder nacional do Movimento dos Sem Terra (MST). O entendimento da turma julgadora foi o de que não há dano quando a notícia se embasa em acontecimentos verídicos e de interesse social.
Stedile se insurgiu contra reportagem publicada na edição de Veja de 10 de maio de 2000 em que é comparado com o personagem James Bond. Com o título A Tática da Baderna, a revista afirma que o MST a pretexto de reivindicar a reforma agrária prega a revolução socialista. Em um quadro na reportagem, a revista faz um paralelo entre os integrantes do MST e o agente 007 – James Bond que estava autorizado pelo governo inglês a cometer crimes sem que fosse punido.
A reportagem menciona uma relação de crimes que poderiam ser atribuídos ao MST: violação de domicílio, dano, formação de quadrilha, furto, corrupção de menores, cárcere privado e lesão corporal. Uma fotomontagem de Stedile com o personagem James Bond, empunhando uma pistola, ilustra a reportagem.
A sentença de primeira instância, proferida pelo juiz Regis Rodrigues Bonvicino, da 2ª Vara Cível da Lapa deu razão a Stedile. . A Abril, representada pela advogada Vera Leitão, do escritório Lourival J. Santos Advogados, recorreu contra a decisão, argumentando que são notórios “os atos criminosos cometidos” pelo MST. Alegou, ainda, que a reportagem tinha o objetivo de alertar as autoridades, razão pela qual não havia possibilidade de juntar provas de crimes que ainda não tinham sido apurados.
A defesa da Abril argumentou, ainda, que a figura de Stedile foi usada por ser este o líder do movimento e que a comparação com o personagem James Bond buscava demonstrar que o autor agia alheio às leis brasileiras.
Stedile também recorreu pretendendo a aceitação do pedido de assistência judiciária gratuita, a publicação da sentença e a majoração da verba honorária, que teria como parâmetro o valor da condenação. O TJ concedeu a justiça gratuita.
No entendimento da relatora do recurso, Maria Cristina Cotrofe Biasi, na época da publicação havia uma série de invasões e atos de vandalismo cometidos pelos integrantes do MST. A reportagem menciona que cerca de 5 mil sem-terra ocuparam prédios públicos em 14 capitais enquanto outros 25 mil faziam invasões no interior dos estados.
“Buscou a reportagem, com o relato dos fatos, de conhecimento público, esclarecer a sociedade e alertar os poderes constituídos das conseqüências nefastas acaso não se pusesse fim aos desmandos daquele movimento e, relaciona que a atuação do MST poderia ensejar a prática de tais tipos penais constantes do Box”, afirmou a relatora em seu voto.
Na opinião da desembargadora, apesar da forma incisiva da matéria e do aspecto jocoso da fotomontagem, não se vislumbra dano passível de indenização, em razão do interesse público que a reportagem enfoca.
Processo: Apelação 228.677.4/6-00
Leia a decisão
ÁRCODÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO nº 228.677-4/6-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que são apelantes e reciprocamente apelados EDITORA ABRIL S/A e JOÃO PEDRO STEDILE:
ACORDAM, em Sexta Câmara "A" de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ, CONHECEREAM DO RECURSO DO AUTOR PARA DAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E NEGAR PROVIMENTO QUANTO AO MÉRITO, V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores VITO GUGLIELMI (Presidente, sem voto), HAMID CHARAF BDINE e MÁRCIO ANTÔNIO BOSCARO.
São Paulo, 25 de novembro de 2005.
MARIA CRISTINA COTROFE BIASI
Relatora
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
6ª Câmara "A" – Seção de Direito Privado
VOTO Nº: 212
APEL. Nº: 228.677.4/6-00
COMARCA: Foro Regional da Lapa
APTES. : Editora Abril S.A. e outro
APDOS. : João Pedro Stedile e outro
Voto
Ementa: Dano Moral – imprensa – Matéria veiculada pela Revista Veja em que narra os últimos episódios do Movimento dos Sem-Terra – inserção na reportagem de "Box" com fotomontagem através do personagem 007 – Aspecto Jocoso que não caracteriza lesão ao direito de imagem – Notícia embasada em acontecimentos verídicos e que interesse social, Inexistência de dano. Recurso da ré provido e o recurso do autor conhecido para dar provimento ao agravo retido e negar provimento quanto ao mérito.
Cuidam-se de apelações interpostas contra a r. sentença de fls. 167/174, cujo relatório acrescenta-se que foi julgada parcialmente procedente a ação de indenização por morais com a condenação da ré ao pagamento de duzentos salários mínimos.
Insurge-se a vencida sob o argumento de que são notórios os atos criminosos cometidos pelo Movimento dos Sem Terra (MST); a reportagem visava alertar as autoridades públicas, razão pela qual não havia a possibilidade de juntar provas de crimes que ainda não foram apurados; a figura do autor foi utilizada por ser este o líder do movimento; a comparação com o personagem James Bond buscava demonstrar que o autor agia alheio às leis brasileiras, "como que autorizado pela bandeira social que empunha", sendo que o autor não desmentiu as ações criminosas a ele imputadas; busca, também, a reforma quanto ao ônus da sucumbência que não foram recíproca e proporcionalmente distribuídos.
