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O rigor no apostolado
PERGUNTA
Nome:
Rafael Patricio
Enviada em:
19/06/2023

 

Rafael

32 anos

São Paulo – SP

 

Boa tarde, amigos

Salve Maria

 

Há muito tempo venho “ensaiando” de enviar essa carta. Descobrir a Montfort foi muito enriquecedor na minha vida. Tornou-se para mim uma ferramenta de estudo frequente.

 

Foi uma sensação no mínimo estranha conhecer aqui o professor, passar a admirá-lo por seu trabalho e infinito temor de Deus e ao mesmo tempo saber que já faleceu faz algum tempo. É uma pena “conhecê-lo”, sem nunca de fato poder conhecê-lo.

 

Escrevo como forma de desabafo. Sou coordenador de um grupo de jovens e graças a Deus tenho conseguido fazer desse grupo uma catequese para ensinar a verdadeira fé da igreja. Começamos ano passado e muito provavelmente algumas palavras foram ditas pela primeira vez em nossa paróquia depois de muitos anos: salvação, santidade, penitência, inferno, demônio, mandamentos, confissão... Faz anos que não ouço nem o padre nem o povo mencionar essas palavras. Só o que ouço são pregações mundanas. Todos acham que já estão salvos, é só não fazer nada muito errado.

 

O padre da minha paróquia não faz parte da Teologia da Libertação e inclusive repudia o marxismo. Porém suas homílias são cheias de ideias marxistas. Isso quando não são apenas discursos sem muito sentido de um padre já idoso. Creio que a formação que recebeu no seminário tenha sido fraquíssima e que tenha tido muitos professores que faziam parte da Teologia da Libertação, então acabou absorvendo algumas ideias sem se dar conta.

 

Voltando ao grupo de jovens, nosso grupo é pequeno, temos em média 12 pessoas. Agora estamos determinados a fazer um trabalho missionário, de ir as escolas que nos abrirem as portas, ou até mesmo abordar um a um nas portas das escolas e parques. Amanhã mesmo estarei dentro de uma escola do bairro tentando levar algum aluno a se inscrever no nosso grupo.

 

Mas como é triste ver como nosso povo católico é morno! Mesmo os pais católicos deixam que seus filhos escolham participar das atividades na igreja ou não. É claro que se depender dos filhos eles nunca escolherão a igreja. Eu mesmo quando tinha 15 anos não gostava de ir para igreja. Porém minha mãe me obrigava e não tinha conversa. E olha que eu já tinha meus 186 de altura e uma personalidade forte. Mas mesmo assim ela não se dava por vencida e não me permitiu faltar nem uma única vez durante a minha preparação para o crisma. Graças a Deus o esforço dela valeu a pena e eu passei a gostar da igreja, primeiro por causa das amizades e depois por passar a conhecer e amar a igreja. E sendo sincero, minha mãe não é nenhuma católica super instruída, mas sabia que se não me forçasse a ir eu jamais iria por vontade própria.

 

Porém o que vejo nos pais dos jovens de hoje é lamentável. Não têm coragem de impor nada aos filhos. Nossa paróquia fez um senso na região, e os resultados são assustadores (mas nada surpreendentes). Muitos pais nem mesmo batizam mais os seus filhos porque querem deixar que eles escolham quando forem mais velhos. Além de tudo são malformados, pois não sabem que isso é o que fazemos na Crisma, dando o nosso “sim” a nossa fé. Ou talvez estejam considerando que seus filhos possam escolher outra fé que não seja a cristã. Ou até mesmo nenhuma fé. É inacreditável!

 

O pior é que nem posso culpá-los, já que o ensino em nossa paróquia (e em tantas outras) é tão falho. Talvez a melhor palavras seja “inexistente”. Se quem deveria ensinar não o faz, quem dirá o povo.

