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Sobre ser missionário
PERGUNTA

 

Olá Salve Maria.

Venho por meio desta saber como esclarecer essa dúvida as pessoas que insistem em ser "missionários" mesmo sendo casados. Ou seja, deixando suas famílias para partir em missões.

E já aproveitando gostaria de saber de vocês o que acham de as famílias participarem de ministérios dentro da igreja? Pastorais?

 

Desde já, muito obrigado.

RESPOSTA
 

Prezado, salve Maria!

 

Permita lhe contar dois fatos relacionados a esse tema ocorridos quando eu pertencia a RCC.

 

Uma vez convidei um rapaz que se dizia missionário de uma comunidade carismática para pregar no grupo que eu pertencia. Aceitando o convite, ele pediu a mim que o grupo fizesse uma "doação" de mais de 100 reais, alegando que era a quantia mínima requerida para manter os custos da tal comunidade que ele pertencia. Espantei-me porque essa era uma quantia alta para um grupo cuja maioria era jovem e não tinha uma renda própria, ou seja, dependiam dos pais, e eu não conseguiria arcar sozinho.

 

Em outra ocasião um missionário carismático louco que, diga-se de passagem, tinha alcunha de "Locão", apresentou o seguinte pensamento:

 

-- Irmão, nós não cantamos convictos "aonde mandar eu irei"? – esse era o trecho de uma canção.

-- Sim – respondi a ele.

-- Pois bem – me respondeu todo pomposo – Deus me mandou pregar numa igreja Protestante e eu fui!

 

Uma dentre as muitas consequências erradas do Vaticano II foi a confusão que se estabeleceu para a função dos leigos na Igreja. A mentalidade que surgiu do Concílio foi a de certa igualdade entre as funções de leigos e clérigos na Igreja. Isso é particularmente visível na missa, em que os leigos foram substituindo os sacerdotes até se chegar a uma aparente missa sem a presença ou uma função específica de um sacerdote. Essa pseudo-missa é chamada de “liturgia da palavra”.

 

Essa igualdade de funções produziu péssimos efeitos. Como é possível ao rapaz do primeiro caso que relatei sustentar a família e fazer “missões”? Qual o estudo do “Locão” que o permite tornar um pregador?

 

Antes do malfadado Concílio Vaticano II quem realizava missões eram os padres e religiosos designados pelos bispos ou pelo superior para pregar e converter as almas em diversos povoados. Vemos, por exemplo, na autobiografia de Santo Antônio Maria Claret, o missionário apostólico da Catalunha, que nunca realizou missões sem o envio do bispo, mas sempre esteve à sua disposição para dizer: Ecce ego, mitte me (Aqui estou, envia-me).

 

Missionário vem do latim "missionarius" – aquele que é mandado realizar uma tarefa, de "missio", ato de enviar, de "mittere" enviar.

 

Outro missionário, este enviado para o Brasil pela Companhia de Jesus (Jesuítas), foi São José de Anchieta, o apóstolo do Brasil, com a missão de educar e converter os índios à religião católica. Ele aprendeu rápido e tão bem a língua tupi que escreveu uma gramática; organizou peças teatrais e compôs poemas, visando à salvação dos índios. Conta-se uma história do índio Diego, que faleceu sem o sacramento do batismo: durante o seu enterro, o índio se levanta e pede a uma senhora que vela o seu corpo que chame o padre Anchieta para batizá-lo. O apóstolo chega, batiza-o e ele morre novamente.

 

A confusão entre o papel dos sacerdotes e dos leigos aumenta no que se refere às “missões” porque o objetivo das missões também mudou. Não se objetiva mais, na missão moderna, a conversão e a salvação das almas como Nosso Senhor ordenou: “Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, ensinando-as a observar todas as coisas que vos mandei.” (Mt. XXVIII, 19).  Para os novos missionários isso é utópico e inadmissível, pois a missão não seria para converter e ensinar a doutrina católica, mas apenas para dar comida, trazer um conforto emocional, um bem-estar ao próximo para que consiga viver harmonicamente em sua comunidade – algo puramente social e humano: o indiferentismo religioso triunfa.

 

Para que as almas se convertam e sejam salvas é necessário que o missionário dê bom exemplo, tenha boa formação doutrinal e teológica para explicar e dar argumentos, chamando-as a conversão para que adiram com total certeza ao que Deus Nosso Senhor revelou, isto é, para que se conformem à única e verdadeira religião que é a religião Católica Apostólica Romana fora da qual não há salvação. Não basta apenas o chamado testemunho de vida.

 

Como após o Vaticano II o objetivo do apostolado foi alterado – mudou-se a salvação eterna pelo bem-estar psicológico – pode ser alterado também o agente deste apostolado, o sacerdote, por qualquer pessoa.

 

Aqui é necessário destacar que o papel do sacerdote é fundamental, sobretudo porque ele é o único que pode ministrar os sacramentos os quais são necessários para a salvação. Para o modernismo e para os carismáticos os sacramentos da Igreja não têm mais importância ou foram substituídos por outros como, por exemplo, o batismo no Espírito Santo, que é uma espécie de “autossacramento” em que o “agente” do sacramento é apenas um catalizador.

 

E a confusão só cresce: por um lado os padres e religiosos não realizam ou realizam mal essas missões; por outro lado os carismáticos, desejando fama e dinheiro, realizam-nas com um sucesso aparente, ou seja, arrebanhando muitas pessoas para os seus movimentos.

