Neocatecumenato

Neocatecumenato: Fé sem Razão
PERGUNTA
Nome:
João
Enviada em:
05/06/2005
Local:
Curitiba - PR, Brasil
Escolaridade:
Superior em andamento

Caro Orlando Fedeli,
Antes de tudo agradeço pela sua atenção em ler minha carta, espero que tenha a mesma paciência para me responder. Participo do neocatecumenato há cinco anos e sou filho de catecúmenos, gostaria que você conhecesse um pouco da minha história. Meus pais estão à cerca de 25 anos no caminho, antes de eles fazerem as catequeses iniciais o casamento dos dois estava em crise, um dos fatores que acarretaram essa crise foi a morte do primeiro filho de meus pais com seis meses de vida. A crise no casamento dos dois foi tão violenta que só apoiados no espírito santo o casamento renasceria. Hoje eles continuam casados e também são catequistas no caminho. Eu e meu irmão somos fruto desse caminho neo catecumenao, somos frutos de uma palavra que meus pais receberam nesse mesmo caminho. No caminho e APENAS no caminho eu recebi uma palavra que escandaliza tanta gente, a palavra que me diz que somente amando a minha cruz, essa cruz que tanto me faz sofrer, eu terei a vida eterna (entendo que pela sua formação eu não tenha que lhe explicar o significado de cruz). Essa palavra que me chama a engolir o meu orgulho, meu ódio, o meu rancor, me faz amar aquele que me faz o mal, me faz amar aquele que me odeia, essa palavra que me chama a conversão eu só conheci no caminho neo catecumenao.
Receio que o senhor esteja enganado sobre alguns assuntos relacionados ao caminho neo catecumenao: sobre a eucaristia. Nunca, e insisto, NUNCA se dançou sobre os restos de eucaristia que tenham ficado no chão, como o senhor afirmou, mesmo porque é ensinado nas catequeses iniciais que não se pode derramar nenhum farelo sequer de hóstia no chão (o senhor esta convidado a participar das catequeses iniciais do caminho, para comprovar o que digo); sobre as apostilas, desculpe lhe informar mas a sua fonte esta redondamente enganada sobre esse assunto, as apostilas são unicamente um apoio para as catequeses. A existência das apostilas nunca foi segredo nenhum, como um professor usa um livro para auxiliar no momento da aula, os catequistas usam as apostilas na hora de passar as catequeses. Se fosse um segredo o senhor não saberia da existência delas; E por ultimo, o senhor, ao responder um dos e-mails que lhe foi enviado, afirmou que "a Fé é uma virtude intelectual". Corrija-me se eu estiver errado, na minha comunidade existe um rapaz que tem por volta de uns trinta anos, porém, infelizmente, por motivo de uma doença sua idade mental é de uma criança de sete anos, e contrariando o que o senhor disse, a fé dele é maior que a minha e a sua somadas. Como pode então as Verdades da Fé serem dirigidas à inteligência como o senhor afirma????

Que a Paz de Cristo esteja sempre com seu espírito.
RESPOSTA

Resposta
Prezado Senhor João, a paz de Cristo! (não dos homens)
 
Primeiro peço desculpas pela demora em responder a sua carta. A demora não foi do Professor Orlando, mas minha. Infelizmente nem sempre tenho todo o tempo necessário para atender às respostas, tenho outras obrigações, como trabalho e estudos. Paciência para responder nós temos, e fazemos com gosto, pois responder às cartas permite seguir a ordem de Nosso Senhor “ide e ensinai”, mas o que as vezes nos falta é tempo para atender como gostaríamos.
 
O Sr. afirma que está no Neocatecumenato há cinco anos, é filho de catequistas, que estão no grupo há mais de 25 anos. Sem dúvida é muito tempo. Fico feliz por seus pais terem superado a crise no casamento e lamento a perda de um filho.
 
Porém o fato de seus pais permanecerem casados até hoje, não significa que o Neocatecumenato tenha uma doutrina isenta de erros, e que siga fielmente o que manda a Santa Igreja de Cristo. Muitos grupos protestantes dizem o mesmo, ou algo parecido, para afirmarem que a doutrina deles está correta.  Manter a fidelidade no casamento, e a união até a morte são de direito natural. Confiar em outro, compartilhar e se ajudarem mutuamente nas dificuldades, é obrigação. Deus dá as graças necessárias a todos, mesmo aos não batizados, para cumprirem essas obrigações no casamento.
 
