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Até onde os leigos têm dever de ensinar?
PERGUNTA
Nome:
Caio Chagas
Enviada em:
01/01/2020
Local:
Brasil
Moro na cidade de Arapiraca - AL, a região nordeste principalmente ao lado mais ao leste é completamente desprovida de priorados, e Padres que ao menos queiram propagar a Santa Tradição. Eu após minha conversão dediquei-me apenas a edificar-me e auxiliar outros em suas edificações, tendo criado recentemente um grupo de estudos da Santa Tradição, onde até mesmo utilizei como base aulas do professor Orlando Fedeli, em questão, recebi de um amigo o qual é Seminarista no IBP uma crítica de que eu deveria conter-me disto, visto minha condição como leigo e apenas guiar aqueles que possuissem interesse em aprofundar-se na Santa Tradição, mas visto que foi não por Padres que veio minha conversão a Santa Tradição, mas por leigos que buscam-na, gostaria de um auxílio quanto até onde os leigos possuem direito de ensinar ou de transmitir aquilo que receberam.
Caio Silva Chagas.
Arapiraca - AL
Estudante
Salve Maria Imaculada! Viva Cristo Rei!
RESPOSTA
Muito prezado Caio Silva Chagas, salve Maria!
Carta encíclica do Papa Leão XIII, 10 de janeiro de 1890 - Sobre os deveres fundamentais dos cidadãos cristãos.
IX. Obrigação universal de professar e propagar o Evangelho
23. A primeira aplicação desse dever é professar, clara e constantemente a doutrina católica e propagá-la o mais que se puder. Com efeito, como já se disse muitas vezes e com muita verdade: o que mais prejudica a doutrina de Cristo é não ser conhecida. Ela só, bem compreendida, basta para triunfar do erro, nem há aí alma simples e livre de preconceitos que a razão não mova a abraçá-la. Ora a fé, ainda que como virtude é um dom precioso da divina graça e bondade; todavia, quanto ao objeto sobre que versa, não pode por via ordinária ser conhecida senão pela pregação: “Como crerão naquele que não ouviram? E como ouvirão sem pregador?… a fé é pelo ouvido, e o ouvido pela palavra de Cristo” (Rm 10,14-17). Por conseguinte, sendo necessária a fé para a salvação, segue-se que é inteiramente indispensável a pregação da palavra de Cristo. É certo que esse encargo de pregar ou de ensinar pertence por direito divino aos doutores, isto é, aos bispos que o Espírito Santo constituiu para governar a Igreja de Deus (At 20,28) e de um modo especial ao pontífice romano, vigário de Cristo, preposto com poder supremo à Igreja universal como mestre de quanto se há de crer e praticar. Mas não pense ninguém que ficou por isso proibido aos particulares cooperar com alguma diligência nesse ministério, principalmente aos homens a quem Deus concedeu dotes de inteligência juntos com o desejo de serem úteis ao próximo. Esses, em caso de necessidade, podem muito bem, não já afetar a missão de doutores, mas comunicar aos outros o que eles mesmos aprenderam, e ser em certo modo o eco dos mestres. Até mesmo essa cooperação dos particulares pareceu aos Padres do Concílio Vaticano I tão oportuna e frutuosa, que não hesitaram em reclamá-la nos termos seguintes: “A todos os fiéis cristãos, principalmente àqueles que tem superioridade e obrigação de ensino, suplicamos pelas entranhas de Jesus Cristo, e em virtude da autoridade deste mesmo Senhor e Salvador nosso lhes ordenamos, que apliquem todo o seu zelo e trabalho em desviar esses erros e eliminá-los da luta da Igreja, e difundir a luz puríssima da nossa fé”.
Veja, Caio, que Leão XIII enfatiza bem que todo cristão tem o dever de cooperar para que a doutrina católica seja obedecida. Caio, não é só você que tem a conversão como fruto do apostolado de um leigo, mas a maioria dos padres brasileiros do IBP, o atual reitor do seminário do IBP, esse miserável que te escreve, são todos frutos do apostolado do mesmo leigo, o saudoso professor Orlando Fedeli.
