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A moral é relativa?
PERGUNTA
Bom dia a todos os membros da Montfort.
Tenho 16 anos e tenho aula de filosofia no ensino médio com um professor que se diz cristão, que muito me parece fazer parte da teologia da libertação: ele possui miríades de contatos com monges franciscanos, jesuítas e beneditinos. O sobrenome dele é Salgado. Estávamos tendo uma aula sobre moral e ética, e o ditame comum e inevitável apareceu enquanto ele discorria: a moral é relativa, e a ética é o estudo deste fluxo da moral. Para justificar a afirmação, o Salgado utilizou um exemplo bem sofista e retórico: o papel da mulher na sociedade cristã; que hoje é protagonista e, em tempos retrógrados, era submissa aos homens. Também mencionou como antes a satisfação sexual da mulher era supostamente baixa e os homens se alentavam com prostitutas. Após a “aula”, redargui que aquele exemplo era falacioso em muitos âmbitos; preliminarmente, as acepções de submissão e protagonismo são diáfanas e tendenciosas, e, ademais, utilizar alguns adornos e detalhes da sociedade (como o caso do sexo entre casais) para justificar que não existe uma moral boa e permanente arraigada pela Igreja em todos os momentos da sociedade ocidental é igualmente pernicioso e desonesto.
O Salgado anuiu comigo na completude do meu argumento -uma boa tática para atarantar o debatedor- mas logo apresentou uma outra pergunta:
- André, você é contra matarmos inocentes?- eu, obviamente, respondi que sim. E ele me indagou
- Então como você escapa de situações de guerra? Nas cruzadas, por exemplo. Ou você realmente acredita que Deus presenteou indivíduos por dilacerarem sarracenos?
Confesso que não soube responder. Ele logo novamente voltou para a sua premissa básica; a moral é relativa e depende do meio e da circunstância que a circunda.
A moral é realmente relativa? Como responder meu professor? Pois duvido que em 2000 anos de deliberação veemente nenhum Santo Doutor possua resposta cabível para esta afirmação de meu professor.
Se puderem responder, agradeço
Salve Maria! Fiquem com Deus!
RESPOSTA
A premissa que está em questão principalmente aqui é a seguinte: “a moral é relativa e depende do meio e da circunstância que a circunda”.
A perniciosidade dessa premissa consiste no fato de misturar uma verdade e uma mentira.
A moral depende evidentemente do meio e da circunstância, mas isso não quer dizer que ela seja relativa, pois além das circunstâncias, entram em conta na qualificação de um ato moral dois outros princípios: o objeto e a finalidade.
Não podemos dizer, pura e simplesmente, que a moral é relativa.
Este professor deu um argumento fraco e superficial.
É preciso analisar a questão mais profundamente.
O exemplo de matar inocentes é mentiroso.
Em uma guerra justa não é crime matar os inimigos.
E Deus não irá condenar os que combatiam os sarracenos, com base apenas no fato de terem matado.
Recomendo que leia os seguintes textos sobre as Cruzadas, que mostram que a finalidade era defensiva e visava a se protegerem.
http://www.montfort.org.br:84/as-cruzadas-foram-um-ato-de-defesa-nao-de-ataque/
http://www.montfort.org.br/bra/cartas/polemicas/20040819175151/
Santa Joana D’Arc lutava na guerra e concordava em que seus soldados matassem os ingleses. E é uma grande santa.
O Novo Testamento nunca condena o exército, pelo contrário.
E São João Batista, em Lc 3, 14, quando questionado pelos soldados não manda que eles abandonem esta profissão.
A moralidade de um ato é essencialmente uma conveniência para com a reta razão.
Para julgar a moralidade de um ato humano é preciso levar em conta 3 aspectos:
a) O objeto em si, que pode ser bom, mau, ou indiferente
b) A finalidade
c) As circunstâncias
Para um ato ser bom ele deve ser integralmente bom, ou seja, ele deve realizar em plenitude a integridade desses três elementos, que lhe são devidos.
Um defeito em um ou outro desses pontos equivale a uma privação de uma perfeição que lhe é devida, o que é precisamente a descrição do mal.
