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Leitor responde artigo sobre as esperanças de Dom Walmor
PERGUNTA
Portanto as necessidades dos fiéis estão sendo satisfeitas dentro da medida de segurança para todos.
A Igreja Católica entendeu que é necessário o isolamento para evitar o contágio e a superlotação dos hospitais, obedecendo às autoridades de saúde.
Infelizmente, alguns poucos católicos tradicionais e conservadores, impulsionados pela irresponsabilidade do Cardeal Burke e motivados pelo presidente protestante Bolsonaro, insistem com a ideia de deixarem as igrejas abertas com a realização de missas públicas e eventos religiosos, não se importando com aglomerações e perigo de contágio dos fiéis.
Qualquer atividade eclesial, com a presença de fiéis neste momento, não respeita a lei da caridade com o próximo. A Igreja Católica entendeu que as regras de confinamento são necessárias e obedeceu às autoridades médicas, não quer colocar os padres e os fiéis em perigo de contágio e mandaram fechar as Igrejas.
A igreja, de modo algum, quer que todo o clero se arrisque ao contágio e, por consequência, fique em perigo de morte.
Nenhuma autoridade eclesial ou chefe de movimento católico pode obrigar qualquer padre ou fiel a se arriscar e querer morrer de corona vírus para ser "mártir". Eles se colocam em risco por sua própria conta e risco.
RESPOSTA
Prezado Ney Carmelita
Salve Maria!
Uma das características do sentimento do medo é excitar a imaginação. No pavor, que é a exacerbação do medo, a imaginação também fica exacerbada. Assim, quando à noite estamos apavorados, qualquer ruído nos dá a certeza de presença da assombração; ou quando caminhamos no escuro em uma rua pouca iluminada, qualquer vulto se transforma em um assassino voraz.
Mesmo quando o medo parece razoável, ou seja, há nele motivos racionais, a imaginação fica excitada.
Na situação atual, o medo se espalhou pela sociedade, e com isto, a imaginação de grande parte da população está muito excitada.
Este parece ser o seu caso, porque você faz críticas a um artigo que eu, de fato, não escrevi. Não há nada em meu artigo que de razão para a quase totalidade dos seus comentários. Eu não trato se deveria existir ou não um isolamento social. O dito artigo do Cardeal Burke me fez aumentar minha admiração por ele, mas meu artigo não trata do mesmo assunto que o do Cardeal. Também não há qualquer relação entre as ações do presidente Bolsonaro e as ideias do meu texto.
No pequeno texto que escrevi, lamento que em seu pronunciamento, Dom Walmor tenha depositado todas as suas esperanças nos “poderes da república” e desprezado por completo qualquer possível atuação do clero. Fiz ainda uma comparação entre a ação dos bombeiros, dos médicos e do clero, afirmando algo que é evidente: “de que vale um bombeiro, se ele foge de um prédio em chamas? De que vale um médico, se ele se recusa a ir até o doente necessitado? De que vale o clero, se ele não exerce as funções que Deus lhe confiou?”
Prezado Ney, em seu comentário você afirma que:
“Nenhuma autoridade eclesial ou chefe de movimento católico pode obrigar qualquer padre ou fiel a se arriscar e querer morrer de corona vírus para ser "mártir". Eles se colocam em risco por sua própria conta e risco”.
É verdade! Ninguém pode obrigar outrem a ser mártir, até porque se for assim, não haveria martírio. Eu acrescento: ninguém pode obrigar ninguém a ser padre, porque nesta situação a ordenação seria invalida.
Mas, mesmo não podendo se obrigar, seria muito bom que uma grande liderança católica, como Dom Walmor, lembrasse aos padres que Deus lhes pede sim o heroísmo. Pedir não significa obrigar. Mas deve-se manter aquilo que foi prometido a Deus. Creio que você conhece a passagem de São Pedro e a mentira de Ananias e Safira.
Não seria o momento de Dom Walmor colocar a esperança em que o clero pudesse ajudar neste momento? Ou enaltecer aqueles que, arriscando a própria vida, se é que isto realmente ocorre pois cada vez parece mais duvidoso, se sacrificam pelos seus fiéis? Ou lembrar daqueles que, para levar ao povo, mais do que o alimento material, que garante apenas alguns anos a mais de vida na terra, levam o alimento espiritual que lhes ajudará a obter a vida eterna?
É claro que, para acreditar que vale a pena correr esse risco, é necessário acreditar que a vida sobrenatural tem um valor muito maior que a vida natural. Isto é algo que não existe mais hoje em dia. Está ideia não está mais presente no clero e infelizmente parece muito longe de Dom Walmor.
O naturalismo de Dom Walmor é marcante quando ele coloca suas esperanças nos poderes públicos para uma sociedade material melhor. Só isto interessa. Não há qualquer menção à importância de uma vida espiritual melhor. Para a Igreja não há lugar na sociedade materialista.