Um livro, muito conhecido no meio católico, A Alma de todo Apostolado de Dom Jean-Baptiste Chautard (página 151), fala de uma famosa conversa do Papa São Pio X:
"Qual é hoje, pergunta o Papa, a obra que se vos afigura mais necessária à salvação da sociedade? - Edificar escolas católicas, responde um deles. Não. – Multiplicar as igrejas, continua outro. - Ainda não. - Fomentar o recrutamento sacerdotal, diz um terceiro. - Não, não, replica São Pio X; o que, no momento presente, é mais necessário é ter-se em cada paróquia um grupo de leigos ao mesmo tempo muito virtuoso, esclarecido, resoluto e deveras apóstolo".
Um grupo de leigos apóstolos. E que seria um grupo de leigos “deveras apóstolo” se não cumprisse com a principal ordem de Nosso Senhor aos apóstolos: “Ide e ensinai”?
Portanto, caro Caio, é claro que o leigo tem um papel importante na propagação e ensino da doutrina católica, claro que sempre subordinado ao papel central do clero. Porém, é claro que é preciso ter muita prudência nessa questão, hoje em dia existe uma massa de teólogos e filósofos de facebook e demais redes sociais, que se acham verdadeiros Torquemadas ou Aquinates da atualidade, são, eu diria, os auto-didatas divinos, com ciência infusa, que pensam possuir opiniões ex-cátedra! (para esclarecer ainda mais o assunto aconselho a leitura divertidíssima desse artigo publicado em nosso site: http://www.montfort.org.br/ bra/cartas/outros/ 20060323012319/)
Deve-se ter muito cuidado e prudência sobre os assuntos que nós, enquanto leigos, tentamos ensinar, por exemplo, assuntos de alta complexidade no campo da filosofia, da ordem da distinção entre “esse in actu” e “esse ut actus” (já vi mesmo uma doutora em Santo Tomás falar bobagem sobre o assunto), em teologia, assuntos muito complexos como a doutrina da graça (que já foi alvo de tanta heresia na história da Igreja), ou a vida mística, são assuntos de tamanha envergadura que é mais fácil cair em erros do que ajudar alguém com sólidos esclarecimentos.
Portanto, Caio, mesmo não sabendo as circunstâncias do seu encontro com o seminarista do IBP, posso dizer que nem tudo é lícito ao leigo tratar ou ensinar e isso varia de acordo com a capacidade de cada um. E quais os limites desse apostolado leigo? Essa questão é de cunho particular de cada leigo e cabe a orientação de um bom sacerdote para que se saiba até onde vai esse limite. A ajuda de pessoas mais experientes no assunto e de boa formação (no caso da falta de um sacerdote idôneo) também pode ser um excelente auxílio.
Lembre-se que aqueles que ensinam porque se acham ser o tal “grupo de leigos ao mesmo tempo muito virtuoso, esclarecido, resoluto e deveras apóstolo" tão desejado por São Pio X, são os que mais ensinam erros, são cegos conduzindo cegos. Procure aqueles que quase não encontramos, ou que eu e você e a maioria dos padres brasileiros do IBP um dia encontraram, um leigo, um velho professor cheio de defeitos, que ensinou, apesar de suas misérias, e ajudou tanta gente a conhecer e amar a verdadeira doutrina católica.
“Ter uma alma agressiva que não retroceda.
Não ter no coração nem baixeza, nem lama,
mas de heroísmo, ser ardente labareda,
ser da verdade arauto, da pureza, chama.
Viver sempre enamorado pela proeza,
a alma sempre firme ancorada na certeza
sedenta de Deus, de infinito e de grandeza”
(Orlando Fedeli, São Paulo, 1975).
In báculo Cruce et in virga Virgine,
Francis Mauro Rocha