1) Objeto
Por exemplo, um aborto é SEMPRE UM ATO IMORAL GRAVE, quaisquer que sejam a finalidade com que é feito ou as circunstâncias que o circundam.
Esse ato moral é mau em si pois seu OBJETO, matar um inocente indefeso, é mau.
Entretanto, a legítima defesa, inclusive para outrem, é um ato bom.
Um cruzado que tomava por missão proteger os peregrinos fazia um ato bom, como o pai que protege, com uma arma se for preciso, os filhos de um bandido.
2) Finalidade
Ir a um parque é algo bom?
Em si é algo bom, mas uma má finalidade pode corromper esse ato. Se eu vou ao parque porque é o lugar onde encontro a minha amante esse ato é ruim.
É o que diz São Paulo: “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus.” (1 Coríntios 10:31)
A esmola é algo bom?
Em si é algo bom, mas dependerá também da finalidade. Se eu a faço para ser admirado, ela não vale nada e é um ato de vaidade e de orgulho.
Nesses dois casos a finalidade corrompe atos que, em si, são bons ou indiferentes.
Entretanto, uma finalidade nunca poderá transformar em bom um ato que, em si, é mau; pois os fins nunca justificam os meios (cf. Rom 3, 8).
3) Circunstâncias
As circunstâncias são as “condições acidentais que modificam a moralidade substancial que, sem elas, tinha tal ato humano”.
Por exemplo, roubar um cálice sagrado acrescenta ao pecado de roubo a circunstância de sacrilégio.
Há dois tipos de circunstâncias:
a) aquelas que mudam a espécie do pecado
b) aquelas que simplesmente intensificam a bondade ou maldade de um ato.
O exemplo do cálice é um exemplo onde a circunstância muda a espécie do ato e acrescenta um novo pecado.
Outro exemplo: um homem casado que peca com outra mulher casada comete três pecados de espécies diferentes: um pecado contra a castidade e dois pecados contra a justiça (contra sua própria esposa e contra o marido de sua cúmplice). Duas pessoas não-casadas que pecam, cometem apenas um pecado contra a castidade, mas não um adultério.
Em outros casos, a circunstância não muda a espécie do pecado, mas pode agravá-lo.
Por exemplo se eu realizo tal ação com mais intensidade, duração, refinamento, etc.
Um pai de família que se embebeda na frente dos filhos comete um pecado mais grave do que se ele o tivesse feito em um bar sozinho.
O fato de depender destes três aspectos não torna a moral absolutamente relativa.
Só quer dizer que, quando um objeto é indiferente, a especificação moral virá da finalidade ou da circunstância.
A moral, portanto, não muda. [Os dez mandamentos sempre valeram e valerão sempre]
O erro desse professor não é nada novo ou original, é uma espécie, entre outras tantas, de positivismo.
Para ele a distinção entre o bem e o mal depende da livre disposição dos homens, e não da natureza das coisas.
O positivismo tem vários matizes:
Protágoras e outros sofistas da Antiguidade diziam que tudo depende da lei, do costume ou da opinião do povo.
Hobbes dizia que a fonte da moralidade são as leis do Estado.
Para Rousseau o bem e o mal são fruto de um pacto social.
Para Augusto Comte, Stuart-Mill, Taine, e outros representantes do positivismo científico, o sentido moral evolui com o progresso da ciência.
Para Durkheim, a moral depende da influência social.
Para o pragmatismo, a moral depende totalmente da psicologia.
Atenção: não tratamos aqui das condições subjetivas do agente que realiza a ação. Um louco, que não sabe o que está fazendo e que mata alguém, não comete pecado pois a sua inteligência não permite analisar um ato sob termos de bondade ou maldade. Uma ignorância não-culpável e uma ausência de voluntariedade, podem, ou escusar completamente um ato, ou atenuar a sua gravidade. Por exemplo, no caso do aborto, o estado psicológico da mãe que o pratica.
Espero ter ajudado. Em caso de dúvida escreva novamente.
Salve Maria,
Celso Gubitoso