Por sua vez, apela o autor, reitera, em preliminar o agravo retido quanto ao indeferimento do pedido de Assistência Judiciária e, no mérito, pretendo a publicação da sentença nos termos do artigo 74, da Lei nº 5,250/67 e a majoração da verba honorária, que deve ter como parâmetro o valor da condenação, nos termos do § 3º do art. 20 do CPC.
Recursos tempestivos e com contra-razões do autor.
É o relatório.
Conheço do agravo retido.
O pedido de Assistência Judiciária Gratuita foi devidamente regularizado, com a juntada da declaração de insuficiência econômica firmada pelo autor, em que pese em sede de agravo, o que basta, por si só, para o acolhimento da benesse devido à presunção júris tantum que milita em seu favor.
Na matéria publicada pela Revista Veja tendo como título de capa na edição de 10 de maio de 2000 "A TÁTICA DA BADERNA O MST usa o pretexto da reforma agrária para pregar a revolução socialista", está inserido um Box onde se faz um paralelo entre o Agente 007, em que James Bond estava autorizado pelo governo de sua majestade a cometer crimes sem que fosse punido, com os integrantes do Movimento dos Sem Terra, chefiados por João Pedro Stedile, dizendo que estes "também se sentem autorizados a cometer crimes durante suas ações porque as autoridades se constrangem em aplicar a lei quando o infrator carrega uma bandeira do MST”.
A reportagem menciona os crimes de violação de domicilio, dano, formação de quadrilha, furto, corrupção de menores, cárcere privado e lesão corporal como sendo aqueles cometidos pelo MST, contendo uma montagem da fotografia do autor com a do personagem James Bond, em que esta empunhando uma pistola. (1)
Com manchete “Sem Terra e Sem Lei” , há o relato de que “Em sua maior ofensiva, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra invade prédios públicos em quinze capitais e um militante é morto pela polícia” (2)
A recorrente admitiu em sede de contestação que “A montagem fotográfica, parodiando a figura de James Bond, consistiu na sobreposição da imagem da face do Autor à fotografia do ator Sean Connery incorporado no personagem e portando a pistola que o celebrizou nos filmes que compuseram a famosa série, onde o personagem sempre se identifica, dizendo “Meu nome é James, James Bond e, portanto, na matéria, a montagem, apresentando o Autor, constou: Meu nome é Stedile, João Stedile”.
Entretanto, toda narrativa deve ser analisada dentro do contexto histórico em que inserida. Naquele momento havia uma série de invasões e atos de vandalismo cometidos pelos integrantes do MST. A própria reportagem mencionou que cerca de cinco mil sem-terra ocuparam prédios públicos em catorze capitais enquanto outros vinte e cinco mil realizavam invasões pelo interior dos Estados e passeatas: foram atacadas três sedes regionais do Incra e em onze cidades, os escritórios do Ministério da Fazenda. Segundo o relato, disse Gilmar Mauro (3) “Agora vamos pegar o Malan (4)” e mais, “A vontade do nosso povo é pegar a foice e descer o cacete”.
Vários grupos integrantes do movimento dos Sem Terra atuaram em locais determinados, em cidades diversas, nas mesmas condições de tempo, a indicar ação planejada e organizada.
Tratava-se de fatos notórios, de grande repercussão nacional e que não foram, diretamente, atribuídos ao autor.
Buscou a reportagem, com o relato dos fatos, de conhecimento público, esclarecer a sociedade e alertar os Poderes constituídos das conseqüências nefastas acaso não se pusesse fim aos demandos daquele movimento e, relaciona que a atuação do MST poderia esejar a prática de tais tipos penais constante do “box”.
Apesar da forma incisiva da matéria e do aspecto jocoso da fotomontagem, não vislumbro dano passível de indenização, em razão do interesse público que a reportagem enfoca.
Ante o exposto, pelo meu voto dá-se provimento ao recurso da ré a fim de julgar improcedente a ação, invertendo-se o ônus da sucumbência, condicionado ao estabelecido no artigo 12, da Lei nº 1060/50 e conhecer do recurso do autor a fim de dar provimento ao agravo retido e negar provimento quanto ao mérito.
São Paulo, 11 de novembro de 2005.
Maria Cristina Coirofe Biasi
Relatora
Notas de Rodapé
1 - Revista Veja, página 42/49.
2 - Idem, página 42.
3 - Líder do movimento
4 - Ministro da Fazenda na época.
Revista Consultor Jurídico, 13 de fevereiro de 2006"
Para citar este texto:
"Para Justiça, reportagem sobre MST é alerta à sociedade"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/bra/imprensa/brasil/20060213/
Online, 21/11/2024 às 08:52:52h