Últimas Cartas

In Memoriam
PERGUNTA
Nome:
Adalberto Mendez
Enviada em:
03/06/2020

 

Prezados, Salve Maria.

 

Acabei de ler a matéria “ IN MEMORIAM “ postada  pelo Sr. Francis Mauro Rocha, no site da Montfort, impossível não se sensibilizar por dois motivos:  primeiro pelo falecimento de seu pai,  segundo, e infinitamente mais importante,  pela preocupação com seu pai não ter recebido os Sacramentos.

 

Embora saibamos que  a morte é o destino de todos,  o que nos move  é a  fé na promessa de Cristo, que através de Sua morte e ressureição nos possibilitou   vida eterna no Paraíso, desde que coloquemos em prática o que   ELE nos ensinou,   o outro ponto que gostaria de discorrer é algo semelhante ao fato narrado pelo Sr. Francis.

 

No início de Agosto  de 2009 meu pai  estava há quase nove meses na UTI da Beneficência Portuguesa em São Caetano. Recebi uma ligação do hospital informando que ele estava com poucos dias de vida, e quando falam poucos dias, são muito poucos mesmo. Me pai    frequentava a missa muito esporadicamente, acho que a falta de insistência dos filhos para com os pais de suas obrigações com DEUS deve-se ao fato de pensarmos que  pais jamais irão morrer. Em uma conversa  com ele na minha adolescência ouvi ele dizer  que não sabia  se havia sido batizado ou não, adotei essa resposta   como um não.

 

Os anos se passaram.

 

Logo após ter recebido a ligação do hospital, comecei  desesperadamente  ligar para duas Igrejas de São Caetano, São João Batista e Candelária, implorando para que um padre fosse ao hospital batizá-lo, liguei para pessoas que tinham contato mais próximo com ambos  sacerdotes,  foi registrado o pedido porém em ambas paróquias não haviam sacerdotes no momento.

 

Saí da Vila Mariana voando no meu carro, no sentido literal da palavra, no meu  parco entendimento estava em minhas mãos a salvação de meu pai.  Havia lido que o Sacramento do Batismo poderia ser dado por um leigo estando uma pessoa a beira da morte caso não houvesse um sacerdote.

 

Entrei no hospital e fui direto para a UTI, insisti que precisava entrar e expus o motivo, permitiram, num copo de plástico peguei um pouco de água, rezei o Pai nosso, Ave Maria e batizei meu pai, talvez não com as palavras corretas, talvez não com as formalidades necessárias mas com   Fé do fundo de minha alma. Após fazê-lo pedi a Deus que levasse em consideração meu ato com uma única intenção,  salvar meu pai. Após isso senti uma paz interior imensurável, não pude conter as lágrimas.

 

Soube que logo  após eu sair do hospital o sacerdote da Paróquia São João Batista esteve na UTI com ele. Dois dias após meu pai  faleceu.

 

Espero que DEUS,  em Sua infinita bondade e misericórdia  atenda  o pedido de um filho para  o  pai.

 

Carrego comigo até hoje   dúvida e culpa.  Dúvida por não saber se DEUS  o acolheu,  culpa por achar que deixei para a última  hora o Sacramento do Batismo  para ter certeza que até aquele momento de sua vida  todos seus pecados seriam  perdoados.

 

DEUS permitiu que eu chegasse ao hospital e o encontrasse com vida.

 

Cabe a DEUS me julgar, espero SEU perdão

 

Que  ELE  tenha piedade de mim e que ELE leve em consideração o desejo de salvação  do Sr. Francis para  seu pai.

 

Adalberto Mendez

RESPOSTA

Muito prezado Adalbeto, salve Maria!

Fiquei muito contente em saber que nos identificamos na dor, entretanto, a dor só nos serve se dela podemos retirar uma fecunda produção do amor de Deus. O Sangue de Cristo derramado na cruz tira toda a sua riqueza da abundância de amor que floresceu de seus ramos para a salvação dos homens. Por isso, Adalberto, gostaria de compartilhar com você algumas reflexões que sua carta me deu a oportunidade de fazer.

