Últimas Cartas
Um católico pode ler as obras de J. R. R. Tolkien?
PERGUNTA
Caros amigos da Montfort, salve Maria!
Minha dúvida hoje é a seguinte: deveria um católico ler as obras de J.R.R. Tolkien, como O Senhor dos Anéis, O Hobbit e O Silmarillion? Já vi algumas pessoas dizendo que o Prof. Orlando Fedeli dizia que essas obras tinham um teor gnóstico. Isso procede?
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo, para sempre seja louvado e sua mãe Maria Santíssima,
João Estêvão, 2 de Julho de 2023
RESPOSTA
Muito prezado João Estêvão, salve Maria!
Eu, particularmente, nunca vi o Prof. Orlando Fedeli falar do Tolkien e suas obras, apesar de ouvir dele várias críticas à literaturas similares. Entretanto, tenho certeza que ele teria um julgamento bem crítico com relação a esse tipo de obra, veja o que o professor falava sobre os contos de fadas:
“Contos de fadas são deformantes, porque substituem o sobrenatural pelo prodígio mágico. São produtos de imaginações desviadas para um naturalismo esotérico, que prepara o espírito da criança a acostumar sua mente a buscar, por mera curiosidade vã, um mundo “mítico” imaginário. E isso conduz rapidamente para a magia e para o preternatural diabólico. Aliás, o termo “fada” provem de “facta”, o que está destinado a acontecer. O factum é o fado, o destino, idéia falsa que nega o livre arbítrio humano. E Plínio vai falar da maldade do livre arbítrio...Vai falar da dualidade da natureza humana” (No País das Maravilhas: A Gnose Burlesca da TFP e dos Arautos do Evangelho, Professor Orlando Fedeli).
Um artigo do nosso site, traduzido do Inglês, feito por um padre anônimo, mostra muito da doutrina heterodoxa ensinada por Tolkien que aconselho você ler para aprender mais sobre o assunto: https://www.montfort.org.br/bra/veritas/igreja/tolkien_catolicismo/
Sabemos que a obra de Tolkien tem como alicerce os mitos pagãos, mitos esses repleto de uma doutrina esotérica e mesmo ocultista, por isso ela influenciou muitos jovens ao paganismo, como indica um estudo:
"Este período também viu um boom importante na literatura marginal, incluindo a Fantasia Heróica, que apareceu depois de Tolkien e que transmite temas amplamente pagãos. Nessa época, portanto, havia uma familiarização de parte dos jovens com o paganismo, este último ignorando a cultura clássica, "erudita“ (FRANÇOIS, Stéphane. Les paganismes de la Nouvelle Droite (1980-2004). 2005. Tese de Doutorado. Université du Droit et de la Santé-Lille II).
Um grande padre francês do século XIX, que era chamado por Pio IX como Apóstolo da Educação, ensinava sobre a literatura influenciada pelo paganismo (livro que recomendo a você a leitura):
“Pelos fins do século XV, vós quebrastes o molde cristão e substituíste-lo por um pagão. As novas gerações foram vasadas nele, e esta cera mole tomou a figura do molde, e daí resultou o que devia necessariamente resultar: as novas gerações nutridas de paganismo e educadas na admiração d"ele, começaram a mostrar-se pagãs e a transmitir à sociedade o que tinham recebido. Se, logo à primeira fundição, elas não ficaram inteiramente pagãs, atribuí-o á ação do cristianismo, que, dominador ainda na família e na sociedade, impediu que a transformação fosse completa e repentina” (VERME ROEDOR. DAS. SOCIEDADES MODERNAS, ou. 0 PAGANISMO NA EDUCAÇÃO, pg 33)
E, portanto, os mitos pagãos sempre foram condenados pela Igreja:
“Em particular Justino, especialmente na sua primeira Apologia, fez uma crítica implacável em relação à religião pagã e aos seus mitos, por ele considerados diabólicas "despistagens" no caminho da verdade. A filosofia representou ao contrário a área privilegiada do encontro entre paganismo, judaísmo e cristianismo precisamente no plano da crítica à religião pagã e aos seus falsos mitos” (Papa Bento XVI AUDIÊNCIA GERAL, Quarta-feira, 21 de Março 2007).
Ainda que o próprio Tolkien pretenda que a obra dele seja denominada como católica:
"Por volta de três anos antes, em uma carta ao padre Robert Murray, Tolkien era publicamente conhecido pela forte devoção católica – o autor respondeu às críticas positivas do sacerdote quanto à presença da “ordem da Graça” no livro. “O senhor dos anéis obviamente é uma obra fundamentalmente religiosa e católica; inconscientemente no início, mas conscientemente na revisão”, confirma Tolkien (2/12/1953,p. 167).