 

No entanto, isso não significa que os leigos não devam fazer apostolado. Este deve ser feito na medida de suas possibilidades e sem abandonar suas obrigações. Assim, em primeiro lugar, os pais de família devem cuidar da educação de seus filhos.

 

Os pais de família devem empenhar-se em cuidar dos seus, isto é, instruí-los na fé, corrigi-los e sustentá-los, provendo com o necessário para sua subsistência. "Quem se descuida dos seus, e principalmente dos de sua própria família, é um renegado, pior que um infiel." (I Tim. V, 8)

 

Para cuidar dos filhos, os pais não devem se iludir de que essa educação se limitará às quatro paredes da casa. É necessária uma ação social, inclusive na Igreja, que permita aos filhos ter o exemplo e compreender que ser católico não se reduz a uma prática exclusivamente familiar.

 

Essa é uma das razões por que Dom Jean-Baptiste Chautard em seu livro “A Alma de todo Apostolado” transcreve uma famosa orientação do Papa São Pio X sobre o que deve ser realizado para salvação dos homens:

 

"Qual é hoje, pergunta o Papa, a obra que se vos afigura mais necessária à salvação da sociedade? – Edificar escolas católicas, responde um deles. Não. – Multiplicar as igrejas, continua outro. – Ainda não. – Fomentar o recrutamento sacerdotal, diz um terceiro. – Não, não, replica São Pio X; o que, no momento presente, é mais necessário é ter-se em cada paróquia um grupo de leigos ao mesmo tempo muito virtuoso, esclarecido, resoluto e deveras apóstolo". (A Alma de todo Apostolado p. 151).

 

Portanto, todo batizado deve cooperar, em alguma medida, com a ação missionária da Igreja por meio apostolado. Entretanto, esse termo “ação missionária” é tão deturpado pela RCC que torna o leigo que “recebeu o chamado no coração” um missionário destinado a realizar viagens e afins, deixando sua família à deriva em prol da missão.

 

Não obstante, mais do que viajar para realizar missões como fazem os carismáticos, devemos rezar muito pelas santas vocações sacerdotais, pois sem eles, os padres, não há sucesso nas missões e na conversão das almas. Por isso é imprescindível rezar, pedindo ao Senhor da messe que envie operários que propaguem convictos a sua doutrina. Tomemos como exemplo Santa Teresinha do Menino Jesus que é a padroeira das missões, mas jamais realizou ou pediu dinheiro para sair do convento para realizar uma missão de fato. Ela apenas rezava muito e oferecia sacrifícios pelo bom êxito das missões.

 

Sinteticamente, nós devemos esclarecer os outros que querem ser missionários ao modo carismático que, antes de tudo, não é preciso viajar em missões carismáticas, basta rezar, oferecer sacrifícios e também, quando oportuno, ajudar materialmente os bons padres e religiosos.

 

E para terminar, destaco que na mentalidade atual nas paróquias, onde a religião parece ser mais ativa, não se consegue levar uma vida católica sem realizar alguma atividade pastoral. Hoje só se é católico ao participar ativamente disso, somente a frequência aos sacramentos não seria suficiente. Isso é falso!

 

Contra essa mentalidade o Papa emérito Bento XVI, quando era Cardeal, escreveu:

 

“Está disseminada hoje, aqui e ali, mesmo em ambientes eclesiásticos elevados, a idéia de que uma pessoa é tanto mais cristã quanto mais está empenhada em atividades eclesiais. A pessoa é levada a uma espécie de terapia eclesiástica da atividade, do ter o que fazer: procura-se assinalar um comitê para cada um ou, em todo caso, ao menos um grande compromisso dentro da Igreja. De certa forma, pensa-se, deve haver sempre uma atividade eclesial, deve-se falar da Igreja, deve-se fazer alguma coisa por ela ou nela. Mas um espelho que reflete apenas a si mesmo não é mais um espelho. Uma janela que, em vez de permitir um olhar livre para o horizonte distante, se interpõe como uma tela entre o observador e o mundo, perdeu o seu sentido. Pode acontecer que alguém exerça ininterruptamente atividades associativas, eclesiais, e todavia não seja realmente um cristão. Pode acontecer, em vez disso, que algum outro viva simplesmente apenas da Palavra e do Sacramento e pratique o amor que provém da fé, sem nunca ter comparecido a comitês eclesiásticos, sem nunca ter-se ocupado das novidades da política eclesiástica, sem ter feito parte de Sínodos e sem ter votado neles, e todavia é um verdadeiro cristão. Não é de uma Igreja mais humana que precisamos, mas de uma Igreja mais divina; só então ela será também verdadeiramente humana...” (Cardeal Joseph Ratzinger, conf. Cardeal Silvano Piovanelli em Captar o essencial com clareza, 30 Giorni, nº 12, ano XIX)

 

Não é preciso fazer parte das pastorais para ser católico, assim como não é preciso preencher fichas e nem ter carteirinha, mas é preciso crer e seguir tudo o que Nosso Senhor ensinou e a Igreja Católica confirmou, e frequentar os sacramentos para ser católico.

 

Peçamos a Deus que envie operários bons e santos para a messe grandiosa da Igreja:

 

Mitte Domine operarios in messem tuam, messis quidem multa, operari autem pauci.

 

In corde Iesu et Mariæ, semper

 

Rodrigo Santana.