 

Fora o ecumenismo de embrulhar o estomago. Uma diretora católica de uma das escolas que nos abriu as portas pediu que tivéssemos cuidado pois alguns jovens são de famílias protestantes e os pais nem mesmo permitem que os filhos participem ou ajudem na decoração da Festa Junina da escola, mesmo sem que haja nenhuma menção aos santos ou a igreja. Por que será, né? Infelizmente, aos protestantes sobra a firmeza que nos falta.

 

E eu sigo aqui na batalha tentando aumentar o nosso grupo, sem me render jamais a movimentos carismáticos, nem ao ecumenismo, e sem jamais esconder um único artigo da nossa fé. Rezem por mim e por nosso grupo. Estarei fazendo o mesmo por vocês.

 

Para encerrar, gostaria de perguntar sobre o EJC (Encontro de Jovens com Cristo). Muitas paróquias em minha região fazem. Não sei muito a respeito, apenas que é carismático, cheio de depoimentos de familiares e pessoas próximas para fazer os jovens chorarem e se abraçarem. Vocês tem mais alguma informação a respeito?

 

Que Deus retribua mil vezes todo o bem que a Montfort faz!

Rafa

RESPOSTA
 Muito Prezado Rafael, salve Maria!

Sabe, Rafael, Nosso Senhor comparou o Reino dos céus com um comerciante que tinha muitas pedras preciosas, porém, quando ele encontrou a pedra mais valiosa de todas, que simboliza o Reino dos céus, ele vende todas as outras que tinha para comprar esta mais valiosa, vende tudo o que tinha pelo Reino dos céus.

Você acha, Rafael, que o que fez esse comerciante largar tudo, vender tudo, pelo Reino dos céus, teria sido por conta do rigor?

O mundo se encontra em uma grande crise moral-doutrinária, porque, também a Igreja se encontra em crise moral-doutrinária. Sabe porque, Rafael, a Igreja está nessa crise? Com certeza, sobretudo, por conta do clero! A Igreja só sairá dessa crise quando o clero for renovado, renovação doutrinária e moral, que, provavelmente, começará a acontecer com um grande Papa!

Rezemos pelo nosso clero, rezemos sempre pelo Papa, são eles que vão mudar tudo!

E nós, leigos, o que podemos fazer para cooperar com isso, além de rezar muito e sempre? Seria Sendo rigorosos?

Imagine você, Rafael, chegando no céu, diante de Nosso Senhor, aí ele mostrará todas as almas que você ajudou com seu apostolado, e então Ele dirá “Rafael, todas essas almas vieram a mim por causa do seu rigor!”, você consegue imaginar isso?

Sabe, Rafael, eu também tive uma mãe muito rigorosa que dava uma surra quando eu faltava a catequese ou a missa, ou me recusava a rezar o terço, benditas surras da minha mãe! Mas sabe Rafael, depois alguns anos de apostolado com a Montfort, para mim, hoje em dia, é claro como a água mais limpa, que se sou católico até hoje é por conta do bom exemplo da minha mãe, e não as surras, benditas surras, muito menos o rigor, a vida exemplar da minha mãe foi, e é, um grande alicerce da minha perseverança.

Nos grandes homens com quem pude conviver, de apostolados que produziam muitos e grandes frutos, sabe o que mais pude perceber neles? A falta de rigor, a doçura, a paciência com a fraqueza dos outros, claro, sem nunca faltar um grande rigor, mas um rigor doutrinário, e uma boa dose de bom exemplo.

Aí você poderia me perguntar, mas onde entra o rigor nessa equação? O rigor é uma consequência muito secundária, nunca uma causa!

E, normalmente, quem tem muito rigor é porque lhe falta a caridade, quem quer muito rigor é porque quer muito pouco a caridade, claro, Rafael, que não estou falando de você, mas falo por mim mesmo, para mim é claro, que quando me preocupo muito com os outros, com a falta de rigor deles, é porque, ou estou faltando com a caridade, ou estou me preocupando muito com as fraquezas dos outros e esquecendo o meu mau exemplo!