Ter uma certeza inabalável de que aqueles que tanto amamos, e já faleceram, estão no céu, junto de Deus Nosso Senhor, é evidentemente temerário. Conciliar nossas afeições demasiada humanas com o devido amor a Deus, enquanto estamos soterrados pela perda do ente querido não é tarefa simples, talvez o seja para os perfeitos, longe da nossa realidade, nós os pobres miseráveis.

Isso leva a questionar-me em que certeza então pode repousar minha esperança? A certeza e a esperança são irmãs que não costumam andar muito juntas, a caridade é aquela rainha, aquela irmã virtuosa, a única que pode conciliar uma tal fraternidade por vezes tão arredia.

Tenho esperança, de certo, muito longe de ser inabalável, na justa medida da minha mesquinhez, claro que mesquinhez essa moderada pela invencível Misericórdia Divina. Esperança de um dia encontrar meu amado pai no céu, esperança de que em seu último suspiro ele tenha lutado por aquilo que frequentemente me afasto tão covardemente, lutado para amar a Deus pelo menos em seus últimos momentos, o troféu dos troféus, o bem dos bens, o amor dos amores. Mais do que teria lutado pelo oxigênio que se esvaía de suas artérias, teria, aquele pobre pecador, combatido pelo único sopro de vida que realmente vale a pena, o sopro divino da graça de Deus.

Confesso que pouco proveito tem para mim e para o meu pai essa esperança, se em nada essa mesma esperança mudasse algo da minha vida presente. Pois como posso desejar para meu pai aquilo que eu mesmo quero tão pouco a ponto de perder tão facilmente esse amor de Deus por causa das vis sujeiras dos pecados desse mundo? Como posso querer tamanho hálito de vida sobrenatural para os outros, enquanto minha própria alma se esvaece em tanta desordem e falta de caridade? Como posso desejar tão inabalavelmente o céu para o meu pai, fazendo tão pouco para um dia encontrá-lo nesse mesmo paraíso? Que proveito teria para mim a salvação da alma do meu amado pai, se, que Deus me livre, eu acabe perdendo a minha?

Talvez seja exagerado, mas me parece certo que só serei fiel à memória e, o que mais importa, à esperança de salvação do meu pai se eu bem cuidar da minha própria salvação. A boca fala daquilo que o coração está cheio, assim também a esperança se fortalece e persevera num coração cuja caridade está sempre inflamada, ardente. Se tenho esperança de que o meu pai esteja no céu, devo ter também a mesma esperança de que de lá ele me vê tão pusilânime e sujo, entretanto, já agora, lutando para não perder em nenhuma hipótese esse hálito de vida da alma, ainda que perca a vida desse corpo que padece.

Quero sim a salvação do meu pai, desde que ele, antes de mim, tenha querido amar a Deus por toda a eternidade. Quero sim a salvação do meu pai, querendo para isso, ou antes disso, também a minha a própria salvação para que um dia, juntos, possamos amar a Deus por todo o sempre. Terei uma firme esperança da salvação do meu pai, antes de tudo, sendo fiel ao amor de Deus, lutando, vigilante, pela salvação da minha própria alma.

Como dizia um velho e estimado professor “Lamento os anos que perdi – e perdi não sei onde, nem por que fim tolo os perdi. Pois somente não são perdidos os dias e os anos que se consagraram totalmente a Deus. Miserere mei Deus, secundam magnam misericordiam tuam”. Que os nossos dias não se percam, para que assim não sejam perdidos os últimos dias daqueles que amamos. Conta as escrituras que os numerosos e rudes dias de trabalho de Jacó se encurtaram por causa da excelência do seu amor: “Videbantur illi pauci dies prae amoris magnitudine ». Pois que o amor de Deus faz breve toda rudeza, pois que ele funde em doçura toda dureza, como o mel que não só é doce em si mesmo, mas adoça tudo o que toca. Assim, que não se percam os nossos dias, mas que eles sejam doces do mais puro mel de Deus.

Dias duros e amargos são os dias longe dos que amamos se são dias longe de Deus. Dias duros e amargos são os dias em que afastamos os que amamos porque nos afastamos de Deus. Dias doces e proveitosos, quando reencontramos os que tanto amávamos se os encontramos em união com o amor de Deus.

Dulcedine saporis tui repleantur viscera animae meae,

Francis Mauro Rocha.