Bom, sobre a obra O Senhor dos Anéis ser “fundamentalmente religiosa e católica”, é no mínimo bem duvidoso, como explica o padre anônimo no artigo que mencionei a você no começo desta missiva:
“Outro ponto essencial. Como todos sabem, há muita magia mencionada nos trabalhos de Tolkien e Lewis. Alguns exemplos das obras de Tolkien: magos, feitiços, coisas mágicas como anéis, cajados e bolas de cristal. Tudo isso tem grande participação para fazer de O Senhor dos Anéis uma estória de sucesso. E tudo isso sempre foi considerado pela Igreja como coisa do ocultismo” (A obra de Tolkien e o catolicismo, artigo traduzido e publicado no site da Associação Montfort).
Só para não passar sem colocar nenhuma citação da obra de Tolkien, citamos o Silmarillion, obra do Tolkien, que também tem muito de doutrina gnóstica:
"Mas quando os Valar entraram em Eä, a princípio ficaram assustados e desnorteados, pois era como se nada ainda estivesse feito daquilo que haviam contemplado na Visão; tudo estava aponto de começar, ainda sem forma, e a escuridão era total. Pois a Grande Música não havia sido senão a expansão e o florescer do pensamento nas Mansões Eternas, sendo a Visão apenas um prenúncio; mas agora eles haviam entrado no início dos Tempos, e perceberam que o Mundo havia sido apenas prefigurado e prenunciado; e que eles deveriam concretizá-la. Assim teve início sua enorme labuta em espaços imensos e inexplorados, e em eras incontáveis e esquecidas, até que nas Profundezas do Tempo e no meio das vastas mansões de Eä, veio a surgir à hora e o lugar em que foi criada a habitação dos Filhos de Ilúvatar" (O Silmarillion, pág. 10 da versão disponível online: https://rsguimaraes.files.wordpress.com/2009/06/o-silmarillion.pdf).
Veja que texto mostra claramente que quem concretiza a criação do Mundo são os Valar, o que existia antes era apenas um prenúncio da criação do mundo, de fato, nada havia ainda começado são os Valar que concretizam e começam tudo. Vejamos abaixo que o próprio Tolkien em uma de suas cartas afirma a participação dos Valar na obra da criação: “Noto suas observações sobre Sauron. Ele sempre ficou desprovido de corpo quando derrotado. A teoria, caso seja possível dignificar os modos da história com semelhante termo, é que ele era um espírito, um espírito menor, mas ainda um espírito “angelical”. De acordo com a mitologia dessas coisas isso significa que, embora obviamente uma criatura, ele pertencia à raça de seres inteligentes que foram criados antes do mundo físico e que receberam permissão para auxiliar com suas capacidades na criação dele” (200 De uma carta ao Major R. Bowen 25 de junho de 1957).
Ou seja, esses seres angelicais teriam auxiliado o criador na criação, algo condenado por Santo Tomás de Aquino, condenado porque é gnóstico: “é impossível para qualquer criatura criar, seja pelo seu próprio poder, seja instrumentalmente, isto é, ministerialmente.” (ST Ia, 45, 5).
Abaixo uma citação do conhecido frade dominicano Serge-Thomas Bonino, secretário da Comissão Teológica Internacional e presidente da Academia Pontifical de Santo Tomás de Aquino (Roma), no seu tratado de De Deo Creatore:
“Deus só é criador: contra as teorias dualistas e gnósticas que atribuem toda ou parte da criação seja a Deus ou às entidades divinas de grau inferior investidas de um papel de intermediárias, os Padres da Igreja destacam o caráter imediato da Criação: Deus criou tudo diretamente por Ele mesmo (...) nenhuma criatura pode participar da atividade propriamente criadora”. Tolkien em sua mitologia gnóstica tenta ampliar essa exclusividade do Deus criador, fazendo participar entidades intermediárias dessa mesma criação, tudo do isso porque a sua obra é embebida de princípios gnósticos.
Outro amigo próximo de Tolkien admitia:
“Eu me orgulho do Silmarillion… a idéia de que Deus permite que os arcanjos participem da criação… Chama a minha atenção sua descrição dos arcanjos como crianças pequenas com o pai… Tudo isso é a base para O Senhor dos Anéis como tendo sido criado pelos arcanjos, os Valar, sob a direção do Um.”
Em vez de transmitir a verdade através de seu mito, ele está promovendo a heresia, nomeadamente a heresia do Gnosticismo, e ela está sendo bem recebida!
Infelizmente, há muitos e muitos outros pontos semelhantes em suas obras. Quão certo estava São Tomás quando disse:
“uma falsa ideia sobre a natureza da criação sempre se reflete em uma falsa ideia sobre Deus.”
Bom, essas são apenas algumas considerações sobre a obra de Tolkien, aconselho a você, João Estêvão, ler o artigo no nosso site “A obra de Tolkien e o catolicismo”, e, logo logo, gravaremos uma videoaula onde aprofundaremos ainda mais a doutrina esotérica de Tolkien.
Esperando tê-lo respondido, peço, por caridade, que reze por nós, e que nos escreva sempre que achar necessário.
In báculo Cruce et in virga Virgine,
Francis Mauro Rocha.