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Ninguém é insubstituível. Só a Igreja Católica é imperecível
PERGUNTA
Nome:
Ângela Sabatini
Enviada em:
27/12/2006
Local:
Curitiba - PR, Brasil
Religião:
Protestante
Idade:
28 anos
Escolaridade:
Superior concluído
Profissão:
Jornalista
Caro Professor Orlando,
Gostaria de trazer um assunto que para mim é tão importante quanto constrangedor .
Na sua idade, é natural e compreensível que o sr. já tenha feito as pazes com o Criador e deixado os seus assuntos terrenos bem encaminhados.
Nesse caso, o que pretende quanto à Montfort? Quem herdará o seu lugar nessa importante organização de defesa da fé católica? Como se dará a continuidade do site?
Por favor, não interprete mal este meu questionamento. Ele resulta da minha observação sobre a qualidade de seus colaboradores: embora sejam todos tomados pelo mesmo fanatismo fundamentalista que o sr. exibe, justiça lhe seja feita são todos muito inferiores até no que se refere a redigir um simples texto.
Sei que o sr., se ainda não o fez, refletirá profundamente sobre o assunto, após o que publicará uma resposta a contendo para satisfazer a curiosidade mórbida de muitos outros leitores.
Permaneço no aguardo de sua gentil resposta.
In corde Jesu semper,
Ângela Sabatini
RESPOSTA
Ninguém é insubstituível. Principalmente, é facilmente substituível um velho professor que vai perdendo a memória, tão necessária para ensinar História.
Sua pergunta não me constrange em nada.
E não a julgo uma curiosidade mórbida. Ela revela até uma certa preocupação e estima de sua parte por alguém que você apoda -- ainda -- de "fundamentalista". Tanto que você -- que se declara protestante -- repete amavelmente a fórmula com que eu encerro habitualmente minhas cartas:
"In corde Jesu semper,
Muito obrigado, minha filha.
"Vecchia canzone, (Velha canção,
Os muitos moços que cantam comigo, aprenderam bem a lição de História dada pelo Professor. Alguns conhecem Filosofia e Teologia bem mais do que eu. Outros conhecem melhor a História do que eu. Outros discutem e polemizam muito bem. Cada um faz uma coisa melhor que o professor.
Partir...
Todos partiremos um dia.
Isso também é insubstituível.
In Corde Jesu, semper,
Muito prezada Ângela,
Salve Maria.
Ninguém é insubstituível. Principalmente, é facilmente substituível um velho professor que vai perdendo a memória, tão necessária para ensinar História.
Sua pergunta não me constrange em nada.
E não a julgo uma curiosidade mórbida. Ela revela até uma certa preocupação e estima de sua parte por alguém que você apoda -- ainda -- de "fundamentalista". Tanto que você -- que se declara protestante -- repete amavelmente a fórmula com que eu encerro habitualmente minhas cartas:
"In corde Jesu semper,
Ângela Sabatini".
Muito obrigado, minha filha.
Entretanto, deixe-me contar-lhe algumas coisas sobre a vida e sobre a morte.
"La vida es un camino. Camino a la eternidad". Como bem escreveu um jovem aluno meu, em uma canção.
Ele escreveu uma linda canção.
Você vê? Começo a ser substituído.
Com alegria de me ver muito bem substituído, canto a belíssima canção que ele fez:
"La vida es un camino. Todo passa. Solo Dios no muda. Vida es un camino. Camino a la eternidad".
"La vida es un camino. Todo passa. Solo Dios no muda. Vida es un camino. Camino a la eternidad".
Estou para fazer 74 anos, e quando vou ao cemitério, em algum enterro, reparo como as datas nos túmulos indicam quanto Deus está sendo misericordioso comigo. E como as datas de nascimento registradas nos túmulos apontam para meu fim próximo.
Também as muitas operações -- algumas graves -- que sofri indicam a possibilidade de minha morte ocorrer em breve.
Graças a Deus não sou nem inerrante e nem imortal.
Claro que, há tempo, procuro fazer minhas contas com Deus, preparando-me para a morte. E sei que jamais conseguirei completá-las com justeza e com justiça. Desgraçadamente.
Por enquanto, a morte parece estar longe.
A menos que Deus me conceda a graça de ser morto por causa da Fé, coisa da qual não sou digno, mas que sempre pedi.
Morrer... "en una mañana azul en Mexico. Al Sol".
Você leu esse texto no site Montfort? Leia-o. Está nos textos em castelhano.
Certa vez, quando ainda era bem moço, fui forçado a deixar de dar aulas, por certo tempo. Entre os alunos correram boatos da morte do Professor de História.
Quando voltei, discretamente comentei com eles o fato, contando-lhes uma alegre e leve poesia de Charles d`Orléans, um poeta autor de baladas e rondós deliciosos.