O Sr e seus pais podem estar de boa-fé, mas em sua carta é fácil mostrar que o grupo não segue o que manda a Igreja e não ensina a doutrina católica. O Caminho fez engolir seu orgulho, seu ódio, rancor, e outras coisas, mas não lhe explicaram o que é a Fé.
 
Com relação às apostilas, se elas são unicamente um apoio para as catequeses, porque vocês não publicam para acabar com esse problema? Meus pais também são catequistas, e não me deixam ver as apostilas. Fazemos melhor, o Sr. poderia mandar uma cópia para nós, inclusive daquela que trata sobre as catequeses iniciais. Poderia também mandar as fitas com as catequeses, seriam bem úteis.
 
O Sr. fala que nunca se dançou sobre as partículas da eucaristia. Quem comentou sobre isso não fomos somente nós, mas pessoas do próprio grupo, em cartas enviadas; para confirmar, leia as cartas Neo catecumenato:confissão e Comentando um comentário. O Neocatecumenato não toma o devido cuidado na hora da comunhão, que é feita sentada. Existem riscos de se pisarem na hóstia consagrada, principalmente na páscoa depois da comunhão, no final da vigília, onde no mesmo local, dançam, mostrando a falta de cuidado para se evitar profanações.
 
O Neocatecumenato comunga nas duas espécies, aumentando o risco de profanação, principalmente pela maior facilidade de se deixar cair o sangue de Nosso Senhor. Estando Nosso Senhor, inteiramente em cada uma das duas espécies, e havendo mais riscos de profanações com o Sangue, por que então o Neocatecumenato faz tanta questão em comungar nas duas espécies?
 
A Instrução Redemptionis Sacramentum (que um membro do Neocatecumenato confessa que não respeita, ver Carta: Dúvidas do Mau Caminho), trata sobre a questão da comunhão dizendo que deve ser totalmente excluída a comunhão sob as duas espécies, quando houver risco, mesmo mínimo, de profanação das sagradas espécies. 
 
Com relação a fé, que é uma virtude intelectual, isso é fácil responder. A Igreja Católica quem ensina isso. Nós como católicos seguimos e repetimos.
 
Para confirmar, o Concílio do Vaticano I, n. 15, que ensina sobre a fé:
 
“Uma vez que o homem depende totalmente de Deus como seu criador e Senhor e a razão criada é submetida completamente à verdade incriada, nós somos obrigados quando Deus se revela, a prestar-lhe, com fé, a plena submissão da nossa inteligência e da nossa vontade.”
 
Conforme o Sr. pode observar, a fé exige não somente submissão da inteligência, mas também a vontade, não mencionando nada sobre sentimento, pois a fé não é sentir.
 
O Papa Pio IX, também trata sobre a fé na encíclica Qui Pluribus:
 
“Certamente, para não ser enganada nem errar em assunto de tamanha importância, precisa a razão humana investigar diligentemente o fato da Revelação divina, para se certificar, com toda certeza, de que Deus falou, e assim lhe prestar, como ensina o Apóstolo (cf. Rm 12, 1),“um obséquio racional”. Quem, pois ignora ou pode ignorar que se deva prestar toda a Fé a Deus que fala, e que nada é mais conforme a razão do assentir e firmemente aderir ao que é certo ter sido revelado por Deus, o Qual não pode enganar-se a Si mesmo nem nos enganar?” (A Fé Católica, documentos do Magistério da Igreja - Justo Colante).
 
A Carta Encíclica Fides et Ratio, de João Paulo II, que trata da relação entre a fé e a razão, diz:
 
“Efetivamente, a fé é de algum modo “exercício do pensamento”; a razão do homem não anulada nem humilhada, quando presta assentimento aos conteúdos de fé. É que estes são alcançados por decisão livre e consciente.” (Carta Encíclica Fides et Ratio, do Sumo Pontífice João Paulo II, n. 43)
 
Neste mesmo documento o Papa alerta para os perigos do fideísmo:
 
“Não faltam também perigosas recaídas no fideísmo, que não reconhece a importância do conhecimento racional e do discurso filosófico para a compreensão da fé.” (n. 55)
 
Pela sua pergunta, não estariam lhe ensinando alguma coisa parecida com o fideísmo?
 