São Francisco Sales era extremamente rigoroso doutrinariamente, é só estudar suas controvérsias contra os protestantes que você vai perceber quanto zelo doutrinário! Conta-se que seu coração teria como que petrificado, pois sendo um homem de temperamento extremamente irascível, ele segurava toda a sua ira internamente e transbordava, externamente, a mais pura água da doçura, é só ler seu livro sobre o Amor de Deus, que se percebe isso, uma rocha rígida da qual jorrava torrentes da mais mansa e humilde caridade.

Normalmente é assim, Rafael, quem tem muito rigor é porque falta-lhe a Caridade, e aquele que tem uma falsa caridade, sentimental e desequilibrada, é porque falta-lhe o rigor doutrinário.

Estamos no mês do Sagrado Coração de Jesus, lembra do que ele disse? “Aprendei de mim que sou manso e humilde de Coração!” já percebeu quanto rigor tem nessa frase?

Nossos jovens não frequentam mais a catequese, não frequentam mais nossas formações, com certeza não é por conta da falta de rigor dos pais, porém, é por conta do clero sem zelo doutrinário e imoral, relapso, é por conta da nossa falta de caridade e mau exemplo.

Nosso Senhor matou a figueira, São Gregório Magno ensina que Ele a matou porque ela tinha flores mas não tinha frutos.

 Maldita figueira!

As flores simbolizam as boas intenções e os frutos são símbolo das boas obras, e de boas intenções o inferno está cheio! Porém, as boas obras, só no céu! As boas obras de um coração que transborda em doçura, repleto da mais ardente caridade, manso e humilde como seu verdadeiro Mestre, com o incomparável odor do bom exemplo!

Ah bela vida! Ah divina sabedoria! Por que não bebemos nós do único rigor que arrasta as almas?

Do rigor da tua sempre paciente e invencível caridade!

O comerciante só vendeu tudo o que tinha, Rafael, as pedras de segunda categoria, para comprar a mais valiosa pedra de todas, o Reino dos céus, por conta do rigor doutrinário, da adesão firme da sua vontade, refletida pelo bom exemplo, e, sobretudo, por conta de sua ardente caridade, sempre rigorosa consigo mesmo e paciente e manso com a fraqueza dos outros, sem perder, nunca, o zelo pela Verdade!

Os maus padres, quando possuem muito rigor, falta-lhes a caridade, e quando têm uma caridade exagerada, ou seja, falsa, sentimentalóide, cheia de respeito humano, falta-lhes o rigor da doutrina. Assim também, os péssimos leigos, eu entre eles, quando lhes sobressai o rigor áspero e amargo, falta-lhes a mansidão da caridade, e quando lhes falta a verdadeira caridade, zelosa pela pureza doutrinária, é porque pouca estima têm pela doutrina de Cristo.

Aos pais, que você cobra tanto rigor, falta-lhes o rigor da doutrina, e principalmente, uma caridade rigorosamente mansa e humilde, transbordante de bons exemplos, e ainda mais, falta tudo isso a nós, ao nosso apostolado, por isso, os jovens não mais se interessam na doutrina, nas formações e catequese.

Conte com nossas orações, Rafael, que o seu apostolado cresça muito, se for pelo bem das almas e pela maior Glória de Deus. Obrigado pelos generosos elogios à Montfort, que muito pouco merecemos, e não esqueça de sempre rezar por nós, disto muito precisamos!

Sobre o tal EJC que você pergunta, não conhecemos nada a respeito, entretanto, se tem muito chororô, carismático, com certeza não é bom, os bons movimentos nós conhecemos pela fidelidade doutrinária, o que não é o caso dos carismáticos.

Lembre-se do que dizia São Paulo, o rigor da letra mata, sem a mansidão da paciente caridade.

In báculo Cruce et in virga Virgine,

Francis Mauro Rocha.