A balada que comentei, intitulava-se "Encore est vive la souris". (Ainda está vivo o camundongo)
Você a conhece? É uma graça.
Começa dizendo: Correram notícias pela França, que eu havia morrido. Coisa que agradou a muitos que me querem mal. E que causou dor em muitos que me desejam bastante bem. Mas a todos faço saber que ainda está vivo o ratinho. Embora a velhice se esforce todo dia em me vencer, ainda está longe a sua vitória... E etc.
Deixo de lhe contar o restante da balada, só para aguçar a sua curiosidade.
Breve, dentro de alguns anos, correrão notícias de que o Professor de História morreu.
Muitos se alegrarão, certamente.
Muitos chorarão. Porque... "se j´ai des amis au collège, je serais aimé demain". ("Se temos amigos no tempo do colégio, seremos amados, amanhã").
E eu fiz milhares de amigos nos colégios em que dei aula.
Noutro dia, tive ocasião de ver, num colégio, um longo corredor vazio.
Estava-se em férias.
Um corredor de colégio... Um bruhahá imenso. Risadas. Gritos. Discussões. Risadas de novo. Brincadeiras com cheiro de presunto. Uma confusão alegre como que de passarinhos saídos do ninho.
Tantos alunos...Tantos alunos....
Que saudades deles. Que saudades daqueles corredores buliçosos. Que saudades das aulas, saudades dos pátios e dos recreios!
Um aluno -- chamava-se Osmar -- gritando para um colega seu entusiasmo por um novo, e então muito jovem, professor de História...
Era meu primeiro dia de aula.
Há 50 anos!...
Depois...Quantos alunos...Quantos...
Muitos estão até hoje comigo. Há um, de cabelos muito brancos que foi meu aluno em 1956. Assiste minhas aulas até hoje.
Muitos estão até hoje comigo. Há um, de cabelos muito brancos que foi meu aluno em 1956. Assiste minhas aulas até hoje.
Tantos alunos...
Que ouvem fielmente, há tantos anos, o Professor de História. O professor “insuportável”, como me diz com imensa estima uma aluna bem fiel, bem paciente, e infinitamente dedicada. O Professor de História que canta com seus alunos canções ardentes e arrebatadoras. Que canta com eles uma velha canção -- la vecchia canzone -- que num dos versos diz:
"Vecchia canzone, (Velha canção,
che nel cuore mio lasso que em meu coração cansado,
batti il compasso bates o compasso
per lottare qua giù. para lutar aqui na terra.
Fa ch´io difenda Faz com que eu defenda
fino al di del trapasso até o dia da morte,
Veritá e virtù" a verdade e a virtude")
Os muitos moços que cantam comigo, aprenderam bem a lição de História dada pelo Professor. Alguns conhecem Filosofia e Teologia bem mais do que eu. Outros conhecem melhor a História do que eu. Outros discutem e polemizam muito bem. Cada um faz uma coisa melhor que o professor.
E, principalmente, são muitos os mais virtuosos do que eu.
Ninguém é insubstituível. Muito menos eu.
Só a Igreja é insubstituível.
A Montfort pode perecer. A Montfort não tem importância alguma, e nem ela deve existir sempre.
Não trabalho para a Montfort. Luto pela Igreja Católica.
Não trabalho para a Montfort. Luto pela Igreja Católica.
E a Igreja Católica é imperecível.
Devo fazer minhas contas com Deus... Contas insolúveis que jamais conseguirei completar com justeza e com justiça.
Só duas coisas me dão esperança nessas contas que não batem a meu favor: a misericórdia infinita de Jesus Cristo, Redentor, e... meus alunos.
Meus alunos insubstituíveis em minhas contas.
Donde me vieram todas essas almas que gerei, arrancando-as da dor de minha alma nas classes e corredores de tantos colégios?
Donde me vieram todas essas almas que gerei, arrancando-as da dor de minha alma nas classes e corredores de tantos colégios?
De onde me vêm tantos alunos agora, alunos virtuais de virtude real, pelo site Montfort na internet?
Donde me vem tantos frutos que arrastei -- tão mal?
Donde me vem tantos frutos que arrastei -- tão mal?
Tão mal!
Mas, ainda que tão mal, tantos frutos que cobrirão a minha vergonha quando me aproximar de Deus, no último ocaso, tendo em meu rosto o rubor da vergonha, sim. Mas também o rubor do amor que me deu tantos alunos, tantos alunos. Apesar de minhas misérias e pecados.
Alunos insubstituíveis para o meu juízo particular.
Eles estarão lá, cobrindo meus pecados junto com o sangue do Redentor.
Assim espero.
Alunos que Deus saberá usar, talvez depois, no lugar do professor insuportável, que já terá partido.
Partir...
Todos partiremos um dia.
Isso também é insubstituível.
Um dia. Numa manhã azul. Anseio por uma manhã azul.
Ao sol.
In Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli