História
Cesaropapismo
PERGUNTA
Gosto muito de estudar, ler e entender a história da Igreja, acho linda e edificante, além de fortalecer o nosso espírito na verdadeira fé. Entretanto, estou com uma dúvida pungente.
Estava lendo sobre o cesaropapismo, e como o estado romano interferia na Igreja, nas normas, no cânon... e gostaria de saber se os imperadores não poderiam ter alterado a Doutrina, colocando crenças falsas, ou mentirosas na Igreja. Até poder de deportar e excluir os postos do papa e dos patriarcas eles tinham (vários patriarcas e papas foram depostos.)
Gostaria de saber também se a cadeia que une o papa a São Pedro não pode ter sido quebrada, e a sucessão apostólica anulada pelo cesaropapismo.
São dúvidas que quem estuda e tenta entender, pode obter, mas que uma resposta devida dada pelos irmãos mais esclarecidos na fé, pode esclarecer e não dar margem ao erro.
Agradeço a resposta.
Paz e bem.
RESPOSTA
A história da Igreja é realmente fascinante e prova que ela é de instituição divina. Afinal, os maus tentam destruí-la há dois mil anos, nunca conseguiram e nem conseguirão.
Por cesaropapismo, entende-se a tentativa por parte do Estado de usurpar as funções da Igreja, pretendendo sua subordinação. A questão é sempre mal explorada pelos protestantes, que nunca conseguem provar suas teses.
Nós temos a garantia dada por Cristo de que a as portas do inferno não prevalecerão sobre a Igreja.
Por mais que tenha havido ingerência indevida dos imperadores sobre as funções da Igreja, sabemos que as decisões do papa, desde que atendidas as condições do Concílio de Vaticano I, sempre foram infalíveis.
A cadeia que une Pedro a Bento XVI nunca foi quebrada nem quando houve o “Grande Cisma do Ocidente”. Tampouco a sucessão apostólica sofreu interrupção.
O problema começou com Constantino e o famoso Concílio de Nicéia. O imperador convocou o concílio e teria influenciado as decisões, o que colocaria em dúvida o valor dos dogmas.
Porém, se é verdade que o imperador convocou o concílio, foi com a anuência do papa S. Silvestre e foi o papa e não o imperador quem indicou para presidirem o concílio, Osio, bispo de Córdova, e Vito e Vicente, presbíteros romanos (conforme o padre Leonel Franca, no livro "Catolicismo e Protestantismo").
Veja que interessante este trecho da carta do bispo Ósio de Córdoba ao imperador Constantino (importante reforçar que quando a escreveu ele estava em Milão, para onde foi conduzido e preso pelo mesmo imperador):
“Recorda-te que és mortal. Teme o dia do juízo e conserva-te puro para ele. A ti Deus deu o Império; a nós confiou a Igreja. E assim como o que te roubasse o Império se oporia a ordem divina, do mesmo modo guarda-te de incorrer no horrendo crime de intrometer-se no que toca a Igreja...” (conf. Llorca, Bernardino. Historia de la Iglesia Catolica, tomo I. Madri, BAC, 2001, pág. 413).
Desta forma, o valor e a forma dos dogmas não foram violados.
Infelizmente, ao longo da história, houve várias tentativas de influenciar a Igreja por parte dos imperadores. Porém, o fato de papas e bispos terem sido presos e deportados só comprova que não houve concessão doutrinária, que resistiram, mesmo sob ameaça e risco de morte.
Um outro caso famoso foi o da “querela das investiduras” que terminou com a excomunhão do imperador Henrique IV pelo papa S. Gregório VII.
Nem sempre as ingerências foram negativas. Às vezes, a Providência se utiliza de caminhos tortuosos para fazer o bem. O Imperador da Áustria, Francisco José, por meio do bispo de Cracóvia, vetou a eleição do cardeal Rampolla (na sucessão de Leão XIII), em seu lugar, foi eleito S. Pio X.
Uma pergunta que poderia ficar é quanto a validade dos sacramentos (e das eleições papais) quando submetidos a imposições indevidas.
No rito e na execução de qualquer sacramento existe a parte cerimonial e a parte essencial, a matéria e a forma. Se eles são atendidos, os sacramentos são válidos.
Há a condição implícita, a da “intenção”. Segundo Tomás de Aquino (Summa Theologica, III, LXIV. A.8), significa que a ação de um ministro no sacramento deve estar dirigida para a produção deste sacramento; este requisito é cumprido quando ele profere as palavras que exprimem a intenção da Igreja. Segundo o Concílio de Trento (sessão VII, cânon 11), o requisito mínimo é que o ministro "queira fazer o que faz a Igreja".
Mas, não se exige que esta intenção seja reta (III,LXIV. a.10) nem se exige a fé do ministro (III,LXIV. A. 9). Porém, quando o ministro queira agir por burla, o sacramento não é válido (III,LXIV. A.10, rep.).
Desta forma, mesmo sob pressão, mesmo sob os maus, se atendidas as condições supra-citadas, todos os sacramentos são válidos, quer realizados pelos papas quer pelos bispos quer pelos padres. Não é difícil estender a mesma lógica para decisões, nomeações, eleições etc.
Pode-se se discutir a conveniência ou licitude deles, mas isto é outra questão que sempre ocorreu e ocorre na Igreja com ou sem cesaropapismo.
Tudo isto nos faz contemplar a sabedoria Divina que, por meio dos impiedosos, mantém a sucessão apostólica. Como esta é uma “traditio”, uma “entrega”, isto significa que mesmo os maus passam o bem da sucessão apostólica para as gerações futuras.
Os ímpios vão e vem, a Igreja permanece.
Marcelo Andrade