Ainda São Tomás de Aquino, (citado no catecismo):
 
“Crer é um ato da inteligência que assente à verdade divina a mando da vontade movida por Deus através da graça.” (S.Th. II-II, 2, 9).
 
Ensina também o Apóstolo:
 
“Assim, pois, sou eu mesmo que pela razão sirvo à lei de Deus e pela carne a lei do pecado.” (Rm 7, 24).
 
Para não se alegar que poucas pessoas conhecem, ou tem acesso a esses documentos, por serem difíceis de ler e compreender, a Igreja ensina sobre a fé no catecismo, em suas primeiras páginas:
 
“Crer só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo. Mas não é menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não contraria nem a liberdade nem a inteligência do homem confiar em Deus e aderir às verdades por Ele reveladas.”  (Catecismo da Igreja Católica, edição típica vaticana, n. 154).
 
O Papa São Pio X, quando determinou que fosse feito o juramento antimodernista também ensina:
 
“Quinto: sustento com plena certeza e sinceramente professo que a Fé não é um cego sentimento (sensum) religioso que emerge da obscuridade do subconsciente (subconscientiae), por impulso do coração e inclinação da vontade moralmente formada, mas que é verdadeira adesão (assensum) da inteligência à verdade recebida de fora, pela pregação (ex auditu), pela qual cremos ser verdadeiro tudo o que foi dito, atestado e revelado pelo Deus pessoal, Criador e Senhor nosso, e o cremos por causa da Autoridade de Deus soberanamente veraz.” (DZ. 3542) (grifo e negrito meu)
 
Estranho é o Sr. estar a cinco anos no Neocatecumenato, ser filho de catequistas e não saber que fé é uma virtude intelectual? O que lhe ensinaram durante esse tempo? E mais, seus pais como catequistas o que eles estão ensinando? Catequistas devem ensinar o catecismo da Igreja Católica.
 
Ainda o fato de uma pessoa ter muita ou pouca inteligência, não nega o fato de que se deve fazer é aderir com a inteligência às verdades reveladas. Pode ser grande a inteligência, como de São Tomás, ou mais modesta, como a de São João Maria Vianey, porém, ambos santos. O que se deve fazer é aderir com a inteligência.
 
O Sr. cita como argumento uma pessoa com idade mental de uma criança de sete anos, e acrescenta contra nós, “a fé dele é maior que a minha e a sua somadas”. Não foi dito por nós, que esse rapaz tem ou não fé, pois nem o conhecemos. E o Sr., como conhece que a fé desse rapaz é maior que a minha? Como faz uma afirmação dessas? Espero que realmente seja, mas não dá para saber assim, principalmente quando nem se conhece o que é fé. O que afirmamos sobre a fé, quem ensina é a Igreja Católica.
 
A sua pergunta sobre a fé, prova que não lhe ensinaram o catecismo. A Igreja sempre se preocupou em ensinar, o Papa São Pio X, no catecismo maior, citando o Papa Bento XIV, esclarece a razão dessa preocupação:
 
“Por isso, Nosso predecessor Bento XIV escreveu justamente: Afirmamos que a maior parte dos condenados às penas eternas padecem sua perpétua desgraça por ignorar os mistérios da fé, que necessariamente se devem saber e crer para alguém se conte entre os eleitos.(Instit. 27, 18).”
 
No mesmo catecismo São Pio X, n. 4, diz:
 
“Mais, ao mesmo tempo, manda-nos reverenciar a Deus por obrigação de fé, que se refere a razão;...”
 
São Pio X, quando condenou o modernismo, disse:
 
“Além disso, já não meneiam o machado sobre as ramagens e os brotos, mas sobre as raízes mesmas, isto é, a fé suas fibras vitais”. (Pascendi Dominici Gregis, 4)
 
Conforme a sua dúvida, no Neocatecumenato não só não lhe ensinaram o que é a fé, como “explicaram” como sendo algo diverso do ensinado pela Santa Igreja, prática, que se assemelha à técnica dos modernistas, pois é o modernismo quem mantém toda terminologia católica modificando o sentido.
 
Sua carta foi muito útil, não é a primeira pessoa do Neocatecumenato que faz perguntas, ou afirmações sobre questões da Igreja que estão claras no Catecismo e em outros documentos, mas que infelizmente vocês não conhecem.
 
Despeço-me.
No Imaculado Coração de Maria.
 
Eduardo Martins de Souza.