Neste naturalismo é claro que também não há lugar para a pergunta: porque Deus nos castigou com esta doença? As poucas autoridades eclesiásticas que se voltam para Deus cada vez mais entendem que se trata de um castigo pelos pecados contra a Missa e contra o Santíssimo Sacramento. E Dom Walmor, o que diz? Ele afirma que esta epidemia (prefiro o termo tradicional) nos fará ter uma nova relação com a terra. Sim nova relação com a terra. Nada mais naturalista. É como se Deus simplesmente não existisse. Nada há o que pedir a Ele. Sobretudo não se deve cogitar em pedir perdão pelas ofensas que fizemos contra Deus.
Veja que diferença da reação do clero quando da gripe espanhola no Brasil em 1918:
“Na gripe espanhola, 1918, dom Duarte [primeiro arcebispo de São Paulo] organiza e participa pessoalmente, do atendimento aos enfermos. Só em outubro, a moléstia causa cerca de oito mil mortes em São Paulo. Doentes acumulam-se nos corredores dos hospitais por falta de vagas”. (A caminhada da Esperança, Lourenço Diagéria, São Paulo, 1996, p. 118 e 119)
Que diferença! Acho que dispensa qualquer comentário. E não se diga que não havia riscos ou que a Igreja era indiferente a eles. Veja este trecho de uma notícia de jornal:
“É interessante ressaltar que as igrejas não eram completamente fechadas, pois a população acreditava que a fé em Deus poderia libertá-los do mal que os aterrorizava. Assim, as autoridades públicas e o clero optaram pela diminuição do tempo de permanência nas igrejas, reduzindo o tempo das missas e a quantidade de pessoas. Medidas profiláticas diárias foram determinadas para esses espaços: “egrejas e Capellas e os respectivos confessionários serão desinfectados todos os dias e a água benta renovada frequentemente, desinfectando-se também as suas pias”. (Correio Oficial 11/01/1919, p. 8)
Por estes dois textos fica clara a diferença entre um povo com fé e outro sem fé. Entre um clero que dá mais importância à vida eterna de outro que dá mais importância à vida terrestre.
O dilema que você coloca de que haveria uma espécie de suicídio se houvesse a continuidade da prestação do serviço religioso é falso e isto fica claro quando muitas atividades da vida pública são mantidas, como por exemplo, o funcionamento das fábricas. Se não se está pedindo para que nenhum operário seja mártir, porque se pediria isto a um padre que distribuísse os sacramentos?
Em todo o caso a vida do padre exige sacrifícios especiais o que somente é feito quando há uma convicção sobre a importância de sua ação sobrenatural.
Em meu comentário mencionei que tinha confiança que alguns padres continuavam exercendo seu trabalho pastoral. Já há governadores que os ameaçam com a prisão. Entretanto, agora um caso veio a público: a assistência que um padre vem prestando a seus “fiéis”.
Trata-se do padre Júlio Lancelotti. Conhecido por ser ligado à teologia da libertação, nada conservador ou tradicionalista. O mesmo que após processos judiciais, abandou seu trabalho junto aos menores e tem se dedicado à alimentação de pessoas de rua. O local onde ele distribui comida para essas pessoas é no mesmo bairro onde eu moro. Neste local as condições para a transmissão do COVID-19 são as ideais.
Em uma entrevista de rádio com o cardeal Dom Odilo foi comentado sobre a atuação do padre. Vejamos o trecho da entrevista:
“Embora o período de quarentena esteja em vigor no estado de São Paulo, alguns religiosos estão mantendo suas atividades de caridade, como é o caso do Padre Júlio que manteve sua ajuda aos moradores de rua.
Ao ser questionado sobre as atitudes, Dom Odilo Scherer defendeu o colega [sic].
“O Padre Júlio trabalha com pessoas de rua há anos, ele continua trabalhando para conseguir o que for necessário para atender, salvar vidas e socorrer essa população. Alguém precisa fazer alguma coisa e ele está fazendo.”
https://jovempan.com.br/programas/jornal-da-manha/ocupe-tempo-hospitais-psiquiatricos-cardeal.html
Ainda nesta entrevista Dom Odilo informou que não há nenhum caso de padre com a doença em São Paulo.
Será que algum governante terá coragem de colocar o padre Júlio Lancelotti na cadeia por desobediência as ordens?
Será que você teria coragem de afirmar que o padre Júlio Lancelotti e seus muitos colaboradores, assim como os padres “católicos tradicionalistas e conservadores”, agindo desta forma “estão prestando um enorme desserviço à sociedade: pecam gravemente por falta de caridade ao próximo e desobediência às autoridades legítimas da Igreja ao pregarem a quebra do confinamento com o consequente perigo de contaminação dos fiéis ao corona vírus.”?
Já que o padre da Teologia da Libertação pode distribuir comida, o que não é absolutamente essencial porque há outros locais até do governo onde isto é feito, porque será que um padre que acredita na vida após a morte, doutrina fundamental da Igreja Católica, não pode distribuir os sacramentos, função esta em que ele não pode ser substituído?
Será que o heroísmo deve ficar só com os padres da Teologia da Libertação? Quem será admirado e quem o povo irá seguir com esta crise passar?
Alberto Zucchi