Polêmicas
Reposta ao AVISO 4
PERGUNTA
RESPOSTA
O AVISO 4 do sr. Olavo de Carvalho anuncia sua Fuga em Ré Maior.
Aviso Número 4
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Olavo de Carvalho
Juntando as quatro teses da gnose antiga assinaladas pela Enciclopédia Routledge às seis da moderna apontadas por Eric Voegelin, desafiei o sr. Fedeli a mostrar, nos meus escritos, alguma afirmação que coincidisse com umas ou com as outras. Como ele apareceu com algumas centenas, nas quais porém não vejo nada disso, só posso concluir que ou estou redondamente enganado quanto ao sentido de tudo o que escrevi ao longo da vida, ou o sr. Fedeli não está me compreendendo bem.
Esta última hipótese me parece, francamente, a mais razoável.
Um dos inúmeros motivos que me levam a acreditar nisso é que, das amostras colhidas por ele, nem todas são minhas. Muitas são de autores que, um tanto cum grano salis, denominei "meus gurus". Tomando esta palavra ao pé da letra, no sentido de discipulado estrito portanto, e sem notar que o número e a variedade desses gurus já tornam absolutamente inviável essa interpretação, ele compõe com ela raciocínios do seguinte teor:
Olavo de Carvalho diz jamais ter afirmado que
x é y.Ora, Fulano de Tal afirma que x é y.
Olavo de Carvalho é discípulo de Fulano de Tal.
Logo, Olavo de Carvalho afirma que x é y.
Em resultado dessa operação, repetida vezes sem conta, vejo-me dizendo o que não disse, crendo o que não creio, sendo o que não sou.
Se eu estivesse em alguma crise de identidade, talvez me interessasse profundamente pelo sentido que o sr. Fedeli encontra nos meus pensamentos, tão diverso daquele que eu próprio costumo enxergar neles. Talvez até admitisse me colocar em exame pelo método fedeliano de me atribuir lealdades e filiações que desconheço, e deduzir delas as convicções que, se não as tenho, deveria tê-las para ser o que o sr. Fedeli diz que sou.
Mas minhas dúvidas a meu próprio respeito não chegam a esse ponto.
Muito menos duvido de mim ao ponto de imaginar que sou Orlando Fedeli. Não obstante, às vezes o sr. Fedeli me atribui não os pensamentos de terceiros, mas os seus próprios. Por exemplo: entre as seis características que Voegelin aponta na gnose moderna, está a "revolta contra a ordem do ser". Ao desafiar portanto o sr. Fedeli a assinalar nos meus escritos a revolta contra a ordem do ser, seguro de que ele não poderia encontrá-la, pois não sinto essa revolta de maneira nenhuma, eu tinha em vista, obviamente, a ordem do ser tal como definida por Eric Voegelin (a qual, por uma coincidência, se encontra resumida no meu artigo "O infinito de Anaximandro"). Já o sr. Fedeli, ignorando totalmente o conceito voegeliniano subentendido no desafio, preferiu compreender a expressão "ordem do ser" no sentido da ordem do ser tal como concebida por Orlando Fedeli – e, notando que estou em desacordo com esta última, concluiu, com rigor lógico impecável, que estou revoltadíssimo contra a ordem do ser enquanto tal e que, portanto, sou um gnóstico. Por exemplo, na ordem do ser segundo Orlando Fedeli a liberdade de consciência é – cito-o literalmente – "uma monstruosidade". Ora, Olavo de Carvalho não concorda plenamente com isso, ao menos no sentido que a coisa tem em Orlando Fedeli. Logo, Olavo de Carvalho está contra a ordem do ser. Quod erat demonstrandum.
Outro exemplo desse modus interpretandi está no uso que ele faz da expressão "estar insatisfeito com a própria situação", com a qual Voegelin distingue outra característica da mentalidade gnóstica. Para provar que essa característica define inconfundivelmente a minha mentalidade, o sr. Fedeli alega que estou insatisfeito com a situação do presente debate. Logo, sou um gnóstico. O próprio Voegelin, ao conceber esse critério distintivo, não pensava que ele pudesse ter uma aplicação tão engenhosa.
Na verdade, o sr. Fedeli não afirma que estou apenas insatisfeito, mas furioso, hidrofóbico, espumando de cólera impotente ante a penetração e a argúcia das suas análises. Mesmo à distância, ele chega a descrever com singular acuidade psicológica o estado emocional tremebundo e animalesco que ele jura ter-se apossado do meu ser à leitura de sua fulminante exegese da minha filosofia. (1) O método que ele emprega para chegar a esse diagnóstico é o mesmo com que interpretou minha figura de linguagem sobre "cortar o próprio pescoço" – imitada de Léon Bloy – como uma ameaça de homicídio proferida contra a sua pessoa.
Mas há um momento em que o tirocínio interpretativo do sr. Fedeli se supera. É quando ele, notando que afirmei haver dois sentidos correntes da palavra fé na língua portuguesa, vai procurar o verbete correspondente no Dicionário Aurélio (como aliás poderia ter procurado em qualquer outro) e encontra os mesmos dois sentidos, daí concluindo, indignado e escandalizadíssimo, que... plagiei o Dicionário Aurélio.
O mínimo que posso dizer desses procedimentos hermenêuticos, repetidos ad nauseam nas análises que o sr. Fedeli faz do meu pensamento, é que são originalíssimos. Eu mesmo nunca tinha pensado em interpretar meus escritos -- ou os de quem quer que fosse -- por esse viés. Aliás continuo não pensando. Pretendo, mesmo, não pensar jamais.
Por essa mesma razão, não vejo motivo para examinar em detalhe as centenas de citações que o sr. Fedeli tão trabalhosamente coletou, com penas de amor perdidas, em textos meus e nos de outros autores. As amostras do seu método de interpretação que deparei numas poucas páginas do seu novo escrito já me demoveram de qualquer tentação de ler as restantes.
Não quero aprender esse método e acho, realmente, que ninguém deveria aprendê-lo.
05/08/01
Notas
(1) Para descrever esse estado indescritível, o notável escritor ítalo-botocudo se vê obrigado mesmo a realizar um tour de force estilístico, afirmando que estou em pleno transe de "esperneamento hidrófobo", figura de grande força poética cujo significado me escapa porque, segundo os manuais de veterinária, animais hidrófobos não esperneiam.
http://www.olavodecarvalho.org/textos/aviso4.htm >São Paulo, 6 de agosto de 2.001Orlando Fedeli.